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Página Textos da Reforma

Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus, Soli Deo Gloria
http://www.geocities.com/Athens/Bridge/3039
Responsável: Dawson Campos de Lima
E-mail: dawson@samnet.com.br

UM NOVO MODISMO EVANGÉLICO?


Ricardo Gondim

Eu estava num culto em que um pastor alardeou que obturações


de ouro seriam dadas por Deus. Em instantes, as pessoas passaram
a examinar umas às outras e, pasmas, choravam afirmando que
muitos dentes haviam sido divinamente restaurados. Presenciei um
evangelista norte-americano soprando – pretensamente como Jesus
fez em seu ministério – e as pessoas sendo jogadas ao chão.
Assustei-me com a trivialidade com que alguns pastores relataram
seus encontros com anjos. Estupefato, ouvi um novo modo de orar
dos evangélicos: as preces agora vinham entrecortadas com ordens
exorcizando demônios. Inquietei-me com uma geração de
evangélicos amedrontados com maldições e pragas. Imperativos que
“amarravam” demônios deixaram-me desassossegado.
A igreja evangélica brasileira é muito frágil teologicamente.
Por isso sofre os mais diversos modismos. Lembro-me que, em um
congresso para líderes, fui desafiado a falar sobre qual seria a
próxima moda que varreria a igreja nacional. Recordo-me que
comecei minha palestra afirmando que, em primeiro lugar, seria
necessário entender como as forças do mercado agem na elaboração
teológica. Assim, qualquer movimento vindo do exterior e que
tenha sido bem sucedido lá será copiado aqui. As lideranças
evangélicas querem achar o método que alavancará suas
comunidades. Se uma determinada estratégia mostra-se eficaz no
exterior, aqui dificilmente se questionará a teologia que a
alicerça. Em segundo lugar, o brasileiro é culturalmente
místico. Tendemos a aceitar acriticamente propostas teológicas
que promovam experiências sobrenaturais. O brasileiro sente
fascínio pelo mistério e pela magia. Afirmei também, que
copiando o mundo pós-moderno a igreja busca estratégias de
resultados imediatos.
Acredito que os modismos não podem ser detectados com
antecedência. Mas qualquer que seja a próxima onda, a igreja
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precisa estabelecer alguns princípios. Eles ajudarão para que


não se embarque em novidades sem discernimento crítico.

A Teologia da Cruz
Preocupado com possíveis acréscimos à cruz, Paulo escreveu aos
gálatas. Os fariseus convertidos queriam que, além da doutrina
da redenção, se acrescentassem alguns preceitos essenciais ao
judaísmo, como a circuncisão. Sua carta procura enaltecer a
suficiência do sacrifício de Cristo. Ele acredita que qualquer
acréscimo à expiação de Cristo não apenas enfraquece as bases do
Cristianismo, como as anula: “Eu, porém, irmãos, se ainda prego
a circuncisão, por que continuo sendo perseguido? Logo está
desfeito o escândalo da cruz” (Gl 5.11).
Não seriam os movimentos de “cura interior” que se alastram
nas igrejas evangélicas um enfraquecimento da doutrina do novo
nascimento? Recebi de um leitor do Ultimato um formulário de
quatorze páginas para um seminário de cura interior ministrado
em várias igrejas no Brasil. O seminário é para cristãos que
ainda carregam seqüelas de pecados do passado. A pessoa passa
por uma longa sabatina, revolvendo toda a sua vida à procura de
aberturas espirituais do passado que ainda tragam maldições no
presente. Buscam ser exaustivos e chegam às raias da paranóia.
Indagam se a pessoa comeu cocada no dia em que se celebra Cosme
e Damião, se seus avós freqüentaram reuniões de cultos afro-
brasileiros. Querem saber se a pessoa sonha freqüentemente com
negros, como sinal de perturbação espiritual – um flagrante
preconceito que fere até mesmo a Constituição. Há encontros em
que se praticam regressões até a vida intra-uterina. Pede-se que
se visualize o espermatozóide do pai encontrando-se com o óvulo
da mãe e que sejam detectados sinais de maldição que tenham
desdobramentos em sua vida presente.
Ainda que escolas da psicologia advoguem a regressão como
técnica terapêutica, ela é inaceitável como prática espiritual.
Não há como negar que uma pessoa convertida ainda possa carregar
seqüelas emocionais, traumas psicológicos e até desequilíbrios
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psíquicos. Entretanto, é inadmissível que um cristão nascido de


