Você está na página 1de 82

Copyright© 2018 — Todos os direitos reservados a: Drago Editorial

Nome da Obra: Ori - O todo-poderoso - A mente sob a perspectiva yoruba


Autores: Ronaldo S. R. Azevedo e Kátia M. N. Toledo Azevedo
Revisão: Patricia Drago
Capa e diagramação: Denis Lenzi
Editores Responsáveis: Gustavo Drago & Patrícia Drago

Dados de Catalogação

Azevedo, Ronaldo S. R. / Azevedo, Kátia M. N. Toledo

Ori - o todo-poderoso - A mente sob a perspectiva yoruba


1ª edição - Rio de Janeiro, RJ - Drago Editorial, 2018.

ISBN: 978-85-9596-118-0

1. Não-Ficção 2. Religião 3. Literatura Brasileira

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada
ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem a autorização por escrito
da editora.
Para nossos pais
Agradecimentos

Agradecemos
A todos que passaram pelo Ile Asé Opó Oyá... porque
todos nos ensinaram;
Ao Senhor Babalorixá Ode Olojucan (in memorian)... pelo
início deste caminho, pela ancestralidade espiritual;
A Yalorixá Mãe Lidia Queiroz dos Anjos ... pelo convívio
e conhecimento da cultura afro-brasileira;
Ao Babalorixá King, por ter nos aberto para o
conhecimento da cultura Yoruba em suas raízes e origem e,
sobretudo por tratar o ser humano com todo o devido respeito.
Índice

Introdução - O poder de Ori..................................................... 10

Ori e ancestralidade..................................................................... 15

Lealdade ao destino..................................................................... 19

Ori e Paciência.............................................................................. 26

Ori e reciprocidades..................................................................... 34

Tipos de Ori Orirerê (Ori bom) e Ori Buruku (Ori ruim) e

o caminhar junto com Ori........................................................ 38

Atitudes que devemos ter para que Ori nos traga boas coisas

na vida e sejamos prósperos....................................................... 45

Bori e seus benefícios ao Ori..................................................... 74

Ori e Orixá.................................................................................... 79
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Introdução
O poder de Ori

Ori é a nossa cabeça, nossa mente. É a verdade


autorreferenciada que carregamos ou devemos carregar
como suporte próprio. É o poder deliberado de nós mesmos
ao longo de nossa vida. É Ori quem determina o quanto de
energia desperdiçamos com o passado quando queremos
comprometer nosso futuro e nosso agora. É nosso Ori quem
nos dá a dimensão do agora, de nos fazermos presentes nas
ações, relacionamentos, emoções e metas que fazem da nossa
vida uma vida de sentido. É nosso Ori quem nos permite
a destreza de decidir por uma vida deliberada por nós ou
subjugada por circunstâncias.
Nossa cabeça é tão grande, que dentro dela se guarda o
cérebro como se fosse o Universo. Ori Inu – nosso cérebro
– é a cópia representante do Universo material. Assim como
os fractais que cada conjunto contém dentro de si, cópias
menores deles mesmos, Ori Inu guarda cópia do Universo, nos
mostrando que o Universo reside em nosso Ori.
Nosso Ori é, e nele está, toda a força do Universo, a
força vital. Essa é a força que coincide com cada pessoa, com
seu modo de ser e entender a vida nos seus vários aspectos,

10 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

com as emoções que ele permite a cada situação. Cabe a nós


transformar toda essa energia potencial em compreensão,
prosperidade, felicidade, vitalidade, em suma, no movimento
da vida.
É também nosso Ori quem determina o modo como
vamos cumprir aquela parte do destino ou de nossa missão
que não se pode mudar, já que cada Ori carrega seu eleda (lê-
se eledá), ou destino. Da mesma forma, é aquele que nos faz
enxergar, ou não, as possíveis escolhas diante de uma gama
de possibilidades de vida que temos. Mediante os confrontos
entre nossa vontade e o destino, Ori é o determinante na
demarcação dos campos e tangência entre essas vertentes em
que a vida se apresenta; é o fiel da balança na condução e peso
desse jogo de forças, que no mundo da aparência se colocam
como times em disputa. É com a aguda vivacidade de um bom
Ori que o ser é capaz de integrar-se mediante esse confronto
ilusório, que no final das contas, é parte de si.
Uma vez inseridos no Universo mitológico, caminhamos
cientes da baliza “Assim como é no microcosmo é no
macrocosmo”. O que quer que precisemos está dentro
de nosso Ori. O planeta Terra está dentro de nosso Ori, o
Universo está dentro de nosso Ori. E é por isso mesmo que
precisamos evocá-lo e potencializá-lo sempre para que Ele nos
apóie e seja afim com nosso destino e caminhar, como nos
ensinam as cantigas de Ifá dedicadas a esse orixá.
Quanto mais se evolui mentalmente, intelectualmente
no sentido de deter conhecimento e de saber fazer uso
desse conhecimento, mais força e mais axé aquele Ori tem.
Moralmente, a pessoa tem que caminhar de forma compatível

DRAGO EDITORIAL 11
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

com esse axé e conhecimento. Toda ajuda, que porventura,


seja permitida por algum outro orixá, só acontece com a
permissão de Ori, de suas necessidades e de sua busca. Sim!
Porque Ori é quem nos impulsiona, nos comanda. Ori é a
principal divindade dentre todas. Não convém nem esquecê-lo
e nem esquecermos de que se trata de uma divindade, como
nos ensina a cantiga para louvá-lo.

CANTIGA PARA LOUVAR ORI

Se tenho dinheiro na vida


Devo a meu Ori
Se tenho alegria na vida
Devo a meu Ori
Se tenho saúde na vida
Devo a meu Ori
[...]

O Ori de um ser é sua fonte de prosperidade


Ao acordar logo pela manhã
Abraço meu Ori carinhosamente
O Ori de um ser é sua fonte de prosperidade

Babalawo Fabunmi Sowunmi in Sikiru Salami (King): Poemas


de Ifá e valores de conduta social entre os Yoruba da Nigéria (Áfri-
ca do Oeste), dissertação de mestrado. Departamento de Sociologia
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de
São Paulo. São Paulo, 1999, pp. 47 e 48.

12 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Paradoxalmente, se não privilegiado ou mal cuidado, Ori


pode nos fazer caminhar uma vida de ilusões, derrotas, frus-
trações, medos, enganos e mentiras. Muitas vezes, quando nos
deparamos com a angústia de saber que fomos nós mesmos,
juntamente com nossa história, que nos colocamos em con-
dições que não queríamos estar agora, que não combina co-
nosco, que não faz parte de nosso destino, que não nos leva à
felicidade ou à dos outros, nos remetemos a um diálogo com
Ori. Esse diálogo precisa ser honesto para que seja proveitoso.
Convivendo em sua consciência (e inconsciência), muitas
vezes o ser humano faz absurdos para se garantir de “alguma
coisa”: junta dinheiro e fortuna, passa por cima das pessoas,
desrespeita, humilha, usurpa, mente, sustenta as mentiras...
Quando chega ao final da vida em que o ser está fazendo a
passagem exata do Aye para o Orum, é liberada toda a parte da
inconsciência em seu último suspiro. Neste momento, tem-se
a certeza de que tudo aquilo que se fez não vai ao encontro do
sagrado.
A pessoa percebe que desperdiçou um grande potencial
de seu Ori quando poderia ter aproveitado muito de sua
existência. Poderia ter tirado proveitos de sua existência para
dar conhecimento aos seus. No entanto, suas atitudes ao
longo da vida deixaram um legado pobre e deturpado para
seus amigos, para sua família e seus descendentes. As futuras
gerações irão carregar esse legado e até mesmo reproduzi-lo.
Viver uma vida com tanto desperdício não é acreditar ou não
em Deus Eledunmare, O Criador. Fazer isso consigo e com os
futuros descendentes é não acreditar nele mesmo e nem em
seu Ori.

DRAGO EDITORIAL 13
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Um dia, diante de tanto conflito uma consulente me


perguntou “Qual é o seu limite?” Eu respondi: “qual é o
seu limite?” Ori é o Universo, mas também nos limita por
determinar o peso que uma pessoa pode carregar. Esse limite
pode nos aleijar de forma inominável que só nós mesmos –
não sem esforço – podemos reconhecer. É só a intimidade
com Ori que pode abrir caminhos para bem viver nosso Eleda.

Sendo Ori entidade tão poderosa, que em muitas


circunstâncias, opera de modo tão paradoxal, faz-se necessário
destacar itens veiculados a Ori, com objetivo de ficarmos
atentos aos cuidados que a ele devemos dispensar quando se
deseja ter com essa entidade/divindade um diálogo que se
mostra disposto a conhecer a verdade.
Ifá ou Orunmilá é a divindade na cultura yoruba
responsável pelo destino. Por sua grande sabedoria, recebeu
de Eledunmare (deus supremo) a missão de orientar os seres
a respeito de seus destinos. Dessa forma, os ensinamentos
de Ifá são imprescindíveis a Ori quando se trata de ter um
bom destino. Como Ori, conduta e destino estão, via de regra,
associados, em muitos momentos, citamos os ensinamentos
de Ifá de modo a instruir as pessoas nesta tão rica cultura.
Optamos por utilizar como referência bibliográfica
tão somente a tese de doutorado do professor Sikiru Salami
(babalorisá King) – Poemas de Ifá e valores de Conduta Social entre
os yoruba da Nigéria.

14 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Ori e ancestralidade

O poder de Ori nos faz responsáveis principais pelas coisas


que nos ocorrem e a história que construímos da nossa vida.
Essa história não é só nossa. É também de nossos ancestrais.
Adquirimos, mediante certos acordos, o compromisso de
continuar a contá-la, assim como nossos descendentes, um
dia, o farão.
Contamos o poema de nossa vida à medida que vivemos.
Não tem rascunho. É o nosso itan. Parte dele já foi escrito e
cabe a nós contar alguma outra parte sagrada.
Ori guarda conhecimentos milenares de toda sua
passagem pelo Universo e, quando chegamos a esta vida, nosso
Ori está aberto a novos aprendizados. Os novos aprendizados
vão se juntar à inconsciência já armazenada, que é a história já
contada pelos nossos ancestrais.
A mescla da memória inconsciente com a consciente
entra em atrito com nós mesmos à procura de uma existência
com sentido nesta vida. Os conflitos se manifestam em um
conjunto de dúvidas, que apesar de necessárias, nos atrasam
no caminhar. As dúvidas se abrandam e as perguntas passam
a fazer sentido quando estamos afinados com o nosso eleda.
A memória inconsciente carrega não só nossa existência
em vidas passadas, como também a existência de nossos
antepassados. Quando somos gerados, trazemos não só o
chamado DNA, entendido como biológico, mas também um

