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CAMILA GAIDO GRIZZO

(noturno)

SOCIOLOGIA E QUESTÕES DA CONTEMPORANEIDADE

PROF. DRA. MARIA CHAVES JARDIM

REFLEXÕES ACERCA DA ‘SOCIEDADE DO CANSAÇO’ DE BYUNG-CHUL HAN

ARARAQUARA - SP

2022
Introdução

O presente trabalho tem por objetivo apresentar e articular de maneira introdutória


questões abordadas na disciplina Sociologia e questões da contemporaneidade. A disciplina
ofertada pela Prof. Dr. Maria Jardim, no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e
Letras do Campus da UNESP Araraquara tem como proposta ampliar os horizontes do debate
social contemporâneo articulando as problemáticas encontradas na discussão de diferentes
autores.
Particularmente, neste texto, será trabalhada a obra do autor e filósofo sul coreano,
Byung-Chul Han (1959 -) intitulada Sociedade do cansaço (2015). Com este texto, procura-se
desenvolver reflexões acerca da condição cotidiana dos indivíduos na sociedade capitalista
neoliberal, as motivações de possíveis adoecimentos e suas mazelas.
Byung-Chul Han é radicado na Alemanha e atualmente desenvolve atividade como
professor de Filosofia e Estudos Culturais da Universidade de Artes de Berlim. Estudou
filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de
Munique. No ano de 1994, atingiu o título de doutor em Friburgo com uma tese sobre Martin
Heidegger. Han possui um repertório de discussões que abarcam questões acerca da condição
humana, o mundo do trabalho e tecnologia. Em Sociedade do cansaço (2015),
especificamente, e em demais trabalhos, o autor dialoga com Foucault, Nietzsche Heidegger.

Aspectos sociais do cansaço e do adoecimento

Ao longo do seu texto, Han desenvolverá a defesa de que vivemos em uma época
carregada de problemas neurais. Diferente de épocas anteriores marcadas pelas ofensivas
bacteriológicas e virais, o presente momento é marcado por patologias da mente.

Visto a partir da perspectiva patológica, o começo do século XXI não é definido


como bacteriológico nem viral, mas neuronal. Doenças neuronais como a
depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade
(Tdah), Transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout
(SB) determinam a paisagem patológica do começo do século XXI. (HAN, 2015,
p. 7)

Para o autor, no século XXI, vive-se um momento pobre em negatividade. Embora,


aparentemente, o leitor possa imaginar que esta condição possa se tratar de algo bom, o que
de fato está colocado é o fardo do excesso de positividade. Neste caso, a positividade
representa um exagero, uma condição extenuante ou até mesmo uma servidão. Este
momento coincide com o desenvolvimento da globalização, o fim da Guerra Fria, assim
como, a quebra das barreiras e limites e, está associado também, com um suposto aumento
de possibilidades.

A violência da positividade que resulta da superprodução, superdesempenho ou


supercomunicação já não é mais “viral”. [...] A rejeição frente ao excesso de
positividade não apresenta nenhuma defesa imunológica, mas uma ab-reação
neuronal-digestiva, uma rejeição. Tampouco o esgotamento, a exaustão e o
sufocamento frente à demasia são reações imunológicas. Todas essas são
manifestações de uma violência neuronal, que não é viral, uma vez que não
podem ser reduzidas à negatividade imunológica. (HAN, 2015, p. 11)

A violência da positividade não se trata de uma ameaça viral. Não se trata, como
outrora, da polarização entre inimigos e aliados, entre interior e exterior, entre estranho e
próprio, não se trata de uma negatividade estranha ao sistema; não há, segundo Han, um
inimigo externo a ser combatido. A violência da positividade não necessariamente articula
a existência e o combate a um inimigo em comum. Entretanto, a violência da positividade
articula a existência de uma violência sistêmica, um tipo que é imanente ao sistema,
silenciosa e de difícil percepção.
Segundo Han, outro aspecto da sociedade do século XXI é que não se trata mais de
uma sociedade disciplinar, e, sim, de uma sociedade do desempenho. Não se trata mais da
sociedade da negatividade e da proibição alertada por Foucault com seus presídios,
hospitais, fábricas, asilos e quarteis. Agora, encontra-se shoppings centers, aeroportos,
academias, escritórios, bancos e laboratórios de genética; nesta sociedade do desempenho,
encontra-se no poder do ilimitado o seu aspecto positivo.

A sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios, quartéis


e fábricas, não é mais a sociedade de hoje. Em seu lugar, há muito tempo, entrou
uma outra sociedade, a saber, uma sociedade de academias de fitness, prédios de
escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética. A
sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade
de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos da
obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si
mesmos. Nesse sentido, aqueles muros das instituições disciplinares, que
delimitam os espaços entre o normal e o anormal, se tornaram arcaicos. A
analítica do poder de Foucault não pode descrever as modificações psíquicas e
topológicas que se realizaram com a mudança da sociedade disciplinar para a
sociedade do desempenho. Também aquele conceito da “sociedade de controle”
não dá mais conta de explicar aquela mudança. Ele contém sempre ainda muita
negatividade. (HAN, 2015, p. 14)

Pode-se associar o que o autor denominou como “empresários de si mesmos”, à


condição dos trabalhadores que, anteriormente, vinculados à coletividade de sua classe na
luta e conquistas da organização sindical, e que agora encontram-se desarmados e atingidos
pelos retrocessos das retiradas de direitos no mundo neoliberal globalizado. O coletivo
organizado, mesmo que diante da negatividade da sociedade disciplinar, incorporava e
preenchia o sentimento de pertencimento nos indivíduos. Diferentemente, do que se
verifica no século XXI, os trabalhadores estão atomizados e divididos em estratificações e
categorias que não possibilitam a organização e complementariedade de suas lutas.
A ampliação dos rendimentos capitalistas fez com que as garantias sociais e legais
dos trabalhadores passassem a ser acessório desprezível e, sobretudo, um obstáculo no
aumento das suas taxas de lucro. A quebra dos limites e das barreiras do mundo
globalizado, flexibilizou regulamentações ao redor do mundo e recrudesceu condições de
trabalho pautadas na lógica da maior produtividade. O trabalho na sociedade do
desempenho é em tempo integral, indiscriminado, sem períodos de descanso ou
remuneração acrescentada para compensação deste desgaste. Tal condição encaminha os
indivíduos para o burnout.

O sujeito de desempenho é mais rápido e mais produtivo que o sujeito da


obediência. O poder, porém, não cancela o dever. O sujeito de desempenho
continua disciplinado. Ele tem atrás de si o estágio disciplinar. O poder eleva o
nível de produtividade que é intencionado através da técnica disciplinar, o
imperativo do dever. Mas em relação à elevação da produtividade não há
qualquer ruptura; há apenas continuidade. (HAN, 2015, p. 15)

Segundo o autor, o burnout não representaria o indivíduo esgotado, mas, uma alma
consumida. O que torna uma pessoa doente é o imperativo do desempenho como novo
mandato, como uma nova realidade pós-moderna do trabalho. O sujeito depressivo é o
animal laborans que explora a si mesmo, que o faz de forma deliberada sem qualquer
coerção externa. Este indivíduo é agressor e vítima ao mesmo tempo. O excesso de
estímulos, de impulsos e de informações, faz com que o sujeito esteja o tempo todo atento
e ativo chegando a se tornar hiperativo e hiperneurótico.

O animal laborans pós-moderno é provido do ego ao ponto de quase dilacerar-se.


