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§ 1. Observações Preliminares
1. Friedrich Eng els, Ludwig Feuerbach and the End of Classical German Philosophy'p. 386.
Tucker (ver nota z) dá mais crédito a Engels do que este deu a si mesmo: "Os talentos de Engels
e Marx eram em grande medida complementares. O marxismo clássico é uma amálgama da
qual a obra de Engels constitui parte inalienável." Ver Introduçâo de The Marx-Engels Reader,
§4.
lzct)
MARX
r.AsobrasdeMarxqueestudaremospodemserdivididasemgrupos.
o primeiro grupo é formado por obras da juventude e outros escritos filo-
sóficos do início dos anos r84o: A questão judaica
(r8+) e A ideologia alema
Gg+s-+6)2. Outras obras importantes,
embora não sejam estudadas aqui:
sobre Feuerbach (ts+).
Manuscritos econômico-filosóficos (rs++) e Teses
NosegundogruPoestãopartesdosescritosdeeconomia:Ocapital'
vol. r (1867) (primeiro esboço, 186r-6:); vol' II
(1885) (escrito em 1868-7o e
2.TodasasobrasparaestudofazempartedaantologiaorganizadaporRobertC'Tucker'
TheMarx-EngelsReader,z.ed.(NovaYorkW'VlNorton'1978)'Nessaedição'osdoisensaios
encontram-seàspáginasz6.5zet47-zoo.EsteúltimotrechoéapenasaprimeftapartedeGer-
and Engels,vol'
ideotogia atemã1, obra publicada em Collected Worlcs of Marx
man Ideology 1e
5
páginas'
(Londres: iu*..rr.. anà Wishart, 1976) que contém mais de quinhentas
3. Em O capital,vol. I, leremos os seguintes trechos: Cap'
r' 'A mercadoria"' seçôes r' z' 4;
6"'Compra e venda da força de tra-
Cap. 4,"Afórmula geral do capital", todo o capítulo;
Cap'
"Processo de trabalho e de produção de mais-valia"' se-
balho I todo o capítulo; cap. 7 Processo
'A jornada de trabalho seçôes r' z' Todos esses trechos se encontram
çáo z, pp.357-6t; Cap.ro,
em Tucker, The Marx-Engeis Reader.Em o capital,vol. " III, leremos o trecho selecionado em
Tucker, pp.439-4r.
4.Nessaobra,leremosapenasaseçãor,conformeapresentadaemTucker,TheMarx.Engels
Reader, pp. 525-34.
lr+81
A ideia do capitalismo como sistema social em Marx
5. Ver Isaiah Berlin, Four Ess ays on Liberty (Oxford: Oxford University Press, 1969): Intro-
dução, § z, e o ensaio "Two Concepts ofliberty".
6. |ohn Rawls, A Theory of lustice (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, r97r), p'
529; ed. rev. (rqgg), pp. +6: s.
lyg)
MARX
é bastante dis-
sociedade bem-ordenada da teoria da justiça como equidade
uma socie-
tinta da ideia da sociedade do comunismo total. Esta parece ser
as circunstân-
dade além dajustiça, no sentido de que nela foram superadas
justiça distributiva, e os cidadãos não
cias que dáo origem ao problema da
problema na
precisam se preocupar (e de fato não se Preocupam) com esse
vida cotidiana. A teoria da justiça como equidade' por outro lado' pressu-
põe,àvistadosfatosgeraisdasociologiapolíticadosregimesdemocráticos
e ürtudes políticas que
i,ui, .o-o o pluralismo razoâvel),que os princípios
fazemparte àe diversas espécies de justiça desempenham
uma funçáo na
justiça distribu-
vida poiítica pública. O esvaecimento da justiça, mesmo da
tiva, não é possível nem ser desejável' Essa é uma questão intrigante
Parece
que, apesar da tentação, não discutirei mais detalhadamente'
3.Nestaconferência,analisareiosobjetivosdateoriaeconômicade
e a concepção marxiana do capitalismo como sistema
social. Natural-
Marx
elementar e sim-
mente, é possível tratar essas questoes de modo apenas
modestos,
plificado. se mantivermos em mente que nossos objetivos são
recebe aqui aten-
iulu"rnáo haja nada de mal nisso. A economia marxiana
ção especial não apenas
por ocupar lugar central no pensamento de Marx'
capitalismo como
como também por ser central para a teoria marxiana do
sistema de dominação e exploração e, portanto, para a
teoria do capitalis-
como crítico
mo como sistema social injusto. A fim de compreender Marx
do liberalismo, deve-se tentar entender por que motivo o capitalismo
é
liberais' em sua
para ele um sistema injusto. Isso porque, embora as teorias
maior parte, ao contrário do libertarianismoT, náo sejam comprometidas
com o direito à propriedade privada dos meios de produçáo'
muitos libe-
gerais' mas quando
rais, assim como Mill, a defenderam - não em termos
justificada em certas condições.
