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ISSN 2236-5338

Revista
Direito Aduaneiro,
Marítimo e Portuário
Ano XI – nº 65 – nov-Dez 2021

ReposItóRIo AutoRIzADo De JuRIspRuDêncIA


Tribunal Marítimo – Portaria nº 30/TM, de 14 de julho de 2021
Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Portaria CONJUD nº 610-001/2013
Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087
Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Portaria nº 04, de 31.05.2012 – Registro nº 27
Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Portaria nº 942, de 13.08.2013 – Ofício – 1528443 – GPRES/EMAGIS
Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Informação nº 001/2013-GAB/DR

eDItoRIAl IeM – InstItuto De estuDos MARítIMos


pResIDente De HonRA: Dr. Célio Benevides de Carvalho (in memoriam)
DIRetoR: Dr. André Benevides de Carvalho

conselHo eDItoRIAl
André Benevides de Carvalho, Benjamin Gallotti Beserra (in memoriam),
Osvaldo Agripino de Castro Júnior, Vicente Marotta Rangel (in memoriam),
Welber de Oliveira Barral, Wilen Manteli, Wilson Pereira de Lima Filho

coMItê técnIco
Alexandre Moreira Lopes, Beatriz Giraldez Esquivel Gallotti Bezzerra,
Cláudio Augusto Gonçalves Pereira, Henrique Santos Costa de Souza, Ingrid Zanella,
José Carlos Higa de Freitas, Kelly Gerbiany Martarello, Laércio Cruz Uliana Junior,
Marcel Nicolau Stivaleti, Solon Sehn, Taianara Bento Ferreira da Paixão, Werner Braun Rizk

colAboRADoRes DestA eDIção


Felipe Barbosa de Menezes, Josiane Zordan Battiston, Kelly Gerbiany Martarello,
Laércio Cruz Uliana Junior, Lucas Cardoso Passos, Mateus Tiagor Campos,
Nadine Viaud Gattáes, Paula Jacques Goulart, Rodrigo Maito da Silveira, Solon Sehn
2011 © INSTITUTO DE ESTUDOS MARÍTIMOS
Uma publicação do IEM – Instituto de Estudos Marítimos e da SELDRAS Comunicações.
Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos aduaneiros, marítimos e
portuários.
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Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias
dos respectivos tribunais.
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Tiragem: 2.000 exemplares
Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração
Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço contato@estudosmaritimos.com.br,

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário. – v. 1, n. 1 (mar./abr.


2011)- . – São Paulo : Instituto de Estudos Marítimos, 2011- .
v. 11, n. 65, (nov./dez. 2021) : 266 p. ; 23 cm.

Bimestral
ISSN 2236-5338

1. Direito aduaneiro. 2. Direito marítimo. 3. Direito portuário.


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CDD 342.29

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Carta do Editor
A sexagésima quinta edição da Revista IEM Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário abor-
da a necessidade de “Observância das Garantias Constitucionais na Fiscalização Aduaneira”.
No primeiro artigo deste Assunto Especial, Rodrigo Maito da Silveira, Mestre e Doutor em
Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP, Diretor do Instituto Brasileiro
de Direito Tributário (IBDT), Membro da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), do
Instituto de Pesquisas Tributárias (IPT/SP) e da International Fiscal Association – IFA, Professor dos
Cursos de Especialização e do Mestrado Profissional de Direito Tributário Internacional e Compa-
rado do IBDT, Membro do Conselho Jurídico do Sinduscon e da Comissão Tributária do Ibradim,
Conselheiro do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo (CMT/SP) – biênios 2006/2008
e 2010/2012, Juiz Suplente do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT) – 2018/2019,
Advogado; e Mateus Tiagor Campos, Mestrando em Direito Tributário pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV), Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP (FDRP-
-USP) e em Ciências Contábeis pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
Advogado, apresentam o estudo intitulado “Pressupostos para Caracterização de Interposição
Fraudulenta e Aplicação da Pena de Perdimento no Contexto Administrativo Fiscal Atual”. A
seguir, os “Limites do Poder de Polícia Aduaneiro e a Instrução Normativa RFB nº 1.986/2020”
é o tema abordado por Laércio Cruz Uliana Junior, Bacharel e Mestre em Direito pela Unibrasil,
Especialista em Direito Marítimo e Portuário pela FAE Business School, Conselheiro Titular do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Encerra a doutrina desta seção, estudo de
Kelly Gerbiany Martarello, Advogada (atuação desde 2001, com ênfase nas áreas de Direito
Aduaneiro, Direito Empresarial e Tributário), Especialização em Direito Tributário pela Facul-
dade de Direito de Curitiba (Unicuritiba) e Derecho Tributario pela Universidad de Buenos
Aires (UBA), Direito Aduaneiro e Comércio Exterior pela Universidade do Vale do Itajaí/SC, Pós-
-Graduada pela Escola da Magistratura do Paraná (Curitiba/PR), Extensão em Processo Tributário
pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) – Florianópolis/SC, Pós-Graduanda em LLM
Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Membro da Comissão de Direito Adua-
neiro de Santa Catarina e Associada da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT), As-
sociada da Associação Nacional de Direito Marítimo, Aduaneiro e Portuário (ANDMAP), Mem-
bro da Comissão de Direito Aduaneiro de Santa Catarina; Josiane Zordan Battiston, Advogada
(atuação desde 2008, com ênfase em Direito Empresarial e Direito Tributário), Graduação em
Direito pela Universidade do Vale do Itajaí/SC, Especialização Jurídica Lato Sensu pelo Instituto
Luiz Flávio Gomes, Pós-Graduada em Direito Empresarial e dos Negócios pela Universidade do
Vale do Itajaí/SC, Especialização em Contratos: Visão Negocial e Prática pela Fundação Getúlio
Vargas, Pós-Graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, Ex-
tensão em Direito Aduaneiro e Tributação do Comércio Internacional pelo Instituto Brasileiro de
Direito Tributário (IBDT), Associada da Associação Nacional de Direito Marítimo, Aduaneiro e
Portuário (ANDMAP), Membro da Comissão de Direito Aduaneiro de Santa Catarina; e Nadine
Viaud Gattáes, Advogada (atuação desde 2014, com ênfase em Direito Aduaneiro), Graduação
em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí/SC, Especialização em Direito da Aduana e do
Comércio Exterior pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Extensão em Direito Aduaneiro
e Tributação do Comércio Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), Ex-
tensão em Direito Aduaneiro: Compliance e Gestão de Risco Aduaneiro pelo Centro de Estudos
em Direito e Negócios (Cedin), Associada da Associação Nacional de Direito Marítimo, Adua-
neiro e Portuário (ANDMAP), Membro Consultivo da Comissão de Direito Aduaneiro – OAB/SC,
no qual as autoras tratam “Da Seleção Indiscriminada das Importações ao Canal Cinza em Decor-
rência do Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras”.
Uma doutrina de Direto da Navegação abre a Parte Geral desta edição. Nela, Lucas
Cardoso Passos, Advogado, Professor, Pós-Graduação em Direito Aduaneiro – Universidade
Cândido Mendes, Pós-Graduação em Direito Tributário – Universidade Cândido Mendes, Pós-
-Graduação em Direito Marítimo – Maritime Law Academy (MLAW), Pós-Graduação em Direito
dos Transportes – Maritime Law Academy (MLAW), apresenta artigo de sua lavra intitulado “A
Navegação Interior no Brasil para Escoamento da Produção”, com o objetivo fomentar o estudo
sobre a navegação interior no Brasil para o escoamento da produção, bem como seus princi-
pais desafios, suas características e seus benefícios logísticos, ambientais e econômicos, sob a
perspectiva de operações de importações e exportações em larga escala, bem como analisá-lo
sob um cenário para crescimento a curto espaço de tempo, para contribuir com o levantamento
de discussões desse importante modal de transporte. A seguir, a “A Inconstitucionalidade da
Interposição Fraudulenta Presumida” é o tema do artigo de Paula Jacques Goulart, Mestranda
em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, Especialista em Di-
reito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, Bacharela em Direito pela
Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis, Advogada, que tem como finalidade o estudo
da interposição fraudulenta de terceiros nas operações de comércio exterior. A análise da natu-
reza jurídica dessa infração, se objetiva ou subjetiva, será indispensável para o estudo proposto,
porquanto as consequências desencadeadas em cada modalidade serão distintas em relação
à aplicação das penalidades. Em vista disso, questionar-se-á a possibilidade de se empregar
prova indireta para fins de caracterização de ilícito que tem na composição de seu enunciado
a presença de elemento subjetivo. Por fim, será demonstrado que a caracterização da interpo-
sição fraudulenta, por meio indireto de prova (presunção) – na forma disposta no § 2º do art. 1º
do Decreto-Lei nº 37/1966 –, mostra-se incompatível com o texto constitucional, uma vez que
viola o princípio da legalidade e tipicidade, bem como o princípio da não autoincriminação,
decorrente do princípio da ampla defesa. Encerrando a doutrina da Parte Geral, “Os Impactos
do Regime de Emergência Sanitária (Covid-19) nas Relações do Trabalho Portuário Avulso” é
o assunto abordado por Felipe Barbosa de Menezes, Mestre em Direito pela Universidade Fe-
deral do Espírito Santo (Ufes), Especialista em Direito Público pela Unisul/SC, Especialista em
Direito Marítimo e Portuário pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV), Professor de Direito
Administrativo credenciado na Escola de Serviço Público do Espírito Santo (Esesp), Membro do
Grupo de Pesquisa Estado & Direito: Estudos Contemporâneos (foco no tema “Desjudicializa-
ção”) – vinculado à UEMG, Membro da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro
da OAB/ES, Procurador do Município de Cariacica/ES, Advogado e Consultor Jurídico nas áreas
de direito Administrativo, Portuário, Marítimo e Trabalhista. Autor de livro e artigos jurídicos.
A jurisprudência, que compõe a Parte Geral, apresenta o repositório dos Tribunais Regionais
Federais sobre os temas atuais julgados por estas Cortes, além do ementário comentado.
Na Seção Especial “Parecer”, Solon Sehn, Advogado, inscrito na OAB/SC nº 20.987B
e OAB/SP nº 232.157, Graduado em Direito pela UFPR, Mestre e Doutor em Direito Tributá-
rio pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Coordenador do Curso de
Extensão em Direito Aduaneiro e Tributação do Comércio Exterior da Associação Paulista de
Estudos Tributários (Apet), Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito e Negócios
Internacionais da Maritime Law Academy (MTLAW) e do Comitê Técnico da Revista de Direito
Aduaneiro, Marítimo e Portuário do Instituto de Estudos Marítimos (IEM), Conferencista no Cur-
so Especialização em Direito Tributário do IBET, Professor convidado das Especializações em
Direito Aduaneiro da Faculdade de Direito de Curitiba (UniCuritiba) e em Direito da Aduana e
do Comércio Exterior da Univali, entre outras instituições de ensino. Autor de artigos publicados
em revistas especializadas e, entre outras obras, dos livros Curso de Direito Aduaneiro (Rio de
Janeiro, 2021), Imposto de Importação (São Paulo, 2016), Comentários ao Regulamento Adua-
neiro: Infrações e Penalidades (2. ed. São Paulo, 2021) e Comentários ao Regulamento Aduanei-
ro: Tributação do Comércio Exterior (São Paulo, 2021), trata do “Imposto de Importação – Base
de Cálculo – Valor Aduaneiro – Capatazia, THC-DTHC”.
Completa a edição o Informativo do Tribunal Marítimo que conta com os principais
acontecimentos do período.
Aproveite este interessantíssimo conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Dr. André Benevides de Carvalho