Ele pode ser tudo, menos ser passivo. Se renunciássemos à sua individualidade
fundindo-se completamente no processo da espécie, teríamos pelo menos a
serenidade de um animal. Visto com precisão, o animal laborans pós-moderno é
tudo menos animalesco. É hiperativo e hiperneurótico. (HAN, 2015, p.24)

Para Byung-Chul Han, a ideia de tédio profundo, nestas condições de


processamento ininterrupto, poderia ser considerada como um aspecto positivo aos
sujeitos; poderia ser encarado como um momento criativo aos indivíduos. O autor destaca
que a atenção profunda e a contemplação estariam se perdendo nesta sociedade do
desempenho. Nela, o autor ressalta não haver liberdade, uma vez que o que se tem são
novas coerções.

O sujeito de desempenho está livre da instância externa de domínio que o obriga


a trabalhar ou que poderia explorá-lo. É senhor e soberano de si mesmo. Assim,
não está submisso a ninguém ou está submisso apenas a si mesmo. É nisso que
ele se distingue do sujeito de obediência. A queda da instância dominadora não
leva à liberdade. Ao contrário, faz com que liberdade e coação coincidam. Assim,
o sujeito de desempenho se entrega à liberdade coercitiva ou à livre coerção de
maximizar o desempenho. O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa
autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha
de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o
explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa
autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das
estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. Os
adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as
manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal. (HAN, 2015, p. 17)

Os desempenhos culturais da humanidade, dos quais faz parte também a filosofia,


devem-se a uma atenção profunda, contemplativa. A cultura pressupõe um
ambiente onde seja possível uma atenção profunda. Essa atenção profunda é cada
vez mais deslocada por uma forma de atenção bem distinta, a hiperatenção
(hyperattention). Essa atenção dispersa se caracteriza por uma rápida mudança de
foco entre diversas atividades, fontes informativas e processos. E visto que ele
tem uma tolerância bem pequena para o tédio, também não admite aquele tédio
profundo que não deixa de ser importante para um processo criativo. (HAN,
2015, p. 19)

Considerações finais

A partir da discussão realizada pela obra Sociedade do cansaço (2015), pode-se


elencar tópicos relativos às novas condições de trabalho e de sobrevivência a que estão
submetidos os indivíduos na atual sociedade neoliberal globalizada.
O avanço das tecnologias e a quebra de barreiras do mercado mundial, fez com que
os sujeitos perdessem também limites na sua forma de se relacionar com o cotidiano.
Acompanhando o processo acelerado de produção capitalista, os seres humanos, se
aceleram igualmente para acompanhar o desempenho desta sociedade. Nota-se que, tal
desempenho, apresenta-se quase como uma ética, em que o se tem como ideal de bom e de
objetivo a ser alcançado é o máximo rendimento, o máximo desempenho, o máximo
processamento.
Sob a ótica da construção dos laços entre os indivíduos, nota-se, uma atomização.
Isto é, a coletividade, cede espaço para o individualismo. Uma vez que os trabalhadores
neste cenário neoliberal estão sem garantias legais trabalhistas, o que se têm são os
empresários de si mesmos; aquele que sofre a coerção é também aquele que a executa
contra si mesmo.
De tal forma, é possível, inclusive, se traçar paralelos com o que Zygmunt Bauman refletiu
acerca da liquidez das relações neste mesmo ambiente hiperconectado neoliberal. Os laços
são efêmeros e substituíveis de acordo com os interesses do momento.
Neste sentido, pode-se concluir, a partir da reflexão oferecida pelo autor, que nesta
nova dinâmica social os indivíduos se encontram exauridos. A demanda pelo desempenho
e pela resposta imediata ao trabalho e às condições desumanas de produção submete a
individualidade a uma estafa que leva a graves problemas psicológicos como os apontados
anteriormente. Este cenário de desordem subjetiva é o que, segundo o autor, caracteriza o
atual momento em que a humanidade vive.
Faz-se importante o estudo e o aprofundamento das discussões apresentadas pelo
trabalho de Byung-Chul Han para aqueles que buscam compreender o que caracteriza a atual
condição de vida humana, sobretudo, para orientar quais caminhos devem ser seguidos para
evitar o colapso geral das individualidades, bem como, da coletividade.
REFERÊNCIAS
HAN, Byung-chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Editora Vozes, 2015.

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