Com essas considerações em vista, nas três conferências sobre
Marx
tentarei cobrir os seguintes tópicos:
Naprimeira,analisodequemodoMarxviaocapitalismocomosiste-
sentido de teo-
ma social e saliento, infelizmente com brevidade demais, o
ria marxiana do valor-trabalho e sua intenção implícita'
Nasegundaconferência,examinoomodocomoMarxviaosdireitos
e a justiça e investigo com brevidade uma questão
muito discutida ultima-
social injusto
mente, qual seja, se o capitalismo, para Marx, é um sistema
(Nova York:
7. Para um ponto libertário, ver Robert No zick, Anarchy, state and ufopla
de vista
Sáo Paulo: WMF Martins Fontes, zou.]
Basic Books, rqz+). [Trad. bra s.: Anarquia, Estado e utopia.
[:so]
A ideia do capitalismo como sistema social em Marx
8. A respeito desses elementos, ver John Roemer, Liberal Socialisn (Cambridge, Mass.:
Harvard Uniyersity Press, 1994).
[:sr]
MARX
Naturalmente, tudo isso exige análise muito mais complexa. Aqui, po-
rém, lembro apenas os aspectos essenciais.
A outra razáo parareconhecer a importância do pensamento socialista
de Marx é que o capitalismo do laissez-faire tem sérias desvantagens que
devem ser assinaladas e exigem reformas radicais, e o socialismo liberal e
outras doutrinas podem ajudar a encontrar a melhor maneira de fazer es-
sas alterações.
l:r'r)
A ideía do capitalismo como sistema social em Marx
l:»r)
MARX
I r+)
como sistema social em Marx
era: como isso é possível? E de que modo isso acontece ocultamente sob a
superfície de transações do dia a dia do sistema econômico?
um exemplo simples ilustra o que Marx quer dizer. No capitalismo, os
trabalhadores são pagos, digamos, com um salário referente à jornada-pa-
drão (de doze horas). O capitalista aluga a força de trabalho (Arbeitskraft)
do trabalhador, e essa força de trabalho pode ser usada mais ou menos
intensamente ou até por maior tempo se a jornada-padrão for prolongada.
Segundo Marx, uma característica exclusiva da força de trabalho é que ela
é o único fator de produção que enquanto for capaz de produzir gera
mais
valor do que o necessário para se sustentar com o passar do tempo. Outros
fatores simplesmente geram o mesmo valor gasto para criá-los. Poder-se-ia
dizer que a mão de obra humana é criativa e constitui um fator de produ-
não fosse necessária, o sistema econômi-
ção claramente necessário. Se ela
co não poderia se desenvolver.
Tlrdo isso é evidente no feudalismo, no qual o vassalo é obrigado a rea-
lizar trabalho forçado no feudo do suserano, e também na escravidão. Po-
rém os trabalhadores no sistema capitalista náo têm como dizer quantas
horas trabalhadas sáo necessárias para seu sustento próprio, nem quan-
tas horas constituem sobretrabalho em benefício do capitalista. Esse fato é
ocultado através de acordos institucionais. Assim, a característica peculiar
do capitalismo é que nele, ao contrário da escravidão e do feudalismo, a
extrafão do sobretrabalho (trabalho não remunerado) dos trabalhadores
não é patente. As pessoas não estão conscientes da existência e da taxa dessa
extração11.