Diretor do Instituto de Estudos Marítimos
Sumário
Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial
Observância das Garantias cOnstituciOnais na FiscalizaçãO aduaneira

dOutrinas
1. Pressupostos para Caracterização de Interposição Fraudulenta
e Aplicação da Pena de Perdimento no Contexto Administrativo
Fiscal Atual
Rodrigo Maito da Silveira e Mateus Tiagor Campos ...................................9

2. Limites do Poder de Polícia Aduaneiro e a Instrução Normativa


RFB nº 1.986/2020
Laércio Cruz Uliana Junior .......................................................................24

3. Da Seleção Indiscriminada das Importações ao Canal Cinza em


Decorrência do Procedimento de Fiscalização de Combate às
Fraudes Aduaneiras
Kelly Gerbiany Martarello, Josiane Zordan Battiston e Nadine
Viaud Gattáes...........................................................................................46

Parte Geral
dOutrinas
1. A Navegação Interior no Brasil para Escoamento da Produção
Lucas Cardoso Passos ...............................................................................61

2. A Inconstitucionalidade da Interposição Fraudulenta Presumida


Paula Jacques Goulart ..............................................................................74

3. Os Impactos do Regime de Emergência Sanitária (Covid-19) nas


Relações do Trabalho Portuário Avulso
Felipe Barbosa de Menezes ......................................................................90

Jurisprudência Judicial
Acórdãos nA ÍntegrA
1. Tribunal Marítimo ..................................................................................120
2. Tribunal Marítimo ..................................................................................129
3. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................133
4. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................146
5. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................152
6. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................163
7. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................172
ementário
1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................178

Seção Especial
parecer
1. Parecer – Imposto de Importação – Base de Cálculo
Valor Aduaneiro – Capatazia, THC-DTHC
Solon Sehn .............................................................................................243

Informativo do Tribunal Marítimo .........................................................................260


Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................262
Assunto Especial – Doutrina
Observância das Garantias Constitucionais na Fiscalização Aduaneira

Limites do Poder de Polícia Aduaneiro e a Instrução Normativa


RFB nº 1�986/2020
LAÉRCIO CRUZ ULIANA JUNIOR1
Bacharel e Mestre em Direito pela Unibrasil, Especialista em Direito Marítimo e Portuário pela
FAE Business School, Conselheiro Titular do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

SUMÁRIO: Introdução; 1 Livre-iniciativa; 2 Interesse público; 3 Regime jurídico das infrações adua-
neiras; 4 Do limite do poder de polícia e a Instrução Normativa nº 1.986; Conclusão.

INTRODUÇÃO
A importância do âmbito prático também é justificada em razão da
dificuldade na compreensão da ponderação de livre-iniciativa e interesse
público, que buscam delimitar a concepção de dano ao Erário, consideran-
do a verificação da bruteza jurídica das sanções e a consequente dificulda-
de de estabelecer os parâmetros de delimitação da sanção.
Assim, para solucionar o principal problema que surge a partir da
indagação da aplicação adequada das sanções aduaneiras é que se utiliza
o método da análise econômica, que preza pelo uso da racionalidade para
que as normas possuam consciência em sua aplicação, bem como as con-
dutas sejam incentivadas pelo individualismo metodológico, o que gera a
eficiência na consolidação do instituto.
Como instrumento necessário para avaliar os efeitos econômicos das
sanções aduaneiras e conduzir a sua formulação da maneira correta, que
produz os efeitos mais equilibrados e justos que permitem a concretização
dos referidos “livre-iniciativa” e “interesse público”, na fixação das penali-
dades.
Assim, é importante fazer análise da Instrução Normativa (IN) RFB
nº 1.986/2020, o Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes

1 E-mail: laerciocuj@gmail.com.
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Aduaneiras, que de sobremaneira vem regularmente o poder de polícia
aduaneiro.