DRAGO EDITORIAL 15
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

DNA espiritual e psíquico da carga genética. A carga genética


não se manifesta somente na cor dos olhos, na estatura, nas
doenças físicas, mas também na reprodução das histórias
vividas por cada um de nossos antepassados. Somos algum
verso do itan de suas vidas. É raro um bom Ori com uma
ancestralidade não tão boa assim. Contudo, isso pode ser
revertido.
Muitas histórias se repetem seguindo gerações. Algumas
boas. Já outras contam histórias de loucura, suicídio,
manipulações, falências. Essas histórias perpetuam nas
histórias dos filhos dos filhos. É necessário que um bom Ori da
família cuide do Ori de gerações anteriores para que se mude o
destino das futuras gerações, e assim, promova equilíbrio nos
descendentes.
Embora existam algumas exceções, não é privilégio de
nenhuma família, e por isso, não há problema em generalizar: a
vida de nossos ancestrais está repleta de histórias mal contadas,
mal vividas e mal resolvidas. Mal aqui se entende por longe
da verdade e da luz da consciência. Muita energia e tempo
foram gastos para se silenciarem, esconderem uma verdade,
esquecerem de alguém, encobrirem erros etc. Em suma, o Ori
de nossos ancestrais não estava apto à consciência de certas
verdades e a conviver com elas.
Um bom Ori, uma vez que tenha tomado consciência
dessas questões e encarado as verdades que as envolvem, tem
o compromisso moral de dar um rumo diferenciado a elas.
Ocultar a verdade atrasa as gerações seguintes, pois priva as
próximas gerações de escolha. O eleda da família encontra
meios de aprendizado, fazendo com que os descendentes

16 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

passem por situações que requerem aprendizado naquelas


questões ocultadas.
É de obrigação moral do Ori que nasce nesta vida, já que
detém a informação de erros de nossos antepassados, corrigir
e trazer a evolução para as próximas gerações. Os antepassados
que irão retornar, voltarão mais evoluídos e continuamente
carregam o compromisso de evoluir toda aquela raiz.
Do mesmo modo, é de responsabilidade do Ori do
genitor buscar uma compreensão maior de si mesmo para não
oprimir e comprometer o Ori de sua descendência. O genitor
se compara a uma estrela, não só, mesmo depois de sua morte,
ainda convivemos fortemente com eles, como também vemos
sua força, luz e carisma se manifestando em seus descendentes.
Não devemos nos esquecer de que a vida nos marca a ponto de
marcarmos nossos filhos e gerações futuras. Cabe a nós marcá-
los de forma produtiva, e não limitadora ou destrutiva. Valer-
se da oportunidade de assumir responsabilidades pelos nossos
conflitos e dores é um bem que se faz não só ao nosso Ori, o
que contribui para nossa evolução pessoal, como aos nossos
descendentes, que terão mais tempo e energia disponíveis para
viverem de modo mais livre e intenso seu eleda pessoal.
Todos recebem a sua parte de ancestralidade. Conhecer a
história dos ancestrais, trazer à luz o obscuro dos ancestrais e
familiares, ser grato a eles, bem como cultuá-los e cuidar deles
por meio de ebós e oferendas, são modos acessíveis de trazer à
consciência a parte inconsciente que Ori carrega. Dessa forma,
criam-se caminhos para que se ande de acordo com o eleda.
Ebós e rituais feitos para antepassados se convertem
em prosperidade. Quando cuidamos de nossos ancestrais,

DRAGO EDITORIAL 17
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

de nossa raiz, cuidamos de nós mesmos alimentando a parte


inconsciente de nosso Ori, que em boa parte responde por
nós.
Ainda sobre o item Ori e ancestralidade, convém lembrar
que o que se faz a uma pessoa, tem uma duração muito longa
em função da descendência de Ori. A partir de um fato, cria-
se um registro no Ori, que desse modo é passado a gerações.
Sendo assim, o que se faz, faz ao Ori de seus descendentes.
Aquele pai que pragueja a mãe de seu filho ou aquela mãe
que pragueja o pai de seu filho está praguejando também
o Ori de seu filho e dos filhos de seus filhos. Do mesmo
modo, reconhecimentos, gratidões, votos de prosperidade são
passados às gerações.

18 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Lealdade ao destino
ODU OGBE-IRETE

[...]
Foi feito um jogo divinatório para Orunmilá no dia em que ele ia
conhecer seus inimigos.
Todos os orixás eram amigos de Orunmilá. Orunmilá era adi-
vinho deles e queria saber quem, dentre eles, era de fato um amigo
leal.
Ifá orientou Orunmilá: que fosse rápido e fizesse um ebó o
quanto antes. Orunmilá chamou os filhos e pediu que tocassem
agogô pela cidade, anunciando falsamente a sua morte. Os filhos de
Orunmilá saíram tocando o agogô, conforme orientados pelo pai.
Foram primeiro à casa de Oxalá para comunicar-lhe a morte de
Orunmilá. Oxalá lhes disse que desejava obter de volta todos os efun
que oferecera a Orunmilá.
Foram também à casa de Xangô para comunicar a morte de
Orunmilá. Xangô lhes disse:
– Eu achava que ele nunca morreria e ficaria na terra. Como morreu,
quero de volta todos os edun-ara que lhe dei de presente.
Os filhos de Orunmilá foram até a casa de Oxum, cantando o
seguinte refrão:
– Nosso pai foi embora dessa terra, ele foi. Nós te saudamos, Orun-
milá, o divino homem que carrega ebó. Nosso pai foi embora.
Oxum, surpresa com a notícia da morte de Orunmilá, refe-

DRAGO EDITORIAL 19
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

riu-se aos ide que estavam com ele, pedindo a seus filhos que os
trouxessem de volta.
Os filhos de Orunmilá haviam tocado agogô perto da casa de
todos os orixás e começaram a se perguntar se havia algum cuja
casa ainda não tivessem visitado. Lembraram-se, então, que falta-
va ir à casa de Exu. E foram. Lá chegando, o avisaram da morte de
Orunmilá. Exu ficou triste ao receber a notícia. Essa tristeza fez
com que Exu pedisse para rasparem sua cabeça em homenagem
ao amigo. Justificou seu ato como motivado pela morte do ami-
go, dizendo ainda, que Orunmilá fora sua fonte de sobrevivência.
Exu nunca havia raspado a cabeça. Começaram então a raspagem
– rasparam primeiro o lado direito e depois começaram a raspar
o lado esquerdo. Os filhos de Orunmilá, que haviam presenciado
tudo desde o início, surpreenderam-se com a firme atitude de Exu
e voltaram correndo para contar ao pai que Exu havia mandado
molhar seu cabelo e ordenara que o raspassem e que já haviam
começado a fazer isso. Orunmilá pediu aos filhos que fossem cor-
rendo, imediatamente, à casa de Exu para avisá-lo de que ele não
morrera. Pediu-lhes ainda, que recomendassem a quem estava
raspando o cabelo de Exu, para parar de jogar água em sua ca-
beça e jogar azeite de dendê para acalmá-lo. Ao chegarem à casa
de Exu, os filhos de Orunmilá viram que só restava um pouco de
cabelo em sua nuca.
A partir desse dia, Orunmilá disse que seria sempre amigo
de Exu por ser ele o mais fiel e leal de todos os orixás.
Adaptado de: Babalawo Fabunmi Sowunmi in Sikiru Salami
(King): Poemas de Ifá e valores de conduta social entre os Yoruba da
Nigéria (África do Oeste), dissertação de mestrado. Departamento

20 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

de Sociologia Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.


Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999, pp. 261-264.

Orunmilá, ou Ifá, senhor do destino, reconheceu em Exu


a lealdade e, com isso fez de Exu seu melhor amigo. A lealdade
do orixá ao senhor do destino foi reconhecida e recompensada.
Todo Ori tem um destino a cumprir, que é de conhecimento
de Ifá. Um bom Ori não dispensa o seu eleda. A lealdade ao
destino é recompensada por meio da amizade de Ifá.
Nenhum orixá, Ori ou ancestrais irão nos privar de viver
por meio de experiências. Assim é nossa condição de humano
– e mérito também. As experiências são o motivo de se contar
o itan de nossa vida, que por sua vez, é contado por meio delas.
Um bom Ori caminha firme junto de seu eleda. Eleda é o
destino específico que cada um traz para seu Ori. Sua existência
é tão real que não existe segredo dele com seu Ori, porque o
seu eleda vai se mostrando no seu caminhar. O eleda vive no
consciente e no inconsciente de cada um. Há determinismos e
escolhas no que está escrito. Ori é quem determina o quanto
de liberdade esse ser está disposto a enfrentar. Falamos em
enfrentar, pois não se tem liberdade de forma passiva. A
liberdade é conquistada por meio de responsabilidade do ser,
de não ser confundido com as circunstâncias dos momentos
da vida. Isso requer muita energia e honestidade, para que não
se projete em outros as escolhas que fizemos.
Predispor a viver um eleda de forma digna por meio de
conhecimento, luta e objetivos é querer uma infinidade de
possibilidades disponíveis. É preciso escolher. Ter certeza de
que queremos ter um bom destino para nós, nos faz avançar.

DRAGO EDITORIAL 21
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Assim como temos a certeza de que após nove meses uma


criança está pronta para nascer, temos certeza que é de
responsabilidade do humano se ajudar na condução de seu
eleda.
Tropeços? Sim, vários! Mas, um bom Ori que decidiu
caminhar junto de seu eleda, não transfere para outros as
experiências que só ele pode passar. Nem se esquiva delas.
Muito menos projeta em outros os impedimentos pelos quais
teve que lidar, pois a consciência que tem de que existe um eleda
que é só seu faz com que ela, a consciência, lhe mostre seus
próprios tropeços que determinaram certos impedimentos.
Isso lhe põe de volta em seu caminho, em seu eleda, regulando
sua conduta. Os desvios, a consciência e a regulação da
conduta são um conjunto constante que precisa ser tratado
com atenção.
Quanto mais próximo de seu caminho, mais amigo de Ifá
o ser está. O destino para o bom Ori, pleno de consciência,
não é difícil ou um sacrifício – é um sacro ofício. O trabalho,
o encargo, o dever, as incumbências são ofícios sagrados. A
opção pelo caminho mítico nos impõe um compromisso de
ter a vida como algo sagrado.
Cada ser é responsável por defender sua singularidade,
que é o direito e a responsabilidade de ser ele mesmo.
Contudo, não se pode esquecer de que o seu eleda está
povoado de sua ancestralidade. A herança ancestral se põe de
modo significativo no eleda de cada ser, e precisa ser encarada
e ressignificada de forma individual. Essa herança cravada
no destino é exatamente aquela parte que não se mostra, e se
abriga no escuro da inconsciência e é essa parte que precisa

22 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

ser confrontada para que o ser, como herdeiro de um grande


poema, possa viver uma vida com plenitude.
A pessoa ao se tornar consciente de seu eleda, que ocorre
junto de sua consciência acerca de sua singularidade, desperta
para tudo o que a vida tem a lhe oferecer. Com isso, as pessoas e
os eventos que lhe acontecem no cotidiano, ou ocasionalmente,
são o que ela precisa para continuar sua missão e é esse o sabor
da vida, é o que lhe fascina, o que não pesa, mas é vivido com
força, com tenacidade, com responsabilidade. A ausência de
peso não é ausência de gravidade, mas é todo o suporte que
a pessoa tem criado para si ao longo de sua vida, toda vez
que tem experiências – desde o seu nascimento, desde todas
as suas condições. Temos uma dívida de gratidão por todas
as experiências pelas quais passamos, pois são recursos que
o próprio destino se encarregou de nos disponibilizar para
criarmos estruturas mais resistentes e mais flexíveis.
Todo itan de quem se predispõe a viver sinceramente o
seu eleda é marcado de histórias que se acabam, pois novas
histórias precisam começar. Sempre um novo ser surge depois
de uma história acabada, que deve ser de fato finalizada para
não se desperdiçar recursos com algo que já foi contado,
cantado, expurgado e, finalmente, poetizado, isto é, repleto
de sentido e de forma renovada. O itan de um ser é o
poema de sua vida. Está repleto de alegria, dor, frustração,
verdades duras, choros doídos, risos, conquistas etc. Só não
se para em nenhuma parte do poema. A leitura é bonita, tem
sonoridade porque continua. Entoar e cantar o mesmo refrão
por toda a vida torna nosso itan insuportável a nós mesmos.
Precisamos desenvolver sensibilidade para reconhecermos

DRAGO EDITORIAL 23
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

que chegou a hora de, definitivamente, contar outra história.


