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Sergio Corazzini

Águas
Lombardas
e Outros Poemas

(ANTOLOGIA POÉTICA)

Ensaio, seleção, tradução e notas


Claudio Sousa Pereira

1ª Edição

Bahia / 2021
Nenhum trabalho pode ser medido pelo tamanho da empresa
que o executa, mas pela coragem e confiança no que faz. É
assim que, inspirados pela máxima pessoana, “põe quanto
és no mínimo que fazes”, trabalhamos cotidianamente
oferecendo ao leitor livros de qualidade e respeitando o autor
naquilo que ele tem de mais sagrado: os seus sonhos.
www.editoramondrongo.com.br

2021, Águas Lombardas e Outros Poemas


(2ª reimpressão)
Gênero: Poesia
Copyright © Cláudio Sousa Pereira (Tradução)
Copyright © Mondrongo
Editoração eletrônica e Capa: Ulisses Góes
Imagem da capa: Sandro Castelli
Editor: Gustavo Felicíssimo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP


C788a Corazzini, Sergio.
Águas lombardas e outros poemas / Sergio Corazzini ; [traduzido por] Cláudio
Sousa Pereira. – Itabuna, BA: Mondrongo, 2021.
180 p. ; 13 x 20 cm.

Edição bilíngue em italiano e português.


ISBN 978-65-86124-55-2

1. Literatura italiana. 2. Poesias. I. Pereira, Cláudio Sousa. II. Título.

CDU: 850-1
CDD: 851

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A Állex Leilla,
Daniel Funnesu,
Henrique do Nascimento,
João Filho,
Luís Bragança de Pina,
Ricelle Brandão
e
Wladimir Saldanha —
Meus sinceros agradecimentos.
SUMÁRIO

Sergio Corazzini e os Crepuscolari


Claudio Sousa Pereira........................... 11

Águas lombardas e outros poemas

Dolcezze (1904):
Il mio cuore ........................................... 26
O meu coração....................................... 27
Acque lombarde .................................... 28
Águas lombardas................................... 29
Cremona ................................................ 30
Cremona................................................. 31
Ballata della primavera ...................... 32
Badala da primavera.............................. 33
Dolore I, II e III .................................... 34
Dor I, II e III........................................... 35
Chiesa abandonatta ............................ 40
A igreja abandonada............................. 41
Follie ....................................................... 42
Loucuras................................................. 43
Scritto sopra una lama ........................ 46
Escrito numa espada............................. 47
Immagine .............................................. 48
Imagem................................................... 49
Per musica ............................................. 50
Letra para música.................................. 51
Asfodeli .................................................. 52
Asfódelos................................................ 53

L’amaro cálice (1904):


Invito ...................................................... 54
Convite.................................................... 55
Rime del cuore morto .......................... 56
Rimas do coração morto...................... 57
Capella in campagna: I, II, III e IV.......... 60
A capela no campo: I, II, III e IV......... 61
Balatta del fiúme e delle stelle ............ 68
Balada do rio e das estrelas................... 69
A Carlo Simoneschi ............................. 70
A Carlo Simoneschi............................... 71
Toblack ................................................... 72
Toblack................................................... 73
Isola dei morti ...................................... 80
Ilha dos mortos...................................... 81

Le aurore (1905):
L’anima ................................................... 82
Alma........................................................ 83
Spleen ..................................................... 84
Spleen...................................................... 85
Sonetto della neve ................................ 88
Soneto da neve....................................... 89
La finestra aperta sul mare ................ 90
A janela aberta sobre o mar.................. 91
Sonetto ................................................... 96
Soneto...................................................... 97
Sonetto all’autunno .............................. 98
Soneto ao outono................................... 99

Dal piccolo libro inutile (1906):


Desolazione dei povero
poeta sentimentale .............................100
Desolação do pobre
poeta sentimental................................101
Canzonetta all’amata ........................106
Cançoneta a amada.............................107

Libro per la sera della domenica (1906):


La liberazione .....................................110
A libertação..........................................111
Le illusioni ...........................................112
Ilusões...................................................113
Dialogo di marionette .......................114
Diálogo de marionete..........................115
L’ultimo sogno .....................................118
O último sonho....................................119
Castello in aria ...................................122
O castelo no ar.....................................123
Scena comica finale ............................124
A cena cômica final.............................125
Bando ...................................................128
Intimação..............................................129

Il sentiero:
Il sentiero .............................................130
O caminho............................................131

La morte di Tantalo:
La morte di Tantalo............................132
A morte de Tântalo..............................133

Poesie sparse:
L’agnello ...............................................136
O cordeiro.............................................137
Il canto del cieco .................................138
O cântico do cego................................139
Tu... .....................................................140
Tu... ......................................................141
Vinto .....................................................142
Ganho ...................................................143
Trittico .................................................144
Tríptico .................................................145
La chiesa ..............................................148
A igreja..................................................149
Il cuore languiva ................................152
O coração lânguido ............................153
Leone XIII ...........................................154
Leão XIII ..............................................155
L’anello .................................................156
O anel ...................................................157
Il cimitero ............................................158
O cemitério ..........................................159
Il ritorno ..............................................160
O retorno..............................................161
I suoi occhi ...........................................162
Os seus olhos .......................................163
L’incanto ..............................................164
O encanto .............................................165

Algumas edições
da obra de Corazzini...........................167
Notas das traduções............................169
Bibliografia consultada.......................177
Dados sobre o tradutor.......................179
SERGIO CORAZZINI
E OS CREPUSCOLARI

O poeta italiano Sergio Corazzini (1886-


1907) talvez seja um nome completamente desconhe-
cido pelo público leitor brasileiro, incluindo aqueles
que são mais achegados à literatura e à poesia. No en-
tanto, o autor é conhecido e reconhecido no seu país
de origem como um dos poetas que pertenceram a
um grupo literário, do qual se diferenciava de outros
movimentos à época. Os Crepuscolari, como ficaram
conhecidos, conviveram com outras duas tendências
estéticas de relevância naquele momento: o Simbo-
lismo, movimento iniciado na última década do Sé-
culo XIX, que tinha como principal expoente Gabriele
D’Annunzio (1863-1938), escritor e poeta já consagra-
do na época, não só na literatura italiana; e o Futuris-
mo, movimento que iniciava e influenciava outras es-
feras artísticas para além das letras, tendo como prin-
cipal artífice Filippo Tomazzo Marinetti (1876-1944).

11
O nome Crepuscolari foi apresentado pela
primeira vez em 1910, através do crítico literário e
poeta Giuseppe Borgese (1882-1952), reconhecendo
nesse grupo características reativas principalmente ao
conteúdo retórico do Simbolismo, e introduzindo no-
vas soluções formais e estilísticas. A metáfora escolhida
para intitular o grupo indica a integralização desse movi-
mento a uma parábola idealizada da poesia italiana, que
sugere o período compreendido de um dia. Assim no es-
plendor de cada movimento autores de relevada impor-
tância cultural se distinguem primeiramente pela Manhã
— Dante Alighieri, Francesco Petrarca e Bocaccio —; o
Meio dia — Matteo Maria Boiardo, Ludovico Ariosto e
Torquato Tasso—; a Tarde — Carlo Goldoni, Giuseppe
Parini, Vittorio Alfieri —, e Fim de tarde — Ugo Foscolo,
Alessandro Malzoni, e Giácomo Leopardi.
A publicação de obras que pertencem ao
ideário dos Crepuscolari iniciou-se em 1901, durando
cerca de uma década e meia. Além de Sérgio Corazzi-
ni, destacaram-se outros poetas, iniciantes também na
atividade literária: Guido Gozzano (1883-1916), Cor-
rado Govoni (1884-1965), Tito Marrone (1882-1967),
Aldo Palazzeschi (1885-1974), Fausto Maria Martini
(1886-1931). Com exceção de Gozzano e Corazzini —
autores nos quais as características dos Crepuscolari
estão mais evidenciadas — os demais autores a poste-
riori aderiram ao Futurismo.

O POETA SERGIO CORAZZINI

Nascido em Roma, no sexto dia de fevereiro


de 1886, Sergio Corazzini iniciou sua atividade literária

12
próximo dos 15 anos de idade. A partir de 1902 come-
çou a colaborar no jornal satírico-humorístico Pasquino
de Roma, onde publicou, até 1905, numerosos poemas.
A partir do ano seguinte, passou a colaborar nas revistas
mais prestigiosas de sua época, como Gran Mondo e Vita
Letteraria. Em 1904, portanto, com 18 anos de idade, co-
meça a recolha em livros, na verdade, plaquetes: Dolcez-
ze (1904), L´Amaro Cálice (1905) e Le Aurore (1905). Por
essa época, Sergio se encontrava doente e desenganado
pelos médicos. Em meio a essa intensa atividade literária,
há uma história de infortúnios pessoais. Com a tuberculo-
se avançada, como vários familiares seus que padeceram
do mesmo mal, Corazzini veio a falecer em 17 de junho
de 1907 com apenas 21 anos de idade.
Mesmo com uma morte tão precoce, Coraz-
zini é considerado um dos corifeus do movimento.
Depois de Guido Gozzano, encontra-se no jovem poe-
ta, tão precocemente desaparecido, o encadeamento
estilístico que dá delineamento às principais prerro-
gativas dos Crepuscolari: como no epíteto do grupo,
desenvolve-se uma poesia em descrição crepuscular,
quase noturna, na qual a nostalgia do horizonte e a
desilusão são vazadas em estilo simples e linguagem
direta, evitando o discurso empolado dos seus ante-
cessores. Ampliam-se a análise do eu-interior exter-
nado no real, em que se revelam conflitos existenciais,
ressaltado pela inadaptação ao cotidiano presente.
Os Crepuscolari apropriam-se de imagens bu-
cólicas, descrevem cenários antes pouco utilizados, as-
sim como repudiam a imagem do poeta como sacerdote,
um profeta. Finalmente, contribuem com duas conquis-
tas caras à modernidade: o uso do verso livre, sem antes

13
passar como uma espécie de polimetria (uso de vários
metros poéticos no mesmo poema) e a incorporação da
ironia como recurso poético, processo este fundamental
para a definição dos novos poetas naquele momento.

SERGIO CORAZZINI: ASPECTOS


CENTRAIS DA SUA POÉTICA

Na leitura dos poemas de Sérgio Corazzini, o


leitor encontrará uma poesia de alguma forma aparen-
tada aos poetas pré-modernos brasileiros, de modo que
se diferencie de algumas e naturais nominalizações das
paisagens de certas regiões italianas. A trajetória poéti-
ca de Sergio Corazzini, embora curta no espaço de tem-
po pela vida lamentavelmente breve que teve, foi densa
e coerente no que propôs fazer, de acordo com o estado
de alma que muitas vezes exibia.
Legatário de uma experiência Postsimbolista
francesa e belga, à forte semelhança de Francis Jammes
e Paul Verlaine, também no coincidente dizer do pro-
fessor Álvaro Cardoso Gomes, e com alguma vizinhan-
ça de Georges Rodenbach e Albert Samain, a poesia de
Corazzini expressa uma inclinação pungente para a au-
sência, num mergulho às imagens de sombra, solitude
e solidão, traduzindo a ideia de inadaptação à realida-
de: “O meu peito é uma ruiva/ mancha de sangue, onde/
eu me banho com vontade/ minha pena, a doce prova/
eternamente movida” (in Il mio Cuore/O meu coração).
O poeta deixa transparecer, claramente, a própria vida,
num estado de ânsia permanente, e rematando uma
imagem recorrente de um caminhante melancólico
que, ao mesmo tempo, adere à vida e a nega também

14
como solução final dos tormentos consolidados, como
na primeira estância do poema Dolore/Dor:

I.
Vou dizer-te em segredo
Minha doce agonia
que me faz triste e quedo.

Vê, observa que a minha


alma é tanto meu peito
e o coração é a minha

alma, e se o devaneio
na alma um pouco se sente,
sofre também o peito,

infante, quietamente.

Pode-se afirmar, na observação da poesia de


Sergio Corazzini, uma espécie de “diálogo autobiográfico”,
numa atitude humilde enquanto capacidade de escrever
e de sentir-se poeta, no qual tem, os poemas Tu e Desola-
ções de um pobre poeta sentimental, este mais adiante ana-
lisado. Contudo, decisivamente fica transparecido para o
leitor, sobretudo o conhecedor da poesia finissecular e do
início do século XX, o início da construção de uma nova
estância expressiva, com a adição de versos metrificados,
porém polimétricos, léxico mais voltados ao falar cotidia-
no, e próximo de um andamento narrativo. Observamos
também um pequeno curso poético em que se apercebe
uma ampliação e abertura de novos recursos expressivos.
Em Corazzini prevalece um ritmo meditativo integrador
do sujeito poético e a paisagem natural. Pode-se ver, por
exemplo, em “Águas Lombardas”:

15
ÁGUAS LOMBARDAS

Águas tão claras que eu corri sonhando,


na doçura das noites de estio,
alargam entre as margens desse rio
como intratável olho, a quando e quando,

oh, fonte de lembrar primaveril,


murmurando ao verdor um sonho brando,
águas lombardas que eu vou suspirando,
recordo ternamente o que se viu.

De vós, as águas estagnam na alma


das verdes planícies da Lombardia,
de vós, a fonte cintilante e calma

é maviosa, que em maio florescia.


E a voz sonhada animava a minh’alma
e esta mística viagem me movia.

O expediente do uso da ironia e do tino lúdi-


co como recurso mimético podem ser vistos através da
experimentação da dor e a consciência numa realidade
sempre muito contraditória, como em “O Cordeiro”:

O CORDEIRO

Os teus olhos dolorosos


umedecem sem balir,
e parecem que não ousam
o nobre perdão pedir.
Oh, amaria o retorno
aos prados perfumados,
sobre os bosques alados
pascendo as flores do entorno!

Oh, sinto o suave encanto


das noites estreladas
com as folhas trescaladas...

16
Oh, doçura do passado!...
E agora, quando choras,
ninguém acode o enfado!...

Abrasado pelas ​​ilusões em lirismo francamente


aberto: “Lâmina, um raio fulminante, a alma é tensa/ e está
fria, e como uma alma de uma branca/sacerdotisa, ó, então,
confessa-me, franca,/ mas não devia estar no rastro e em san-
gue imersa?” (Scritto sopra una lama/Escrito numa espada)
se fez, de maneira muito clara, em Corazzini a vontade de
vagar entre os sentimentos despedaçados nas sombras da
tristeza e da vida cotidiana para adentrar, então, nos corre-
dores da última ausência, a finitude da existência.
O vocabulário mais recorrente dos seus opús-
culos iniciais, funda ironia, tristeza e melancolia, é comum
ao vocabulário poético presentemente em boa parte da-
quela geração. Para Flora di Legami, em estudo inserto no
livro Storia Generale delle Letteratura Italiana, Corazzini é
certamente o autor que contribuiu de forma mais produn-
da na formação de um repertório temático e linguístico
típico ao ideário e poética dos Crepuscolari. Especifica-
mente, os poemas do autor se dispõem como uma sonda
que asculta o tempo da alma e as suas vibrações interiores
e dimensões do silêncio. Obra poética que perfaz-se no
espaço da memória e a preferência reiterada e consciente
das paisagens outoniças através de reiteradas recordações.
Desta forma, Corazzini vai compondo uma es-
pécie de monólogo entre sua vida e a idealização do seu
fim, de modo que vemos nos poemas o Coração lânguido,
Ilusões e O último sonho, transmitindo-o a interlocutores
ideais ou até mesmo reais, no poema A Carlo Simoneschi.
No que tange aos aspectos formais, nos primeiros livros es-

17
tão mais presentes a predileção por sonetos e poemas com
versos polimétricos, em caminho para os versos livres.
Na sequência de sonetos de A capela no campo,
o poeta mostra o sujeito lírico em busca de comunhão
de afeto com a paisagem evocada, envolto em mistério e
imerso em matizes religiosos de matriz católica; por sua
vez, em Spleen, a observação se transmite com um apro-
fundamento interior do eu poético. Em A morte de Tân-
talo, figura-se em representar-se num retrato do artista,
claroescuro, e na tensão de uma existência ao mesmo
tempo coloquial e com bastante limpidez.
Já em Desolações ao pobre poeta sentimental, prova-
velmente o poema mais conhecido de Sergio Corazzini, a voz
enunciadora conclama a impossibilidade de ser um poeta, e
oferece a própria lágrima ao silêncio, afirmando que a própria
vida é cheia de pobres tristezas comuns a todos, assim como
também de alegrias, que o enternecem. E ele pensa na morte:

I.
Por que você me diz: poeta?
Eu não sou um poeta.
Não sou mais que um jovem triste que chora.
Veja: só tenho lágrimas ao Silêncio, por ora.
Por que você me diz: poeta?
[...]
Veja: não sou um poeta; estou a ser
um jovem triste com vontade de morrer.