novo ainda necessite “quebrar” maldições de sua vida passada. A
Bíblia contém vários textos que afirmam o contrário: “Não vos
lembreis das cousas passadas, nem considereis as antigas... Eu,
eu mesmo sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim,
e de teus pecados não me lembro” (Is 43.18,25); “Pois perdoarei
as suas iniqüidades, e dos seus pecados jamais me lembrarei” (Jr
31.34); “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis
livres” (Jo 8.36); “E assim, se alguém está em Cristo, é nova
criatura, as cousas antigas já passaram; eis que tudo se fez
novo” (2 Co 5.17); “Mas uma cousa faço: esquecendo-me das cousas
que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão,
prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus
em Cristo Jesus” (Fp 3.13-14). Sessões de “cura interior” são
inócuas para preservar qualquer pessoa espiritualmente, danosas
para a gestação de autênticos discípulos e um horror como cura
psicológica. Alguém que se submete a uma sessão de “cura
interior” corre o risco de entrar em uma paranóia espiritual e
descobrir que continua sofrendo com seus traumas psicológicos.
Conseqüentemente, pode facilmente se desesperar, pois foi-lhe
prometido que Deus a curaria instantaneamente.
O Evangelho Antropocêntrico
Desde a modernidade, e com o apogeu do iluminismo, homens e
mulheres subiram em um pedestal. O mundo ocidental acredita que
merecemos ser felizes e devemos buscar todos os meios que nos
tornem plenos, inclusive Deus. Por isso, aprendemos um conceito
religioso egoísta. Entendemos como evangelho o anúncio de um
Deus que nos faça bem, que esteja ao nosso dispor. Assim, as
nossas preces se resumem a pedidos. Queremos que nosso louvor
seja agradável a nós mesmos. Compreendemos a conversão como mera
descoberta que nos tornou felizes. Hoje, muito evangélicos
“reivindicam” direitos e “decretam” bênçãos. Recentemente, vi um
adesivo no carro de um crente que pedia: “Dê uma chance para
Deus”. Quem será que necessita de uma chance? Deus ou os homens
e mulheres que se rebelaram contra Ele, que é amoroso e bom?
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Estarrecido, soube que há encontros evangélicos em que as


pessoas aprendem a “liberar” perdão para Deus. É o cúmulo!
Inverteram-se os papéis. Deus agora precisa ser perdoado? Urge
voltar ao anúncio do reino em que Ele é Senhor soberano e
amorosamente estende a sua graça a todos.

Atalhos
Tanto as forças do mercado como a tecnologia pós-moderna
condicionam esta geração ao imediatismo. Acredita-se que tudo
pode ser resolvido no estalar de dedos. As propagandas na
televisão conseguem solucionar os problemas de limpeza de uma
casa, garantem seguro médico, prometem férias felizes, dão-nos
prestígio. Tudo em 30 segundos. Buscamos também resolver nossos
dilemas espirituais nos rápidos momentos de um culto.
Infantilmente acreditamos que bastam alguns momentos de êxtase
espiritual para subirmos os penosos degraus da maturidade
cristã. Paulo admitiu que necessitava mais do que surtos de
adrenalina espiritual: “mas esmurro o meu corpo, e o reduzo à
escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu ser
desqualificado” (1 Co 9.27). Não há atalhos na escola de Deus.
Nada substitui o discipulado. Nenhum método suplantaria a igreja
como comunidade terapêutica. Experimentamos a grandeza de Deus
cotidianamente tanto nas amargas derrotas quanto nos felizes
triunfos. Dia a dia aprende-se a sua fidelidade. Devemos olhar
com cautela ministérios que prometem a transformação de imaturos
em líderes capazes em um simples final de semana. É
potencialmente desastroso montar uma estrutura eclesiástica em
técnicas tão velozes.
Os modismos são sinais dos tempos. Para não sermos levados por
todo vento de doutrina, portemo-nos como os bereanos, conferindo
com as Escrituras todas as novidades que surgem no cenário
religioso. Acreditemos que passarão os céus e a terra, e só
permaneceram aqueles que cumprem a Palavra de Deus.
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Fonte: Revista Ultimato (Reproduzido com autorização)


Ano XXXIII – No. 263 – Março/Abril 2000

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