Quanta capacidade criativa e de criação não desperdiçamos
delongando uma história em que tudo ao nosso redor nos
mostra que a história já se acabou! Imagine o quanto de tempo
e energia da nossa vida, e também dos que nos são próximos,
não foi gasto só porque não tivemos inteligência, sensibilidade
ou perspicácia suficiente para reconhecermos o final de uma
história!
O ser apto a se confrontar verdadeiramente, cria ao longo
de sua história uma plataforma firme de ações e conduta que
permitem a intimidade com seu eleda. É o confronto honesto
que mantém a estrutura da plataforma firme. A plataforma
não vai ruir quando uma história acabar, ela se põe mais à
prova. Ela sempre se põe à prova. Também não vai ruir
quando a fala e a racionalidade se ocupam de trazer à luz
certos confrontos, adiados há muito tempo pelos ancestrais.
A consciência é como um divisor de águas que demarca essa
sinceridade. É até mesmo capaz de se infiltrar na atmosfera de
silêncio que protege as histórias mal vividas ou mal contadas
das heranças dos ancestrais. As histórias silenciadas estão
contadas mitologicamente nos arquétipos vividos pelos deuses
e orixás e por isso conseguimos reconhecê-las de algum modo
em nossas histórias também. Reconhecê-las é parte de nosso
acordo com o destino. Basta o ser se sentir responsável por
sua ancestralidade e descendência para que se aperceba delas.
É a predisposição à singularidade que permite o ser a sentir-se
responsável por redefinir o eleda das próximas gerações.
O contrário disso, o que permanece obscuro e na
inconsciência, não só faz o ser se confrontar com as mesmas

24 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

histórias, com os mesmos padrões repetitivos, mudando apenas


os personagens, como também leva as gerações seguintes a
se confrontarem com a mesma questão. Podemos repetir o
distanciamento e a alienação em relação às questões obscuras
da família e da ancestralidade, mas a ilusória paz do silêncio em
relação ao obscuro só atrasa os conflitos necessários. Faz com
que demoremos por demais em alguma parte não resolvida do
destino. Mas, em algum momento, o conflito necessariamente
ocorrerá.
A principal tarefa de Ifá é contribuir para o desenvolvimento
do seu povo. Faz isso, oferecendo um sistema de condutas e
valores, e reiterando o destino de cada um. Cumpre assim seu
ofício sagrado. Já nós, uma vez que optamos por contar nossa
história de um ponto de vista mítico, inseridos nesse Universo
mítico, as ações e condutas devem deixar transparecer o
quanto somos leais a Ifá, conduzindo-nos por nosso sagrado
eleda, sempre nos comprometendo com nossa singularidade.

DRAGO EDITORIAL 25
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Ori e Paciência
ODU OGBE-OGUNDA

[...] Foi feito um jogo divinatório para Igun, primogênito de


Eledunmare, no dia em que adoeceu e a preocupação de seu pai era
curá-lo.
Igun, primogênito de Eledunmare, que é Agotum, aquele que
faz da chuva uma fonte de riqueza.
Eledunmare fez tudo o que pôde, sem sucesso. Cansado,
abriu-lhe a porta do aye para que ele fosse morar lá.
Toto Ibara foi quem adivinhou para Orunmilá quando este la-
mentava a sua falta de sorte na vida. Ele foi consultar seu adivinho
para saber se teria dinheiro para poder criar os filhos, para poder
ter um lar.
Por essa razão foi consultar Ifá. Seus adivinhos o aconselha-
ram a fazer um ebó com cinco galinhas. Fazendo esse ebó, no quin-
to dia toda a riqueza desejada chegaria.
As galinhas deveriam ser sacrificadas a seu Eleda, uma a uma,
diariamente, até completar cinco dias. Cada galinha sacrificada te-
ria as vísceras retiradas e colocadas numa cabaça, cobertas com
azeite de dendê e levadas a uma encruzilhada. O resto da galinha
poderia ser consumido por ele e sua família. A caminho da encruzi-
lhada onde seria entregue a oferenda, deveria ir cantando alto: que
a sorte venha a mim, que a sorte venha a mim até chegar à encruzilha-
da onde seria entregue a oferenda. Esse ritual deveria prosseguir
por cinco dias.

26 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Orunmilá fez conforme orientado. Assim, ele começou a fazer


o ebó. Sacrificava as galinhas e levava suas vísceras para a encru-
zilhada. Lá chegando, depositava a oferenda e despejava azeite de
dendê em cima. Depois de colocar azeite de dendê começava a rezar
pedindo que a sorte chegasse para ele.
Havia um mato em frente à encruzilhada onde Orunmilá entre-
gava as oferendas e ali vivia Igun, o filho de Eledunmare. Assim que
Orunmilá deixava os ebós e saía dali, Igun ia lá e comia a oferenda.
Igun, filho de Eledunmare, tinha cinco doenças: uma na cabeça,
outra nos braços, outra no peito. Nas costas tinha uma corcunda e
era aleijado dos pés.
No primeiro dia em que comeu a oferenda de Orunmilá, viu-
se curado do problema que tinha na cabeça e surpreendeu-se. No
dia seguinte, Orunmilá levou novamente seu ebó à encruzilhada
repetindo os mesmos rituais, sem saber que alguém comia a
oferenda. Assim que Orunmilá saiu da encruzilhada, Igun foi lá
e comeu de novo a oferenda. Os dois braços de Igun, que não se
esticavam, depois de ele ter comido a oferenda, se esticaram.
No terceiro dia Orunmilá continuou o seu processo, levando
sua oferenda à encruzilhada. Mal terminara de colocar o ebó na
encruzilhada Igun foi lá e comeu dessa oferenda. O peito de Igun,
que era inchado, desinchou assim que acabou de comer. No quarto
dia, Orunmilá levou seu ebó à encruzilhada cantando: que a sorte
venha a mim, que a sorte venha a mim! Mal terminara de colocar o
ebó na terra Igun foi lá novamente e o comeu. Assim que acabou
de comer, a corcunda que havia em suas costas desapareceu.
No quinto dia Orunmilá levou sua oferenda à encruzilhada para
completar os rituais.

DRAGO EDITORIAL 27
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

No caminho ia cantando o mesmo refrão dos dias anteriores.


Mal terminara de colocar o ebó na terra Igun foi lá novamente e
o comeu. Na manhã do sexto dia seus dois pés aleijados haviam
adquirido vitalidade e ele passou a andar sem dificuldade. Começou
a caminhar por todos os cantos.
E foi assim que ele se curou de todas as suas doenças.
Impressionado com esses fatos, Igun levantou-se e foi ao orun
para se encontrar com Eledunmare. Esse, logo percebeu que o seu
filho estava curado e lhe perguntou quem o curara.
Igun relatou todo o ocorrido a Eledunmare. Disse-lhe que
quem entregava as oferendas era Orunmilá e acrescentou que
sempre que Orunmilá levava o ebó à encruzilhada ele entoava o
refrão: Que a sorte venha a mim! Que a sorte venha a mim!
Eledunmare disse a Igun que presentearia essa pessoa com
riquezas. Pegou então os quatro ado (dons, graças) e os deu a Igun
para que os levasse a Orunmilá no aye. Igun disse a Eledunmare
que não sabia chegar à casa de Orunmilá e o pai o orientou dizendo
que, assim que chegasse ao aye, perguntasse às pessoas e elas lhe
indicariam o caminho. Antes de Igun sair do orun, Eledunmare
recomendou que Orunmilá poderia escolher apenas um dos
quatro ado e Igun deveria trazer de volta os três restantes – o ado
da riqueza, dinheiro e prosperidade, o ado da fertilidade, o ado da
longevidade e o ado da paciência.
Igun voltou para o aye trazendo os quatro ado. Ao chegar, foi
à casa de Orunmilá, e lá, mostrou a ele os quatro ado. Orunmilá
se surpreendeu muito. Perplexo, em dúvida quanto ao que fazer,
mandou chamar os filhos a fim de lhes pedir conselho sobre qual
dos quatro escolher.

28 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Os filhos o aconselharam a escolher o ado da longevidade para


que vivesse muito. Orummilá chamou então suas esposas a fim de
lhes pedir conselho sobre qual dos quatro deveria escolher. As espo-
sas o aconselharam a escolher o ado da fertilidade para que pudes-
sem ter muitos filhos. Orunmilá chamou seus irmãos a fim de lhes
pedir conselho sobre qual dos quatro deveria escolher. Os irmãos o
aconselharam a escolher o ado da prosperidade para que pudessem
ter muita riqueza e dinheiro. Orunmilá mandou chamar seu melhor
amigo. Esse melhor amigo era Exu. Quando Exu chegou à sua casa,
Orunmilá relatou-lhe o ocorrido e lhe pediu conselho quanto à esco-
lha que deveria fazer. Exu, homem hábil, fez as seguintes perguntas
a Orunmilá:
– Teus filhos te aconselharam a escolher qual ado?
Orunmilá respondeu:
– O da longevidade.
Exu lhe disse para não escolher esse ado porque não há uma
única pessoa que tenha vencido a morte e lembrou que, por mais
tempo que se viva, se morre um dia.
Exu perguntou então:
– E tuas esposas te aconselharam a escolher qual ado?
Orunmilá respondeu:
– O da fertilidade.
Exu lhe disse para não escolher esse ado porque Orunmilá já
tivera filhos. Perguntou-lhe de novo:
– E teus irmãos? Te aconselharam a escolher qual ado?
Orunmilá respondeu:
– O da prosperidade.
Exu lhe disse para não escolher esse ado porque se ficasse rico
eliminaria a pobreza da família. E acrescentou que se seus irmãos

DRAGO EDITORIAL 29
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

quisessem prosperar deveriam trabalhar.