Na continuidade deste poema, dividido em oito


estâncias, o sentimento de tristeza e de angústia se exaspera
diante da realidade e ele invoca diretamente a morte, por-
que se julga farto de viver. Passa a aceitar qualquer coisa e
se sente como um espelho que reflete a triste existência de

18
homem. Corazzini, neste poema, deseja uma vida simples,
na presença de Deus e a imitar Cristo. Porém, é tomado pela
tristeza e inutilidade do ser, e deseja morrer lentamente,
pois, neste estado, poderá atingir o apaziguamento da alma:

VII.
Eu amo as coisas simples da vida.
Quantas paixões desfazendo, pouco a pouco,
por todas as coisas que não se afastavam!
Mas você não sorri e me compreende.
E pensa que eu estou doente.

VIII.
Oh! mas estou muito doente!
Todos os dias morro docemente.
Veja: iguais as coisas.
Não sou, portanto, um poeta:
sou porque dizem: poeta, convém
viver bem outra vida!
Não sei, meu Deus, do que morrer.
Amém.

Este poema, parcialmente transcrito aqui, su-


gere a condição fragmentária do eu vivida pelos poetas
românticos brasileiros no meio do século XIX, a ponto de
impressionar Manuel Bandeira, no alto do seu sentimento
de inutilidade diante da tuberculose que o aplacava.

OS CREPUSCOLARI E
OS POETAS BRASILEIROS

No livro Itinerário de Pasárgada, testamento poé-


tico e testemunho do fazer literário do autor, Bandeira re-
fere-se a alguns poetas do Crepuscolari italiano, referindo a

19
Sergio Corazzini como uma das fontes de formação do seu
labor poético. A partir do próprio relato pessoal no Itine-
rário, reporta-se às estâncias com que tivera contato desses
autores: teve contato com a poesia de Palazzeschi, do qual
um poema conhecia de cor, como também foi com Soffi-
ci, Govoni, Ungaretti e Corazzini, a partir, provavelmente,
através de antologia coletiva. Assim, Bandeira nos reporta:

“E era com passagens como esta de Soffici ou


palavras do Codici di Perelà de Palazzeschi, que
nos desabafávamos então do tédio do quotidia-
no. Naquele tempo me apaixonei, mas me apai-
xonei deveras, por um poema de Sérgio Coraz-
zini, poeta um ano mais moço do que eu (sic)i
e falecido aos vinte anos, da mesma tuberculose
de que escapei de morrer. Pertencera ao grupo
dos “crepuscolari”, sentimentais, irônicos e an-
tidannunzianos. (...) E [eu] era este sentimenta-
lão que se deliciava ao repetir consigo (como se
fossem coisas tiradas do próprio peito) os lan-
cinantes queixumes da ‘Desolazione dei povero
poeta sentimentale’, de Corazzini.”

Pode-se afirmar com toda segurança que os


poetas Crepuscolari contribuíram, de alguma forma, com
a formação inicial de alguns poetas no período que com-
preende a belle époque brasileira, ressonâncias que trans-
cenderam inclusive a Semana de Arte Moderna de 1922,
esta que, decididamente, não dera abertura à percepção
deste tipo de poesia, mas que, a gosto alheio, prosseguiu
presentemente na poesia de autores tão fundamentais
que foram Cecília Meireles, Augusto Frederico Schimidt
e Vinícius de Moraes. Excetuando os críticos Otto Maria

i Houve uma pequena imprecisão na memória de Manuel Bandeira


quanto a idade de Corazzini.

20
Carpeaux “o adolescente desesperado, morto aos vin-
te anos”, como o define, Massaud Moisés e Alfredo Bosi
(embora estes dois últimos citem episodicamente e super-
ficialmente sobre), e de Manuel Bandeira, não há menção
sequer em nenhum manual didático ou algum outro en-
saio interpretativo sobre a influência do grupo italiano na
poesia brasileira daquele período. Porém, é revisitado em
algumas citações nominais nas entrevistas de Marco Luc-
chesi, poeta, ensaísta e profundo conhecedor da literatura
italiana, e por citação no livro “O Simbolismo” de Álvaro
Cardoso Gomes “Herdeiros de Gabriele D’Annunzio, mas
já dentro do século XX, os “Crepuscolari” (Sergio Corazzi-
ni, Guido Gozzano, etc.) expressam, em tons verlainianos, a
dor de viver e a melancolia frente à existência”. E o autor o
cita na lista de autores Simbolistas.
Ao associar a contiguidade temática e a pre-
sença do ideário dos Crepuscolari com algum de nossos
poetas, de certo modo há de reconhecer que os influxos
estéticos vindos da Itália — mesmo que originalmente
viessem dos poetas do Decadentismo francês — foram
importantes (e até decisivos) para a constituição fisionô-
mica de algumas coletâneas e obras poéticas publicadas
no Brasil entre 1916 e 1924.
Por analogia geracional, no Brasil, verifica-se
procedimentos parecidos em Mário Pederneiras (1867-
1915) e Felipe D’Oliveira (1891-1933), autores de gera-
ções diferentes. Citemos, pois, os poetas que transpa-
recem certa presença dos Crepuscolari em suas obras:
Manuel Bandeira (1886-1968) nos seus primeiros três
livros: A cinza das horas (1917), Carnaval (1919) e O
Ritmo Dissoluto (1924); Rui Ribeiro Couto (1898-1963),
nos volumes iniciais da carreira do poeta e romancista

21
que foram O Jardim das confidências (1921) e Poemetos
de Ternura e Melancolia (1924). Outros poetas: Eduardo
Guimaraens (1892-1928) com A Divina Quimera (1916)
e Raul de Leoni (1895-1926) na sua principal obra, Luz
Mediterrânea (1922).
Assim sendo, há a oportunidade de publicação
de uma poesia que é praticamente desconhecida. Ressal-
to, portanto, que, provavelmente alguns textos de poetas
do movimento Crepuscolari aproximam de certas com-
posições de poetas brasileiros, sobretudo dos volumes de
poesia dos poetas supracitados, que tiveram de alguma
forma uma aproximação perene e afetiva com determi-
nadas obras do referido movimento.

OS POEMAS TRADUZIDOS

Pelo menos do que se conhece, apenas um


único poema de Sérgio Corazzini fora traduzido para
o português, em Portugal, pelo poeta e crítico Jorge de
Sena (1919-1978). Nesta coletânea serão apresentados
quarenta e oito poemas, que, contando com os textos em
estâncias, somam o total de sessenta e seis textos traduzi-
dos, cotejando o original e a tradução.
Nas palavras de Péricles Eugênio da Silva Ra-
mos, “é praticamente impossível, nas traduções de qual-
quer língua para o português, preservar todos os valores
do original”. De fato, nem sempre é possível conservar o
metro, e as vezes é preciso parafrasear ou mesmo resu-
mir o pensamento do autor, a fim de conservar proxi-
midade com os aspectos formais do poema original. Des-
ta forma, diante de um contexto irreal em se produzir um
texto exatamente como no original na tradução, buscou-se

22
estar o mais próximo da homologia semântico-formal
na recriação, mantendo quando possível a métrica, as-
sonâncias, ritmos, disposição e apresentação visual do
poema, assim como as sonoridades e esquemas de rimas
no texto na língua-cultura de chegada. Portanto, concor-
dando perfeitamente com o tradutor paulista que, tra-
duzir é, antes do mais, compreender, porém não há de
se garantir que a compreensão do texto seja a exata ou
a única exata. Nos poemas com versificação polimétri-
ca, sem descuidar do contexto fabulatório dos poemas,
inicialmente visou-se a tradução mais aparentada aos
originais, mantendo a polimetria versificatória original
sempre quando a prosódia no português correspondia,
adequadamente, ao cotejo dos versos em italiano, com
atenção à preservação do ritmo e à fluência mais apro-
priada dos versos na língua-cultura de chegada.
Entretanto, com o tempo precisou-se de nova
meditação nos processos tradutórios e no resultado de
nova intervenção em direção quanto ao andamento me-
lopaico dos poemas, dando-se mais ênfase a este aspecto,
visto que se trata de um autor com forte traço de musica-
lidade, fator da maior importância, presentificada inclu-
sive nos poemas não claramente rimados. Lembremos
que, com muita justeza, Corazzini é considerado um dos
poetas que dialogam bastante com poéticas que possuem
bastante musicalidade, tais como, por exemplo, Paul Ver-
laine e Jules Laforgue, poetas franceses nitidamente mar-
cados pela melopeia. Quando não foi possível, primou-
se por uma forma de solução observada na prescrição de
Sérgio Milliet, poeta e crítico literário, ou seja, em ideia
precisa de equivalência, consistindo da não tradução
exata das palavras, mas da expressão do mesmo senti-

23
mento e até das mesmas imagens sob forma diferente.
Cabe salientar que, dentre as inúmeras teorias
na área da tradução, esta, em poesia, quase sempre se afi-
gura uma forma de recriação, transposição e reexpressão
dos textos poéticos. Apesar de algumas similitudes entre
as línguas advindas da mesma família linguística, foram
necessárias algumas modificações frasais na sua versão
em português, fator natural ao contexto de traduções,
estritamente quando são em versos, uma vez que suas
especialidades, ritmo e permanência do que se considera
o poético são fatores a ser considerados como essenciais
à natureza do trabalho.

Claudio Sousa Pereira

24
25
IL MIO CUORE

Il mio cuore è una rossa


macchia di sangue dove
io bagno senza possa
la penna, a dolci prove

eternamente mossa.
E la penna si muove
e la carta s’arrossa
sempre a passioni nuove.

Giorno verrà: lo so
che questo sangue ardente
a un tratto mancherà,

che la mia penna avrà


uno schianto stridente...
... e allora morirò.

26
O MEU PEITO1

O meu peito é uma nova


mancha de sangue, que há de
aprofundar com vontade
a escrita, a doce prova

eternamente movida.
E a pena agora descubro
na folha tingida em rubro
sempre na paixão seguida.

Chegará o dia: ao saber


que, através do sangue ardente,
em susto estará faltando,

e que a minha pena mostrando


ser um queixume estridente...
...então ela há de morrer.

27
ACQUE LOMBARDE

Acque serene ch’io corsi sognando


ne la dolcezza delle notti estive,
acque che vi allargate fra le rive
come un occhio stupito, a quando a quando,

o nostalgiche acque sorgive


mormoranti nel verde un sogno blando,
acque lombarde ch’io vo’ sospirando
sempre, tanto il ricordo in cor mi vive,

di voi l’anima dice acque stagnanti


ne’ verdi piani de la Lombardia,
di voi fonti gioconde scintillanti

a’ dolci soli del fiorito maggio


e su voi la sognante anima mia
muove per suo spiritual viaggio.

28
ÁGUAS LOMBARDAS

Águas tão claras que eu corri sonhando,


na doçura das noites de estio,
alargam-se entre as margens desse rio
como intratável olho, a quando e quando,

oh, fonte de lembrar primaveril,


murmurando ao verdor um sonho brando,
águas lombardas que eu vou suspirando,
recordo ternamente o que se viu.

De vós, as águas estagnam na alma


das verdes planícies da Lombardia2,
de vós, a fonte cintilante e calma

é maviosa, que em maio florescia.


E a voz sonhada animava a minh’alma
e esta mística viagem me movia.

29
CREMONA

Cremona, non è Antonio Stradivari


oggi ne l’aria con i violini
maravigliosi?—palpitano fini
melodie per i cieli —o da li altari

osannano i soavi cherubini


del Boccaccino che ne li occhi ignari
hanno l’azzurro tremulo dei mari
e sanno i regni che no han confini?

Cremona, evvi un’assai dolce malía


oggi ne’ tuoi rosai, dolce cosí
ch’io ne sento vanir l’anima mia

beata sognatrice intenerita


de l’azzurro che a’ miei occhi fiorí
como ne li occhi d’una sulamita.

30
CREMONA

Cremona3, não é Antônio Stradivari4,


hoje, a ascender no ar com os violinos
maravilhosos? — latejantes, finos,
vão os eflúvios pelos céus e altares,

e louvam suaves os anjos em trinos


de Boccaccino5, que os olhos aos ares,
contemplam o azul trêmulo dos mares
e vêem reinos sem fim dos destinos?

Cremona, sinto essa melancolia


ainda hoje nos teus jardins, cresce,
pela minha alma em flor, a simpatia

de uma imagem beata e esquisita,


de imenso azul que o meu olhar floresce
tão feito os olhos de uma Sulamita6.

31
BALLATA DELLA PRIMAVERA

O Primavera, Sandro Botticelli


sentì fiorire in cuore i tuoi rosai
poi che ti seppe come niuno mai
ne la soavità de’ suoi pennelli.

Ancor io, giovinetta, una fiorita


di mammole e di rose ebbi nel cuore
e m’era dolce assai tuo venimento
e m’era triste assai tua dipartita;

non oggi, o Primavera, ché il Dolore


come tarlo nel cuor rodere io sento
quasi per demoniaco incantamento;

non oggi, o Primavera, ché di spine


fatte del mio buon sangue porporine
come Cristo ho corona ai miei capelli.

32
BALADA DA PRIMAVERA

Oh! Primavera! Sandro Botticelli7


sentiu florir as rosas no teu peito,
te conheci, pois, e de todo jeito
tanto a doçura dos pincéis excele.

Quando jovem, alma em flor na ida8


de violetas e rosas pelo estio,
me foi tão doce, muito, o teu feitio
e me foi triste, muito, a tua partida;

hoje não, oh! Primavera, essa dor,


como se sente no peito, corrói, sinto:
quase por demoníaco o pressinto;

hoje não, oh! Primavera, com anelos


de espinhos em púrpura, o bom sangue,
—igual a Cristo— eu coroo meus cabelos9.

33
DOLORE

I.

Voglio dirti in segreto


de la dolce follia
che mi fa triste e quieto

tanto; vedi, la mia


anima è nel mio cuore,
il cuore è nella mia

anima, e se il dolore
l’anima un poco sente,
soffre un poco anche il cuore,

bimbo, quietamente.

34
DOR10

I.

Vou dizer-te em segredo


Minha doce agonia
que me faz triste e quedo.