Assim, um dos objetivos da teoria do yalor-trabalho de Marx é tentar
explicar como é possível o sobretrabalho existir em um sistema de inde-
pendência pessoal e de que modo se ocultam a existência e a taxa desse
sobretrabalho,
é que suas duas espécies de
5. A terceira característica do capitalismo
agentes econômicos - os capitalistas e os trabalhadores - têm diferentes
papéis e metas no sistema social visto como modo de produção:
(a) o papel e a meta dos capitalistas são representados pelo ciclo D-M-
-Dn (sendo D < D* eD = dinheiro e M = mercadoria). Essa fórmula repre-
1 1. A esse respeito, ver o capital,vol. r, cap. ro: § z, em Tucker, The Marx-Engels Reader,
p.365.
Izss]
MARX
Sentaofatodequeoscapitalistasinvestemfundosdecapitallíquidode (na
em adiantamentos ao trabalho
valor D em máquinu' t -utt'iuis e
e itens afins) para produ-
forma de alimentos, suprimentos, equipamentos
(ptoàuçao) a servendido visando ao lucro'
zir um estoque d" mercadotius
(Comumente, D < D*')
representados pelo ciclo
(b) O papel . u *tt" dos trabalhadores são
igual ao valor de M*' Essa
M-D-M*,sendo o valor de M normalmente
concordam em trabalhar
fórmula representa o zuo dt que os trabalhadores
e, portanto, produzir - visando
ao uso' Isto é' os trabalhadores traba-
-
lhamafimdeadquirircomseussaláriosasmercadoriasnecessáriaspara repro-
sua força de trabalho - e para se
seu sustento próprio - paramanter
duzir sustentando suas famílias e filhos'
é uma consequência das di-
6. A quarta característica do capitalismo
dos ca-
entre os papéis sociais e as metas
ferenças apontadas anteriormente
dos capitalistas é poupar, isto
pri"rrri", à dos trabalhadores: o papel social
uumetttar as forças produtivas da sociedade -
é, acumular capital " com o
'"aletc'
fábricas, o maquinário - Passar do tempo'
(a)AfórmulaD<D*dociclodoscapitalistasexpressaofatodeque
e aumentar seu capital real' São
os ca-
eles estão em posição de acumular
real cumulativa de todos os
líquida
pitalistas que poupam' A poupança
capitalistas constitui o' -"io'ã"
produçáo da sociedade como um todo:
condições (se acrescentarmos os
maquinário, fábricas, terra em melhores
sistema social capitalista' sáo os
proprietários de terras) etc' Assim' no
uns com os outros' to-
iupitufirtu, que, individualmente e em competição
mamaSdecisõesdasociedadenoqueserefereàextensãoeaodestinoda
período' Tudo isso define quais
poupança real (investimento) "m tadu
podem se expandir e quais deles
indústrias e quais modos de produçáo
entraráo em declínio'
é' aquilo que eles almejam
(b) A meta subjetiva dos capitalistas - isto
seus fundos de capitar náo é o
simples lucro,
e têm em mente - ao investir
masolucromáximo.Emboraoníveldeconsumodoscapitalistasseja
esforçam
dos trabalhadores, eles não se
consideravelmente mais alto que o
para obter - no período "* q"" o
capitalismo está no ápice' cumprindo
de consumo'
,.., pup.l histórico - um nível cadavez maior
isso é que a competiçáo dos
(c) O motivo pao q"uf eles não fazem
(empresas versus empresas) força-os a
pou-
capitalistas uns com os áutros de
empresas fracassarão e eles deixarão
par e inovar. Caso contrário' suas
como indivíduos em geral náo são
ser capitalistas. Assim, os capitalistas
lls6l
talismo como sistema social em Marx
§ 3. A teoria do valor-trabalho
r.Atéaqui,quasenadafoimencionadoarespeitodateoriadovalor-
-trabalho. Isso, sem dúvida, pode parecer estranho, visto que essa teoria
é
lzsz)
MARX
elementos que expliquem por que o capitalismo talvez tenha sido para ele
um sistema de dominação e exploração. Creio que é nesse contexto que se
compreende mais facilmente o sentido da teoria marxiana do valor-trabalho.