Orunmilá perguntou então a Exu qual dos ado deveria esco-
lher. E Exu lhe disse para escolher o ado da paciência, porque sua
paciência era insuficiente para permitir que chegasse onde dese-
java. Caso Orunmilá seguisse de fato esse conselho e escolhesse
o ado da paciência, todos os ados restantes seriam seus. Orunmilá
aceitou a orientação de Exu. Escolheu o ado da paciência e devol-
veu a Igun os outros três restantes.
Nem os filhos, nem as esposas, nem os irmãos ficaram felizes
com sua escolha.
Igun partiu então, de volta, levando consigo os três ado res-
tantes para devolvê-los a Eledunmare. Mal andara um pouco com
eles o ado da riqueza lhe perguntou;
– Onde está a paciência?
Igun respondeu que ela ficara na casa de Orunmilá.
Riqueza disse a Igun que voltaria para ficar com Paciência
porque só fica onde ela está. Igun lhe disse que isso seria inaceitá-
vel e que Riqueza deveria retornar com ele ao orun. Riqueza insis-
tiu que só fica onde há paciência e que, por isso, não tinha porque
retornar ao orun. Em pouco tempo, desapareceu da mão de Igun e
nesse tempo foi juntar-se à Paciência na casa de Orunmilá.
Fertilidade também perguntou a Igun por Paciência. Igun lhe
respondeu que ela estava na casa de Orunmilá. Fertilidade dis-
se que só fica onde há paciência. Assim, Fertilidade levantou-se e
procurou estar, em pouco tempo, junto com Paciência na casa de
Orunmilá.
Longevidade também perguntou a Igun onde estava Paciên-
cia. Igun lhe respondeu que ela estava na casa de Orunmilá. Longe-
vidade também foi se juntar à Paciência.

30 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Quando Igun chegou ao orun Eledunmare lhe perguntou onde


estava os três ado restantes. Igun lhe respondeu que retornara para
contar a Eledunmare que todos os ado haviam querido ficar junto
com Paciência na casa de Orunmilá. E que pretendia voltar ao aye
para buscá-los e trazê-los de volta ao orun. Eledunmare lhe disse
que não precisava ir buscar os três ado pois, de fato, todos perten-
cem a quem escolher Paciência. Quem tiver paciência terá Longevi-
dade. Fertilidade. Procriará e viverá bem com o que procriar. E terá
também Riqueza.
Assim tudo transcorreu bem com Orunmilá e, com essas gra-
ças, veio a ser rei de Ketu. Procriou e viveu bastante com esses ado.
Teve tanta riqueza que construiu casas pelo mundo.
Feliz por essas conquistas montou em seu cavalo e cantou: Re-
cebi o ado da riqueza, recebi o ado da fertilidade, recebi o ado da longevi-
dade, oh recebi o ado da paciência. Dançou e alegrou-se. Louvou seus
adivinhos e louvou também Exu, o seu amigo.

Babalawo Fabunmi Sowunmi in Sikiru Salami (King): Poemas


de Ifá e valores de conduta social entre os Yoruba da Nigéria (Áfri-
ca do Oeste), dissertação de mestrado. Departamento de Sociologia
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de
São Paulo. São Paulo, 1999, pp. 219-227.

Ao fazermos a leitura do itan, vemos que se sobressaem dois


ensinamentos da cultura yoruba.
São necessárias ações no aye para perfazerem as maravilhas
de Eledunmare. Deus supremo precisa de nós – ainda mais se Sua
criação adoece. A responsabilidade aumenta em cumprir nosso
papel e destino depois que temos conhecimento desse itan.

DRAGO EDITORIAL 31
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Outro ensinamento que o itan carrega é a importância da


paciência na vida de uma pessoa. Precisamos educar nosso Ori
para que esteja afim com o ado da paciência. Ori sem paciência
perde não só a si próprio – quantos não perdem a cabeça, hein
e põem tudo a perder! –, mas perde a fertilidade, a longevidade
e a riqueza também. Ori sem paciência significa um Ori
desvinculado de sua meta, um Ori que não trabalha no tempo.
A paciência é um ato de humildade perante o tempo, é respeito
com os processos da vida e com a natureza do amadurecimento
de cada semente plantada em algum lugar – seja ideia, seja
palavra dita, seja filho, carreira, trabalho etc.
Quando não se tem paciência, o ser passa a se boicotar,
a conspirar em detrimento de si próprio porque, ao perder as
etapas necessárias e inerentes a qualquer processo, a pessoa
rouba de si sua própria história de luta, de vitória e de ousadia.
Ao roubar de si mesmo sua própria chance de contar sua
história, que é o processo em si, o ser empobrece. Empobrece
seu itan. Qual parte da história deixou de continuar de seus
ancestrais e repassar para seus descendentes? Sejam eles de
laços carnais, espirituais ou mentais.
A paciência ensina nosso Ori a todo instante que semente
não vira árvore da noite para o dia. Ori que tem paciência
fertiliza seus atos – não os faz sem importância ou sem valor,
muito pelo contrário, despende tempo necessário para irrigá-
los de si mesmo, antes de se lançar em novo processo ou sabor
da vida.
E qualquer ideia, ato, palavra sem ser irrigado tem vida
curta, tem pouco alcance e por si só, sem a energia despendida
na irrigação e fertilização, não pode nem durar e nem gerar

32 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

novos desdobramentos. É a paciência do cuidado, do bem


cuidado que faz algo prosperar. Por isso que um Ori sem
paciência se torna estéril.
Consequência, obviamente não imediata, de um Ori que
tem paciência é conviver com a riqueza e tributos de suas ações
bem ordenadas e coordenadas, bem como redimensionadas
no tempo acertado mediante a necessidade que cada meta
demanda. Pois são necessários ajustes contínuos e fluidos ao
longo do tempo para que uma meta chegue ao seu alcance.
Contudo, o tempo tem seu tempo. Deve-se respeitá-lo se
queremos riquezas ao longo da vida.

DRAGO EDITORIAL 33
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Ori e reciprocidades

O Ori é também algo plástico. À medida que sofre


deformações, se molda e se refaz como efeito mediante ações
exteriores a ele. A divindade se reconstrói perante outras.
Falamos até agora de nosso Ori. Contudo, nosso Ori se
depara com o Ori de outros – se depara, se confronta, convive,
coopera, dentre tantas ações. Nossas ações, comandos de
nosso Ori, inclusive a fala, repercutem no Ori de outras
pessoas tanto positiva quanto negativamente.
As repercussões de nossas ações e falas têm alcance muito
amplo. Ecoam tanto no espaço, quanto no tempo, quanto nas
gerações futuras. Normalmente, prestamos atenção a isso
somente quando é algo que nomeamos de “catastrófico”. Mas
a repercussão de nossos atos e falas é um fenômeno que sempre
ocorre.
Nossos atos e falas não morrem no momento em que
finalizamos a fala ou concluímos a ação. Nossos atos e falas
reverberam de modo até mesmo surpreendente. Quantas vezes
já recordamos de nossos ancestrais, de suas falas, de um parecer
mediante uma situação qualquer ou de vital importância? Um
dia, seremos lembrados como ancestrais. Tenhamos sabedoria
para usarmos de nossa consciência.
Qualquer ato nosso (ou não ação), qualquer fala (ou
silêncio), qualquer opinião (ou atitude de tanto faz), qualquer

34 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

interferência (ou inércia) tem sempre repercussão. Para


tudo isso existe pelo menos um Ori em que se faça uma
correspondência e ocorra uma troca. Essa permuta pode ser
de raiva, ingratidão, desdém... ou pode ser de esclarecimento,
de conforto, de segurança, de reflexão, de ensinamentos...
enfim, é preciso de qualquer modo que seja consciente. Não
garantimos o produto da troca, já que não sabemos como o
outro lado recebe os nossos dizeres, as informações, nossas
atitudes, etc. Somente asseguramos aquilo que emitimos. Sendo
atos conscientes, vindos de um Ori consciente, podemos
ficar mais à vontade conosco e construir todo dia a almejada
liberdade. Porque assim, não precisamos ficar, literalmente,
“correndo atrás” do que foi dito, do que foi feito, do que foi
discutido e pensado. Dessa forma, ficamos ligados às nossas
ações, mas não presos a elas. De qualquer modo, as ações têm
repercussão, mas é importante que sigam e possam reverberar
ainda mais Universo afora. E nós temos então, liberdade de
vivermos outros acontecimentos, outros eventos, outros
diálogos e outras construções.
Cada um faz uso de sua força vital como bem entende.
Alguns a utilizam como meio de prosperidade para si e para os
outros – prosperidade não só material, mas em toda amplitude
de sentido. Outros já pensam que a prosperidade não é infinita
e têm medo de que outro prospere e falte prosperidade para
ele. Tentam confiscar a prosperidade dos outros a partir de
mentiras, do uso de falsidades, de maldades, de intrigas, de
roubos e tudo mais. O exemplo do esperto tentando levar
vantagem em cima dos outros ilustra, mais uma vez, os
ensinamentos de Ifá. A vantagem do esperto é daquela hora.

DRAGO EDITORIAL 35
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

No Universo, não ficamos devendo nada a alguém. Então,


o próprio Ori da pessoa que ficou em desvantagem emite
vibrações de não gratidão, de não prosperidade, de punição
que acabam por prejudicar o “esperto inicial”, que foi o
responsável causador das coisas que caem sobre ele. Quanto
a isso, o ensinamento de Ifá é: a mentira fica com o mentiroso, a
falsidade fica com o falso e o roubo com o ladrão. A honestidade fica com
o honesto e a verdade com o verdadeiro.
Ori é uma das entidades mais poderosas que existe.
Quando falamos que Ori é poderoso, não devemos achar
que somente nosso Ori é poderoso. O Ori do próximo
pode ser ainda mais poderoso do que o nosso. Depende do
desenvolvimento mental de cada Ori. Tanto um orirerê (bom
Ori) quanto um ori boruku (Ori ruim) influenciam Oris ao seu
redor.
Devemos estar mesmo atentos às reciprocidades de
nosso Ori com as pessoas à nossa volta. Existem influências
danosas que prejudicam nosso Ori sem que nos demos conta
de tamanho dano a tempo. Importa pouco se o prejuízo tenha
origem em um ato doloso ou culposo, com ou sem intenção
de nos prejudicar. Importa sim é o que estamos fazendo
para que nosso Ori não seja tão plástico de modo a permitir
qualquer coisa sem filtro algum. Quando alguns dizem “a
depressão pega, a preguiça pega, a reclamação pega”... estão se
esquecendo de dizer que é um Ori plástico demais que permite
tudo isso. Um Ori atento não se deixa moldar em certos
comportamentos. Ou seja, não se deixa contaminar quando
assim decide e criou condições para tal. Do mesmo modo, o
compromisso com a verdade, a solidariedade, a sagacidade, a

36 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

cultura, o conhecimento, a força vital, a força de vontade...


também nos contaminam.
A reciprocidade entre Oris envolve inclusive confrontos
entre Oris. As opiniões são diversas e um bom Ori vence não
só os confrontos verbais, mas alguns com alcance maior que
esses. Um bom Ori jamais vai entrar na guerra sem ter armas
suficientes para vencê-la. A principal arma que Ori carrega é
a verdade. Entende-se a verdade como a verdade clássica –
verdade é aquilo que corresponde ao que é. O Ori que não
mente é um Ori vencedor. Ele conta consigo mesmo.
Estranho dizer, mas o Ori que carrega inocência é um
Ori extremamente poderoso. O pensamento deste Ori é puro
porque não se contaminou com o vício de desejar ou dizer
uma coisa com outras intenções. Quanto mais inocente o Ori,
mais o pensamento é potência em estado bruto e segue sua
direção, na intenção de seu alvo, sem desvios ou dispersões.
Dessa forma, a inocência é a maior forma de defesa dentro da
espiritualidade.
Do exposto anteriormente, derivamos que o dono do
conhecimento tem muito mais responsabilidade sobre as
coisas. Se o dono do conhecimento for maldoso ou fizer algo
errado para alguém, o Ori inocente desfaz.