Vê, observa que a minha


alma é tanto meu peito
e o coração é a minha

alma, e se o devaneio
na alma um pouco se sente,
sofre também o peito,

infante, quietamente.

35
II.

Io, vedi, soffro molto,


e piú soffro e piú sento
che soffrirei; se ascolto

il mio vaneggiamento
continuo, senza tregua,
senza un breve momento

di pace, e se dilegua
poi non so come, pare
che l’anima lo segua

oltre il cielo, oltre il mare.

36
II.

Eu, vê, sofro muito,


e mais sofro e mais sinto
que sofrerei; eu escuto

o meu desvairamento
contínuo, então sem trégua,
sem um breve momento

de paz, que se dispersa,


pois não sou como, o par
que esta alma nos revela:

outro céu, outro mar.

37
III.

Io porto tanto amore


a una crocetta d’oro
che s’apre, sul mio cuore.

È un tenue lavoro,
non è un ricordo, no,
come l’ebbi, l’ignoro.

Io l’amo perché so
che croce fu dolore,
e assai ne spasimò

un mio dolce Signore!

38
III.

Eu tenho o ardor perfeito11


por um cruzeiro dourado
que se abre sobre o peito.

De um trabalho afinado,
mas não como o ardil
como eu tive, ignorado.

Eu o amo, porque seguiu


pela cruz feita em dor,
e dela se afligiu

o meu doce Senhor!

39
CHIESA ABANDONATTA

Din, dan, don, dan, o la piccola voce,


Santa Maria de la Concezione,
o, sapiente lunga orazione
sotto immobili cieli, ferrea croce;

altari bianchi come anime, buone,


o santi lieti nel martoro atroce,
o Gabriel, sotto il cui piè, feroce
ghigna il ribelle con le luci prone;

corone d’oro, manti di broccato,


cuori trafitti, bocche dolorose,
occhi con occhi in adorazione,

oh nulla, nulla sopravvisse al fato


ne la tetra rovina de le cose,
Santa Maria de la Concezione.

40
A IGREJA ABANDONADA

Dlin-don, dlin-don, oh! Pequenina voz,


de Santa Maria da Conceição12,
ó, sapiente, prolongada oração
sob os imóveis céus, da férrea cruz;

altares brancos feito espectros, de tão


bons, ó, Santos ledos no martírio atroz,
ó, Gabriel, que sob os pés, feroz,
se rebela na luz com propensão;

coroas de ouro, mantos de brocado,


peitos feridos, bocas dolorosas,
olhos nos olhos em adoração,

ó, nada, nada sobrevêm ao fado


nem a tétrica ruína dessas coisas,
só a Santa Maria da Conceição!

41
FOLLIE
(Estratti)

Madonna, in vano anelo


vostre dolce parole;
per me non v’è piu sole,
per me non v’è piu cielo.

In sono come avvolto


in un sogno, in un sogno,
triste; io non agogno
piú nulla; io non ascolto

piú nulla. Il cuore trema


a volte, forte: io penso
che sia la fine, io penso
l’unione suprema.

...............................

Ohimè, dolce Madonna,


perdonate se forse
troppo il pensiero corse
pensandovi, Madonna.

Voi siete il Sole, io sono


um pazzo che lo segue
e non concede tregue
allo spirto mai prono,

42
LOUCURAS13
(Excertos)

Senhora, no vão anelo


de suas doces palavras,
é como se pelas lavras
não visse o sol nem o céu.

Estou como um deslumbrado


num sonho, dentro do sonho
triste; então eu não brado
nem escuto, e não me imponho

em nada; que o peito trema


fortemente: então eu penso
que cheguei ao fim, eu penso,
tão só, na união suprema.

.............................

Oh, Céus! Doce Senhora,


perdoa-me, se talvez
o pensamento se fez
pensando nisso, Senhora.

Você é o meu sol, eu sou


um idiota que a segue
sem concessão e, entregue,
o espírito inclinou.

43
e come suo bagliore
i cieli azzurri infiamma,
s’agita la gran fiamma
del mio inutile amore!

44
E através do fulgor
o céu azul inflama,
se agita a grande chama
do meu inútil amor!

45
SCRITTO SOPRA UNA LAMA

Lama, fulmin d’acciar, anima tersa


e fredda come un’anima di bianca
sacerdotessa, o lama, dimmi, stanca
non fosti mai di star nel sangue immersa?

Io t’odio, t’odio, eppure a questo orrore


un’ invidia di pazzo s’accompagna;
sei piú grande di mai lama di Spagna,
perché tu forse hai penetrato un cuore!

46
ESCRITO NUMA ESPADA14

Espada, um raio fulminante, a alma é tensa


e está fria, e como uma alma de uma branca
sacerdotisa, ó, então, confessa-me, franca,
mas não devia estar no rastro e em sangue imersa?

Eu te odeio! Eu te odeio! Ainda na tensão


que a inveja é louca e muito te acompanha,
tu és maior, ainda mais que a espada de Espanha15
porque — quem sabe — penetrou num coração!

47
IMMAGINE

La rondine di mare che ieri, mia dolente,


volava sopra il lago, con l’alucce sgomente,

erra sempre e la sorte del suo tenero volo?


brutal piombo la coise, e cadde, morta, al suolo?

o pur, libera, dopo lungo palpito d’ale,


giunse all’immenso, azzurro Oceano natale,

ove ne l’aria, ondeggiano esalazioni amare?...


A me, vedi, la piccola rondinella di mare,

stanca, che sfiorava, con l’aluccia sua lieve,


l’onde del lago, troppo, per i suoi voli, breve,

a me sembra il tuo cuore instancabile, ardito,


cuore di donna, cuore acceso d’infinito,

cuor nostalgico in preda al doloroso senso


di cercar, vanamente, per sé un amore immenso!

48
IMAGEM16

A andorinha do mar ontem vi, tão dolente,


sobre o lago, no voo em luz inquietamente,

será que a sorte sempre paira no tenro voo?


Ora o chumbo brutal, vencida então no solo?

Mesmo livre, depois da extensão pelo além,


atinge o imenso oceano o azul natal também,

onde nem o ar move o aroma do amar?...


A mim, vê, a pequena andorinha do mar,

fatigada, murchava assim fitando as leves


ondas do lago, demais para os seus voos, breves.

A mim relembra o peito infatigável, ardido,


coração de mulher, aceso no infinito,

tão nostálgico e preso, é um doloroso senso,


certo por ser em vão, logo um amor imenso!

49
PER MUSICA

Tu m’hai scritto cosí: “Or che spezzato


è questo nostro amor fatto di ebbrezze,
io ti rimando i baci che m’hai dato
io ti rimando tutte la carezze”.

Piccola bimba mia sempre malata


una cosa ti sei dimenticata.

La prima cosa che ti ho data, o amore,


ti sei scordata di ridarmi il cuore!

50
LETRA PARA MÚSICA17

Tu me escreveste assim: “Ora quebrado


é o nosso imenso amor nas sevícias,
te envio o beijo que me fora dado
e assim eu te envio todas as carícias”.

Minha senhorinha doente, neste


caso uma coisa que tu esqueceste.

Primeira coisa, o amor, fiz a doação.


Tu evitaste de dar-me o coração!

51
ASFODELI

Madonna, se il cuore v’offersi,


il cuore giovine e scarlatto,
e se voi, con un magnifico atto,
lo accettaste insieme a miei versi

di fanciullo poeta, e se voi


com l’olio del vostro amore
teneste vivo il suo splendore
e lo apagaste de’ suoi

capricci assiduamente,
perché ieri lo faceste
sanguinare, lo faceste
lagrimare dolorosamente?

Tutte le sue gocce rosse


caddero a terra, mute,
poi che furono cadute
il cuore piú non si mosse

E como per incantamento


in ognuna fiorí un asfodelo,
il triste giglio del cielo
da l’eterno ammonimento.

52
ASFÓDELOS18

Senhora, se o peito ofertado


de um peito jovem escarlato,
e se tu, com um brilhante ato,
aceitas meu verso abrasado

de imaturo poeta, e se em ti,


com o olhar do vosso amor,
tiveres vivo no esplendor
e vier apagar em si

caprichos assiduamente,
por que, ontem, justo fizeste
sangrar, justo o fizeste,
lágrimas dolorosamente?

Todas as púrpuras gotas


caíram no solo, nos ais,
então, por que estão rotas
no ser e não se viram mais?

E, como por encantamento,


em cada um olhar floresceu
o amargoso lírio do céu
pelo eterno anunciamento.

53
INVITO

Anima pura come un’alba pura,


anima triste per i suoi destini,
anima prigionira nei confini
come una bara nella sepoltura,

anima, dolce buona creatura,


rassegnata nei tristi occhi divini,
non più rifioriranno i tuoi giardini
in questa vana primavera oscura.

Luce degli occhi, cuore del mio cuore,


tenerezza, sorella nel dolore,
rondine affranta nel mio stesso cielo,

giglio fiorito a pena su lo stelo


e morto, vieni, ho spasimato anch’io,
vieni, sorella, il tuo martirio è il mio.

54
CONVITE

Alma tão pura, feito a alvorada pura,


alma tão triste para os altos fins,
alma tão prisioneira nos confins
como um ataúde numa sepultura.

Alma, tão doce e boa criatura,


resignada em olhos divos, malsins,
não mais refloresceram teus jardins
que restaram na primavera escura.

Luz dos meus olhos, peito do meu peito,


a ternura, irmã na dor, com efeito,
andorinha abatida no mesmo céu,

na haste de aflição, o florido lírio


morreu; vem, pois também em mim doeu,
vem, ó irmã: é meu o teu martírio.

55
RIME DEL CUORE MORTO

O piccolo cuor mio, tu fosti immenso


come il cuore di Cristo, ora sei morto;
t’accoglie non so piú qual triste orto
odorato di mammole e d’incenso.

Uomini, io venni al mondo per amare


e tutti ho amato! Ho pianto tutti i pianti
vostri e ho cantato tutti i vostri canti!
io fui lo specchio immenso come il mare.

Ma l’amor onde il cuor morto si gela,


fu vano e ignoto sempre, ignoto e vano!
Come un’antenna fu il mio cuore umano,
antena che non seppe mai la vela.

Fu come un sole immenso, senza cielo


e senza terra e senza mare, acceso
solo per sé, solo per sé sospeso
nello spazio. Brusciava e parve gelo.

Fu come una pupilla aperta e pure


velata da una palpebra latente;
fu come un’ostia enorme, incandescente,
alta nei cieli fra due dita pure,

Ostia che si spezzò prima d’avere


tocche le labbra del sacrificante,

56
RIMAS DO CORAÇÃO MORTO

Ó meu coração, tão pequeno e imenso


feito o de Cristo, agora está morto,
não sei o que recebe num triste horto
olente de violetas e de incenso.

Homens, eu vim ao mundo para amar


e eu a tudo amei! E eis que choro os prantos.
Nós cantamos a todos vossos cantos!
E fui o espelho imenso, igual ao mar.

Mas o amor, onde o peito morto gela,


isso sempre foi vão, ignoto e vão!
Foi uma antena humana, o coração,
antena esta que nunca viu nem vela.

Fui feito um sol imenso, mas ausente


de céu, sem terra e sem mar, atento
somente a si, só por si e em suspenso
no espaço, tão gelado e tão gemente.

Fui feito uma pupila aberta e escura


velada pela pálpebra latente,
fui feito igual a hóstia incandescente
erguida ao céu por entre a menção pura.

Hóstia, da qual quebrou antes de ter


tocado nos lábios do presenteiro19,

57
ostia le cui piccole parti infrante
non trovarono un cuore ove giacere.

58
hóstia, em que as mínimas partes do Ser20
unirão sempre a um gesto verdadeiro.

59
CAPPELLA IN CAMPAGNA

I.

Giú dall’antica grata, estenuati


i fiori morti, sull’altare, il Santo,
dolcissimo nel suo nidito manto,
con gli occhi un po’ velati, un po’ velati

forse, chi sa, da qualche umano pianto;


due ceri gialli, senza fiamma, a i lati,
due ceri senza fiamma, inanimati,
come i cuori che mai sepper lo schianto.

La ghirlandetta d’una verginella,


sfiorita a pena a pena, intorno a i biondi
capelli di una nitida madonna;

nel mezzo, una colonna; una colonna


sfinita, in essa un pio nido di rondini,
solo, coperto d’erba tenerella.

60
A CAPELA NO CAMPO21

I.

Embaixo de antiga grade, extenuadas,


as flores mortas; e no altar, o Santo,
suavíssimo no seu nítido manto,
com as visões um tanto anuviadas,

talvez, quem sabe, algum humano pranto;


duas velas sem alma, ampliadas,
duas velas sem chama, inanimadas,
feito os corações livres do quebranto.

A guirlandeta de uma virgenzinha


murcha pouco a pouco, em torno aos louros
cabelos de uma nítida senhora;

no meio, uma coluna; uma escora


cansada, e nessa, uns belos vivedouros
de aves cercados pela tenra ervinha22.

61
II.

Venni non so per quale sogno assai


dolce al mio cuore umile; fu ieri
mattina; volli portare due ceri
nuovi, due ceri bianchi come mai

e due rose — ho i miei piccoli rosai


anch’io — due rose bianche come i ceri;
sembravano fiorite in monasteri
chiuse, le rose, in laguidi rosai.

Oh la fiamma purissima, oh il profumo


novo ch’io seppi nella breve stanza
che la mano soave ricompose!

La Madonna, um po’triste fra le rose,


disse: che vale tua dolce esultanza
s’io per dolore sempre mi consumo?

62
II.

Não sei para qual sonho se apraz


doce a minha afeição humilde; a sina
de trazer duas velas na matina
novas e brancas, como nunca mais;

tenho a pequena rosa — e se refaz


perante mim — flores alvas, luz fina
florescida em mosteiro em que se atina,
são das rosas de lânguidos rosais.

Oh! chama pura, perfume sem nome,


eu supunha que, na pequena sala,
uma suave mão a recompôs!

A Senhora, triste entre elas se pôs,


e disse: vale a pena revelá-la,
se a dor enfada sempre e me consome?

63
III.

Su i candelabri, i ceri arsero in pura


fiamma, come due cuori amanti; tutti
arsero, e per un poco su i distrutti
avanzi andò la fiamma malsecura.

Nell’aria fu un odor di sepoltura


e il cuore ripensò tutti i suoi lutti,
come il pesco ripensa i dolci frutti
nella feconda estate moritura.

Le rose giovinette, ne la pia


solennità, esalarono la breve
anima; oh gli atti e le preghiere vane!

Quanta tristeza scese nella mia


anima, quando da non so qual pieve
giunse pei cieli um suono di campane!

64
III.

Seus candelabros, velas brilham, pura


chama, quais dois amores; convolutos
abrasados, aos poucos; atributos
pelo avanço dessa chama insegura.

No ar se sente um olor de sepultura,


no âmago repensou todos os lutos,
como afiguram nesses doces frutos
nesta estação fecunda e moritura.

As recentes rosas, com sua pia


forma, solenemente exalam breve
alma; oh! Funda oração, vão escarcéu!

Não sei de onde, de qual freguesia,


mas que tristeza o meu peito teve,
quando chegaram sons de sino ao céu!

65
IV.

Una fascia di sole, ancora; una


striscia, un filo sottile, una chiarezza
indefinita, un’ultima allegrezza
di luce, poi l’ombra, bruna, più bruna,

più nera. Ho nel cuore una tristezza


intensa immensa come mai nessuna
tristezza; oh non potrebbe ora la luna
scendere un poco da la dolce altezza?