1 LIVRE-INICIATIVA
O Estado tem obrigação de assegurar os direitos fundamentais con-
forme sua atuação constitucional, cujo objetivo de desenvolvimento social
é essencial na República. Assim, primeiramente, pretende-se tratar sobre a
livre-iniciativa e o interesse público e as suas principais características, seus
conceitos e sua importância e, ao final do trabalho, com um desfecho sob
o viés de uma análise econômica, demonstrar as suas limitações mútuas
para que seja preservada a supremacia e as infrações, e sanções aduaneiras
sejam eficientes.
Os direitos fundamentais são destinados a criar e manter os pressu-
postos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, que
possuem três concepções formais2: (i) normas positivadas no ordenamento,
cuja fundamentalidade advém da atribuição legal; (ii) direitos contemplados
pelas constituições com maior rigidez na modificação ou extinção, pois pro-
tegem determinados valores; e (iii) resultado cultural da formação de valores
e concepções políticas tido como inexorável ao homem. Assim, de acordo
com a referida classificação alemã, considera-se neste tópico tais direitos
como normas positivadas no ordenamento, cuja fundamentalidade advém
da atribuição legal, de modo que os direitos fundamentais se consolidam
pelas positivações.
Assim, a identificação dos direitos fundamentais parte da presença da
dignidade da pessoa humana, pois “materialmente, os direitos fundamen-
tais devem ser concebidos como aquelas posições jurídicas essenciais que
explicitam e concretizam essa dignidade”3. A Constituição Federal, com o
objetivo de proteger os indivíduos das ingerências do Poder Público e in-
centivar melhorias nas condições sociais, consolidou os referidos direitos
como aqueles que
podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída com a fi-
nalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões [...]
buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais),

2 SCHMITT, Carl. Verfassungslehre, Unveraenderter Neudruck. In: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito consti-
tucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 515.
3 Ibid., p. 539.
26 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na sua
preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade).4

Como resultado da positivação de valores sociais, extrai-se que, do


processo de transformação das concepções, a compreensão de que a “afir-
mação dos direitos do homem deriva de uma radical mudança de perspec-
tiva, característica marcante da formação do Estado moderno na representa-
ção da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão”5.
Assim, representou grande conquista “a fixação dos direitos reputa-
dos fundamentais do indivíduo, e a enumeração das garantias para tornar
efetivos tais direitos, quer em face dos particulares, quer em face do Es-
tado mesmo”6. A limitação da atuação estatal deve garantir o mínimo de
exigências para que sejam possíveis a vida e o desenvolvimento livre das
atividades lícitas7, para seguir os parâmetros do ordenamento jurídico e re-
conhecer a inviolabilidade dos direitos fundamentais.
O desenvolvimento decorre da busca por satisfação das necessidades
humanas, e a sociedade se desenvolve por meio de um sistema de regras
criadas para determinar a conduta nas relações, a fim de que os textos cons-
titucionais consolidem sua estrutura conforme os objetivos apontados pela
sociedade, aqui se considerando os econômicos, devido aos fins do pre-
sente trabalho. Nesse sentido, a Constituição Federal dispõe sobre a livre-
-iniciativa como princípio norteador da ordem econômica (art. 170 da CF)
e fundamento da República (art. 1º, IV, da CF), cuja base reside no direito à
liberdade (art. 5º da CF). Significa a possibilidade de os agentes econômicos
ingressarem no mercado, ou seja,
a liberdade de iniciativa econômica não se identifica apenas com a liber-
dade de empresa. Pois é certo que ela abrange todas as formas de pro-
dução, individuais ou coletivas. [...] Assim, entre as formas de iniciativa
econômica encontramos, além da iniciativa privada, a iniciativa coope-
rativa, a iniciativa autogestionária e a iniciativa pública.8

4 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed.
São Paulo: Saraiva, 2005. p. 109-110.
5 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004. p. 24.
6 VILANOVA, Lourival. Proteção jurisdicional dos direitos numa sociedade em desenvolvimento. São Paulo,
Ordem dos Advogados do Brasil, 1970. p. 43.
7 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
p. 259.
8 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
p. 202.
RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 27
Portanto, sua característica reside na liberdade individual econômica,
desde a produção e a circulação até a distribuição das riquezas, de modo
que sejam asseguradas a livre escolha, tanto das profissões quanto das ativi-
dades e de seus meios necessários. Esse princípio é dissecado nos elementos
constitucionais que lhe auferem conteúdo: a propriedade privada9, a liber-
dade de empresa10, a livre concorrência11 e a liberdade de contratar12. Cabe
ressaltar, neste contexto, que suas exceções deverão ser autorizadas pela
própria Carta Magna, pois o legislador ordinário não pode excluí-la, salvo
se fundamentado em norma constitucional específica13.
O seu papel consiste no reconhecimento de liberdade como base
para a ordem, cuja estrutura centra-se em atividades de indivíduos e grupos,
o que “não significa, porém, uma ordem do laissez faire, posto que a livre-
-iniciativa se conjuga com a valorização do trabalho humano”14.
Como uma liberdade de fins e de meios, “não se reduz à soma de
outras liberdades, não se exaure no exercício do direito de propriedade e da
liberdade contratual”15, de modo que é reconhecida às pessoas naturais e
jurídicas, direito esse cuja proteção e consequente preservação dependem
do Estado no sentido de “(i) disciplinar comportamentos que resultariam em
prejuízos à concorrência e (ii) disciplinar a atuação dos agentes econômi-
cos, de forma a implementar uma política pública”16.
Com o objetivo fundamental de desenvolvimento, a ordem econômi-
ca da Constituição Federal de 1988 adotou a economia de mercado na qual
os agentes econômicos decidem sobre as questões fundamentais da econo-
mia, e o Estado atua no mercado por meio da consolidação de regras para
maximizar a eficiência dos processos econômicos, bem como produtor de

9 Arts. 5º, XXII, e 170, II, da CF.


10 Art. 170, parágrafo único, da CF.
11 Ou seja, a faculdade de o empreendedor estabelecer os seus preços, que serão determinados pelo mercado,
em ambiente competitivo (CF, art. 170, IV).
12 Ou seja, o fundamento das demais liberdades, pautado no princípio da legalidade, de que ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, da CF).
13 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em Ordem econômica e desenvolvimento na Constituição de 1988 (1989,
p. 69-70): “Este rol constitucional de instrumentos de intervenção regulatória é exaustivo: não admite am-
pliação por via interpretativa, uma vez que representam, cada um deles, uma exceção ao princípio da livre-
-iniciativa (art. 1º, IV, e art. 170, caput) e, mais precisamente, ao princípio da livre concorrência (art. 170,
IV). Qualquer outra modalidade interventiva, admissível genericamente no art. 163 da antiga Carta [...] perde,
na vigente, seu suporte constitucional”.
14 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Congelamento de preços – Tabelamentos oficiais (parecer). Revista de Direito
Público, n. 91, p. 77, 1989.
15 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. A liberdade de iniciativa econômica. Fundamento, natureza e garantia
constitucional. Revista de Informação Legislativa, a. 23, n. 92, p. 229.
16 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: RT, 1998. p. 228-230.
28 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
bens públicos. Orienta os interesses sociais por meio da disciplina de atua-
ção dos agentes econômicos, baseada na imposição dos princípios que legi-
timam suas condutas: a valorização do trabalho humano e a livre-iniciativa.
O princípio da livre-iniciativa, por meio da organização social e eco-
nômica, consiste no poder reconhecido aos particulares de desenvolverem
uma atividade econômica17, considerando que “a liberdade nas atividades
econômicas só é exercida com a finalidade da justiça social e confere prio-
ridade do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de
mercado”18, é também um critério de desenvolvimento19, que altera a socie-
dade por meio da manifestação humana. Essa liberdade, portanto, possui
características20 de apropriação privada da propriedade, bem como bens de
produção e consumo, ética dos fins lucrativos, concorrência como meio de
obter eficácia nos negócios e o mínimo de intervenções nos negócios.
Assim, diante de toda a concepção ora descrita, devem ser considera-
dos outros dois outros princípios, tratados por Eros Grau como um quadro:
a) liberdade de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domí-
nio econômico): a.1) faculdade de criar e explorar uma atividade econô-
mica a título privado – liberdade pública; a.2) não sujeição a qualquer
restrição estatal senão em virtude de lei – liberdade pública; b) liberda-
de de concorrência: b.1) faculdade de conquistar a clientela, desde que
não através de concorrência desleal – liberdade privada; b.2) proibição
de formas de atuação que deteriam a concorrência – liberdade privada;
b.3) neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igual-
dade de condições dos concorrentes – liberdade pública.21