DRAGO EDITORIAL 37
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Tipos de Ori
Orirerê (Ori bom) e Ori Buruku
(Ori ruim) e o caminhar junto
com Ori

O chamado orirerê é um Ori bom. É o Ori de uma


mente desperta – Ori que compreende com sagacidade a sua
passagem plena pela Terra. Faz proveito de suas experiências.
Toda glória, toda marca, toda dor, toda cicatriz é proveitosa
para esse tipo de Ori.
A responsabilidade, ou seja, a habilidade de dar respostas,
acompanha esse Ori. A habilidade de dar respostas, às vezes
significa a fala correta. Mas, seu significado vai muito além.
Orirerê tem uma resposta de como conduzir uma situação, de
como discernir uma opção em uma encruzilhada de opções,
seja para si ou para outros, se for o caso. É um Ori que
mediante seu erro, assume. Seus erros e negligências servem
para se refazer a partir do ponto em questão, redirecionando
sua conduta.
Todos nós estamos sujeitos a desagradáveis surpresas.
Algumas parecem que nos derrubam e quando estamos
vivenciando-as, derrubam mesmo. Orirerê chora sua dor
necessária, mas encontra dentro de si, ou a partir de algum
referencial, uma resposta criativa. E o que é uma resposta

38 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

criativa? É uma resposta que surge a partir de um novo


conceito, algo quântico, descontínuo. Uma idéia nova que
quando brota, nem mesmo o dono do Orirerê sabe que
poderia surgir. Também essa resposta criativa pode vir quando
se conjugam conceitos de diferentes referenciais, adquiridos a
partir de suas vivências ou conhecimentos. Diferentemente do
Ori boruku, o Orirerê ao invés de permanecer se deliciando
num lodaçal de dor e problemas, sabe que além dele precisar
de si, outros também precisam.
Orirerê é um Ori que nasceu para servir mais do que ser
servido. Esse privilégio exige dele muito também. Entretanto,
faz isso com certa normalidade porque esse tipo de Ori sabe
que todo Ori tem um compromisso com outras pessoas. Tem
prazer em ajudar os outros a compreender sua própria história
e os caminhos possíveis para contá-la, mas sabe que cada um
deve viver o seu eleda. Assim como compreende que deve lutar
pela sua singularidade e inteireza, sabe que é dever e direito de
outros também lutar por isso.
Orirerê se comporta de modo a elevar o Ori de outras
pessoas. Se todos os Oris fossem assim, de modo que um
servisse aos outros sem intenções por detrás dos atos que
se mostram, a humanidade seria muito mais evoluída e não
haveria tantos problemas para cada um de se firmar em seu
eleda.
Orirerê faz com que o ser seja íntegro. É compromissado
com sua palavra, sua verdade, seu lugar e papel que ocupa no
mundo e na vida das pessoas sem perder sua capacidade de ser
ele mesmo, ainda que isso gere desconfortos.
Quando Orirerê alcança considerável plenitude, seu dono

DRAGO EDITORIAL 39
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

se torna sábio e se esforça em compartilhar sua sabedoria para


que outros Oris tenham conhecimento. Essa conduta entra em
um ciclo vicioso de gratidão e Orirerê vai se tornando cada vez
mais pleno da sabedoria de que o Universo dispõe a se revelar
para ele.
Já o Ori buruku é um Ori ruim. É o Ori de pessoas que
manipulam os outros. Distorcem, mentem, inventam, camuflam
a fim de conseguirem alguma servidão. Normalmente,
conseguem. Conseguem mas tem duração limitada no tempo
e espaço. Um bom Ori percebe o tipo de pessoa que carrega
Ori boruku.
Não sabem servir. Não servem para servir porque têm
pouco a oferecer, uma vez que estão preocupados em garantir
a próxima manipulação. Quando ocorre, sua servidão é falsa
ou superficial. Só copiam algum estereótipo. Diferentemente
do Orirerê que paga o preço de ser único, o Ori boruku, por
ser egoísta ou egocêntrico, faz com que os outros paguem esse
preço por ele.
Com essa perversidade, o Ori boruku encontra meios
de se infiltrar em famílias, grupos e meios sociais em geral.
Suas mentiras causam muitos danos aos outros até que seja
descoberto e desqualificado. Já que, via de regra, pessoas que
carregam esse tipo de Ori são bajuladas por Oris ainda mais
boruku, chegam aos lugares com uma atmosfera que podem
servir e oferecer, respaldado por Oris que já aprenderam a arte
da manipulação.
A atmosfera de se por à disposição para alcance de algo
maior e mais elevado se mostra falsa quando não consegue mais
fingir que vive em um ciclo vicioso de medo, mentira e covardia.

40 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Esse tripé é confrontado com o tripé coragem, enfrentamento e


verdade que Orirerê carrega.
Exemplos de Ori boruku são vários. Ori cismado é um
Ori boruku: vai para a vida com a certeza de que tem pontos
perdidos nem bem a batalha começou. Ele acaba consigo e sai
feliz porque quer pensar que foi o outro que o derrotou. Isso
minimiza suas responsabilidades. Esse Ori é um manipulador
dele mesmo.
Ori invejoso é um Ori boruku: ele quer tomar para si o
eleda de outros Oris. Não prospera porque seu Ori não está
afinado com seu eleda e dessa forma, seu caminhar está sempre
em descompasso com seu destino.
Diferentemente de um Ori que se ocupa com a verdade,
porque, de fato, as verdades precisam ser contadas, Ori
fofoqueiro é um Ori boruku: ao invés de gastar seu tempo
finito na Terra contando sua história, seu itan, que é o poema
a que cada um tem acesso, fica comprometido, cheio de
partes faltosas e sem sentido porque está sempre declamando
os poemas de outros que outros ancestrais deixaram por
continuar – e não os seus.
É óbvio que todo mundo tem lá seus dias de cisma,
fofoca, inveja etc. A questão é com que constância um Ori
perde tempo e energia repetindo essa conduta.
Ori boruku, de modo algum, significa um Ori desprovido
de inteligência. Se não tivesse inteligência não seria capaz de
manipular e aplicar suas qualidades distorcidas. Encontramos
Ori boruku em pessoas muito inteligentes, de formação
acadêmica, ocupando altos cargos em empresa e governo,
recebendo bons salários etc. São pessoas cujo destino se

DRAGO EDITORIAL 41
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

cumpre, mas ao ocuparem tal posição ou cargo fazem uso


disso de forma nefasta. Se, por exemplo, for um cargo político,
pode levar a sociedade ou a nação a sofrer as consequências de
seus caprichos perversos.
Sua visão não é ampla o suficiente para sair de si próprio.
Como não sai de si, se repete a vida toda, culpando os outros
pelo que não deu certo ou não saiu do seu jeito. Teima em não
aprender.
De um modo geral, identifica-se um Ori boruku no ser
que medica a si próprio se consolando ao culpar o desleixo, o
descuido, a irresponsabilidade, a opressão, a falta de liberdade
ou tudo mais dos outros, ou de seus pais, ou de seus amigos
como incapacidade dele de lidar com sua vida.
Já o Ori boruku boruku é ruim mesmo. É um Ori perigoso.
São de pessoas que além de não conseguirem prosperar, ou
“ser alguém na vida”, também não permite que outros sejam.
Para ele, tudo é defeituoso. A impressão que se tem dele é
que tem prazer em desqualificar – seja o trabalho de alguém
ou uma pessoa. Tem certeza de que todos os problemas de
sua vida são culpa de alguém. Para um Ori boruku boruku,
todos são responsáveis pela sua vida, exceto ele. Não progride
e não permite que ninguém progrida. É muito difícil prosperar
estando ao lado deste Ori. Por não ter vida própria, ele suga a
energia vital de quem está ao seu lado. Por não ter, nem sequer
de longe, alguma noção de seu destino, qualquer conduta lhe
convém. Caso alguém prospere ao lado desse Ori, o que é muito
difícil, o Ori boruku boruku entra em colapso ao ponto de
adoecer fisicamente ou mentalmente, podendo até desencadear
um surto psíquico. Um bom Ori se afasta desse Ori.

42 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Contudo, em muitas ocorrências, um Ori buruku (não


boruku boruku) fica em vantagem em relação ao Orirerê
porque esse último acha que já ganhou a batalha e não luta.
Acomoda-se por contar com seus recursos. Já um Ori buruku,
estando ciente das suas dificuldades, sabe que precisa trabalhar
com muito afinco para chegar a um lugar. A persistência o
torna capaz em muitos aspectos e faz com que atinja seus
objetivos.
Não obstante um Ori buruku pode vir a se tornar um
Orirerê – mediante boris, trabalhos espirituais, repensando
e dando significado ao que passou na vida, mediante o
reconhecimento de si mesmo, de sua condição e também
trabalhando a paciência.
Ao trocar o tripé mentira, medo e covardia que sustenta um
Ori boruku por verdade, coragem e enfrentamento ocorre uma
mudança significativa na pessoa antes dona do Ori boruku.
A verdade passa a remodelar sua conduta. Aquela parte da
mentira que guardou para se tornar covarde o suficiente
de não se responsabilizar pela própria vida, é enfrentada
corajosamente tomando consciência de si e de sua história,
bem como consciência dos atos que ele “inocentemente”
forjou serem de outra responsabilidade.
Falamos sobre Oris boruku e Orirerê em sua quase
totalidade. Não estendemos à exposição e exemplos para
nuances desses Oris, que é o que ocorre com frequência e
normalidade em todos os meios.
Conta o mito que Oxalá e Ijalá modelam o Ori. Ijalá tem
o defeito de não ser muito responsável, apesar de ser excelente
artesão. Algumas vezes, modela cabeças defeituosas ou tira-

DRAGO EDITORIAL 43
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

as do forno antes do tempo. Essas cabeças são fracas e por


esse motivo encontram dificuldades quando vêm para a Terra.
Sendo assim, não conseguem realizar aquilo a que se propõem
porque precisam utilizar muita força vital para consertar seu
Ori. Desse modo, precisamos estar atentos ao nosso Ori e
consertá-lo, se for o caso. É bom assumirmos o compromisso
de almejar um Orirerê, e a partir daí lutarmos para encontrar
recursos que nos proporcionam um bom Ori.

44 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Atitudes que devemos ter


para que Ori nos traga boas
coisas na vida e sejamos
prósperos
Existe uma série de fatores que podem trazer prosperidade
para a vida de um ser humano. Dependendo de cada ação que
fizermos, nosso Ori trabalha (ou não), trazendo consequências
que podem ser maléficas ou benéficas a nós mesmos. Algumas
atitudes em conjunto funcionam como um princípio para Ori
nos trazer prosperidade.

ITAN ORI-OFUNKANRAN
[...]
Foram eles que fizeram um jogo divinatório para Ori no dia em
que ele estava vindo do orun para o aye.
Ori perdeu-se e foi consultar Egungun.
Ori perdeu-se e foi consultar Oro.
Ori perdeu-se e foi consultar Ifá, que é quem indica o caminho
ao ser.
Eleda, o Destino, indica ao ser o bom lugar.
Aquele que vem para a terra e deseja ter sorte na vida deve
perguntar a Ifá.
O ser que vem para a terra e quer ser importante deve deixar
espaço para fazer perguntas.

