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Brasil inicia cultivo de trufas, iguarias raras e preciosas

Mudas de castanheiras e nogueiras inoculadas com esporos de espécie brasileira são


cultivadas no Sul e na Serra da Mantiqueira

Por Emília Zampieri — Para o Valor, de Vinhedo (SP)


21/06/2023 05h02  Atualizado há 2 semanas
O biólogo Marcelo Sulzbacher, que encontrou as primeiras trufas brasileiras — Foto: Divulgação

Nesta terra, em se plantando, tudo dá? O biólogo gaúcho Marcelo Sulzbacher aposta que sim.
Ele é pioneiro no país no plantio de mudas de nogueiras e castanheiras inoculadas com
esporos de trufa, a iguaria que chega a custar R$ 22 o grama - e espera, dentro de cinco ou
seis anos, obter uma produção consistente do fungo.

Será a consagração de um trabalho que começou em 2016, quando o próprio Sulzbacher,


doutor em biologia de fungos, encontrou as primeiras trufas brasileiras em Cachoeira do Sul
(RS) no pomar de nozes-pecã da empresa Paralelo30.

De lá pra cá, o pesquisador mergulhou nos estudos para entender o ciclo de crescimento das
trufas em clima tropical. O objetivo inicial era aprimorar o manejo do pomar de Cachoeira do
Sul, para que o nascimento das trufas nas raízes fosse estimulado. Alcançado esse objetivo,
surgiu o plano mais ousado de cultivá-las a partir de mudas previamente inoculadas.
Cultivo de trufas é investimento de longo prazo que pode ser aprimorado — Foto: Divulgação

“Apesar do manejo estar avançado em outros países, como Austrália, Chile e Estados Unidos,
não havia como trazermos uma ‘receita’ ao Brasil, pois o clima é completamente diferente, o
solo tem suas características próprias. Foi necessária uma apuração inédita de dados para
então adaptarmos as técnicas”, relata, em entrevista por video.

Aprimorar o manejo rendeu frutos, ou melhor, fungos. No último ciclo produtivo, cuja colheita foi
realizada em março, o pomar da Paralelo30 rendeu 30 quilos da trufa brasileira Sapucay, uma
espécie derivada da linhagem americana. “Conseguimos não só mais unidades, mas trufas
maiores e mais aromáticas. Inicialmente, achávamos unidades de 5 gramas. Hoje, tivemos
exemplares de 60 gramas e 80 gramas”, afirma.
Segundo ele, o Brasil tem regiões bastante propícias ao cultivo das trufas, como as Serras
Gaúchas, Serra Catarinense e Serra da Mantiqueira. “A expectativa é grande. Planejamos criar
pomares nesses locais, a partir das mudas inoculadas com os esporos”, afirma, acrescentando
que se trata de um investimento a longo prazo e que pode ser aprimorado.

Na região de Morungaba, no interior paulista, o engenheiro Fernando Heer já investe no plantio


de uma floresta com 400 pés de nogueiras-pecã inoculadas com esporos de trufas, sob
consultoria e acompanhamento de Sulzbacher.

As mudas chegaram com cerca de 50 centímetros de altura em dezembro e já dobraram de


tamanho. “Acredita-se que, dependendo de como evoluir a plantação, elas começarão a dar
retorno em cinco a dez anos”, comenta Heer.

Outro que reforça o time de entusiastas das trufas é Rodrigo Veraldi, agrônomo que tem uma
propriedade e restaurante em São Bento do Sapucaí (SP), também na Serra da Mantiqueira.
Em 2021, ele e uma ajudante foram “à caça” das trufas no seu sítio e, no primeiro dia de
buscas já foram contemplados com descobertas. De lá pra cá, continua encontrando unidades
no verão.

A espécie encontrada por Veraldi, no entanto, é diferente da que ocorre no Sul. Em São Paulo,
foram encontradas versões da espécie Tuber borchii, conhecida na Itália como Bianchetto, por
ser mais clara do que as demais.

“Colhemos uma quantidade simbólica e servimos em nosso restaurante. Os clientes adoraram,


o que nos motivou a pensar em cultivá-las”, conta ele entrevista por vídeo. “Estamos estudando
qual espécie de árvore deve ter melhor adaptação à região para dar início a um pequeno
pomar local”, diz. Carvalheiras e pinheiros estão entre as opções, segundo Veraldi.
Além das trufas Sapucay, encontrada em Cachoeira do Sul, e da Bianchetto, vista pela primeira
vez em São Bento do Sapucaí, SP, já foi achada no Brasil mais uma variedade de trufa, na
cidade de Monte Verde (MG).

No momento, as unidades encontradas, batizadas de Maniba, estão sendo avaliadas em um


laboratório de análises taxonômicas nos EUA para confirmar à qual espécie pertencem ou
derivam.

O achado foi um feito do produtor de orgânicos Thiago van den Hoek Comenale, em seu
pomar de carvalhos, aveleiras e nogueiras, em Monte Verde. Acreditando no potencial
produtivo da região, Comenale já faz apostas a longo prazo. Com consultoria de Sulzbacher,
ele deu início, neste ano, a um pomar de carvalhos, aveleiras e nogueiras, todas inoculadas
com esporos de trufa.

Toda a expectativa em torno das descobertas e cultivo iminente tem uma explicação. As trufas
são fungos raros, de difícil manejo e grande valor no mercado gastronômico. À primeira vista,
parecem apenas bolotas de terra ou batatas encaroçadas que crescem junto às raízes de
algumas árvores, mas seu sabor e o aroma são apreciados ao redor de todo o mundo.

Até pouco tempo atrás, acreditava-se que as trufas só cresciam de maneira espontânea, em
raízes de árvores como nogueiras, carvalhos, castanheiras e aveleiras. Até então, elas eram
encontradas apenas em determinadas regiões da França e Itália.

Mas mesmo com o desenvolvimento de formas de cultivo, a prática não é simples e a iguaria
está muito longe de se popularizar. Continua rara e cara - as trufas nacionais estão sendo
comercializadas por cerca de R$ 8 o grama, enquanto as importadas chegam a custar até R$
22 o grama.
Atuando há nove anos nesse nicho da gastronomia, Mônica Claro, dona da tartuferia San
Paolo, importa da Itália trufas frescas e em conserva, para utilização nas receitas e
desenvolvimento de novos produtos. Ela acredita que há mercado para inserção das trufas
brasileiras na gastronomia nacional.

“Assim como no vinho, o terroir influencia no sabor e aroma das trufas. Assim, temos
características únicas nas trufas brasileiras, e que estão sendo muito bem recebidas”, afirma.

Atualmente, lâminas da Sapucay já integram pratos do restaurante. “Mas a expectativa é que,


com o crescimento da produção nacional, a trufas brasileiras também contemplem a produção
de conservas, azeites, requeijão de corte, goiabada gourmet e até mesmo recheio premium
para pão de queijo”, diz Mônica.

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