Pensemos na teoria do valor-trabalho como uma teoria que diz várias
coisas. Em primeiro lugar, ela diz que o valor agregado total em uma so-
ciedade produtora de mercadorias corresponde ao tempo total de traba-
Iho gasto pela sociedade. Em segundo lugar, ela diz que o total da mais-
-valia corresponde ao total do tempo de trabalho não remunerado. Aqui,
trabalho não remunerado é trabalho desnecessárior2, cuja renda não é
recebida pelo trabalhador.
Para Marx, sob a perspectiva da sociedade como um todo, a mão de obra
humana potencial de todos os membros da sociedade é um fator de pro-
dução de especial importância social. É especial no sentido de que não
deve ser considerada da mesma maneira que outros fatores de produção
não humanos, tais como a terra, recursos naturais, ferramentas e maqui-
nário e demais fatores. Estes últimos sáo resultado de trabalho realizado
no passado. A mão de obra humana é especial também no sentido de que
é um fator de produção peculiar à sociedade. Sob a perspectiva mais sim-
ples, uma sociedade humana organiza-se a fim de que os seres humanos
possam produzir e se reproduzir no decorrer do tempo por meio da mão
de obra humana coletiva, sempre fazendo uso dos recursos e das forças da
nattrezaque estão sob o controle da sociedade.
Ora, nas sociedades de classes o total damais-valia não é compartilha-
do apenas por quem o produz; grandes parcelas da mais-valia também
vão para pessoas que ou não realizam trabalho algum ou recebem mais do
que lhes é garantido em razâo de seu tempo de trabalho. Na sociedade
escravocrata ou feudal, esse é patente. Na sociedade capitalista, porém, como
já dissemos, isso segundo Marx é ocultado, de modo que precisamos de
uma teoria, ainda segundo Marx, para explicar o modo como isso aconte-
ce em um sistema de independência pessoal no qual os contratos são ce-
lebrados entre agentes econômicos pretensamente livres e iguais.
z. O objetivo da teoria do valor-trabalho é penetrar sob as aparências
superficiais da ordem capitalista e nos permitir acompanhar o gasto de
lrssl
A ideia do capitalismo como sistema social em Marx
13. Esse é o título do famoso tratado antiescravagista de George Fitzhugh, datado de 1856,
no qual o autor afirma que os escravos negros do Sul dos Estados Unidos são os indivíduos mais
livres do mundo.
14. W. J. Baumol, "The Transformation of Values: What Marx'Really' Meant (An Interpre-
tation)" , Journal of Economic Literature Q974).
lessl
MARX
15. Essa opinião pode ser encontrad.a em A. c. Pigou, The Economics of welfare (Londres:
Macmillan, rgzo).
16. O capital,I, Cap. XXVI: J1 5-7 em Tucker, The Marx-Engels
Reader' p' 433'
distribuição e
17. ver Stephen A. Marglin, Growth, Distribution, and Prices [crescimento'
preços] (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, rg8+), pp' +62 s'
[36o1
smo como sistema social em Marx
18. Ver Margiin , Growth' Distribution, and Prices, PP' 4q' 468'
[36rJ
MARX
19.Háaquiumadificuldade:seotrabalhoporsisóécriativo,Porqueoscapitalistasnão
aumentamovalordo.,uuar,oatéobterlucrozero?Aesserespeito,ver|osephÀ.Schumpeter,
HistoryofEcononicena@is|tlistóriadaanáliseeconômica](oxford:oxfordUnivers§Press'
,SS+), pp. 65o s. A pergunta tem ainda outras resPostas'
l36zl
como sistema social em Marx
4. Uma definiçáo:
Valor de uma massa de mercadorias = valor agregado por: C + V + §'
sendo c = capital constante (maquinário, matérias-primas etc.);
V = capital variável (salários ou trabalho remunerado);
S = sobretrabalho (trabalho não remunerado)'
Comoomaquinárioeasmatérias-primasnãoagregamvaloreossa-
éo
lários são pagos em troca de trabalho necessário, a mais-valia total
produto do sobretrabalho total.
Salírios Lucros
|ornada de trabalho
l16rl