DRAGO EDITORIAL 45
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Não respeitar o conselho dos outros, não respeitar as pessoas


que podem orientar, deixar de perguntar pelo caminho é o que faz o
homem se perder.
Ori, o grande teimoso.
Orixá chamou Ori.
Ele diz que Ori não tem sabedoria
– Você não sabe que Oso é o líder dos feiticeiros?
_ Você não sabe que Aje é a líder das bruxas?
O ser é quem dá origem ao ser.
O animal é quem dá origem ao animal.
Ori, você não sabe que a mosca, antes de vir para a terra, consulta
Ifá? E que quando o pássaro vem para a terra, antes de vir consulta Ifá?
Você não sabe que nem as árvores que estão na floresta vieram para a
terra sem antes consultar Ifá? E que as folhas também não vieram para a
terra sem antes consultar Ifá?
Xangô diz que quando você fala com sabedoria a uma pessoa e
ela não entende, pode ser chamada de Não sabe (ignorante).
Ori se cansou.
Ori pensou muito e ficou cansado com seus problemas. Ele não
sabia o que falar. Não sabia o que fazer. Quem não pergunta por nos-
sos problemas nada saberá de nossos problemas.
Ogum chamou Ori:
– Você sabe que você é o mais velho entre os orixás?
– Que você é o líder dos orixás?
Ori diz que pensou muito sobre sua vida e está cansado.
Ogum respondeu dizendo que já sabia deste problema. Ogum
falou de novo com sabedoria, através de metáforas. Disse:
– Aquele para quem você se esforça para transmitir sabedoria e não
chega a ser sábio (não aprende) é como uma árvore que não responde.

46 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

– Aquele para quem você se esforça para transmitir conhecimentos


e não chega a ter conhecimentos é como uma palmeira numa floresta.
– Aquele cuja sensibilidade você estimula e não chega a ser sensível
é como uma árvore a quem se prestasse um favor.
Ogum diz a Ori:
– Já te dei sabedoria. Agora procure mais sabedoria e junte a que te
dei. Já te dei conhecimentos. Agora, procure mais conhecimento e junte
ao que já te dei.
Ogum foi embora dizendo:
– Quando a gente recebe sabedoria de um sábio deve acrescentar
a ela nossa própria sabedoria. Quando a gente recebe sabedoria, orienta.
O que detém sabedoria é chamado de sábio. O que conhece as
coisas é chamado conhecedor. O que tem sensibilidade é chamado
sensível.
Ori pensou a respeito de si próprio. Estava cansado de si mes-
mo.
Foi consultar Exu Odara e lhe disse:
– Você, Exu, famoso e generoso, é você que vim consultar.
Ori lhe disse que pensara tanto sobre os seus próprios proble-
mas que chegava ao ponto de sentir um nó no intestino. Ori disse a
Exu que seu problema era consigo mesmo e pediu a ele que o condu-
zisse para a Terra.
Exu lhe pediu três búzios, um galo, bastante dendê e bastante
oti (cachaça).
Ori providenciou tudo. Exu lhe disse:
– Quem tiver prosperidade na terra tem que separar a parte de Exu.
Quem quiser procriar na terra não deve deixar Exu para trás. Quem quiser
longevidade na terra não deixe Exu para trás.
Exu perguntou a Ori:

DRAGO EDITORIAL 47
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

– Você não sabe que eu sou o mensageiro de Eledunmare? E que sou


eu que estou atrapalhando o seu caminho? Que sou eu que estou te em-
purrando para todos os cantos?
Ori deu-lhe as costas e foi embora. Exu o chamou para que
voltasse. Disse-lhe que quando uma pessoa faz uma pergunta, deve
aguardar a resposta. Exu mandou que Ori o acompanhasse e o levou
à casa de Orunmilá.
Na casa de Ifá, Exu deu a Ori um búzio para que falasse nele
seus problemas. Ori falou seus problemas no búzio e o entregou a
Orunmilá.
Orunmilá fez o jogo. O que apareceu era um símbolo de que Ori
se perdera no caminho.
Orunmilá disse:
– Oh, Ori, você se perdeu muito e foi parar no infinito. Sofreu tanto
que já está perdendo os cabelos.
Orunmilá disse:
– Você andou tanto que foi parar na casa de Xangô.
Orunmilá disse:
- Você andou tanto que foi parar na casa de Ogum. Falaram com
você por metáforas e símbolos e você não entendeu. A terceira pessoa,
que é Exu, foi quem te trouxe aqui.
Orunmilá diz a Ori:
– Você não sabe que ninguém vem para a Terra sem antes consultar
Ifá? E que ninguém faz nada se deixa para trás a importância do seu Ori?
Ninguém faz nada sem pedir consentimento do seu destino?
Orunmilá pediu a Ori que providenciasse os seguintes elemen-
tos para oferecer a Ifá: 2 camundongos, 2 peixes, 1 galo ou galinha
grande, 1 cabra com chifres grandes, obi e orobo grandes e sekete.

48 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Orunmilá disse para Ori oferecer um galo a Exu. E um obi de três


partes e água fresca para seu eleda.
Ori providenciou tudo o que Orunmilá pedira. Fez oferenda a
Ifá, fez oferenda a Exu e fez oferenda a seu eleda conforme instru-
ído por Ifá.
Depois de realizada a oferenda, Ifá respondeu a Ori:
– O seu problema não está nem com Egungum nem com Orixá. Seu
problema é com seu eleda.
Se o homem tem prosperidade na vida, agradeça a seu Ori.
Se o homem tem progresso na vida, agradeça a seu Ori. O homem
deve venerar seu Ori porque ele é o mais velho dos orixás.
Orunmilá chamou Exu e mandou que indicasse o caminho a
Ori. Quando Exu chegou às encruzilhadas que ligam o orum ao aye
mostrou o caminho que Ori deveria seguir para chegar a seu des-
tino. Mandou-o seguir seu caminho. Exu orientou Ori a caminhar
entoando a seguinte cantiga:
– Meu problema não é com Egungun. Meu problema não é tampou-
co com Orixá. Meu problema é com Eleda.

Babalawo Fabunmi Sowunmi in Sikiru Salami (King): Poemas


de Ifá e valores de conduta social entre os Yoruba da Nigéria (Áfri-
ca do Oeste), dissertação de mestrado. Departamento de Sociologia
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de
São Paulo. São Paulo, 1999, pp. 55-62.

Esse itan, tal como os ensinamentos da cultura yoruba, é


bastante explícito. Ori está cansado e perdido. Em muitas vezes,
chegamos a isso. Não nos damos conta de que a dificuldade

DRAGO EDITORIAL 49
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

de nos orientar só aumenta à medida que somos teimosos, que


não compreendemos as metáforas, que não estamos dispostos
a sermos honestos formulando as perguntas corretas e nem
mesmo temos humildade para ouvir as respostas.
O Universo está povoado de símbolos. A vida se manifesta
de forma poética, sobretudo para o ser que se dispôs a ter olhos
frente ao Universo mítico. As metáforas, recurso da poesia, não
se encontram apenas nas narrativas míticas, nos conselhos e
falas. Elas estão por aí. Coisas nos acontecem aparentemente
desprovidas de significado. É nossa singularidade que dá valor
e sentido a elas. É nossa disponibilidade de prestar atenção aos
acontecimentos que dão valor às metáforas.
Uma cantiga de Ifá nos remete à importância de colocar
nossa força vital em nosso caminhar para que não andemos por
aí displicentes em relação à nossa vida e nosso eleda.

CANTIGA DE IFÁ

Faça com que tenha axé tudo o que eu desejar e disser hoje
Coloque seus ouvidos em alerta
Para ouvir com rapidez
Coloque seus ouvidos em alerta
Para ouvir com rapidez
Orunmilá, ponha seus ouvidos em alerta
Para que possa ouvir o que tenho a dizer
Coloque seus ouvidos em alerta
Para ouvir com rapidez.

Babalawo Fabunmi Sowunmi in Sikiru Salami (King): Poemas


de Ifá e valores de conduta social entre os Yoruba da Nigéria (África

50 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

do Oeste), dissertação de mestrado. Departamento de Sociologia


Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade
de São Paulo. São Paulo, 1999, p. 85.

Muitas vezes, rodamos em círculos fazendo-nos as


perguntas: “Por que eu? Por que comigo”? Em primeiro
lugar, porque cada ser é único, mas precisa ser humilde o
suficiente para saber que, de outro modo, é igual a todos e
viverá muitas experiências arquetípicas como todo mundo
vive. Vivemos as experiências arquetípicas em maior ou menor
grau, aprofundadas ou não, com ou sem entendimento, mas
têm força suficientemente poderosa para nos tirar de uma
agradável posição de conforto. A diferença está em como o ser
se comporta diante daquela história. Então perguntas muito
pertinentes são: “Continuo a me lamentar ou darei um passo
em direção à compreensão de mim mesmo”? “Que história
eu quero contar de mim mesmo”? “Como meus descendentes
contarão a minha história se referindo a mim como seu
ancestral”? Devemos ficar atentos.
Ouvimos por aí: “O tempo cura todas as feridas”. Isso
não é verdade, senão o mundo não estaria cheio de pessoas
magoadas. O que vemos com frequência são “feras feridas
se ferindo e ferindo outros”. Acostumamos com isso – ser
feras e ver feras que precisam ferir os outros para conseguirem
se adaptar ou achar seu lugar. Apenas transferimos
responsabilidades para o passar do tempo. Mas, o tempo, ainda
que cíclico, passa simplesmente. Faz-se necessária alguma
interferência de nossa parte, se é verdade que queremos mudar
o quadro.

DRAGO EDITORIAL 51
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Já alguns afirmam em alto e bom tom: “As pessoas não


recebem mais do que podem suportar”. Não precisamos
nem mesmo visitar as clínicas psiquiátricas para percebermos
o absurdo dessa fala. Muitos Oris foram maltratados de um
modo insuportável.
Como já dissemos em outro momento, ainda que
sejamos protegidos, não vamos deixar de ter experiências, ou
iremos deixar de viver para não corrermos nenhum risco por
participar das experiências de nossa própria vida. O que temos
a fazer é deixar nosso Ori capacitado o bastante de modo a
suportar experiências muito difíceis, porque não é o tempo
que cura e muito menos as pessoas só recebem o que podem,
de antemão, suportar.
Ao longo de todo esse texto, já falamos acerca de
considerar nossa ancestralidade, de estarmos atentos ao nosso
eleda, da necessidade de dar bori e fazer trabalhos espirituais e
muito mais para o bem de nosso Ori. As considerações a seguir
acrescentam de forma significativa, os cuidados que precisamos
ter em nossa conduta para potencializar e fortalecer nosso Ori.

