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Como gerar um senso real de pertencimento no

trabalho
O colunista Marcelo Cardoso fala sobre a importância de as empresas serem mais
acolhedoras e estarem dispostas a estimular a evolução dos profissionais

Por Marcelo Cardoso


27/02/2023 05h01  Atualizado há uma semana

Quando, durante a pandemia, as fronteiras entre vida pessoal e profissional colapsaram, o


tema do pertencimento no trabalho tornou-se um dos mais importantes da gestão
organizacional. Antes da covid-19, estávamos em um contexto com certa estabilidade, no
qual a maioria das pessoas possuía rituais diários, com configurações que delimitavam o
trabalho dos outros papéis da vida. De alguma forma, essa previsibilidade acomodava algumas
questões que já eram importantes, mas que estavam ocultas na normalidade dos rituais.
Porém, a pandemia modificou completamente os rituais que mantinham cada coisa em seu
lugar.

No momento em que esses rituais deixaram de existir e as fronteiras se tornaram tênues, o


sentido de pertencimento passou por um abalo sem precedentes, e ainda não conseguimos
compreender sua extensão no longo prazo.

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Os gestores têm se perguntado, agora, qual a implicação deste novo momento para a
evolução da cultura das organizações e a experiência de pertencimento dos funcionários, tão
necessária para a nova realidade.

Mas o que é pertencimento? Convido os leitores a deixar de lado a noção que vêm sendo
difundida de forma superficial por algumas pesquisas e a banalidade da proposta de valor
oferecida pela empresa, o chamado Employee Value Proposition (EVP), que empresta do
marketing de consumo um modelo que não faz nenhum sentido para o nosso tema.

Segundo Marcelo Cardoso, buscar coerência e diversidade cultural, e ajudar os funcionários a lidar com as tensões e a ansiedade são
alguns pontos importantes para gerar pertencimento — Foto: Freepik
A experiência de pertencer é subjetiva, complexa, e acontece simultaneamente em múltiplos
sistemas dos quais fazemos parte. Tem como ponto de partida a memória impressa em
cada um de nós, a partir da experiência arraigada de pertencimento que vivemos nos
primeiros anos da infância.

Na definição de Bonnie M. Hagerty, professora da Universidade de Michigan, o sentido de


pertencimento consiste no sentimento, crença e expectativa formadas por meio das
experiências de “ser valorizado, necessário ou importante” e “a sensação de ter um lugar e
congruência”.

Nossa experiência de ser valorizado e ter um espaço é construída muito cedo, em nossa
infância. Cada um de nós tem um registro das experiências que nos marcaram
profundamente, gerando um padrão de comportamento que precisamos repetir para nos
sentirmos aceitos - aquilo que chamamos, normalmente, de script de personalidade.

A questão importante é que em nossa vida, relacionamentos afetivos, amizades e relação com
o trabalho somos testados por experiências que reforçam ou contrariam nosso script.

A maturidade emocional passa, então, a ser fundamental para não projetarmos no trabalho e


nas pessoas com quem trabalhamos expectativas irreais de aceitação e
reconhecimento que ficaram para trás na nossa infância. E essas projeções e transferências
são mais comuns do que imaginamos.

Como organizações, ainda temos um longo caminho pela frente, mas já existem boas pistas
surgindo. Recentemente, Sonja Blignaut, fundadora da consultoria More Beyond, encontrou
alguns padrões em uma sondagem sobre o tema e oferece algumas sugestões.

A primeira é que precisamos mudar o foco, sair da busca por alinhamento e ajuste cultural para
buscarmos coerência e diversidade cultural.

A segunda é que novas e diferentes fronteiras são necessárias para criar contenção que ajude
os colaboradores a navegar nas tensões e a lidar com a ansiedade da perda de controle.
Essas novas fronteiras devem ser “estruturas libertadoras” que substituem os processos e
políticas tradicionais de governança, construídas com suporte tecnológico.
É necessário, ainda, buscar coerência entre o “sistema que está na mente e coração das
pessoas” e os novos espaços de trabalho. Os lugares físicos e digitais precisam manter a
conexão entre os vários subsistemas e o todo maior, a serviço de um propósito. Os ambientes
físicos e virtuais deveriam ser desenhados para criar nas pessoas uma experiência de justiça,
cuidado e pertencimento.

A forma como o trabalho e o seu significado vão evoluir ainda é incerta, no entanto,
o sentimento de pertencimento é intrínseco à experiência humana. Que nós,
como líderes, possamos abraçar as incertezas e termos coragem de propor novos espaços
que acolham, estimulem e despertem o potencial evolutivo das pessoas e organizações.

Marcelo Cardoso é fundador da consultoria Chie e presidente do Instituto Integral Brasil

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