Distinguo appena la Madonna, ha immoti


gli occhi lucidi come lame, come
le sette spade che le stanno in cuore;

intorno, un po’ d’argento luce: i voti


de gli umili, de i buoni senza nome,
ch’ebbero ancora fede nel dolore.

66
IV.

Uma faixa de sol, ainda; uma


tira, um fio somente, uma clareza
indefinida, última alegria acesa,
de luz, depois a sombra, mais bruma,

tão escura. Há no peito uma tristeza


intensa, imensa como mais nenhuma
tristeza; oh! Não pode ora a lua, alguma
vez, amainar um pouco a doce alteza?

Distingo tão só a Senhora; há imotos


olhos lúcidos, são lâminas rentes
quais sete espadas que lhe estão no peito;

em torno à prateada luz: os votos


dos humildes, dos bons, os indigentes,
que’inda na fé na dor tinham proveito.

67
BALATTA DEL FIUME E DELLE STELLE

L’antichissimo fiume nella sera


estiva si sentí stanco di andare;
era tanto lontano ancora il mare,
e quella notte cosí dolce era!

Le luminose vennero al notturno


appuntamento e, come se uno strano
desiderio superbo le tenesse,
convennero sul fiume taciturno

ove come in un ciel novo e lontano


tutte si rimirarono riflesse.
L’orgoglio suo, l’alta sua gioia espresse

il fiume: «Ben divenni un cielo anch’io!»


All’alba, come pianse quando il pio
lume svaní nella cinerea sfera!

68
BALADA DO RIO E DAS ESTRELAS

O antiquíssimo rio nesta noite


de verão se sentiu farto de andar;
mas tão distante ainda estava o mar
e aquela noite tinha sido doce!

As estrelas firmaram pelo turno


o compromisso, e num impulso tinham
as ânsias que as uniam e as mantinham,
exortando algo ao rio taciturno.

Olharam-se num céu novo e distante


entre si feito uma imagem reversa.
Orgulho seu, alta alegria expressa

o rio: “Eu me tornei um céu também!”


O albor, em pranto, logo sobrevém
e extingue a luz na esfera chamejante!

69
A CARLO SIMONESCHI

Carlo, malinconia
m’ha preso forte, sono
perduto; cosí sia

Carlo, un giorno ch’io sia


piú tenero, piú buono,
piú docile nel perdono,
che in lungo abbandono
ancora ignoto io dia,
malinconico dono,
tutta l’anima mia,
quel giorno, amico, prono
mi vedrai nella via
morto di nostalgia
e di malinconia

poi che, Carlo, ben sono


perduto, cosí sia.

70
A CARLO SIMONESCHI23

Carlo, a melancolia
aprisiona-me, estou
perdido; e assim seja,

Carlo, um dia eu esteja


tão brando, logo bom
e tão dócil, no perdão,
que num longo abandono
desconhecido, eu oferto
o melancólico presente,
meu amigo, tão-somente,
que, pela rua eu ia
tão morto de nostalgia,
de imensa melancolia,

pois estou, Carlo, veja,


perdido — e assim seja.

71
TOBLACK24

I.

...E giovinezze erranti per le vie


piene di un sole malinconico,
portoni semichiusi, davanzali
deserti, qualche piccola fontana
che piange un pianto eternamente uguale
al passare di ogni funerale,
un cimitero immenso, un’infinita
messe di croci e di corone, un lento
angoscioso rintocco di campana
a morto, sempre, tutti i giorni, tutte
le notti, e in alto, un cielo azzurro, pieno
di speranza e di consolazione,
un cielo aperto, buono come un occhio
di madre che rincuora e benedice.

72
TOBLACK

I.

...E os jovens vão errantes pelas ruas,


plenamente de um sol tão melancólico,
portas semicerradas, peitoris
desertos, qualquer fonte corriqueira
que chora o pranto eternamente igual
quando passam os atos funerais;
há um grande cemitério, uma infinita
messe de cruzes e coroas, o lento
e pungitivo toque de campainha
para um finado sempre, diariamente
e à noite; no alto o céu muito azul, pleno
de uma esperança e de consolação,
um céu aberto e bom, como se olhasse
toda mãe que no âmago abençoa25.

73
II.

Le speranze perdute, le preghiere


vane, l’audacie folli, i sogni infranti,
le inutili parole de gli amanti
illusi, le impossibili chimere,

e tutte le defunte primavere,


gli ideali mortali, i grandi pianti
de gli ignoti, le anime sognanti
che hanno sete, ma non sanno bere,

e quanto v’ha Toblack d’irraggiungibile


e di perduto è in questa tua divina
terra, è in questo tuo sole inestinguibile,

è nelle tue terribili campane


è nelle tue monotone fontane,
Vita che piange; Morte che cammina.

74
II.

Esperanças perdidas, as esperas


vãs, loucas orações, sonhos desfeitos,
reles ditos de amantes contrafeitos,
as impossíveis e toscas quimeras;

e todas as defuntas primaveras


são mortes ideais; prantos perfeitos
dos ignotos, espectros tão sujeitos,
que têm sede e nem bebem nas esferas;

e quanto Toblack tem de inatingível


e também de perdido em diva plaga
estão por este sol inextinguível,

estão nos teus terríveis campanários,


estão nos teus jardins tão funerários,
Vida que chora e Morte que pervaga.

75
III.

Ospedal tetro, buona penitenza


per i fratelli misericordiosi
cui ben fece di sé Morte pensosi
nella quotidiana esperienza,

anche se dal tuo cielo piova, senza


tregua, dietro i vetri lacrimosi
tiene i lividi tuoi tubercolosi
un desiderio di convalescenza.

Sempre, cosí finché verrà la bara,


quietamente, con il crocefisso
a prenderli nell’ultima corsia.

A uno a uno Morte li prepara,


e tutti vanno verso il tetro abisso,
lungo, Speranza! la tua dolce via!

76
III.

O hospital sombrio, boa penitência


para os irmãos misericordiosos
faz a Morte a si mesma e aos pesarosos
pensarem na diária experiência.

Mesmo que no céu chova na inclemência


sem trégua atrás dos vidros lacrimosos,
se tem entre os teus tuberculosos
um forte anseio de convalescença.

Sempre, até que então a urna vista, cara,


com o crucifixo tão quietamente
vai buscá-los na última quebrada.

Certo, um por um, a Morte lhes prepara,


e todos vão em rumo ao abismo em frente,
vasta Esperança! Tua doce estrada!

77
IV.

Anima, quale mano pietosa


accese questa sera i tuoi fanali
malincinici, lungo gli spedali
ove la morte miete senza posa?

Vidi lungo la via della Certosa


passare funerali e funerali;
disperata etisia degli Ideali
anelanti la cima gloriosa!

Ora tutto è quieto: nelle bare


stanno i giovini morti senza sole,
arde in corona la pietà dei ceri.

Anima, vano è questo lacrimare,


vani i sospiri, vane la parole
su quanto ancora in te viveva ieri.

78
IV.

Alma, qual será a mão piedosa


que acenderá na noite os teus fanais
melancólicos, junto aos hospitais
nos quais a morte a colhe dolorosa?

Eu vi ao longo da estrada de Certosa26


passarem funerais e funerais,
e mais tísicos, na ânsia de Ideais,
que buscam a montanha gloriosa!

Agora tudo se aquietou: a um canto,


urnas dos jovens mortos, sem afãs,
velas piedosas ornam sem penhora.

Alma, como é vão tamanho pranto,


como as dores são vãs, palavras vãs
pelo quanto que em ti viveu no outrora.

79
ISOLA DEI MORTI

Il lampione di San Bartolomeo


non si rassegna alla sua mala sorte;
il tragico fanale della Morte
rinnovella il martirio prometeo?

Veglia se vada il funebre corteo


del morto ignoto oltre le fosche porte
ove già tante creature morte
stanno come in un fetido museo.

Su le pietre, dai luridi lenzuoli


cola il sangue nerastro degli umani
che agonizzaron, nella notte, soli.

Ritto, immoto, su l’isola terribile,


per i fratelli che sono lontani
arde il fanale d’odio inestenguibile.

80
ILHA DOS MORTOS

O lampião de São Bartolomeu27


não se ressente da sua má sorte;
nesse despiste trágico da Morte,
o destino em martírio prometeu?

Vê, o funéreo cortejo então correu


do ignoto extinto por outro adro aporte
onde outros jazem imersos na morte,
estão como num fétido museu.

Nas pedras, os lençóis em desalinhos,


o sangue escuro dos humanos corre,
que pereceram, noite alta, sozinhos.

De pé, imóvel, na ilha tão terrível,


para o nosso igual, quando ao longe morre,
arde o final de um ódio inextinguível.

81
L’ANIMA
A Guido W. Sbordoni

Tu sai: l’anima invano si martòra


di sogni; al mar non più le fragorose
acque dei fiumi giungon desiose
di confondere lor voce sonora

con quella che sì forte le innamora


da farle di ogni immagine obliose,
ma van per l’onda petali di rose
come se Ofelia vi dormisse ancora.

Tu sai: l’anima ben vide cadere


tutte le foglie e in ogni foglia un puro
desiderio, fin che, in suo tormento,

le parve dolce figurarsi in nere


vesti, per sempre crocifissa al muro
di un lontano antichissimo convento.

82
ALMA
A Guido W. Sbordoni

Tu o sabes: a alma em vão se enamora


no martírio e sonho mais fragoroso,
de confundir-se o rio caudaloso
com tua voz sonora, se dessora,

que, de tão forte e imenso te enamora,


faz todo o olhar oblíquo e virtuoso,
pétalas róseas no leito seixoso
como se Ofelia28 adormecesse afora.

Tu o sabes: toda a alma vê cair,


cada uma, todas as folhas, o puro
labor pelo findar do seu tormento,

prova doce o teu negro derruir,


para que em cruz se enquadre no muro
de um longínquo e antiquíssimo convento.

83
SPLEEN

Che cosa mi canterai tu


questa sera?
Amica, non voglio pensare
troppo: la prima canzone
che ricordi, antica,
non importa;
una di quelle canzoni
che non si cantano piú
da tanto,
che non fanno più schiuder balconi
da un secolo. Vuoi
darmi la nostalgia
di una canzone morta?

Sei triste, mi dai pena


questa sera; non canti, non mi parli...
Che hai? Malinconia
di morire? Ti duoli
perché siamo soli?
Ricordi l’ultimo ballo
nel tuo salotto giallo
roso dai tarli?
Sai che è primavera?
Io non me n’era accorto;
non ho rosai,
non ne ho avuto mai
nel mio triste orto.

84
SPLEEN29

Que coisa tu cantarás a mim


nesta noite?
Amiga, não vou pensar
demais: a primeira canção
que recordas, antiga,
não importa;
uma daquelas canções
que não cantam mais
há tanto,
que não fazem mais abrir os cenários
há um século. Queres
dar-me a nostalgia
de uma canção morta?

Estou triste, me dás porfia


nesta noite; não cantas, não me falas...
O que hás? A melancolia
de morrer? Ao lamento abalas,
por que estamos sós?
Recordas do último bailado
no teu salão amarelo,
gasto pelas traças?
Sabes o que é a primavera?
Eu não tinha reparado;
não tenho rosas
nem tive mais
no meu triste horto.

85
Perché non suoni? Langue
di desiderio
quel tuo piccolo pianoforte esangue,
nell’ombra; o non cosí,
amica,
l’anima ci sospira nell’attesa
di chi
sappia farla vibrare?

Oh, che tristezza! Pare,


nel biancore lunare,
malata di etisia,
con tutte le sue porte
chiuse, la nostra via
diserta e quel fanale
solo e torbido pare
che attendendo la morte
ne vegli l’agonia.

86
Por que não cantas? Langue
de desejo
que o teu pequeno piano exangue
na sombra; oh, não igual,
amiga,
que a alma suspira na espera
de quem
sabe fazer vibrar?

Oh, que tristeza! Paras


no luar de brancas cores,
doente de cansaço
com todas suas portas
fechadas, nosso caminho lasso,
deserto e aquele farol
escuro e só para
que, atendendo a morte,
sequer vigie a agonia.

87
SONETTO DELLA NEVE

Nulla piú triste di quell’orto era,


nulla piú tetro di quel cielo morto
che disfaceva per il nudo orto
l’anima sua bianchissima e leggera.

Maternamente coronò la sera


l’offerta pura e il muto cuore assorto
in ricevere il tenero conforto
quasi nova fiorisse primavera.

Ma poi che l’alba insidiò co’ ‘l lieve


gesto la notte e, per l’usata via,
sorrisa venne di sua luce chiara,

parve celato come in una bara


l’orto sopito di melanconia
nella tetra dolcezza della neve.

88
SONETO DA NEVE

Nada mais triste que aquele horto era,


nada mais grave que aquele céu morto,
a desfazer pelo desnudo horto
a sua alma, branquíssima e sincera.

Coroou maternalmente à noite vera


a oferta pura e o peito mudo e absorto,
e recebeu o cálido conforto
de uma quase nova primavera.

Mas depois a aurora envolveu com leve


gesto a noite, e pela Láctea Via30,
sorrindo veio em sua luz clara.

Alma fechada feito urna, observara


o horto embebido de melancolia,
numa grave doçura dessa neve.

89
LA FINESTRA APERTA SUL MARE
A Francesco Serafini

Non rammento. Io la vidi


aperta sul mare,
come un occhio a guardare,
coronata di nidi.
Ma non so né dove, né quando,
mi apparve; tenebrosa
come il cuore di un usuraio,
canora come l’anima
di un fanciullo. Era
la finestra di una torre in mezzo al mare,
desolata
terribile nel crepuscolo,
spaventosa nella notte,
triste cancellatura
nella chiarità dell’alba.

Le antichissime sale morivano


di noia: solamente l’eco delle gavotte,
ballate in tempi lontani
da piccole folli signore incipriate,
le confortava un poco.

Qualche gufo co’ i tristi


occhi, dall’alto nido
scricchiolante incantava
l’ombra vergine di stelle.
E non c’era più nessuno
da tanti anni, nella torre,
come nel mio cuore.

90
A JANELA ABERTA SOBRE O MAR31
A Francesco Serafini

Não me lembro. Eu a vi
aberta sobre o mar,
feito um olho a guardar
coroada de ninhos.
Mas não sei onde, nem quando,
me aparecia; tenebrosa
feito o coração de um usurário,
cantante feito a alma
de um jovem. Foi
a janela de uma torre no meio do mar, desolada
e terrível no crepúsculo,
tão assustadora na noite,
triste anulação
na claridade da aurora.

As antiquíssimas astúcias morreram


de tédio: somente o eco das gaivotas,
danças de um tempo distante
das pequenas senhoras loucas maquiadas,
que as confortavam um pouco.

Qualquer solitário com os tristes


olhos, do alto ninho
rangidamente encantava
na sombra virgem das estrelas.
E não mais ninguém
há tantos anos, naquela torre,
como no meu coração.

91
Sotto la polvere ancora
un odore appassito, indefinito,
esalavano le cose,
come se le ultime rose
dell’ultima lontana primavera
fossero tutte morte
in quella torre triste, in una sera triste.

E lacrimava per i soffitti


pallidi, il cielo, talvolta
sopra lo sfacelo delle cose.
Lacrimava dolcemente
quietamente per ore
e ore, come un piccolo fanciullo malato.
Dopo, per la finestra
veniva il sole, e il mare,
sotto, cantava.