GRATIDÃO

Tal como o viciado está sempre devendo uma dose de


algo a si mesmo, a ingratidão provoca a mesma dívida com o
Ori da pessoa ingrata. A gratidão é uma forma de reverência
e louvor. Ori, sendo uma divindade, quer ser reverenciado
e louvado. Como divindade, Ori é nobre e sabe que é com
“nobreza que se trata o nobre” (ensinamento de Ifá). Tanto o
nosso Ori nos cobra a gratidão pelos outros quanto o Ori dos

52 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

outros nos cobra por gratidão quando não foi agradecido e


reconhecido por sua ajuda e préstimos. Essa cobrança atrasa
nosso caminhar, desviando-nos de nosso eleda. Enquanto
houver ingratidão ainda estamos presos a uma história que
só terminou aparentemente, pois nossos Oris ainda ficam
fortemente ligados pela ingratidão.
Já o contrário, quando somos gratos, não só em sentimento
e pensamento, mas manifestamos essa gratidão a alguém,
seja com palavras de agradecimento, com gestos de carinho,
com compromisso, com presentes, com disponibilidade,
com gorjetas, com solidariedade, com cuidados, com atenção
etc., fica claro que reconhecemos a importância do ato de
alguém em prol de nossa vida e isso faz com que o outro pare
novamente, em um momento futuro, de cuidar de sua vida
para nos dar devida atenção em nosso caminhar.
É pobre aquele que desconhece a gratidão!

ODU ODI-MEJI
[...]
Quando os inimigos de Eledunmare e de Aye comeram da ofe-
renda que os dois tinham deixado na encruzilhada, por ocasião de
um confronto com esses mesmos inimigos, ao se depararem com
Exu, tiveram que responder a pergunta:
– Aquela comida que acabaram de comer pertencia a vocês?
Eles responderam que não. Exu disse:
– Eledunmare é o dono da primeira comida que vocês comeram
e Aye é dona da outra. Não se pode comer da comida de uma pessoa e
depois querer tirar-lhe a vida. Ou vocês devolvam a comida do jeito que
estava, ou voltem para trás.

DRAGO EDITORIAL 53
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Aí então, os inimigos refletiram e voltaram para trás entoando


a seguinte cantiga:
– Não conseguimos prosseguir em nossa viagem. Só chegamos até
onde havia mel.
Demoraram quinze dias para chegar à encruzilhada e outros
tantos para retornar.

Adaptado de: Babalawo Fabunmi Sowunmi in Sikiru Salami


(King): Poemas de Ifá e valores de conduta social entre os Yoruba da
Nigéria (África do Oeste), dissertação de mestrado. Departamento
de Sociologia Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Universidade de São Paulo, São Paulo, PP. 285-6.

O ensinamento desse odu tem tudo a ver com gratidão.


Imagine! Tornarmos inimigos de alguém que nos ofertou
comida! Tanto quanto sermos inimigos de quem nos ofertou
conhecimento, ajuda, apoio, confiança, sabedoria... como o
Universo está povoado de metáforas, só nos resta voltar para
trás!

ALEGRIA

A cultura yoruba privilegia o estado mental alegre. Quando


dissemos que nessa cultura o profano e o sagrado estão unidos,
nos referimos às suas várias manifestações. As louvações, os
axexês (rituais que conduzem os mortos para o bom caminho),
as iniciações, são todos rituais alegres e festivos. Enquanto
cantamos e dançamos e, assim também nos divertimos, estamos
disciplinadamente rezando.

54 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

A dança, as cantigas e a sonoridade vibrante dos atabaques


abrem portais para Ori, que de outra forma, estaria ou preso
nas frequências de costume ou divagando em outras frequências
que não essa. As danças e as cantigas (orin) nos mostram o poder
da alegria no fortalecimento de Ori.
A alegria fortalece Ori. Toda negatividade emanada a
partir de nós e de outros para nós, encontra espaço quando Ori
está triste ou raivoso. Em contrapartida, a alegria em Ori não
permite que pensamentos negativos o atinjam porque esse tipo
de pensamento não encontra ressonância com a frequência do
Ori que privilegia a alegria ao invés de queixas, lamentações,
ódio e mágoas.
Quando a alegria vem de dentro de nós com toda sua pureza
e verdade, ela nos traz uma luz tão grande que nos protege de
qualquer negativo sobre a face da Terra. O negativo não aguenta
a alegria nem a felicidade genuínas, já que essas operam em
frequências distintas ao negativo. Devemos ter em mente que,
quando trazemos para dentro de nosso lar a alegria, juntamente
com a verdade, com o carinho e o amor, nos resguardamos de
qualquer mal que outros direcionam a nós.
Também Orunmilá, o senhor do destino, dança em muitas
ocasiões com alegria ao ver seus desejos realizados. Foi assim
que comemorou as dádivas recebidas depois que ouviu os
conselhos de Exu. Louvou o orixá dançando com muita alegria
quando suas mulheres engravidaram e procriaram.

HUMILDADE E SIMPLICIDADE

O preceito mítico – prestar honras, escutar, aceitar

DRAGO EDITORIAL 55
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

e esperar – é fundamental na construção das atitudes de


humildade e simplicidade perante a vida e, sobretudo a vida de
um iniciado. Ser humilde é reconhecer a existência de que existe
algo sagrado do qual, com muita honra somos recipiente. Esse
reconhecimento nos cobra a responsabilidade de agirmos com
humildade e simplicidade.
A humildade não é uma atitude pacífica diante da vida. É
sim uma afirmação de nobreza de que não nos escondemos
por trás de adereços, tais como bens, profissão, cargos sociais,
sobrenome etc. Por não precisarmos de tais adereços, temos a
liberdade da simplicidade.
Mais uma vez, recorremos aos ensinamentos de Ifá:

ITAN ORI-OFUNKANRAN

Amanheceu. Olokanran não colocou sua coroa.


Amanheceu. Olokanran não colocou em seu pescoço o colar
grande, que revela sua realeza.
Amanheceu. Olokanran não vestiu roupa de ide para sair com
brilho.
É com nobreza que se trata o nobre.
É com sabedoria que se trata o sábio.
Quando o mais velho parte, fica o mais novo em seu lugar.
É com prosperidade que se cresce na vida.
Ori que será coroado não precisa ser grande.
O pescoço que ostentará o colar de nobreza não precisa ser
grande nem comprido.
O corpo que será vestido com roupa de ide não precisa ser
grande.
[...]

56 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Babalawo Fabunmi Sowunmi in Sikiru Salami (King): Poemas


de Ifá e valores de conduta social entre os Yoruba da Nigéria (Áfri-
ca do Oeste), dissertação de mestrado. Departamento de Sociolo-
gia Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universi-
dade de São Paulo. São Paulo, p. 55.

A humildade significa estar ciente de quem se é. Ser


humilde é estar disposto a viver com o que se é e não com
adereços. Uma vez perdida a simplicidade, é preciso um longo
caminho de estrutura mental para adquiri-la novamente.
A arrogância, oposto da humildade, nos esconde de nós
mesmos. Já a humildade nos permite ficar à vontade conosco.
Colocar Ori de sentinela para cuidar de tantos acessórios é
desperdiçar o potencial produtivo de Ori quando poderia
investir recursos para bem cumprir seu eleda.
Chega um dia em que a vida nos chama para uma conversa.
Cabe a nós aproveitá-la ou não. Quanto mais próximo somos
de nós mesmos, mais preparados estamos para esse diálogo de
responsabilidade e verdade. Ou seja, quanto menos acessórios
usamos para nos adornar, menos precisamos nos esconder de
nós mesmos.
É uma grande conquista.
Em momento algum, humildade significa ser
insignificante ou permitir humilhação ou invasão. Humildade
abrange uma atitude de respeito consigo e com os outros.
Humildade e respeito são atitudes afins.

DRAGO EDITORIAL 57
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

AUTOCONFIANÇA, AUTORRESPEITO E
RESPEITO ÀS PESSOAS

A cantiga de Bori nos ensina: “não há um orixá que pode


apoiar um homem sozinho sem o consentimento do seu Ori”.
O Bori é um trabalho espiritual que se faz exclusivamente
para o Ori. Alimenta-se o Ori, potencializando-o de modo que
o ser se reconheça capaz de discernir e resolver as questões
que o atropelam em seu caminho. Com esse trabalho, a pessoa
se reconhece apta, por meio de sua independência mental, a
buscar estratégias, antes veladas, que proporcionam plenitude
ao desenvolvimento do ser. É óbvio que, a maioridade do ser
fica comprometida se a pessoa se escondeu por detrás de tantas
mentiras durante um longo período de tempo. E assim, esse
desenvolvimento requer mais etapas, já antes discutidas.
Muitos se forçam a acreditar em suas medidas desmedidas
para criarem uma atmosfera de autoconfiança. Porém, esse falso
recurso está dentro daqueles adereços de que se fantasiam e não
acrescenta nada ao ser, a não ser o trabalho de colocar Ori de
guarda, desperdiçando ainda mais recursos que acabam por
desviá-lo de seu eleda.
É preciso que o ser se encaminhe para a sua maioridade
mental. É um passo muito significativo assim como é um rito
de passagem. Muitas vezes, preferimos a infância psíquica por
não queremos nos deparar com os encargos que requerem a
autoconfiança. É muita responsabilidade confiarmos em nós
de modo que passamos a responder por nós, pois somos nós
exclusivamente responsáveis por tudo o que falamos e por todas
as nossas ações. Isso significa não transferirmos responsabilidade

58 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

de nossos atos ou falas para pessoas, cismas, fofocas, intrigas,


circunstâncias etc.
Contudo, é óbvio: pagamos alguns tributos. Existe um preço
de responsabilidade associado à autoconfiança. Uma vez que a
pessoa se manifesta, não mais de acordo com o que mantém as
relações em conforme, e sim de acordo com o que é afim ao
seu ser, pode provocar aparentes desconfortos e verdadeiros
desalentos quando a questão assim o exige. Isso provoca uma
solidão que muitas vezes a pessoa não se acha capaz de lidar.
Essa solidão não implica, necessariamente, falta de amizades ou
pessoas ao redor. É a experiência da nossa singularidade. Quanto
mais convivemos com ela, mais aumentamos a autoconfiança.
Do mesmo modo, investindo na autoconfiança estamos mais
próximos de sermos nós mesmos.
A autoconfiança pode ser traduzida como uma certeza de
que a parte de sua vida que não foi gasta com artimanhas para se
proteger de seu lado fraco, ou tortuoso, ou pouco digno, agora
se encontra disponível como recurso. Tudo o que foi vivido sem
artifício contribuiu para que o ser tenha agora uma simplicidade
despojada, que é uma expressão da autoconfiança sincera.
É engano pensar que a autoconfiança, fazendo-nos mais
fortes, nos afastaria de desapontamentos, frustrações ou dores.
Isso seria tirar da vida o que é dela. Contudo, a autoconfiança
nos provê de uma compreensão mais aguçada da autonomia pessoal
que temos para enxergarmos as questões pelas quais teremos
que passar ou enfrentar.
A autoconfiança constrói em nós uma ponte para o
autorrespeito e o respeito aos demais.

