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Homens, e agora?

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Como surgem os novos machistas?


Apesar de discursos cada vez mais contrários a hábitos
machistas, grupos que atacam mulheres ou qualquer tipo de
representatividade vêm se proliferando

Leonardo Neiva
07 de Maio de 2023

@GAMAREVISTA / BRASIL / COMPORTAMENTO / FEMINISMO / SOCIEDADE

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R E P ORTAG E M

Como surgem os novos


machistas?
Leonardo Neiva
07 de Maio de 2023

@GAMAREVISTA / BRASIL / COMPORTAMENTO / FEMINISMO / SOCIEDADE

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Apesar de discursos cada vez mais contrários a hábitos


machistas, grupos que atacam mulheres ou qualquer tipo de
representatividade vêm se proliferando

“Eu tomando meu Campari, a mina tomando uma breja…” É possível que você
tenha ouvido essa frase em algum lugar nos últimos tempos. O trecho da
entrevista com Thiago Schutz que viralizou em fevereiro fez com que muita
gente entrasse em contato pela primeira vez com termos como “red pill” e
“coach de masculinidade”. Na conversa, Schutz, conhecido na internet como o
calvo do Campari, defendeu que o convite para abandonar sua bebida e tomar
cerveja com uma mulher pode ser uma forma de testar sua masculinidade. “A
mulher tem muito dessa coisa de tentar moldar o cara, tentar colocar o cara
debaixo dela”, reforçou o coach.
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MAIS SOBRE O ASSUNTO


A vingança dos nerds contra as mulheres
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Mas, para além da polêmica em torno dessa �gura antes pouco conhecida, nem o
movimento “red pill” nem coaches como Schutz ou os pensamentos machistas
que ele externa em seus vídeos são novidade. Os adeptos do “red pill”, em
especial, estão por aí há pelo menos uma década.

Baseado na pílula vermelha que o personagem Neo, do �lme “Matrix” (1999)


toma para enxergar a realidade que o cerca, o movimento distorce o conceito
apresentado no longa para se referir a um mundo que supostamente favorece
as mulheres em detrimento dos homens. Portanto, a pessoa pode optar por
tomar a pílula vermelha e lutar contra isso ou ingerir o medicamento azul e
continuar alegremente no escuro.

Toda essa história de Schutz e do Campari acendeu um alerta vermelho para o


publicitário, escritor e in�uenciador Beto Bigatti, 48. Isso porque ele descobriu
que o �lho caçula, de dez anos, não só conhecia o “red pill” como já tinha
assistido a vários vídeos de autoproclamados coaches de masculinidade.
“Quando isso surgiu, a gente começou a conversar e debater, e aí entendi o
quanto ele já tinha sido exposto a esse tipo de conteúdo”, conta.

Autor do livro “Pai Mala”, onde fala sobre as transformações da paternidade


contemporânea, o escritor adota com os �lhos uma abordagem de não rejeitar
nada de primeira. Em vez disso, assistiu a alguns vídeos de coaches ao lado do
caçula, apontando os absurdos no que diziam, como falas e propostas
profundamente machistas. “Chamar para a realidade é fundamental. Isso nasce
do diálogo e vai sendo construído com o tempo”, declara Bigatti. “Por sorte, ele
não tinha aceitado tudo que ouviu, mas é fundamental os pais estarem ao lado
para reforçar o que está certo e corrigir os erros.”

De acordo com a pesquisadora e cientista política Camila Rocha, esse contato


com palestras e cursos sobre masculinidade é uma das principais maneiras de
que movimentos machistas lançam mão para atingir os jovens. “Vários
in�uencers prometem ensinar adolescentes homens a ter mais autoestima X

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ou como se comportar com mulheres”, a�rma Rocha, autora do livro “Menos


Marx, Mais Mises” (Todavia, 2021), sobre a nova direita brasileira. “Esse tema
acaba atraindo muitos jovens que têm questões com autoestima ou até
sintomas de ansiedade e depressão.” Como alguns acabam gostando do
conteúdo começam a adentrar grupos e comunidades que tratam do assunto, se
aprofundando nesse tipo de visão.

Além de sua presença na própria estrutura da sociedade, essa é uma das vias
pelas quais o machismo e a misoginia conseguem permanecer relevantes dentro
do debate social, apesar de avanços na conscientização sobre a desigualdade de
gênero e de como ela afeta a todos nós. Segundo a pesquisadora, esses
pensamentos são ativamente incentivados por movimentos de direita, que usam
a ideologia como arma. “O masculinismo [a defesa dos direitos dos homens] é
um vetor ideológico fundamental para a formação da extrema direita. Não é só
uma reação a algo, e sim a proposta para uma sociedade neopatriarcal.”

Os escolhidos
O quarto �lme da franquia “John Wick” mal chegou aos cinemas e já mobilizou
uma comunidade de fãs fervorosos. O herói interpretado por Keanu Reeves, que
mais uma vez abre caminho a bala entre centenas de assassinos ferozes, é só o
último personagem a virar símbolo do movimento masculinista, em virtude de
sua persona calada, blasé e violenta — para muitos, uma postura que deve ser
almejada. “Se você quiser fazer um �lme ou série, faça de tudo pra agradar o
público, e nunca uma minoria que acha que é a dona do mundo”, diz uma
imagem que enaltece o longa e vem sendo compartilhada nas redes sociais,
encimada pelo slogan “quem lacra não lucra”.

