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Português Instrumental I

Estudante: Jarleson Matheus Rabelo de Lima

Crítica: Rea(L)ove da Netflix, o maior segredo é a misoginia

Cruel, bizarro e constrangedor. Esses são alguns dos adjetivos que podem ser usados
para descrever Rea(L)ove, reality show japonês lançado em 2018 pela Netflix. O programa,
que se passa em uma praia paradisíaca de Okinawa, a Fernando de Noronha do Japão, tem
como principal objetivo juntar 18 pessoas solteiras, de idades entre 20 e 40 anos, que estejam
em busca de um novo relacionamento. Para isso, a atração recorre à já conhecida fórmula de
outros “realities” de namoro: incentivar, quase de maneira forçada, a interação e os conflitos
entre os participantes. No entanto, Rea(L)ove conta com uma carta na manga: todos os
competidores possuem um segredo obscuro que mais cedo ou mais tarde virá à tona.

Desde adultério, dívidas milionárias, estrelas pornô e até vício em sexo, Rea(L)ove
sustenta grande parte de seu entretenimento e narrativa na sagacidade humana por descobrir
segredos, principalmente se eles forem (supostamente) tão instigantes. É óbvio que o
espectador vai se sentir tentado a continuar vendo os episódios se, ao sinal de qualquer
momento ocioso, um participante é obrigado a abrir o envelope que revela algo íntimo de seu
passado, na frente de todo mundo, alterando assim seu círculo social no programa e, quem
sabe, fora dele. Esse artifício é usado, a propósito, como técnica ineficiente para mascarar o
maior dos muitos problemas da atração: em meio a piadas toscas, a misoginia se mostra
integrante regular do elenco.

Não é difícil perceber que nos ditos “reality de pegação” as mulheres são alvo de uma
enxurrada de estereótipos e estigmas atrelados ao modo como se relacionam com suas
sexualidades. Basta vermos cenas das múltiplas versões de “De Férias Com o Ex” ou do
lendário Jersey Shore para verificarmos que o machismo é reproduzido de diversas formas,
muitas delas veladas. Em Rea(L)ove, contudo, não existe sutileza. Desde o primeiro momento
as mulheres são marcadas como objetos, alvos a serem atingidos, a começar pela formação do
quadro de participantes: 11 homens e 8 mulheres. Mesmo que os Hosts anunciem de maneira
nada crível a desistência repentina de outros competidores, fica claro que o intuito da
dinâmica é transformar as interações em uma disputa de ego masculino onde conquistar a
atenção feminina é o prêmio final.
Aliás, o apresentador, Atsushi Tamura, é outra parte nada agradável do programa, mas
que de certa forma se encaixa no controverso mundo megalomaníaco construído em frente às
câmeras. Conhecido por usar piadas machistas em seu repertório, o comediante faz questão de
tecer comentários indesejáveis a todo instante sem poupar nem mesmo a companheira de
apresentação, Mari Yaguchi, ex-integrante do famoso grupo Morning Musume. Em dado
momento, Tamura chega a pontuar em tom de escárnio que o segredo de uma das garotas seria
ter sofrido assédio do chefe. Totalmente nojento.

Apesar disso, é injusto dizer que Rea(L)ove pode ser entendido como reflexo da
sociedade japonesa no que diz respeito à misoginia. Reality shows são comumente produzidos
e roteirizados ao extremo visando não só fisgar o espectador, mas também torná-lo fiel às
narrativas criadas pelos realizadores do projeto em questão. Nesse caso não parece ser
diferente. O intuito é entreter. Mas, a que custo? Cabe a reflexão.

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