Ademais, é possível também considerar a liberdade de exercício de


qualquer ofício da escolha individual, visto que o trabalho é uma “ativi-
dade consciente ordenada a um fim distinto dela mesma e daquele que
a exerce”22, de modo que a própria coletividade justifica restrições a essa
liberdade, tema que ensejou manifestação do Supremo Tribunal Federal no
sentido de que

17 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica. O significado e o alcance do artigo
170 da Constituição Federal. São Paulo: RT, 2005. p. 164.
18 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 39.
19 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. p. 37.
20 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003. p. 248.
21 Grau, 2005, p. 184.
22 ALVES, Ivan D. Rodrigues; MALTA, Piragibe Tostes C. Teoria e prática do direito do trabalho. 8. ed. Rio de
Janeiro: Edições Trabalhistas, 1988. p. 28.
RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 29
nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumpri-
mento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade.
Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exi-
gida inscrição em conselho de fiscalização profissional.23

Dessa forma, também ocorre com a liberdade de contratar e estabe-


lecer cláusulas para a efetivação do negócio, o que envolve as faculdades24
de poder ser parte em um contrato, escolher o negócio com seu respectivo
conteúdo e a pessoa para firmá-lo, bem como a potencialidade de acionar
o Judiciário, para que sejam consolidadas relações contratuais equilibradas,
permitindo que equidade e justiça componham o núcleo do negócio jurí-
dico.
Entretanto, não se pode olvidar de que há razões para que a interven-
ção direta do Estado na atividade econômica (art. 173 da CF) tenha as suas
devidas limitações, para que sua forma e suas funções sejam minimizadas25.
A inserção dessa regulação na Constituição Federal representa uma mudan-
ça na posição do Estado e da sociedade com a atividade econômica, “aban-
donando a neutralidade característica do Estado Liberal, para incorporar a
versão ativa do Estado intervencionista, agente regulador da economia”26.
Assim, o Estado interfere na economia nos limites autorizados pelo Direito,
considerando que a livre-iniciativa carece de “condições de ordem política
para o seu exercício, tais como o pluralismo, a democracia e a propriedade
privada”27.
Cabe ressaltar que o exercício das atividades econômicas está condi-
cionado ao bem-estar social28. Nesse sentido, José Afonso da Silva leciona
que
[...] a liberdade de iniciativa econômica privada, num contexto de uma
Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim con-
diciona os meios), não pode significar mais do que liberdade de desen-
volvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e,
portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de subme-

23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 414.426, Plenário, Relª Min. Ellen Gracie,
J. 01.08.2011, DJe 10.10.2011.
24 Tavares, 2003, p. 249.
25 SOUZA, Renildo. Estado e desenvolvimento econômico. Revista Princípios, edição 68, p. 34-41, 2003. Dis-
ponível em: http://revistaprincipios.com.br/artigos/68/cat/1201/estado-e-desenvolvimento-econ&ocircmico-.
html. Acesso em: 1º jun. 2017.
26 HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 252.
27 TOLEDO, Gastão Alves de. O direito constitucional econômico e sua eficácia. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
p. 176.
28 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 869.
30 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
ter-se às limitações postas pelo mesmo. É legítima, enquanto exercida no
interesse da justiça social. Será ilegítima quando exercida com objetivo
de puro lucro e realização pessoal do empresário. Daí por que a inicia-
tiva econômica pública, embora sujeita a outros tantos condicionamen-
tos constitucionais, se torna legítima, por mais ampla que seja, quando
destinada a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social.29

Resta claro que a intervenção estatal possui um desafio ao estabele-


cer a segmentação entre Direito Público e Privado, já que os interesses se
confundem. Quando o Estado intervém nas relações privadas, acaba por
mitigar a autonomia dos agentes e estipular limites à liberdade contratual
antes referenciada, sob a justificativa da busca pela justiça social. Assim, as
exigências da “ordem pública econômica e social prevalecem sobre o indi-
vidualismo, de modo que passam a funcionar como limitador da autonomia
individual, no interesse da coletividade”30.
O que se extrai da reflexão conceitual do princípio é que a imposi-
ção de limitações precisa essencialmente resultar de uma ponderação de
valores e objetivos constitucionais para que, respeitando os fundamentos
da República e da ordem econômica, conquiste legitimidade de concretizar
plenamente a justiça social e bem-estar coletivo. Não se exclui o fato de
que pode ser relativizado, conforme restrições legais, já mencionadas, para
o exercício de atividade econômica, não infringindo a dissociação entre o
direito de exercício livre31. Ademais, o exercício dessa liberdade caracteriza
o mercado dinâmico e produtivo no sistema econômico, que é, coinciden-
temente, o que mais pode abusar do poder econômico.
O Direito Aduaneiro como um conjunto de normas de Direito Público
regulatórias do ingresso de mercadorias no território demonstra claramente
o princípio referido, visto que provém de uma atividade econômica entre
particulares que precisa da tutela estatal para que possa ser consolidada.
Dessa maneira, devem ser rigorosamente observados os limites das restri-
ções possivelmente impostas para que a livre-iniciativa não seja violada,
especialmente no que diz respeito à pena de perdimento, que será objeto
de análise nos próximos capítulos.

29 Silva, 2003, p. 726.


30 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994. p. 286.
31 SANTOS OLIVEIRA, Sônia dos. O princípio da livre-iniciativa. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.
br/doutrina/texto.asp?id=851. Acesso em: 3 dez. 2017.
RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 31
2 INTERESSE PÚBLICO
A partir desse momento, é feita uma análise do instituto do interesse
público, para se consolidar a ideia anteriormente referida sobre as infra-
ções e sanções aduaneiras e o seu respectivo envolvimento com os direitos
fundamentais mencionados, visto que, para que seja realizado o controle
aduaneiro por meio da penalidades, há que se observar os limites entre
a livre-iniciativa e o interesse público, para que não seja aplicada pena
superior à necessária, bem como não se justifique na coletividade penas
injustificáveis.
Ainda resta divergência sobre a conceituação do interesse público,
pois há quem entenda, no âmbito da doutrina clássica, que significa um in-
teresse contraposto ao interesse individual ou que é um conjunto de interes-
ses individuais. Dalmo de Abreu Dallari defende a impossibilidade de “con-
sideração genérica, prévia e universalmente válida do que seja o interesse
público, revelando-se inevitável a avaliação pragmática do que é interesse
público”32, em que em cada caso “será indispensável fazer a verificação,
uma vez que não há um interesse público válido universalmente”33.
Salienta, ainda, Eros Roberto Grau34 que “são indeterminados os con-
ceitos cujos termos são ambíguos ou imprecisos [...] os parâmetros para tal
preenchimento devem ser buscados na realidade”, de modo que, “tratando-
-se de matéria eminentemente discricionária, a aplicação pela Administra-
ção de conceitos indeterminados, sobretudo o de interesse público, estaria
totalmente subtraída à apreciação do Poder Judiciário”35.
Mesmo assim, apesar da diversidade conceitual do tema, Celso
Antônio Bandeira de Mello expõe que,
ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma ca-
tegoria contraposta à de interesse privado, individual, isto é, ao interesse
pessoal de cada um. Acerta-se em dizer que se constitui no interesse do
todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim como acerta-se também
em sublinhar que não se confunde com a somatória dos interesses in-