Cantava l’azzurro amante,


cingendo la torre tristissima
di tenerezze improvvise,
e il canto del titano
aveva dolcezze, sconforti,
malinconie, tristezze
profonde, nostalgie
terribili... Ed egli le offriva i suoi morti,
tutte le navi infrante,
naufragate lontano.

Una sera per la malinconia


di un cielo che invano
chiamava da ore e ore
le stelle, volarono via
con il cuore

92
Sobre a poeira ainda
um ligeiro odor indefinido
exalavam as coisas
como se as últimas rosas
da última longínqua primavera
fossem toda a morte
naquela torre triste, uma noite triste.

E lacrimejava para os espaços


pálidos, o céu, às vezes
sobre a cinza das coisas.
Lacrimejava docemente
e em silêncio por horas
e horas feito um pequeno jovem doente.
Depois, pela janela
viria o sol, e o mar,
abaixo, cantava.

Cantava o amante céu azul,


cingindo a tristíssima torre
de ternuras imprevistas,
e o canto do Titã
exibia doçuras, desconfortos,
melancolias, tristezas
profundas, nostalgias
terríveis... E os oferecia aos seus mortos
de todos os navios esfacelados,
naufragados há tempos.

Uma noite para a melancolia


de um céu que em vão
chamava, das horas e horas,
as estrelas, voaram rotas
com o coração

93
pieno di tremore
le ultime rondini e a poco
a poco nel mare
caddero i nidi: un giorno
non vi fu più nulla intorno
alla finestra. Allora
qualche cosa tremò
si spezzò
nella torre e, quasi
in un inginocchiarsi lento
di rassegnazione
davanti al grigio altare
dell’aurora,
la torre
si donò al mare.

94
cheio de tremor
as últimas andorinhas, e pouco
a pouco no mar
desabaram os ninhos: o dia
não vi mais findar, ao entorno
da janela. Foi então
que qualquer coisa tremeu,
se rompeu
na torre e, quase
num dobrar-se lento
de resignificação
frente ao acinzentado altar
da aurora,
a torre
entregou-se ao mar.

95
SONETTO
A suor Maria di Gesù

Sorella, dolce riguardare il chiostro


che le vestite d’umiltà rinchiude,
oggi che aprile giovinetto illude
soavemente ogni martirio nostro!

E caro m’è pensar dov’io mi prostro


Gesù trafitto per le membra ignude
e ancor vorrei pellegrinare in rude
saio e domar mie carni a più d’un rostro.

Vorrei morirmi di melanconia,


vedovo di un desiderio, solo,
con l’altissimo sogno che mi tiene,

e le anime, sorelle in questa mia


doglia infinita di levarmi a volo,
dissetare col sangue delle vene.

96
SONETO32
À irmã de Maria de Jesus

O achego, Irmã, docemente na cela


te abriga com imensa humildade,
no dia de hoje em abril, que há de
enganar o que agora a nós flagela!

Caro é pensar quando eu me prostro nela,


em Jesus transpassado com maldade:
’inda Te seguiria com vontade,
e domaria a carne sem querela.

Queria morrer de melancolia,


viúvo de um desejo, só me doo
ao sonho altíssimo que me detém,

e a minha alma, irmã, logo presencia


a dor sem fim para alcançar num voo,
sarando com o sangue que dele vem.

97
SONETTO ALL’AUTUNNO

Dorma l’autunno e sogni ancora biondo


il dolce vecchio, e il sonno gli consoli
anche una gioia rapida di voli,
gli ultimi, Santo Stefano Rotondo.

Forse, domani non varrà un giocondo


subito trillo a risvegliare i broli,
forse, domani i nostri cuori, soli,
turberanno il silenzio profondo.

E noi, dolcezza, non lo desteremo


il soave malato che non ha
più la speranza della guarigione

come l’anima nostra senza remo,


e senza vele, che non tornerà
mai piú nel porto di salvazione.

98
SONETO AO OUTONO

Dorme no outono e sonha ainda a fundo


o doce idoso imerso em sono aberto,
foi o entusiasmo rápido e liberto,
voo breve a Santo Estêvão Rotundo33.

Mas no adiante o contento, assim fecundo,


o vislumbre se mostra bem incerto,
talvez porque o peito, a sós, deserto,
colherá, justo, o silêncio profundo.

E nós somente, amiga, não iremos


despertar desse mal de que não há
mais a justa esperança de extinção,

tão feito a nossa alma, batel sem remos


e sem velas, que não retornará
jamais ao porto de libertação.

99
DESOLAZIONE DEI POVERO POETA
SENTIMENTALE

I.

Perché tu mi dici: poeta?


Io non sono un poeta.
Io non sono che un piccolo fanciullo che piange.
Vedi: non ho che le lagrime da offrire al Silenzio.
Perché tu mi dici: poeta?

II.

Le mie tristezze sono povere tristezze comuni.


Le mie gioie furono semplici.
Semplici, cosí, che se io dovessi confessarle a te
arrossirei.

III.

Oggi io penso a morire.


Io voglio morire, solamente perché sono stanco.
Solamente perché i granai angioli
su le vetrate delle cattedrali
mi fanno tremare d’amore e di angoscia;
solamente perchè io sono, oramai,
rassegnato come uno specchio,
come un povero specchio melanconico.

Vedi che io non sono un poeta:


sono un fanciullo triste che ha voglia di morire.

100
DESOLAÇÃO DO POBRE POETA
SENTIMENTAL34

I.

Por que você me diz: poeta?


Eu não sou um poeta.
Não sou mais que um jovem triste que chora.
Veja: só tenho lágrimas ao Silêncio, por ora.
Por que você me diz: poeta?

II.

Minhas tristezas são pobres tristezas comuns.


São tão simples as minhas alegrias.
Simples, iguais, como se devesse confessá-las; a você,
abrasaria.

III.

Hoje penso que vou morrer.


Eu quero morrer, porque estou exausto.
Só porque os grandes anjos nos vitrais
destas grandes catedrais
me fazem tremer de amor e de angústia;
porque nesta renúncia,
resignado feito um espectro ótico,
como um pobre espelho melancólico.

Veja: não sou um poeta; estou a ser


um jovem triste com vontade de morrer.

101
IV.

Oh, non maravigliarti della mia tristezza!


E non domandarmi;
io non saprei dirti che parole cosí vane,
Dio mio, cosí vane,
che mi verrebbe di piangere come se fossi per morire.
Le mie lagrime avrebbero l’aria
di sgranare un rosario di tristezza
davanti alla mia anima sette volte dolente,
ma io non sarei un poeta;
sarei, semplicemente, un dolce e pensoso fanciullo
cui avvenisse di pregare, cosí, come canta e come dorme.

V.

Io mi comunico del silenzio, cotidianamente, come di Gesú.


E i sacerdoti del silenzio sono i romori,
poi che senza di essi io non avrei cercato e trovato il Dio.

VI.

Questa notte ho dormito con le mani in croce.


Mi sembrò di essere un piccolo e dolce fanciullo
dimenticato da tutti gli umani,
povera tenera preda del primo venuto;
e desiderai di essere venduto,
di essere battuto
di essere costretto a digiunare
per potermi mettere a piangere tutto solo,

102
IV.

Oh! não se encante com a minha tristeza!


Não pergunte a minha natureza;
não sei dizer, as palavras são vãs,
Meu Deus, tão vaidosas,
que choraria tanto como se fosse morrer.
As minhas lágrimas teriam a certeza
de sangrar um rosário de tristeza
diante da minha alma sete vezes doendo,
não serei um poeta; e, não sendo,
serei, simplesmente, um doce jovem pensativo
que reza, tanto quanto canta ou se mostra inativo.

V.

Eu me comunico com o silêncio sempre, igual a Jesus.


E os Sacerdotes do silêncio são só murmúrios,
mas sem isso não teria me achegado a Deus.

VI.

Ontem, noite adentro, dormi com as mãos na cruz.


Sou como um pequeno e doce rapaz
esquecido por todos os humanos,
presa vulnerável ao primeiro avistado;
eu desejo ser vendido,
ser derrotado,
ser forçado a jejuar
e — somente — e tão-só, chorar

103
disperatamente triste,
in un angolo oscuro.

VII.

Io amo la vita semplice delle cose.


Quante passioni vidi sfogliarsi, a poco a poco,
per ogni cosa che se ne andava!
Ma tu non mi comprendi e sorridi.
E pensi che io sia malato.

VIII.

Oh, io sono, veramente malato!


E muoio, un poco, ogni giorno.
Vedi: come le cose.
Non sono, dunque, un poeta:
io so che per esser detto: poeta, conviene
viver ben altra vita!
Io non so, Dio mio, che morire.
Amen.

104
desesperadamente inseguro
num recanto escuro.

VII.

Eu amo as coisas simples da vida.


Quantas paixões desfazendo, pouco a pouco,
por todas as coisas que não se afastavam!
Mas você não sorri e me compreende.
E pensa que eu estou doente.

VIII.

Oh! mas estou muito doente!


Todos os dias morro docemente.
Veja: iguais as coisas.
Não sou, portanto, um poeta:
sou porque dizem: poeta, convém
viver bem outra vida!
Não sei, meu Deus, do que morrer.
Amém. 35

105
CANZONETTA ALL’AMATA

Conviene che tu muoia,


dolcezza, oggi, per me.
Vele di barche in mare!
Non dovevo lasciare
che, pur se triste, il sole
bagnasse il limitare!

Conviene che tu muoia,


dolcezza, oggi, per me.

Forse mi allontanai
troppo, ché, certo, mai
tanto mi piacque andare
solo, con la mia bella
rete nuova e una stella
per guida fra rosai.

Conviene che tu muoia,


dolcezza, oggi, per me.

Erano cosí chiare


le acque! Dolce pescare
se la rete sia nuova!
Quanti nidi contai
di stelle e quante mai
vele di barche in mare?

106
CANÇONETA A AMADA36

É justo que hoje, por mim,


doçura, fiques até o fim.
Velas de barcos no mar!
Não devias ter saído
que, por ser entristecido,
o Sol banha o limiar!

É justo que hoje, por mim,


doçura, fiques até o fim.

Talvez tenhas ido embora,


é claro, que logo agora
desejaria seguir
somente com minha bela
junto a esta nova estrela
entre as rosas do porvir.

É justo que hoje, por mim,


doçura, fiques até o fim.

Como eram tão mais claras


as águas! Perenes pescas
se têm a rede a funcionar!
Quantos ninhos eu contei
de estrelas e assim notei
velas de barcos no mar?

107
Conviene che tu muoia,
dolcezza, oggi, per me.

Quale gioia tentò


la porta, s’inoltrò
cauta e infantilmente
rise nell’obliata
casa e fiorí la grata
di viole? Non so.

Conviene che tu muoia,


dolcezza, oggi, per me.

Felicità mi spiace,
felicità è loquace
come un bimbo; l’ho a noia!
La mia rete ha ceduto,
la mia stella ha perduto
il fedele seguace.

Conviene che tu muoia,


dolcezza, oggi, per me.

Vele di barche in mare.


Chi attendi al limitare?
Regina delle lagrime
e de’ dolci martiri,
non anche tu sospiri
chi deve ritornare?

Sì, conviene che muoia,


dolcezza, tu, per me.

108
É justo que hoje, por mim,
doçura, fiques até o fim.

Quando o contento exorta,


adentra-se pela porta
em risos; logo observei,
naquela casa esquecida
brotavam expandidas
as violetas? Eu não sei.

É justo que hoje, por mim,


doçura, fiques até o fim.

Me perdoe, felicidade,
falei muito, felicidade,
como um jovem; um idiota!
Sucumbiu a minha rede,
se perdeu a estrela adrede,
e és alguém que se nota.

É justo que hoje, por mim,


doçura, fiques até o fim.

Velas de barcos no mar.


O que há de limitar?
Minha rainha, dos suspiros
e de doces martírios,
fica entre meus suspiros,
digo que deves ficar?

Se é justo, que hoje, por mim,


doçura, fiques até o fim.

109
LA LIBERAZIONE
A Carlo Scialoia

Cantarellando, senza
tremare, la prigioniera
dalle mani logore
raccolse tutte le vecchie cose
polverose, i suoi denari
di un’altra epoca,
riguardò nelli angoli ove la sera
già tesseva le sue tele d’ombra
e tentò la porta vigilata
dai ragni centenari.

Seguivano con aria


di danza
un loro monotono giro le foglie
davanti alla casa
della Melanconia,
donde la Speranza affamata
fuggiva indisturbata.

110
A LIBERTAÇÃO
A Carlo Scialoia

Cantarolando, sem
tremer, a prisioneira
das mãos esgotadas,
pegou todas as coisas antigas
poeirentas, as suas moedas
de outra época,
resguardou nos cantos, onde a noite
já reservava sua teia de bruma
e invadia a porta vigiada
de aranhas centenárias.

Seguiram com o ar
na dança
de giros monótonos das folhas
à frente da casa
da Melancolia,
onde a Esperança faminta
fugia indistinta.

111
LE ILLUSIONI
Per Antonello Caprino

Non piangere cosí! Lascia


che se ne vadano in silenzio
prima che accendano i fanali!
Se taluna sopporta a malincuore
il suo fardello di stracci, aiutala!
perché non si soffermi e voglia
sedersi sulla soglia!

Non ti torcere le mani!


Lascia che se ne vadano
senza sapere che tu piangerai
fino a domani!
Chiudi bene le porte e non udire
le loro efimere parole!
Se ne vanno cantando tutte sole,
in cerca d’amore.

Non singhiozzare cosí!


Perché le chiami? Speri
che tornino? Oh, allora,
tu non hai cercato a bastanza
nell’ombra della sera,
non hai chiuso bene la porta
su la via!
Taluna rimase: quella
che ti sarà sorella,
che ti sarà infermiera
nell’agonia.

112
ILUSÕES
Para Antonello Caprino

Não chore assim! Saia


para que eles continuem em silêncio
antes de acenderem as luzes!
Se alguém resistir com relutância
no seu fardo de trapos, ajude!
Para que não pare de desejar,
sente na porta!

Não torça as mãos!


Deixa-os irem
sem saber que vais chorar
até amanhã!
Feche bem as portas, não ouça
suas palavras efêmeras!
Todos eles irão cantar sozinhos,
à procura de amor.

Mas não chores assim!


Por que os chamaste? Espera
que eles voltem? Oh, então,
não cerca o bastante
a sombra da noite,
não fecha bem a porta
do teu caminho!
Ficaram alguns:
o que será de tua irmã,
quem será a tua enfermeira
na tua agonia?

113
DIALOGO DI MARIONETTE
Per André Noufflard

— Perché, mia piccola regina,


mi fate morire di freddo?
Il re dorme, potrei, quasi,
cantarvi una canzone,
ché non udrebbe! Oh, fatemi
salire sul balcone!
— Mio grazioso amico,
il balcone è di cartapesta,
non ci sopporterebbe!
Volete farmi morire
senza testa?
— Oh, piccola regina, sciogliete
i lunghi capelli d’oro!
— Poeta! non vedete
che i miei capelli sono
di stoppa?
— Oh, perdonate!
— Perdono.
— Così?
— Così...?
— Non mi dite una parola,
io morirò…
— Come? per questa sola
ragione?
— Siete ironica… addio!
— Vi sembra?

114
DIÁLOGO DE MARIONETE37
Para André Noufflard

— Por que, minha pequenina rainha,


me faz morrer de frio?
O rei dorme, até poderia,
cantar uma canção,
que não ouviria! Oh, me faz
sair para a varanda!
— Meu gracioso amigo,
minha varanda é de machê
que não se sustenta!
Quer me fazer morrer
sem cabeça?
— Oh, pequenina rainha, dissolva
os longos cabelos dourados!
— Poeta! Não vê
que os meus cabelos são
de estopa?
— Oh, perdoa-me!
— Perdoo.
— Assim?
— Assim...?
— Não me diz uma palavra,
eu vou morrer...
— Como? Por esta única
razão?
— Você é irônica... adeus!
— Você parece?