A pesquisadora de jogos digitais e cultura pop Beatriz Blanco acha engraçado


que, dentre as possibilidades, “John Wick 4: Baba Yaga” (2023) tenha deixado
essa imagem para tanta gente. “É um �lme extremamente irônico, uma paródia.
Não faz sentido colocar como reforço da masculinidade porque ele é quase camp
ou até queer“, considera. Mas aponta que se trata de uma atitude comum entre as
comunidades conservadoras buscar bandeiras dentro de produtos culturais
populares.

Aconteceu coisa parecida com o lançamento de “Top Gun: Maverick” (2022), que X

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reforça ideais bélicos e de masculinidade constantemente abraçados por essa


parcela do público. “Eles precisam da manutenção dessa ideia de guerra
cultural porque se organizam em torno disso. Esses produtos são vistos como
uma forma de escolher lados dentro de um suposto con�ito”, diz Blanco.

O próprio “Matrix”, que deu nome aos “red pills”, foi escolhido como símbolo
máximo do movimento por um motivo: sua mensagem antissistema. “A �gura do
escolhido tem muito apelo, um herói único com o poder de desestabilizar a
maneira como as coisas funcionam. Por mais que tenham ideias
conservadoras, o grande pulo do gato dos grupos masculinistas foi se vender
como se fossem antissistema”, aponta a pesquisadora. Dentro dessa lógica
especí�ca, os homens estariam sendo oprimidos por discursos como o da
inclusão de minorias, e simplesmente reagindo a essa perda de espaço

Afinidades eletivas
Um dos fatores que atraem e mantêm homens cada vez mais engajados nesse
tipo de comunidade é a sensação de acolhimento emocional que elas oferecem,
aponta a cientista política Camila Rocha. Como os homens tendem a cuidar
menos de si mesmos e de sua saúde mental, raramente buscando ajuda
psicológica, a entrada num grupo masculinista pode trazer de volta a
autoestima, já que ele reforça qualidades geralmente associadas aos homens,
como força, coragem, autonomia emocional e dominação.

Rocha explica que cursos voltados para o tema já existem há muito tempo, a
maioria deles sem uma linha política explícita. E vale lembrar que, além das
motivações ideológicas, trata-se de um mercado em que o lucro é praticamente
garantido. “Quando essas pessoas percebem que existe demanda, homens
emocionalmente fragilizados dispostos a pagar pelo serviço, elas passam a
oferecer cursos de todo tipo.”

Hoje, comunidades de nerds e gamers também costumam ser associadas a


práticas machistas, como atacar mulheres nas redes sociais e boicotar
produções com temática feminina ou encabeçadas por mulheres. Para a
cientista política, é impossível generalizar, até porque esses grupos vêm em
constante transformação, com participação cada vez maior de mulheres. Ainda
assim, na visão dela, o fato de serem pessoas que tendem a passar mais tempo X

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dentro de casa, com parte da socialização mediada por plataformas online, pode
contribuir para o problema. “À medida que não existe interação presencial, uma
série de fatores acaba criando essa a�nidade eletiva.”

Historicamente voltados a um público-alvo masculino, produtos culturais


como �lmes, séries e games também serviram de in�uência para essas
pessoas desde cedo, segundo Blanco. “Os games são vinculados à ideia de que
os mais fortes sobrevivem, uma visão meio meritocrática. Muitos enxergam
esses jogos e fóruns como lugares em que as questões do mundo real não
chegam, onde homens podem ser homens”, a�rma a pesquisadora.

Blanco considera que o poder e alcance desses grupos machistas na cultura pop
hoje é superestimado. Se eles conseguem derrubar a nota de um �lme ou jogo
que não aprovam num site como o IMDB, é só porque se organizam bem para
isso, enquanto a questão pouco importa para o consumidor médio, apesar de
este estar em maior número. Ainda assim, segue sendo preocupante que essas
comunidades tenham práticas tão organizadas e coordenadas, admite a
especialista.

Cabo de guerra
Criador do coletivo Ressigni�cando Masculinidades, o terapeuta Fábio Sousa
considera que hoje as principais salas de aula de hábitos machistas e
misóginos, tanto para homens quanto mulheres, são o ambiente familiar e a
relação com os amigos. “Pai e mãe desde cedo vão direcionando esse olhar,
que está muito permeado na nossa cultura. Ensinam o afeto que pode e o que
não pode dar, que homem não chora”, aponta. Nos encontros online que o
terapeuta promove periodicamente, a maioria busca ajuda depois de passar por
di�culdades no relacionamento amoroso ou numa relação familiar.

No entanto, o poder da mentalidade de grupo para fortalecer pensamentos


machistas é tão forte, diz Sousa, que, quando os homens começam a mudar sua
maneira de pensar, passam a se sentir mais e mais alheios a essas comunidades
e cada vez mais solitários. “Eles não conseguem essa validação porque o grupo é
um lugar de manutenção desse poder da masculinidade. Se um elemento
questiona, di�cilmente vai ser acolhido. Em vez disso, acaba sendo hostilizado e
humilhado”, a�rma. Por isso, o coletivo que coordena vem virando um lugar de X

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encontros e formação de vínculos, diz Sousa, já que ali os integrantes partem de


lugares e metas em comum.

Para o escritor e pai Beto Bigatti, embora a criação masculina esteja passando
por transformações, dois movimentos correm em paralelo: o de criar �lhos
menos machistas e o que busca perpetuar estereótipos relacionados ao homem,
num lugar de provedor da casa, sem poder demonstrar seus sentimentos nem
suas dores. “São duas forças lutando umas contra as outras, num desgaste
desnecessário”, a�rma. “Se tivéssemos menos machistas no mundo, teríamos
mais pais participativos e menos �lhos contra pautas feministas ou que se
tornem presas fáceis de movimentos como o ‘red pill'”.

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