32 DALLARI, Dalmo de Abreu. Interesse público na contratação das entidades da administração descentralizada.
Suplemento Jurídico da Procuradoria Jurídica do Departamento de Estradas e Rodagem, São Paulo, v. 126,
p. 15, jan./mar. 1987.
33 Ibid., p. 15.
34 GRAU, Eros Roberto. Direito, conceitos e normas jurídicas. São Paulo: RT, 1988. p. 72.
35 Cf. ENTERRIA, Garcia de; FERNANDEZ, Tomáz Antonio. Curso de direito administrativo. São Paulo: RT,
1990.
32 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
dividuais, peculiares de cada qual. Dizer isto, entretanto, é dizer muito
pouco para compreender-se verdadeiramente o que é interesse público.36

Assim, segue seu pensamento enfatizando que o interesse público


“deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos inte-
resses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua
qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem”37, de
modo que as “normas de direito público, embora protejam reflexamente o
interesse individual, têm o objetivo primordial de atender ao interesse pú-
blico, ao bem-estar coletivo”38, como meio para a consolidação da justiça
social e do bem comum39.
Ou seja, o interesse público significa “resultado de um interesse ne-
cessário à vida em comunidade também como interesse próprio e direto”40.
Neste contexto, faz parte da função do próprio Estado alcançar solução
maximizadora dos interesses públicos, ou seja, o melhor interesse público
como fim legítimo que orienta a atuação da Administração Pública41, por
meio da racionalidade que pondera interesses coletivos e individuais, utili-
zando o instrumento da proporcionalidade42.
Significa princípio basilar da sociedade democrática, ou seja, o Esta-
do promove a realização do instituto e “só poderá defender seus próprios
interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públi-
cos propriamente ditos, coincidam com a realização deles”43.
Ainda, o princípio da legalidade atrelado ao princípio da supremacia
do interesse público determina que o Estado deve praticar atos que supram
a demanda social, com o objetivo de consolidar um bem maior. Em caso de
conflito entre o interesse privado e o público, restará o público, que é defen-
dido pela Administração Pública, desde que com base legal, o que legitima
os poderes e as prerrogativas públicas.

36 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
p. 59.
37 Ibid., p. 61.
38 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 69.
39 Ibid., p. 69.
40 ESCOLA, Hector Jorge. El Interés Público Como Fundamento Del Derecho Administrativo. 1989:31. Apud DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2007. p. 215.
41 BINENBOJM, Gustavo. Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supre-
macia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 151.
42 Ibid., p. 167.
43 Mello, 2005, p. 66.
RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 33
Entretanto, nem sempre o interesse público prevalecerá sobre o indi-
vidual, sob pena de colocar em risco os direitos fundamentais individuais.
Assim como há prerrogativas para atingir o interesse público, os cidadãos
possuem a garantia contra o abuso de poder. Dessa maneira, a supremacia
do interesse público inspira o legislador e vincula a autoridade administra-
tiva em toda a sua atuação44.
Defende Celso Antonio Bandeira de Mello45 que esse princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado é geral e inerente
a qualquer sociedade, significando a condição de sua existência, de modo
que implica em muitas manifestações (função social da propriedade, defesa
do consumidor, meio ambiente), sendo um pressuposto lógico social, já que
“no interesse geral da sociedade e na soberania popular que se encontram
os fundamentos da supremacia do interesse público”46. A referida suprema-
cia, portanto,
[...] alastra-se por todo o ordenamento jurídico, submetendo as esferas
pública e privada, as pessoas jurídicas e físicas, o Estado e o particular,
ao interesse geral da sociedade e à soberania popular, assegurando a con-
secução do bem comum ancorada em uma ordem jurídica a serviço dos
anseios de todos os seres humanos, compromissada com a democracia
e desvinculada do culto tanto ao individualismo quanto aos interesses
meramente estatais.47

Assim, diante do primado do interesse público, “o indivíduo tem que


ser visto como integrante da sociedade, não podendo os seus direitos, em
regra, ser equiparados aos direitos sociais”48, mas com a observação de que
existem limitações legais para tanto; caso contrário, “a desvalorização total
dos interesses públicos diante dos particulares pode conduzir à anarquia e
ao caos geral, inviabilizando qualquer possibilidade de regulação coativa
da vida humana em comum”49, como defende Daniel Sarmento, para que
não se incida na condução à supressão da pluralidade de interesses jurídi-
cos tuteláveis50.

44 Di Pietro, 2006, p. 68.


45 Mello, 2005, p. 96.
46 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 60-61.
47 Ibid., p. 66.
48 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006. p. 24-25.
49 SARMENTO, Daniel. Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de suprema-
cia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 28.
50 JUSTEN FILHO, Marçal. O princípio da moralidade pública e o direito tributário. Revista Trimestral de Direito
Público, São Paulo: Malheiros, v. 11, p. 52/67, 1995.
34 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
Essa observação de Sarmento abre brecha para se trabalhar com a
linha doutrinária que se pretende seguir neste trabalho, cujas críticas vão
desde Justen Filho – ao destacar a importância real da necessária distinção
entre o denominado interesse público com o interesse do próprio Estado51,
questionando a possibilidade de identificação do interesse público como
aquele proveniente da maioria, visto que a democracia protege as minorias.
Desse modo, militar-se-á pela incidência do interesse público sobre o indi-
vidual em determinadas situações, de maneira que não significa ocorrência
absoluta.
Sabe-se que, atualmente, as sociedades contam com inúmeros inte-
resses, inclusive diversos públicos52, o que enseja a negação de Justen Filho
à supremacia do interesse público, mas que deve ser seguida a máxima rea-
lização dos direitos fundamentais, sejam individuais, coletivos ou difusos53.
O autor Gustavo Binenbojm54, na mesma linha de raciocínio, con-
cluiu que os interesses públicos e os interesses privados não são antagô-
nicos, mas pressupõem-se mutuamente, semelhante à postura de Daniel
Wunder Hachem55 ao expor que não existe hierarquia entre ambos. Se estão
incorporados um no outro, a supremacia restaria em uma contradição em
termos56. Postas as referidas reflexões,
embora seja claro que pode haver um interesse público contraposto a
um dado interesse individual, sem embargo, a toda evidência, não pode
existir um interesse público que se choque com os interesses de cada um
dos membros da sociedade. Esta simples e intuitiva percepção basta para
exibir a existência de uma relação íntima, indissolúvel, entre o chamado
interesse público e os interesses ditos individuais.57

A análise do caso concreto é fundamental à ponderação desses prin-


cípios em conflito, de modo que tomam sítio os princípios da razoabilidade,
como controle dos atos normativos e da proporcionalidade, como controle