115
— Oh, non avete rimpianti
per l’ultimo nostro convegno
nella foresta di cartone?
— Io non ricordo, mio
dolce amore... Ve ne andate...
Per sempre? Oh, come
vorrei piangere! Ma che posso farci
se il mio piccolo cuore
è di legno?

116
— Oh, não se arrepende
pela nosso último consenso
nesta floresta de papel?
— Eu não recordo, meu
doce amor... Vai embora...
Para sempre? Oh, como
ia choramingar! Mas que posso fazer
se o meu pequenino coração
é de madeiro?

117
L’ULTIMO SOGNO
Per Alfredo Tusti

Io sono giunto alla città


nel mezzo del bosco.
Batto alla porta, nessuno domanda,
batto a tutte le porte
della città muta; non odo
che fontane cantare
canzoni senza ritornelli
a la Monotonia.

Io grido: «non saprò


domani tornare
per la stessa via!
Sono un fanciullo bianco
ed è fiorita per i miei capelli
una ghirlanda!
Le mie piccole mani sono pure
come quelle dei santi di cera;
amo le creature
non so che una povera preghiera».

Le fontane cantano sempre


nella città muta dei sogni.

Io mi allontano
e la mia veste bianca
se la dividono i rovi,

118
ÚLTIMO SONHO
Para Alfredo Tusti

Eu estou junto à cidade


no meio do bosque.
Bato na porta, ninguém pergunta,
bato em todas as portas
da cidade muda; não ouço
o canto da fonte
a canção sem retornos,
a da monotonia.

Eu grito: “não saberei,


volta então amanhã
nesta mesma rua!
Sou um jovenzinho claro
em que floresceu uma guirlanda
nos cabelos!
Minhas pequenas mãos são puras
iguais às dos santos de cera;
amo as criaturas,
esqueci a mais pobre oração”.

...A fonte segue cantando


na cidade muda dos sonhos.

E eu vou seguindo,
minha veste branca;
se eu divido as amoras

119
e la mia ghirlanda s’è mutata
in una corona di spine,
le mie piccole mani sanguinano
senza fine
e l’anima è triste come
li occhi
di un agnello che sia per morire.

E le fontane cantano
dietro le bianche porte.

Ah! sono io dunque colui


che non dormirà piú
che non sognerà piú
fino alla morte?

120
e transponho a minha guirlanda
numa coroa de espinhos,
as minhas mãos sangram
infinitamente
e a alma está triste,
igual aos olhos em riste
de um anjo que deseja morrer.

...E a fonte segue cantando


por detrás das portas brancas.

Ah! sou eu tão igual a ele,


que não dormirá mais
que não sonhará mais
até o Fim?

121
CASTELLO IN ARIA
A G. W. Sbordoni

Oh! piangi ancora, mia


piccola tenerezza!
Piangi, fosse anche per un’ora!
che t’importa? Sarà questa
l’ultima grazia... Non sai
che me ne voglio andare?

Ma se tu non piangerai,
come allora, per una

improvvisa tristezza,
per una melanconia
senza causa, mia
piccola tenerezza,
come potrò questa sera,
mentre tu dormi e sogni
la mia bocca, fuggire?
Andarmene a morire nel castello
della Nostalgia?

122
O CASTELO NO AR
A G. W. Sbordoni

Oh! chora, ainda, minha


pequena ternura!
Chora, mesmo por uma hora!
O que te importa? Será, isso,
A última Graça... Não sei
se vou por esse caminho?

Mas, se tu não chorarias,


no agora, por uma,

tristeza imprevista,
por uma melancolia
sem causa, minha
pequena ternura!38
Como posso ir à noite,
enquanto tu dormes e sonhas,
se a minha boca quer fugir?
Então vais morrer no Castelo
da Nostalgia?

123
SCENA COMICA FINALE
A Guglielmo Genua

L’ultimo Desiderio traballando


nell’ombra della porta
d’un postribolo fa
la serenata alla Disperazione.
Ma dai tegoli goccia
la pioggia sul balcone, a quando a quando:
forse la Bella non apparirà.

Che sia morta di fame? che un amante


le offra tutte le sue lagrime
con un bel gesto galante?
Ma non trapela
per le chiuse imposte lume
di candela.
Converrà cercarla altrove:
peregrinare
per tutte le taverne della via,
strisciare lungo i muri
come una spia
prima che l’alba ruffiana torni
e conduca alla sua casa li umani.

L’ultimo Desiderio
con la logora
chitarra a bandoleira

124
A CENA CÔMICA FINAL
A Guglielmo Genua

O último Desejo oscilante


na sombra da porta
de um prostíbulo atrás
é a serenata do desespero.
Mas vendo pelos ladrilhos
a chuva na varanda, a quando e quando,
talvez a Bela não aparecerá.

Ela morreu de fome? Será que um amante


a ofertou com todas as suas lágrimas
um belo gesto galante?
Mas não transparece
na luz das janelas cerradas
de velas.
Melhor procurar noutro lugar:
na peregrinação
por todas as tavernas pela rua,
rastejo ao longo dos muros
feito um espião,
antes da volta do rufião no albor
que venha conduzi-los para casa.

O último Desejo
com a desgastada
guitarra bandoleira

125
cerca per ore e ore
la Disperazione.

Ma non la trova... né la troverà,


ché gli è la Bella fino dalla sera
nel cuore.

126
é procurar por horas e horas
a Desesperança.

Mas não volta... nem voltará,
porque a Bela está acima da noite,
está no coração.

127
BANDO
A Giorgio Lais

Avanti! Si accendano i lumi


nelle sale della mia reggia!
Signori! Ha principio la vendita
delle mie idee.
Avanti! Chi le vuole?
Idee originali
a prezzi normali.
Io vendo perché voglio
raggomitolarmi al sole
come un gatto a dormire
fino alla consumazione
de’ secoli! Avanti! L’occasione
è favorevole. Signori,
non ve ne andate, non ve ne andate;
vendo a così poco prezzo!
Diventerete celebri
con pochi denari.
Pensate: l’occasione è favorevole!
Non si ripeterà.
Oh! non abbiate timore di offendermi
con un’offerta irrisoria!
Che m’importa della gloria!

E non badate, Dio mio, non badate


troppo alla mia voce
piangevole!

128
INTIMAÇÃO39
A Giorgio Lais

Avante! Acesas as luzes


no salão do meu palácio!
Senhores! Inicio a venda
das minhas ideias.
Avante! Quem as quer?
Ideias originais
a preços normais.
Eu vendo, porque vou
ajuntar-me ao sol
feito um gato que dorme
antes da consumação
dos séculos! Avante! A ocasião
é favorável. Portanto,
senhores, não vão, não vão;
vendo por um preço barato!
Se tornarão célebres
com tão pouco dinheiro.
Pensem! A ocasião é favorável!
Ela não se repetirá.
Oh! não tenham medo de ofender-me
com uma oferta irrisória!
Que me importa a própria glória?!

E não se importe não, meu Deus,


demais com a minha voz
choramingando a sós!

129
IL SENTIERO

Dolce mio bene, dov’eri?


Ho chiamato per tutt’i sentirei

e portavo una ghirlandella


per te, mia triste sorella;

ma tu non c’eri, ma tu non venivi.


E i fiori si facean men vivi.

E taluno cadeva per via


a morirsene di nostalgia,

in fin che le mie mani pure


non strinsero che rame oscure.

Oh, dolce mio bene, dov’eri?


Ho chiamato per tutti i sentieri,

ho battuto a tutte le porte...


ma dov’eri tu, dunque, sperduto?

— Oh? ma se non sei venuto


pe’ il sentiero della morte!

130
O CAMINHO40

Meu bem! Por onde tu estavas?


Te chamei por onde pairavas

e eu usava uma guirlandeta


por ti, irmã doce e seleta;

mas nem estava na minha ida.


E as flores ganharam vida.

E alguns caíram pela via


a morrerem de nostalgia,

de modo que as minhas mãos puras


atavam só as ramas escuras.

Meu bem! Por onde tu estavas?


Te chamei por onde pairavas,

eu bati nas portas, em todas...


mas onde estavas, em que modas?

— Ah? Mas não sei se veio a mim


então pelo rumo do fim!

131
LA MORTE DI TANTALO

Noi sedemmo sull’orlo


della fontana nella vigna d’oro.
Sedemmo lacrimosi in silenzio.
Le palpebre della mia dolce amica
si gonfiavano dietro le lagrime
come due vele
dietro una leggera brezza marina.

Il nostro dolore non era dolore d’amore


né dolore di nostalgia
né dolore carnale.
Noi morivamo tutti i giorni
cercando una causa divina
il mio dolce bene ed io.

Ma quel giorno già vanía


e la causa della nostra morte
non era stata rinvenuta.

E calò la sera su la vigna d’oro


e tanto essa era oscura
che alle nostre anime apparve
una nevicata di stelle.

Assaporammo tutta la notte


i meravigliosi grappoli.
Bevemmo l’acqua d’oro,
e l’alba ci trovò seduti

132
A MORTE DE TÂNTALO

Nós nos sentamos à beira


da fonte na vinha dourada.
Sentamos lacrimejantes, em silêncio.
As pálpebras da minha doce amiga,
lavadas pelas lágrimas,
feito duas velas
dentro da leve brisa marinha.

A nossa dor não era uma dor de amor


nem dor de nostalgia
nem dor carnal.
Nós morríamos todos os dias
procurando uma causa divina,
meu doce bem e eu.

Porém, aquele dia já seguia,


e a causa da nossa morte,
não havia chegado.

Caiu a noite na vinha dourada


e tanto essa era escura
que parecia a nossa alma
uma nevasca de estrelas.

Saboreamos toda a noite


maravilhosas uvas.
Bebemos a água de ouro,
e o alvor nos encontrou sentados

133
sull’orlo della fontana
nella vigna non più d’oro.

O dolce mio amore,


confessa al viandante
che non abbiamo saputo morire
negandoci il frutto saporoso
e l’acqua d’oro, come la luna.

E aggiungi che non morremo più


e che andremo per la vita
errando per sempre.

134
na beira da fonte
da vinha desdourada.

Meu doce amor,


confessa ao viajante
que não sabíamos como morrer,
negando o fruto saboroso,
a água de ouro, feito a Lua.

E ainda que não morramos mais,


andemos pela vida,
seremos erráticos para sempre.

135
L’AGNELLO

Gli occhioni dolorosi


volge senza belare
e pare che non osi
perdono domandare.
Oh vorrebbe tornare
ai suoi prati odorosi
sotto gli alberi ombrosi
tra i fiori a pascolare!

Oh, il soavissimo incanto


delle notti stellate
odorose di foglie...
Oh dolcezze passate!...
E adesso quanto pianto
che nessuno raccoglie!...

136
O CORDEIRO

Os teus olhos dolorosos


umedecem sem balir,
e parecem que não ousam
o nobre perdão pedir.
Oh, amaria o retorno
aos prados perfumados,
sobre os bosques alados
pascendo as flores do entorno!

Oh, sinto o suave encanto


das noites estreladas
com as folhas trescaladas...
Oh, doçura do passado!...
E agora, quando choras,
ninguém acode o enfado!...

137
IL CANTO DEL CIECO

Sento la vita, la possente vita


che mi scorre co’ ‘l sangue ne le vene!
Sono forte, fortissimo,
e questa forza, questa vita immensa
ad un soffio lievissimo
io la sento tremare, ed un’intensa
angoscia strana viene
a torturarmi il cor quando vò aita.
O i fiori, questi fiori
di cui sento il profumo tanto acuto
che mi sale alla testa
che mi fa delirare,
vorrei vederli, e non solo l’odore
sentirne che m’arresta
i battiti del cor che chiede aiuto.
Vorrei vedere il mare
di cui sento la molle e dolce ondata,
che è tutta una canzone,
languir sotto le stelle...
Vorrei vederlo, e anch’io
con le persone buone
avrei parole belle
una preghiera tanto appassionata
per Iddio, per quel Dio
che mi ha data una vita di dolore
sol per farmi saper come si muore!...

138
O CÂNTICO DO CEGO

Eu sinto a vida, a poderosa vida


que escorre em sangue nas veias!
Eu sou forte, fortíssimo,
e esta força, esta vida imensa
num suspiro levíssimo
eu a sinto tremer, e uma intensa
angústia vem estranha,
tortura o peito quando busca ajuda.
Ou as flores, destas flores
sinto tanto o perfume quanto os gumes
que sobem pela minha cabeça
e me fazem delirar;
queria vê-las, e não só a fragrância
sentir que isso me detém
a ânsia do peito a pedir ajuda.
Queria ver o mar,
pois sinto a ondina doce e suave,
que é toda uma canção
a definhar sob as estrelas...
Queria ver isso, quanto a mim
com as pessoas boas
teria palavras belas
uma oração bastante apaixonada
para Deus, por aquele Deus
que deu a vida em dor com que decorre
só em deixar saber como se morre!...

139
TU...

Tu che mi vedi ogni mattina all’alba,


andare, come è mio fedel costume,
quando la luce è ancora incerta e scialba,
a bagnar il mio pan nel dolce fiume;

tu che mi vedi andar sporco e stramato,


che mi vedi morente di stanchezza
tu, che nell’occhio mio imbambolato,
leggi la fame, l’odio, la tristezza;

tu che mi vedi andare per la via,


barcollando per sonno e non per vino;
tu che m’hai visto un dì, fanciulla mia
piangere il mio dolor come un bambino;

tu che stanotte, uscendo da una festa


m’hai scorto ai piedi d’un fanal, seduto;
a rosicchiare un torzo, e un poco mesta
m’hai gettato uno scudo ed un saluto;

tu che mi vedi errar solo nel mondo,


oh, non devi pensar tu folle e lieta
che io in qualche triste vagabondo,
no, bimba, fui sol troppo poeta.

140
TU...

Tu que me observas todas as manhãs


indo, tão comum, no fiel costume,
quando a alvorada é ainda incerta e vã,
banho meu pão no doce rio, a lume,

tu, que me observas tão sujo e rasgado,


e que me vês morrendo de fraqueza,
tu, que no meu olhar atordoado,
vês a fome, o azedume, essa tristeza;

tu que me vês caminhar pela via,


tão ébrio pelo sono e não por vinho;
tu que me viste um dia, jovenzinha,
gemer minha dor feito um garotinho;

tu que, à noite, me vês na volta da festa,


eu recolhido ao pé da luz, absorto,
roer um osso e, vergonha molesta,
me saudaste com muito desconforto;

tu que me vês errar pelo mundo,


oh, pensas que distante de um asceta
eu sou um qualquer, triste e vagabundo,
não, bela41, eu sou apenas um poeta.

141
VINTO

Mamma questa è la vita?! Allor la santa


felicità infantile non perdura?
Il riso che irradiava la mia pura
fronte, non verrà più? Ah mi si schianta

l’anima, mamma mia, ed ho paura!


Io mi sento morire. Quanta, quanta
dolce felicità di bimbo, ha infranta
con l’andar della vita, la sventura!

Oh non credere mamma ch’io sia vile!


No! Te lo giuro. Ho avuto sempre fede
in questo Dio che mi fa spasimare!

Io sono come un albero sottile;


cui cadono le foglie e che le vede
cader senza poterle richiamare.