51 Ibid., p. 39.
52 Ibid., p. 42.
53 Ibid., p. 45.
54 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitu-
cionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
55 HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público. Belo Horizonte:
Fórum, 2011. p. 77.
56 BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: um novo para-
digma para o direito administrativo. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses
privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
p. 168.
57 Mello, 2005, p. 60.
RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 35
dos atos administrativos, mecanismos para controlar a discricionariedade
legislativa e administrativa e invalidar atos que não têm adequação de fins
e meios, não exigem a medida ou não são proporcionais, para que sejam
garantidos os direitos fundamentais58.
Luís Roberto Barroso59 sintetiza a proporcionalidade nos subprincí-
pios da adequação (medidas adequadas aos objetivos), da necessidade (não
há outro meio) e da proporcionalidade em sentido estrito (ponderação entre
o ônus e o bônus). Daniel Sarmento complementa explicando que,
[...] diante de conflitos entre direitos fundamentais e interesses públicos
de estatura constitucional, pode-se falar, na linha de Alexy, numa “prece-
dência prima facie” dos primeiros. Esta precedência implica na atribuição
de um peso inicial superior a estes direitos no processo ponderativo, o
que significa reconhecer que há um ônus argumentativo maior para que
interesses públicos possam eventualmente sobrepujá-los. Assim, o inte-
resse público pode até prevalecer diante do direito fundamental, após
um detido exame calcado sobretudo no princípio da proporcionalidade,
mas para isso serão necessárias razões mais fortes do que aquelas que
permitiriam a “vitória” do direito fundamental. E tal ideia vincula tanto
o legislador – que se realizar ponderações abstratas que negligenciarem
esta primazia prima facie dos direitos fundamentais poderá incorrer e in-
constitucionalidade – como os aplicadores do Direito – juízes e admi-
nistradores – quando se depararem com a necessidade de realização de
ponderações in concreto.60

Desse modo, a supremacia do interesse público significaria consti-


tucionalmente princípio implícito, decorrente da própria ordem jurídico-
-constitucional61 para atender a coletividade sem que sua valorização seja
absoluta, sob pena de perder o elemento humano que lhe aufere legitimida-
de. Deve ser relativa e ponderada.

58 GUEDES, Ricardo Catunda N. Supremacia do interesse público sobre o interesse privado em face dos direitos
fundamentais. Revista Mestrado em Direito, Osasco, ano 7, n. 1, p. 285, 2007.
59 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 209.
60 SARMENTO, Daniel. Colisões entre direitos fundamentais e interesses públicos. In: SARMENTO, Daniel;
GALDINO, Flávio. Direitos fundamentais: estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006. p. 313.
61 OSÓRIO, Fábio Medina. Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no direito administrativo
brasileiro? Revista de Direito Administrativo, n. 220, p. 87, 2000.
36 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
3 REGIME JURÍDICO DAS INFRAÇÕES ADUANEIRAS
Para a compreensão do regime jurídico das infrações e sanções adua-
neiras, é necessária a análise primeiramente do regime jurídico administra-
tivo, que consiste, conforme Marçal Justen Filho,
[...] no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho de
atividades e de organizações de interesse coletivo, vinculadas direta ou
indiretamente à realização dos direitos fundamentais, caracterizado pela
ausência de disponibilidade e pela vinculação à satisfação de determina-
dos fins.62

A Administração Pública deve observar os princípios obrigatórios im-


plícitos que regem sua atuação: a supremacia do interesse público sobre o
privado e a indisponibilidade dos interesses públicos por parte da Adminis-
tração Pública, conforme o art. 37, caput, da Constituição Federal, a fim de
promover tratamento próprio na relação do administrador público e os seus
administrativos, por meio de uma relação de direitos e deveres na busca da
promoção do bem-estar coletivo.
Nessa toada, apresentado o gênero administrativo, sabe-se que o regi-
me jurídico das infrações e sanções aduaneiras está atrelado à definição da
obrigação aduaneira e como ela se liga à obrigação tributária, observados
os dispositivos administrativos. O Código Tributário Nacional divide, no
art. 113, as obrigações tributárias como principal ou acessória. Segundo
essa definição, a obrigação tributária está condicionada à ocorrência do fato
gerador, bem como seu objeto é o pagamento de tributo ou a penalidade
pecuniária – objetos completamente distintos.
Por outro lado, a obrigação acessória é aquela prevista na legislação
tributária, mas que tem como objetivo a prestação, positiva ou negativa,
nela prevista no interesse da arrecadação e fiscalização dos tributos.
A jurisprudência do STJ, por sua vez, divide as obrigações acessórias
em vinculadas à incidência tributária e autônoma. Esta última não possui
qualquer vínculo com a existência do fato gerador do tributo.
No entanto, tal análise está adstrita ao regime jurídico tributário, no
qual somente as obrigações tributário-aduaneiras, referentes aos tributos in-
cidentes das operações aduaneiras, fazem parte. Está presente aqui, portan-

62 CARVALHO FILHO, 2016, p. 48.


RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 37
to, o primeiro ponto a ser utilizado na definição do regime das infrações e
sanções aduaneiras.
Ao analisar-se o outro ponto, porém, é perceptível que não existe
definição legal brasileira de obrigação aduaneira, mas apenas a referência
à obrigação tributária. Para que seja possível alcançar a definição da obri-
gação aduaneira, é necessário olhar para a Convenção de Quioto revisada63
e, também, para o Código Aduaneiro Comunitário (Europeu), que mais se
aproximam do objeto. Especialmente ao determinar formalidades aduanei-
ras, como o conjunto das operações que devem ser executadas pelas pesso-
as interessadas e pelos serviços aduaneiros para cumprimento da legislação
aduaneira.
Já, no Código Aduaneiro do Mercosul (CAM), há a definição de obri-
gação tributária aduaneira, no art. 160, como vínculo de caráter pessoal que
nasce com o fato gerador e que tem por objeto o pagamento dos tributos
aduaneiros. Desse modo, o CAM leva em consideração somente o caráter
tributário, e deixa de perceber o aduaneiro.
Luiz Roberto Domingo64, por outro lado, considera a obrigação adua-
neira como a principal no Direito Aduaneiro, a qual é destinada ao controle
administrativo aduaneiro, decorrente de seu poder de polícia.
No entanto, é mais adequado deixar de lado a classificação principal
ou acessória, posto que a natureza jurídica da obrigação aduaneira sempre
estará vinculada ao bem jurídico protegido pelo Direito Aduaneiro, ou seja,
o controle aduaneiro. Por conseguinte, toda obrigação aduaneira é acessó-
ria e essencial à efetivação do controle previsto no art. 237 da Constituição
Federal, não se confundindo, pois, com a obrigação tributária, a qual está
vinculada à arrecadação do tributo, esta sim classificada como principal ou
acessória.
Conclui-se, assim, que o ponto-chave para diferenciar as obrigações
está na motivação de sua criação. Enquanto as obrigações acessórias são
instituídas com a finalidade de arrecadação e fiscalização dos tributos, as
aduaneiras têm sua criação ligada às medidas de controle das operações de
comércio exterior, não vinculados a fins tributários.

63 A Convenção Internacional para a Simplificação e a Harmonização dos Regimes Aduaneiros, também de-
nominada de Convenção de Quioto revisada, é um instrumento reconhecido pela Organização Mundial das
Aduanas (OMA) como um compêndio de práticas aduaneiras ideais e necessárias para um comércio global
legítimo, simplificado e harmonizado.
64 DOMINGO, Luiz Roberto (Coord.). Tributação aduaneira à luz da jurisprudência do Carf – Conselho Adminis-
trativo de Recursos Fiscais. São Paulo: Apet-MP, 2013. p. 84.
38 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
Ao adentrar no regime jurídico da infração aduaneira, é imprescindí-
vel analisar, novamente, a Convenção de Quioto revisada, a qual, em seu
Anexo H.2, definiu infrações aduaneiras como qualquer violação ou tenta-
tiva de violação da legislação aduaneira.
Além disso, infração aduaneira caracteriza-se, também, por qualquer
oposição ou obstrução à estância aduaneira em cumprimento das medidas
de controle necessárias, bem como a apresentação às autoridades aduanei-
ras de faturas ou outros documentos falsos.
Na legislação brasileira, o Decreto-Lei nº 37/1966 instituiu o imposto
de importação e, no art. 94, definiu infração aduaneira como “toda ação ou
omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte
da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no
seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado
a completá-los”.
O Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) reproduz, no
art. 675, as penalidades aplicáveis às infrações aduaneiras previstas nas nor-
mas legais. Porém, a doutrina brasileira não trata especificamente das infra-
ções aduaneiras, mas de infrações fiscais tributárias.
No entanto, Paulo Coimbra define o ilícito aduaneiro como o “inadim-
plemento de uma prestação cogente, comissiva ou omissiva, decorrente da
lei ou contrato, que enseja a incidência de uma sanção”65.
O regime jurídico tributário-aduaneiro estipula a identificação da in-
fração tributária com a ruptura do vínculo jurídico no qual o ente estatal
cobra do sujeito privado determinada prestação tributária oriunda de certa
obrigação tributária. Nesse sentido, a obrigação tributário-aduaneira possui
normatização na legislação, que estabelece, inclusive, prazo determinado
para o cumprimento da obrigação, que, caso descumprida, irá desencadear
em uma sanção prevista em lei, devido à violação do bem jurídico tributário
protegido: a arrecadação.
Percebe-se, assim, que as penalidades são devidas a partir do des-
cumprimento da disposição legal, de modo que a relação jurídica que se
origina depois da violação desse direito é decorrência do ilícito cometido.
A infração consolidada na realidade enseja a incidência da norma sancio-
nadora, que se sujeita à autoridade competente para sua aplicação. As in-

65 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 132.
RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 39
frações aduaneiras, inseridas nesse cenário, ocorrem devido à violação de
determinada obrigação aduaneira que acarreta a violação do controle adu-
aneiro, que será conduta merecedora da sanção prevista na norma.
Podem ser enquadradas como infrações aduaneiras aquelas advindas
do descumprimento de prazos e da omissão na apresentação de documen-
to. Produzem resultado imediato e significam conduta de imposição de obs-
táculos para o exercício da função aduaneira, atitude que pode ser elevada
e observada a nível coletivo, o que demonstra, inclusive, afronta à própria
proteção da sociedade e da economia, tendo em vista o papel que a Aduana
enfrenta perante o ordenamento jurídico.
As infrações e sanções também englobam funções preventivas e di-
dáticas, pois buscam desestimular o descumprimento das obrigações e a
consequência já apontada, tendo em vista que ensejam a ordem jurídico-
-aduaneira. Assim, conclui-se que a imposição e a aplicação das infrações e
sanções aduaneiras, sujeitas ao regime jurídico aduaneiro e não ao regime
tradicional tributário, decorrem do descumprimento de obrigações adua-
neiras que fomentam o controle administrativo aduaneiro, de modo que os
agentes devem possuir ciência da sua aplicação e a certeza da consolidação
do ordenamento aduaneiro fortalecido.

4 DO LIMITE DO PODER DE POLÍCIA E A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.986


Recentemente, a Receita Federal tem buscado atualizar suas normas
aduaneiras, encontrando-se na IN RFB 1.986/2020 o Procedimento de Fis-
calização de Combate às Fraudes Aduaneiras, que de sobremaneira vem
regularmente o poder de polícia aduaneiro.
Fato como já tratado anteriormente é que a fiscalização pode ser pre-
ventiva e/ou repressiva; no entanto, deve conviver com os limites do inte-
resse público e da livre-iniciativa.
Contudo, o poder de polícia encontra limites, e não raramente ele é
confundido entre o interesse público e o da Fazenda Pública, e algumas ve-
zes utilizando o manto do poder/dever de fiscalizar, aparentando não existir
limites para o exercício da fiscalização.
Nesse sentido leciona Marçal Justen Filho:
O interesse público não se confunde com o interesse do Estado, com o
interesse do aparato administrativo ou do agente público. É imperioso
tomar consciência de que um interesse é reconhecido como público por-
40 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
que é indisponível, porque não pode ser colocado em risco, porque suas
características exigem a sua promoção de modo imperioso.66

Assim, é importante diferenciar os limites do interesse da Fazenda


Pública e do interesse público.
No caso em concreto, a IN RFB 986/2020 tem a previsão de reten-
ção das mercadorias antes da conclusão do despacho aduaneiro, e aqui
aparenta-se um verdadeiro público, e, ainda, tendo limite a própria norma
estabelecendo os limites, vejamos:
Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre o procedimento de fiscali-
zação utilizado no combate às fraudes aduaneiras, ao qual estão sujeitos
quaisquer intervenientes nas operações de comércio exterior.
Parágrafo único. Ficam dispensadas do procedimento a que se refere o
caput as ações de combate às fraudes aduaneiras decorrentes das opera-
ções de combate ao contrabando e ao descaminho desenvolvidas pelas
equipes de vigilância e repressão aduaneira e as análises dos elementos
indiciários de fraude executadas no curso do despacho aduaneiro, até o
momento do desembaraço, que não resultem em retenção de mercadoria.

Ainda:
Art. 6º O Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pela
execução do Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes
Aduaneiras poderá reter as mercadorias importadas sempre que houver
indícios de infração punível com a pena de perdimento, observadas as
disposições deste Capítulo.
Art. 7º A retenção de mercadorias a que se refere o art. 6º poderá ocorrer
no momento da instauração ou no curso do Procedimento de Fiscaliza-
ção de Combate às Fraudes Aduaneiras.
Parágrafo único. A retenção de mercadorias associada a um Procedi-
mento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras não impede
a retenção ou a apreensão de novas mercadorias no curso desse mesmo
procedimento, desde que atendidos os requisitos previstos no art. 6º ou
no art. 19, conforme o caso. (grifamos)

Verifica-se que, para que exista a retenção, devem ser observadas


as suspeitas de fraudes que possibilitam a pena de perdimento aduaneiro.
Ocorre que, para adotar tais elementos, mesmo que não disciplinados pela

66 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito administrativo reescrito: problemas do passado e temas atuais. Revista
Negócios Públicos, ano II, n. 6, p. 39-41, 2005.
RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 41
mencionada Instrução Normativa, devem ser observados os requisitos da
pena de perdimento.
O desenho dos limites da pena de perdimento encontrar-se no art. 23,
§§ 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 1.455/1976, vejamos:
Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às merca-
dorias:
[...]
V – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipó-
tese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de
responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a
interposição fraudulenta de terceiros.
§ 1º O dano ao Erário decorrente das infrações previstas no caput deste
artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias.
§ 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exte-
rior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos
recursos empregados.