142
GANHO

Mamãe, mas isso é vida?! Então, a santa


felicidade infantil não perdura?
O riso que irradiava a minha pura
fronte, não virá mais? Ah, me aquebranta

a esta alma, mamãezinha, o medo apura!


Eu me sinto morrer. Mas quanta, quanta
doce felicidade de infante e tanta
quebra no andar da vida, a desventura!

Oh não creia, mamãe, que sou sovina!


Não! Eu te juro. Sempre tive crença
neste Deus que me traz a ânsia escolta!

Eu sou como uma árvore tão fina,


cujas folhagens caem e na presença
vê cair sem poder tê-las de volta.

143
TRITTICO
(Dal francese)

I.

La triste pallidezza delle donne


prossime al parto, le culle assetate
per gli ospiti futuri e sconosciuti...
forme a pena abbozzate,
fra le candide trine, indefinite;
dolci balbettamenti senza fine,
larghe pupille sbigottite,
picolli teste tonde come palle...
O bambini, o bambine,
sono nati, son nate!

II.

Cuori febbrili ed indomati sensi,


desideri che il sonno fa compire,
mani che lentamente
si cercano, si toccano,
labbra congiunte appassionatamente,
soavi appuntamenti in mezzo ai densi
ramoscelli, ove Cupido
attende che la notte nera mandi
a spegnere nel mare azzurro il sole,
per fondar le scuole;
giovani ardenti e folleggianti vergini...
Sono grandi, son grandi!

144
TRÍPTICO42
(Do francês)

I.

A triste palidez dessas mulheres


tão próximas ao parto, desassentadas
dos nascituros vindos e futuros...
Esboçados dolorosamente
entre as cândidas rendas imprecisas;
infinitos e doces balbuciares,
olhos abertos e perplexos,
pequeninas cabeças feitos bolas...
Oh! meninos! Oh! meninas!
Tão nascidos! Quão nascidos!

II.

Os corações febris e indóceis tinos,


no desejo que o sonho se realize,
são mãos que, lentamente,
se procuram e se tocam,
lábios unidos tão passionalmente
se tocam, leves, meio ao denso
entrecruzar, onde o Cupido
na noite escura não envie
logo o brilho do mar azul, a aurora,
para fundar as escolas;
de tantos jovens em vozeios virgens...
São muitos! São enormes!

145
III.

Nei cimiteri
spesse zolle di terra, fra le croci
sassi e nicchie; dei nomi antichi assai
che sopra i freddi marmi bianchi e austeri
la lebbra de le pietre cancellò...
Monumenti, davanti alle cui porte,
ove un lume di morti stride ed arde,
i ragni più feroci
hanno filato le sottili tele...
O vegliardi, o vegliarde
sono morti, son morte!...

146
III.

Nos cemitérios
o campo santo imenso entre as cruzes,
os nichos e epitáfios muito antigos
vemos sobre os frios mármores e austeros,
o cancro das letras apagadas...
Monumentos em frente, em cujos pórticos
se entrevêem os lumes dentre os mortos,
os aracnídeos mais ferozes
giravam sobre as teias tão sutis...
Ó arcaicos! Ó rançosos!
Estão findos! Estão mortos!

147
LA CHIESA

I.

Era una chiesa breve: un bianco altare


si disfaceva in un’oscura e lenta
rovina; una Madonna sonnolenta
pareva, come il Figlio, agonizzare.

Cristo Gesù moriva la sua lenta


morte vicino al solitario altare,
ogni cosa pareva agonizzare
ne la piccola chiesa sonnolenta.

Era quell’agonia dolce, tranquilla,


fatta di pace e di rassegnazione;
l’agonia misteriosa de le cose.

Era come un morir di silenziose


vergini, cui da le ferite buone
sfuggisse il sangue puro a stilla, a stilla.

148
A IGREJA

I.

Era a igreja pequena, um branco altar


se desfazia numa obscura e lenta
ruína; uma Madona sonolenta
lembrou o Filho, igual, a agonizar.

Jesus Cristo morreu na sua lenta


Paixão, vizinho ao solitário altar,
e tudo ali lembrava agonizar
nesta pequena igreja sonolenta.

Foi uma angústia doce e tranquila,


feita de aceitação e de uma paz
na agonia das coisas misteriosas.

E como num esvair de silenciosas


virgens, no lanho puro que se esfaz,
o sangue, gota por gota, se asila.

149
II.

Prossime al fine hanno una voce anco


le cose, e un pianto triste che le bagna;
una notte (sognava la campagna,
e avean le stelle un gran lucore bianco)

il campanile che posava al fianco


de la piccola chiesa, o pia compagna!
come un bimbo malato che si lagna
suonò d’un suono dolorante e stanco.

La piú dolce rugiada che mai sia


scesa dai cieli, silenziosamente
tremolò su le rose. (Era una santa

lagrima?) Aveva un suono d’agonia


il campanile... All’alba sorridente
il sole illuminò la chiesa infranta.

150
II.

Perto do fim havia um som pausado


nessas coisas e um pranto que se banha.
Uma noite (sonhava na campanha,
o estrelário num grande clareado)

o campanário, que pousava ao lado


daquela igreja, e piamente a acompanha,
tal um garoto doente que se lanha
a sonhar feito um sonho tão cansado.

O doce orvalho, do que nunca iria


descer dos céus, silenciosamente
nas rosas cintilou. (Imaculada

lágrima?) Teve um sono de agonia


o campanário... e no albor sorridente,
o sol luziu a igreja quebrantada.

151
IL CUORE LANGUIVA

Il cuore languiva da molto


ed io l’ho lasciato languire
volevo, volevo morire
volevo esser presto sepolto...

Un giorno gli dissi, ricordo:


perchè stai languendo io non so;
se ti manca l’amor, te lo do...
comandami, tutto t’accordo...

Ma il picciolo cuor favellò:


non è già per mancanza d’amore
che agonizzo, mio dolce signore,
ma perchè troppo amor mi stancò!

152
O CORAÇÃO LÂNGUIDO43

O coração lânguido, há muito


deixei-o logo desfazer,
desejo, desejo morrer,
desejo estar logo sepulto...

Um dia desses eu recordo:


porque definha, não sei
se amor não tiver, te darei...
a comandar num pleno acordo...

Mas logo meu peito falou:


não é já por falta de amor
que agonizo, meu doce senhor,
porque de amar já se cansou!

153
LEONE XIII

Il pontefice è là: tetro, verdastro,


ultimo re ne la superba reggia;
un rosario lievissimo azzurreggia
fra le immobili dita d’alabastro.

Dorme? Sogna? è tranquillo forse come


giammai lo fu il dolce vecchio asceta.
È tranquillo: raggiunse la sua meta?
ode Cristo Gesù chiamarlo a nome?

O forse presa da malinconia,


gli detta un verso l’anima fuggente?
o forse è cosí quieto, indifferente
perchè il core gli fu portato via?

Passa la folla, muta, e il suo signore


a lungo mira con tremanti ciglia...
Pensa il papa: mi fu strappato il core,
non posso benedirti, o dolce figlia!

E la persona irrigidita, avvolta


ne le bende pesanti par che frema,
una parola su la bocca trema,
ed Egli muor d’angoscia un’altra volta!...

154
LEÃO XIII44

O pontífice ali: o verdoso rastro,


último rei no soberbo palácio;
um rosário em levíssimo azulado
entre os imóveis dedos de alabastro.

Dorme? Sonha? Tranquilo como é visto,


é o semblante do velho doce e asceta.
Está calmo: reinar é sua meta?
Onde te deste o nome, Jesus Cristo?

Ó, talvez, preso na melancolia,


o que dirá através da alma fulgente?
Ó, talvez seja quieto e indiferente,
pois logo o coração lhe tiraria?

Mas a multidão passa, e o seu senhor,


ao longe, plácido no olhar cintila...
Pensa o Papa: esfez-me o cerne de andor,
não posso bendizer-te, ó doce filha!45

A Vossa Santidade, imota, ausente


em si, no pesaroso traje preme
e uma palavra dos teus lábios treme,
então morre de angústia novamente!...

155
L’ANELLO

Ho un anello sul tavolo, un anello


che rinvenni una sera in una tetra
taverna. È un po’ contorto, è un po’ infangato;
certo fu calpestato
furiosamente. Un dito ora n’è privo.
Un dito? Di chi mai? Ho nel pensiero
un balenio di coltello,
un cuore che per lo spavento impetra,
un urlo di trionfo, un rosso vivo
di sangue e un motto: Buona è la vendetta!

156
O ANEL

Tenho um anel sobre a mesa, um anel


que eu achei à noite, numa escura
taverna. Um pouco torcido e enlameado;
certamente pisoteado,
de fúria. Algum dedo ficou privado.
Um dedo? De quem mais? Tenho em mente
um lampejo de cutelo,
impetrado num coração
e há um grito de triunfo, um rubro vibrante
de sangue, e se leva um lema: a vingança é boa!

157
IL CIMITERO

O morti ignoti, senza


croci, senza corone
fiorite ne le buone
primavere,

o morti, a dipartenza
vostra non pianse occhio,
non si piegò ginocchio,
non bocca ebbe preghiere!

O morti, solo, io porto


fiori alle vostre fosse,
oggi, son rose rosse -
che tu buon sole aprivi!

Eppure io sono il morto


fra questi ignoti spenti,
e voi, morti giacenti,
siete i vivi!

158
O CEMITÉRIO46

Ó mortos ignotos, sem


cruzes, sem coroas,
não florescem em boas
primaveras.

Ó mortos, nas extinções,


lágrimas não derramam,
nem joelhos que conclamam,
nem nos lábios há orações!

Ó mortos, só eu tenho
flores nas tuas campas
agora em rubras rosas
que tu, ó sol, abres!

Sou um morto tão puro


entre ignotos e esquivos,
e vós, findos deitados,
sois vós que estais vivos!

159
IL RITORNO47

Ancora, sorella, il cipresso,


laggiù, coronato
di piccole, pallide rose,
ancora lo stesso
viale, le scale corrose,
la porta, le brevi
finestre serrate
da l’ultima estate,
l’antica fontana
che accolse la luna e le stelle,
che accoglie le nevi
che accoglie le foglie
de le vicine alberelle,
ancora nell’aria
quel flebile suono di morte
che pianse una triste campana lontana,
ancora su la solitaria
villa in rovina
lo spasimo grande de l’ora
le ultime nostre parole,
l’abbandono del nostro sole!
Ancora, sorella,
come due colombi spauriti,
i tuoi grandi occhi smarriti,
su le perdute cose.

160
O RETORNO

Ainda, irmã, o cipreste


ali, coroado
de pequenas, pálidas rosas,
ainda na mesma
rua, de escadas, rugosas;
a porta, as escavadas
janelas cerradas,
da última estação.
Estava a antiga fonte
que acolhia luas e estrelas,
que acolhia as nevascas,
que acolhia as folhas
de árvores circunvizinhas
ainda no ar,
aquele tom flébil e funéreo
chorava longínquo em mistério,
ainda a solitária
vila em ruínas
no grande espasmo da hora
a nossa palavra última vigora
ao abandono do nosso Sol!
Ainda, irmã querida,
tanto quanto dois pombos espantados,
são os teus grandes olhos abalados,
entre as coisas perdidas48.

161
I SUOI OCCHI

Occhi, vele di smalto, nostalgia


dell’anima, astri vividi cui tesi
le braccia stanche, dolci lumi accesi
languidamente di malinconia,

laghi d’azzurro cui sembra, o Maria,


terribilmente un’atra nube pesi,
occhi in un cielo placido sospesi,
ali soavi di ogni gioia mia,

rifugio dei tormenti e delle pene,


torri d’avorio solitarie, porte
sacre dei regni di felicità,

pupille ora stravolte, ora serene,


in cui, come su tripodi, la Morte
brucia l’incenso della voluttà.

162
OS SEUS OLHOS49

Olhos, velas de esmalte, nostalgia


da alma, nas teses de estrelas vivas,
luzes acesas são doces convivas,
languidamente da melancolia,

lagos azuis aos quais lembram, ó Maria,


terrivelmente outras nuvens cativas,
são olhos num céu calmo, sensitivas
nas doces asas de minha alegria,

refúgio de tormentos e de arenas,


torres de marfim solitárias, portas
sacras do reino da felicidade,

pupilas ora revoltas ora amenas,


em que, no tríduo, quando a morte exorta,
o incenso queima em voluptuosidade.

163
L’INCANTO

Vai, ballatetta mia, di quadrifoglio


recinta, senza orgoglio
a l’Anima che scende nel mattino
tra i fiori, e canta il suo dolce latino
se non t’incresce recale un anello,
che accoglierà ne la gracile mano,
a cui virtù d’incanto s’accomanda
perché Decembre non varchi il cancello
del giardino ove luce il fiore umano.
E dille meno amara è la vivanda
che al tuo folle desio reca il Destino,
se tutto sole è nel verno il giardino.

164
O ENCANTO50

Então siga, balada minha, sortes


sem orgulho, que tu confortes
toda a Alma, a ascender nesta matina
entre as flores, e o doce canto ensina.
Caso então não se aflija da aliança
que acolherá na mão o elo gracioso,
do qual o encanto tão logo se atrela,
Dezembro, pois, não vai fazer cobrança
na porta do jardim do ser brilhoso
ao dizer que o manjar não é procela,
porque o Destino louco trouxe assim,
se todo sol é inverno no jardim.

165
ALGUMAS EDIÇÕES
DA OBRA DE CORAZZINI

1. Liriche (edizione póstuma). Napoli, Riccardo Ricciardi Editore, 1914.


2. Liriche (Racolta Definitiva) com preparazione de Fausto Martini.
Napoli, Riccardo Ricciardi Editore, 1935.
3. Antonio Piromalli. La Poesia di Sergio Corazzini (Ensaio). G. Inte-
lisano Editore. Catania, 1939.
4. Filippo Donini. Vita e Poesia di Sergio Corazzini (Ensaio). De Silva
Editore. Torino, 1946.

167
1. Poesie Edite e Inedite. Edição de Stefano Jacomuzzi. Einaudi Editore,
1973.
2. Poesie. A cura di Idolina Landolfi. BUR. Univ. Risolli, 1992.
3. Poesie. A cura di Idolina Landolfi. BUR . Univ. Risolli, 1992.
4. El Caliz Amargo (antologia poética) tradução de Carlos Vitale. Ma-
drid, 2002.