Nessa esteira, a doutrina e a jurisprudência fazem a diferenciação de


que a hipótese do § 1º é o perdimento comprovado, ou seja, que tenha o
elemento da irregularidade mais ou elemento dolo, devendo a fiscalização
demonstrar cabalmente o ilícito cometido, e ficando evidente a chamada
“fratura exposta” do ilícito.
Não basta mera suspeita ou indício para o perdimento, mas tem que
existir elementos cabais para que seja aplicado o perdimento.
Por sua vez, segundo o § 2º é ônus do contribuinte demonstrar sua
capacidade econômica, sendo, assim, o método que se presume caso não
tenha elementos de prova.
No entanto, se tratando da fiscalização preventiva, para que ela seja
instaurada para que justifique a interrupção do despacho aduaneiro, ele
deve estar calcado em características de fraude verossímil; no entanto, não
está a defender que não se pode parametrizar em canal cinza. Porém, para
que ocorra tal parametrização, deve observar o disposto legal.
O que causa estranheza e aparentemente um verdadeiro abuso é em
relação ao parágrafo único do art. 7º, pois tem-se notícias, que muitas fisca-
lizações enquadra automaticamente as futuras importações em canal cinza,
sendo que a dicção do mencionado dispositivo é em sentido oposto.
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A dicção do parágrafo único é objetiva de para que ocorra à retenção
das mercadorias é de exista associação ao mesmo Procedimento de Fiscali-
zação, ainda, devendo ser fundamentado cada associação com elementos
que corroborem para “parametrização automática”.
Entender, que qualquer elemento existe associação para parame-
trização é hipótese arbitrária, pois, diferentemente do que estatuído pela
Instrução Normativa, cada parametrização deve ter seu fundamento e seus
indícios para cada importação.
Tendo como base o art. 21:
Art. 21. Após o registro, a DI será submetida a análise fiscal e selecionada
para um dos seguintes canais de conferência aduaneira:
§ 1º A seleção de que trata este artigo será efetuada por gerenciamento de
riscos, com auxílio dos sistemas da RFB, e levará em consideração, entre
outros, os seguintes elementos: (Redação dada pela Instrução Normativa
RFB nº 1.759, de 13 de novembro de 2017)
I – regularidade fiscal do importador;
II – habitualidade do importador;
III – natureza, volume ou valor da importação;
IV – valor dos impostos incidentes ou que incidiriam na importação;
V – origem, procedência e destinação da mercadoria;
VI – tratamento tributário;
VII – características da mercadoria;
VIII – capacidade organizacional, operacional e econômico-financeira
do importador;
IX – ocorrências verificadas em outras operações realizadas pelo impor-
tador.

Nesse sentido, foi proferida decisão liminar pelo Juiz Federal Umberto
Paulini, vejamos:
2.2. Por outro lado, entendo que a fiscalização aduaneira não está apon-
tando objetivamente os motivos concretos que ensejaram o início do pro-
cedimento administrativo fiscal.
Nesse sentido, há menção genérica de que: “A respeito dos indícios de
fraude aduaneira que embasam tal retenção, informo que são os mesmos
já mencionados anteriormente (evidências de vendas simuladas no mer-
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cado interno, vendas essas que terminariam por prover recursos para que
a empresa opere no comércio exterior)” (Id. 811984587).
[...]
Assim, a adoção da parametrização especial - com fiscalização pelo
“canal cinza” das importações - somente se justifica se houver fundado
receito ou indícios de irregularidades nas importações. A simples alega-
ção de existência de suspeita de ocultação do verdadeiro importador ou
de fatos investigados em outro procedimento não se justifica se ausente
menção aos fatos ou indícios concretos que induziram tal ilação.67

Nesse esteira, cabe-se dizer que devem existir elementos de fraude,


mais a hipótese do art. 21 mencionado supra, para que sejam paralisada
automaticamente as importações. Nesse sentido, Rosaldo Trevisan:
Sobre a relação entre fraude e simulação, nosso Código Civil (Lei
nº 10.406/2002), em seu art. 167, estabelece que a simulação nos ne-
gócios jurídicos ocorre quando: (a) aparentarem conferir ou transmitir
direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou
transmitem; (b) contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula
não verdadeira; ou (c) os instrumentos particulares forem antedatados,
ou pós-datados. E o mesmo código, por duas ocasiões, relaciona em um
mesmo dispositivo tanto a simulação quanto a fraude, o que endossaria,
grosso modo, a distinção, e afastaria a relação gênero/espécie.
Gómez (2008, p. 20-29), em obra especialmente dedicada ao tema, de-
pois de analisar conceitos jurídicos de simulação em negócios jurídicos,
sempre atrelados à expressão de um conteúdo diferente do real, para le-
var alguém ao engano, e que poderiam ser sintetizados por uma diver-
gência entre a vontade real e a declarada, diferencia a simulação do erro
(que é inconsciente), da reserva mental (assumindo que a simulação de-
manda a participação de mais de uma pessoa, enquanto a reserva mental,
unilateral, resulta da intenção psíquica de um dos contratantes), e do dolo
(que envolve má-fé, propósito maligno de um dos contratantes em rela-
ção ao outro), entre outros, e culmina o raciocínio com a distinção entre
“simulação” e “atos fraudulentos” (estes reais, e que revelam a vontade
de realizar o negócio jurídico com fins ilícitos), em que pese admitir que
a simulação pode encobrir uma fraude.68

67 Autos: 1080083-68.2021.4.01.3400
68 TREVISAN, Rosaldo. A “interposição fraudulenta” na jurisprudência do Carf. Estudos Tributários e Aduaneiros
do V Seminário Carf, Ministério da Economia, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Coordenação de
Marcus Lívio Gomes, Francisco Marconi de Oliveira e Alexandre Evaristo Pinto. Brasília: Carf, 2020. Dispo-
nível em: http://idg.carf.fazenda.gov.br/publicacoes/arquivos-e-imagens-pasta/e-book-v-seminario-carf-1.pdf/
view.
44 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDM Nº 65 – Nov-Dez/2021 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
Assim, poderíamos caracterizar fraude conforme dicção do art. 72 da
Lei nº 4.502/1964, vejamos:
Art. 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou
retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obriga-
ção tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características
essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou
diferir o seu pagamento.

Ainda, não poderia a Instrução Normativa fazer previsão de paralisa-


ções futuras das importações, uma vez que tal premissa deve existir em lei.
Nesse sentido o Código Tributário Nacional:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública
que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula
a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público
concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à discipli-
na da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüi-
lidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou
coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia
quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicá-
vel, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a
lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Assim, indubitável que a parametrização do despacho aduaneiro para


o canal cinza e a instauração do procedimento trazem de imediato efeitos
concretos negativos ao importador, pois, por período considerável, não po-
derá dispor das mercadorias.
De se imaginar, então, os efeitos gravosos da seleção do canal cinza
de conferência aduaneira para todas as importações, em verdadeira exorbi-
tância ao poder de polícia atribuído à Fiscalização Aduaneira.

CONCLUSÃO
Diante da vasta análise dos institutos do Direito Aduaneiro, conclui-
-se que os princípios da livre-iniciativa e do interesse público representam
os freios e contrapesos que traçam os limites para as sanções aduaneiras.
Isto, pois, é claro, é interesse da coletividade para que as pessoas tenham
sua condenação adequada, sem incorrer em arbitrariedades, que poderiam
colocar em risco o próprio ordenamento jurídico na sua totalidade.
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Da mesma forma, é necessária a observância obrigatória da livre-
-iniciativa, de modo que a sanção esteja adequada a esse pressuposto; caso
contrário, pode-se recair em uma concorrência desleal, na qual o Estado
não pode apenas aplicar as penalidades mensurando a coletividade, sem
que considere a iniciativa privada como fomentador social que deve ser
preservada e tratada de maneira igualitária perante todos os outros agentes
do mercado.
Considerando tratar-se de poder que delimita/disciplina direitos, im-
põe-se o respeito ao princípio da legalidade, já que, de um lado, a Adminis-
tração só pode agir dentro dos parâmetros fixados em lei (art. 37, caput, da
Constituição Federal) e, de outro, ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (inciso II do art. 5º da Cons-
tituição Federal).
Não há legitimidade para imposição de sanção cuja infração não está
descrita em lei.

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