168
NOTAS DAS TRADUÇÕES

1 Soneto traduzido em redondilha maior, como alternativa mais cô-


moda aos hexassílabos do original, no intuito de manter uma mu-
sicalidade mais próxima da língua de chegada. O tradutor preferiu
utilizar esquema de rimas diferente no segundo quarteto, afim de não
precisar fazer extensiva adaptação – e consequentemente – modifica-
ção do texto original. Contudo, os tercetos seguem esquema de rimas
correlatos ao soneto de Corazzini.
2 A Lombardia é a região mais povoada e mais rica da Itália, estando
situada no norte do país, delimitada pela Suíça e pelas regiões italia-
nas da Emília-Romanha, Trentino, Vêneto e Piemonte. A capital da
Lombardia é a cidade de Milão. Esta também é famosa como a cidade
da ‘A Última Ceia’ de Leonardo da Vinci.
As províncias da Lombardia são Bergamo, Brescia, Como,
Cremona, Lecco, Lodi, Mantova, Milão, Pavia, Sondrio e Varese, e a
região tem uma área total de 23.861 quilômetros quadrados e uma
população de 9.4 milhões (2020).
3 Cremona fica na região da Lombardia, na chamada Pianura Padana,
ou seja, na planície do Rio Pò e possui cerca de 72.000 habitantes.
Fica a menos de uma hora de Milão. Muito voltada para a música, a
cidade de Cremona, que é a capital cultural, da arte de fazer o violino,
da construção de instrumentos de corda, e desde 2012 foi incluída na
lista da UNESCO do patrimônio imaterial da humanidade.
4 Antonio Giacomo Stradivari (1644-1737) foi um luthier italiano,
nascido e falecido em Cremona, mundialmente reconhecido como o
mais bem-sucedido fabricante na arte da confecção de violinos.
5 Refere-se a Boccaccio Boccaccino (1467-1525), nascido em Ferrara
e falecido em Cremona, foi um pintor do começo do Renascimento,
pertencente a Escola Emiliana. Sua biografia está no livro Vidas de
Vasari. Nasceu em Ferrara e estudou lá, provavelmente com Domeni-

169
co Panetti. Pouco se sabe sobre sua vida.
6 Sulamita, (ou Sunamita), é uma personagem bíblica do Antigo tes-
tamento e significa que possui a perfeição, ou que possui uma sen-
sualidade que não passa despercebida por ninguém, e aprendeu a se
valer desta arma. Segundo a Bíblia, Sulamita foi a preferida do Rei
Salomão.
7 Sandro Botticelli (1445-1510) foi um pintor renascentista italiano,
nascido e falecido em Florença. Mundialmente conhecido como um
dos corifeus do Renascimento.
8 A partir de uma solução estilística encontrada em Alberto de Oli-
veira (1857-1937), buscou-se usar esta expressão para a passagem da
adolescência do poeta.
9 Prevaleceu a manutenção, ao verter, do aspecto logopaico da chave-
de-ouro utilizada por Corazzini, deixando de se utilizar o expediente
de assonância no texto traduzido. Igual solução é verificada na tradu-
ção em espanhol por Carlos Vitale, do poema em questão.
10 Da mesma forma como Onestaldo de Pennafort (1902-1987) se
expressou ao comentar a tradução do poema Colombina, de Paul Ver-
laine, o tradutor pede tolerância com que deve olhar a versão metrifi-
cada e rimada desta versão de Dolore, de Corazzini. O metro curto e
em Terza Rima desse poema nos forçou utilizar, ainda que respeitan-
do escrupulosamente o metro hexassilábico original, o uso de rimas
toantes, rimas consoantes imperfeitas e/ou de vogal temática igual,
quando não foi possível preservar, na versão, da rima consoante. Po-
rém, não precisou haver quebra do esquema rímico das três estâncias
do poema.
11 Preferi utilizar este termo ardor perfeito como solução que me-
lhor traduz, ao meu modo de ver, a apropriação afetiva do crucifixo
portado.
12 Santa Maria della Concezione dei Cappuccini ou Igreja de Nossa
Senhora da Conceição dos Capuchinhos é uma igreja de Roma, Itália,
encomendada em 1626 pelo papa Urbano VIII. A famosa cripta desta
igreja está localizada no subsolo dela. Em 1631, o cardeal Antonio
Barberiniordenou que os restos de milhares de frades fossem exuma-
dos e transferidos do convento na Via dei Lucchesi para a cripta. Os
ossos foram arrumados nas paredes e os frades passaram, a partir daí,
a enterrar seus próprios mortos no local, juntamente com os corpos
de romanos indigentes. Os frades da ordem passaram a frequentar
o local para rezar todas as noites antes de se retirarem para dormir.

170
Atualmente, a cripta (ou ossário) abriga os restos de mais
de 4.000 frades sepultados no local entre 1500 e 1870, quando a Igreja
Católica proibiu o enterro sob igrejas.
13 Excerto de um poema maior dividido em duas estâncias. Devido a
uma repetição temática observada no tema, foi preferível manter al-
guns trechos. Foi mantido o mesmo metro do original italiano (hep-
tassílabo) assim como os esquemas de rima correspondente, por ter
uma disposição de cântico.
14 O termo lama em italiano designa-se a vários significados. Contu-
do, em relação ao poema, refere-se a um conjunto La parte principale
di un utensile destinato a tagliare e avente quindi un bordo, o tutti e due,
molto affilato. Desta forma, preferi utilizar lâmina. Nos valemos do uso
do metro dodecassílabo moderno ternário e quartenário, em conjunto
com o alexandrino clássico francês, ou seja, com cesura mediana entre
os hemistíquios, liberdade versificatória que Corazzini se permitia.
15 Na região de Toledo, Espanha, há uma tradição estabelecida e
igualmente afamada de produção de lâminas, lanças e espadas, mun-
dialmente conhecidas.
16 Igualmente neste poema em dísticos, Corazzini se vale do uso do
metro dodecassílabo moderno ternário e quartenário, em conjunto
com o alexandrino clássico francês e espanhol. Desta forma, mante-
ve-se esse metro homólogo ao original, em silva de uso do dodecassí-
labo moderno (ternário e quartenário) e do alexandrino francês (com
cesura mediana entre os hemistíquios).
17 Duplice interpretação: brincadeira/provocação ou ironia circun-
dante? No aspecto formal: uma reflexão se consolida na tradução des-
te poema, onde, na versão literal em português acaba por escorregar
numa fatura sem música.
18 Designação dada a várias plantas do gênero Asphodelus, da família
das liliáceas, de raiz tuberosa. Decidiu-se utilizar o termo ornamen-
tos, como título do poema. Enquanto ao aspecto formal, foi possível
preservar os valores métricos do original.
19 Celebrante da Missa católica.
20 O termo escolhido Ser, usado como solução tradutória, é usado de
acordo com o que é designado no Compêndio de Catecismo da Igreja
Católica, ou seja, a mínima parte da hóstia consagrada na missa e ofe-
recida em comunhão não apenas representa como é a própria pessoa
de Nosso Senhor Jesus Cristo.

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21 Neste conjunto de quatro sonetos, foi preferido traduzir o título
para um termo mais “neutro”, se bem que, no corpo do texto deu-se
uma liberdade semântica mais próxima ao original.
22 Variante: erva tenrazinha.
23 Carlo Simoneschi (1878-1943) foi um ator de teatro e de cinema
italiano, nascido em Roma e falecido em Milão. Neste poema, ob-
serva-se que a versão em português literal tende a tranpor para uma
fatura sem música, o que inviabilizaria a versão, transformando-a
num mero bilhete lírico. Com apenas uma alteração na disposição das
rimas, foi possível manter o padrão rímico. Contudo, excepcionalmen-
te, precisou-se alterar o hexassílabo italiano original para o padrão de
redondilha maior, verso mais afeito a índole do nosso idioma.
24 De grande interesse, nesta coleção, são os quatro sonetos de Tobla-
ck, nome que parece aludir a Dobbiaco, na época um local de conva-
lescença e de cuidados a pacientes com tuberculose, porém entendido
mais como uma sugestão som, alusão a “um lugar abstrato, uma an-
tecâmara luminosa da morte”, como escreve Sergio Solmi na introdu-
ção ao Liriche de 1959.
25 Trata-se de um soneto monostrófico e em versos brancos, ainda
que em versos decassílabos, algo completamente incomum e inespe-
rado à época e na poesia moderna ocidental. Esta disposição formal
seria experimentada no Brasil cerca de quatro décadas depois em re-
lação a este soneto, escrito em 1905.
26 Pequena estrada na região da Bolonha, que margeia o Cimitero
Monumentale della Certosa.
27 San Bartolomeo al Mare é uma comuna italiana da região da Ligúria.
28 Ofélia (em inglês Ophelia) é uma personagem da obra Hamlet de
William Shakespeare.
29 Jogo de mistura de ironia e melancolia neste poema, de um desejo
de algo que nunca se teve.
30 “Pela Láctea Via” foi uma solução de liberdade formal do tradutor,
no intiuito de evitar um termo que caísse num lugar-comum.
31 Reorganizou-se a descrição, de modo a tentar aproveitar o máxi-
mo possível do original, em silva de uso de versos polimétricos, na
fronteira com o verso livre.
32 Nesse soneto funcionaria não rimar tudo, na tradução, excepcio-
nalmente. Conseguiu-se mantendo maior proximidade de andamen-
to logopaico em relação ao original.

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Abaixo uma variante em versos brancos:
“Irmã, o doce resguardo com o claustro
que os veste com imensa humildade,
no dia de hoje em abril ilude
todo o nosso martírio docemente”.
33 Santo Stefano Rotondo al Monte Celio ou Basílica de Santo Estêvão
Redondo no Monte Célio é uma antiga basílica menor e igreja titular
em Roma, Itália. A igreja original, consagrada pelo Papa Simplício
entre 468 e 483, foi dedicada ao protomártir Santo Estêvão, cujo cor-
po havia sido descoberto umas poucas décadas antes na Terra Santa
e levado a Roma. Foi a primeira em Roma a ter uma planta circular,
inspirada na Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém.
34 A diferença significativa entre as prosódias simplesmente mata o
poema na mera transposição original/tradução. Observado isso, foi
preciso achar uma linguagem em português para resgatar a música
implícita do texto.
35 A problematização de se sentir uma persona poética, como um
fato que traz um fardo e não tem valor, fica evidente neste poema.
36 Rara canção lírico-amorosa, disposta em heptassílabos de Coraz-
zini, de disposição rímica variável no original. Devido a questão pro-
sódica e o andamento dos versos, a disposição das rimas por estrofe
na tradução seguiu em dois parâmetros básicos: predominantemente
o esquema (aabccb/dd) ou (aabbcc/dd). Preferiu-se fazer rima empa-
relhada nos dísticos-estribilho.
37 Neste poema vemos um flagrante quadro de ironia perpassada
pela desconfiança do sujeito lírico.
38 Trecho que reproduz o itinerário Crepuscolari, envolvendo o clima
paisagístico com o estado mental e de alma do poeta, quase sempre
melancólico e cindido entre a tristeza e a inanição diante da realidade.
39 Giuseppe Alonzo, num excelente ensaio intitulado “As Ideias não ven-
didas duma humanidade leiloada”, apresenta uma leitura do poema Ban-
do de Sergio Corazzini. Segundo Alonzo, ao contrário de algumas críti-
cas, Bando inscreve-se na representação de um ideal coroamento dela, le-
vando em consideração a sua presença na conclusão do Libro per la dela
domenica – última coletânea de poemas publicada pelo autor em vida.
A partir da propensão para a animalidade e o abandono em si, Alonzo
propõe ainda um diálogo com as direções crepusculares do modernismo
brasileiro, expressas em modo particular por Manuel Bandeira.

173
40 Poema em dísticos no original, em que varia o padrão métrico
entre o octossílabo e o eneassílabo. Preferimos utilizar o octossílabo,
com predominância de pés iniciais em iambo ou anapéstico.
41 Liberdade tradutória do termo italiano bimba, na referenciação
da interlocutora do sujeito lírico que demonstra estar angustiado e
envergonhado de sua condição evocada no poema.
42 Este poema nas suas três estâncias sugerem as três fases do enig-
ma da esfinge. No que tange ao aspecto formal – assim como vários
neste livro – aparenta ser, mas não é livre, sendo heterométrico, como
pode-se contar no italiano. Pode-se encontrar a utilização de me-
tros desde o pentassílabo ao decassílabo. Sergio Corazzini, em seus
poemas, sempre se aproximou do verso livre, praticando, porém, em
poucos casos.
43 O belo e — ao mesmo tempo — triste poema no original não pre-
serva totalmente o padrão octossilábico, tendo a sua irregularidade
estendida ao eneassílabo em alguns versos, talvez por deliberalidade
do poeta ou imprecisão localizada. Entretanto, buscou-se na tradução
a utilização do metro octossílabo isométrico em todo o poema verti-
do ao português.
44 Papa Leão XIII, nascido Vincenzo Gioacchino Prosperi Buzzi;
(1810-1903), nascido em Carpineto Romano e falecido em Roma, foi
Papa entre 1878 até à data de sua morte.
Foi ordenado sacerdote da Igreja Católica em 31 de dezem-
bro de 1837. Em 18 de janeiro de 1843 foi indicado Núncio Apostó-
lico para a Bélgica e depois ordenado bispo de Tamiathis em 1843.
Em 1853 foi criado cardeal com o título de Cardeal-presbítero de São
Crisógono. Foi eleito papa em 20 de fevereiro de 1878 e coroado em 3
de março do mesmo ano.
45 Difícil acomodação do trecho no espaço devido à prosódia mais
enxuta do verso do original.
46 Poema em silva de uso polimétrico, em trissílabo (4º verso) pen-
tassílabo (parte da 1ª estrofe e verso final) e hexassílabo. Buscou-se
manter a métrica apresentada do texto em italiano. O poema realça
fortemente o desejo do sujeito lírico de desintegrar-se da realidade
concreta depressiva e se transpor para outra realidade que a julga
como redentora e isenta de sofrimento, tal como enxerga os interlo-
cutores finados naquele espaço.
47 Trata-se de outro poema heterométrico, que se pode passar de-

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sapercebidamente como verso livre, verso este que Corazzini apenas
experimentou, mas sem uso sistemático. A tradução literal poderia
ser uma hipótese, porém o poema traduzido seguiu a heterometria
do original.
48 Há, em Corazzini, uma musicalidade implícita e muitas vezes pro-
nunciada de certas assonâncias internas e externas ao poema, do qual
buscou-se manter na tradução.
49 Contudo, nos tercetos deste poema manteve esquema igual em
questão.
50 Houve algum sacrifício de termos logopaicos nos dois primeiros
versos em favor de uma melopeia mais constante, presentificada no
original.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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da Poesia Francesa. Rio de Janeiro: Record, 1999.

178
DADOS SOBRE O TRADUTOR

Claudio Sousa Pereira (1982, Salvador-BA) Bahia, é pro-


fessor do ensino secundário, poeta e ensaísta. Participou
da primeira fase do projeto Palavras Passageiras, poesia
no ônibus, e possui alguns poemas e ensaios publica-
dos em livros, sites, blogs e revistas. Integrou algumas
antologias: Edição-Livro 4 da Revista Organismo (Fun-
ceb/Fundo de Cultura/Gov. do Estado da Bahia), Salva-
dor-BA; Estranha Beleza: antologia brasileira da retranca
– Claudia Cordeiro da Cunha Melo e Gustavo Felicís-
simo (Orgs.) Itabuna: Mondrongo, 2018 e Poésie Brési-
lienne à Contre-Courant – retour esthétique du XXIe siècle
(Poesia Brasileira em Contracorrente: o retorno estético do
século XXI) – Org. e Trad. de Wladimir Saldanha, Ita-
buna: Mondrongo, 2018. Prepara dois livros de poemas
autorais Sentida Música e Lições de Crepúsculo, a serem
editados em breve; Águas Lombardas e Outros Poemas,
de Sergio Corazzini, é a sua primeira tradução publicada.
Também organiza outro de poemas de autores alheios
em colaboração e prepara tradução e seleção de textos
de autores estrangeiros, no caso, poetas do período Cre-
puscolari italiano, tais como Guido Gozzano e Clemente
Rebora, inéditos de tradução em português.

179
Impresso originalmente para a Editora Mondrongo em
outubro de 2021. 2ª reimpressão feita em setembro de 2022
no formato 13 x 20, em papel Pólen Bold 70 gr no miolo e Cartão
Supremo na capa. As fontes tipográficas usadas foram a Arial,
Minion Pro e Times New Roman nos títulos e conteúdo.

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