DRAGO EDITORIAL 59
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Uma vez que adquirimos autoconfiança, nos tornamos


dignos de nos respeitar. É como se precisássemos primeiramente
sinalizar que autorizamos o respeito por nós para depois
nos respeitarmos de fato. Respeitar nossas escolhas, nossa
diferença, nosso percurso, nossos recursos, toda trama da vida
tecida até hoje e, finalmente, nosso eleda.
Podemos definir autorrespeito de um modo pragmático. Por
esse viés, construímos meios de conferir autoridade à inteligência
de tal modo que ela lhe permita formular perguntas corretas. As
perguntas corretas são aquelas perguntas honestas que não têm
o intuito de nos consolar. Pois, não adianta nos esconder por
detrás de perguntas que só nos distraem mentalmente, ao invés
de fazermos avançar em nosso caminho. A pergunta correta
nunca é dissimulada para nos agradar, senão não cumpriria seu
papel. As perguntas corretas vão nos devolvendo autorrespeito.
Assim como, o autorrespeito nos mostra que existe uma
divindade em nós que deve ser reverenciada por toda nossa
história vivida e por aquela que ainda falta contar, o respeito ao
outro faz reconhecer em outro ser sua divindade com toda sua
diferença e inteireza.

ODU OGUNDA- MEJI

[...]
O sábio tem o segredo do bom comportamento, o ser nobre,
coroado como rei (líder), não desrespeita ninguém.
Para viver, o respeito pelo semelhante é fundamental.
Um líder não desrespeita ninguém.
[...]

60 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Babalawo Fabunmi Sowunmi in Sikiru Salami (King): Poemas


de Ifá e valores de conduta social entre os Yoruba da Nigéria (África
do Oeste), dissertação de mestrado. Departamento de Sociologia
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade
de São Paulo, São Paulo, P. 227.

VERDADE

A verdade enobrece nosso Ori. Confere a Ele a


possibilidade primeira de ser respeitável. Ori tratado com
respeito segue seu eleda com dignidade. É de simples
compreensão. Basta estarmos atentos ao comportamento
oposto. Não se pode conferir honra a um mentiroso, a não
ser de modo perverso. Depois de algumas repetições, somos
capazes de prever o quanto o mentiroso usou de artifício
para estar em certo lugar, receber um falso mérito, elogios,
favorecimentos etc., Contudo, Ifá bem nos ensina: a mentira fica
com o mentiroso, a verdade fica com o verdadeiro.
Faz parte de nosso crescimento frequentar o debate a
respeito do lugar que ocupamos na nossa existência. Não é
um debate como outro qualquer daqueles que travamos no
cotidiano acerca das questões que se comentam e se discutem
por onde passamos. Trata-se de uma discussão conosco em
que o uso de jogo de palavras não nos favorece. Quanto mais
claros e explícitos, por meio de palavras, metáforas e imagens,
conseguirmos nos expor a nós mesmos, mais adquirimos
competência ao dirigir a consciência para examinar nossos
feitos e palavras por meio de entendimento por ora (ou agora)
alcançado.

DRAGO EDITORIAL 61
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Só o emparelhamento com a verdade faz desse exercício


algo produtivo. Caso contrário, perdemos a baliza que nos
salva de afundar em caminhos que nos fazem repetidos a nós
mesmos.
A mentira vicia o Ori da pessoa. A pessoa se acostuma
a mentir para si, acha fácil mentir para os outros e diante dos
fatos. No entanto, para prosseguir no mesmo sentido de seu
eleda, é preciso mudar completamente essa dinâmica. O esforço
é grande e vale a pena! Não é que a vida se torna fácil, mas a
pessoa se apodera com muita propriedade de sua existência.
Apossar-se plenamente de sua vida é não andar na “contramão”
de seu eleda.
Condizer com a verdade deixa-nos munidos de proteção
e recurso. Genuinamente, lançamos mão da verdade. Não
podemos armar uma armadilha de falsidades para Ori. Uma
teia de falsidades enfraquece Ori toda vez que conta com um
recurso que não se pode por à prova, que se mostra duvidoso,
contraditório ou cheio de buracos.
Muito se comenta sobre a fala cruel das crianças. As falas
só se tornam cruéis quando temos algo a esconder – dos outros
e de nós mesmos. Ori algum precisa se desequilibrar mediante
uma fala ou um comentário que se mostre desagradável.
Obviamente, desde que não se tenha gasto tanta energia
para manter a verdade em questão sob um segredo absoluto
disfarçado e camuflado. A verdade é o que nos dá condições
de uma vida desarmada e com fluidez, uma vez que contamos
com ela como recurso e proteção para que não seja preciso
construir uma torre de arsenal de defesa.

62 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Nos ensinamentos de Ifá, encontramos instruções muito


claras acerca do caminho a tomar diante da opção verdade e
mentira. As consequências também são bem explícitas...

ODU OFU-OSE

Aquele que mente será destruído pela mentira.


Aquele que provoca discórdia será destruído pela discórdia.
A falsidade despojará o falso da força vital de que dispõe. A fal-
sidade destruirá os falsos.
Foram eles que adivinharam para Ajagunmale (Ifá), sábio su-
premo do orun.
Todos aqueles que trocam a verdade pela mentira serão leva-
dos para o orun por Ajagunmale(Ifá).
Não chamem o morto de vivo, nem chamem o vivo de morto.
Quem chama o morto de vivo ou chama o vivo de morto será
levado para o orun por Ajagunmale(Ifá).
Não chamem uma mulher fértil de estéril, nem chamem uma
mulher estéril de fértil.
Quem chama uma mulher fértil de estéril ou chama uma mu-
lher estéril de fértil será levado para o orun por Ajagunmale (Ifá).
Não chamem o preto de branco, nem chamem o branco de pre-
to.
Quem chama o preto de branco ou chama o branco de preto,
será levado para o orun por Ajagunmale (Ifá).
Orunmilá diz que prefere matar o babalaô que mente para
quem o procura em busca da verdade e colocar em seu lugar um ho-
mem ignorante a respeito da complexa sabedoria de Ifá.
Orunmilá prefere um homem que não conhece a sabedoria de

DRAGO EDITORIAL 63
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Ifá do que um grande conhecedor dessa sabedoria que seja falso e


mentiroso.

Babalawo Fabunmi Sowunmi in Sikiru Salami (King): Poemas de


Ifá e valores de conduta social entre os Yoruba da Nigéria (África do
Oeste), dissertação de mestrado. Departamento de Sociologia Facul-
dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São
Paulo. São Paulo, PP. 313 -14.

(CONS)CIÊNCIA DE NOSSOS RECURSOS

A capacidade de Ori-inu é infinita. Mas, até onde já


estivemos dispostos a operá-lo em toda sua plenitude? Até onde
nos desdobramos para nos expandirmos e aumentarmos nossos
recursos?
Ifá nos ensina a importância de reconhecermos os limites.
A consciência de quem somos é sinal de sabedoria, o que
acarreta atitudes certas e precisas. Já a não consciência pode nos
levar a situações que vão nos apresentar como fracassos pelo
fato de não estarmos preparados a enfrentá-las. Previamente,
é importante termos consciência de nossos limites. Assim, não
nos desgastamos indevidamente para reverter alguma situação.
Com essa consciência, também nos preparamos melhor para
outra situação, que com certeza, irá requerer os recursos que por
ora, ainda não temos.

CANTIGA DE IFÁ

Nós te iniciamos
Nós te iniciamos

64 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Para que você faça uma auto-iniciação (tenha consciência dos


próprios limites)
Um iniciado não se atreve a caçar ikun (animal feroz) sem armas
Um iniciado não se atreve a perseguir uma cobra para matá-la
sem armas
Nós te iniciamos
Para que você faça uma autoiniciação (tenha consciência de
seus limites)
Um iniciado não se atreve a subir na árvore okoko correndo
Nós te iniciamos
Para que você faça uma autoiniciação (tenha consciência de
seus limites)
Um iniciado não se atreve a caçar sem ser um bom caçador
Nós te iniciamos
Para que você faça uma autoiniciação (tenha consciência de
seus limites)
Quando o rio estiver muito cheio
Não se atreva a mergulhar sem saber nadar
Nós te iniciamos
Para que você faça uma autoiniciação (tenha consciência de
seus limites)
Se a corda de subir ao alto do dendezeiro estiver rompida não
suba no dendezeiro
Nós te iniciamos
Para que você faça uma autoiniciação (tenha consciência de
seus limites).

Babalawo Fabunmi Sowunmi in Sikiru Salami (King): Poemas

DRAGO EDITORIAL 65
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

de Ifá e valores de conduta social entre os Yoruba da Nigéria (Áfri-


ca do Oeste), dissertação de mestrado. Departamento de Sociologia
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de
São Paulo. São Paulo, PP. 124 -25.

AUTORIDADE SOBRE ORI

Na maioria das vezes, queremos coisas boas para nós.


Isso faz parte de uma consciência saudável, bem determinada
por Ori. Sonhamos em dar mais um passo, lutamos para
conquistar algo, traçamos metas, ou simplesmente, queremos
apenas seguir em frente, prosseguir em nosso caminho.
Sobre esse assunto, primeiramente, deve-se considerar
que um Ori sem autoridade fica vagando, se expandindo como
bem entende. Sem direção, gasta energia em devaneios que
não levam a nada.
Outra consideração é de vital relevância. Mesmo que uma
parte de Ori se manifeste em consciência e de fato, projete
suas histórias para serem vividas de acordo com seu eleda,
a parte inconsciente de Ori, ainda se encontra desavisada e
desautorizada a participar desse encontro com a consciência.
Mais uma consideração faz-se necessária: pode haver
ainda um boicote da inconsciência de Ori, e desse modo, mais
do que não ocorrer uma co-participação da inconsciência
nas ações propostas, pior ainda: uma construção de atitudes
mobiliza o ser para agir contra si.
Sobretudo, essas duas últimas considerações se referem
a um lugar em nós mesmos, que por outro lado, não está em
nós mesmos. Devido à sua falta de luz, não temos lucidez

66 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

alguma sobre esse lugar – um desconhecido –. É sombrio e é


um reservatório de muita força e produtividade, de riquezas e
tesouros escondidos. Revolvendo esse húmus, existem chances
de algumas partes receberem luz, e com toda a força de um
material adubado, agir a nosso favor.
Como é um lugar desorganizado, precisa de comandos.
Precisamos de evocações, comandos para que Ori trabalhe
a nosso favor em função de nossas metas. Uma vez que Ori
esteja certo de onde se quer chegar, nossas ações tenderão a
acompanhá-lo.
Como existem em nós lugares por demais sombrios,
é preciso “enfiar a mão lá dentro” e trazer seus conteúdos
à superfície para que convivam com a luz da razão, do
conhecimento, do discernimento, da escolha, da compreensão
de um adulto etc. Cada ser descobrirá sua melhor forma
de examinar cuidadosamente seu material sombrio, que foi
construído durante anos por meio de mágoas, dores, abandonos,
fraquezas, frustrações, feridas abertas ou mal curadas e assim
por diante.
Contudo, um modo de começar a civilizar esse material,
pelo menos para que ele se expresse de modo que possamos
reconhecê-lo, é visitá-lo com autoridade.
Um modo muito produtivo de atuar com autoridade em
relação a esse material é afirmando conceitos que carregam
plenitude. Pela manhã, quando acordarmos e formos louvar
e agradecer nosso Ori por tudo o que temos, agradecemos
também afirmando frases do tipo “Eu sou a própria riqueza,
eu sou a própria prosperidade, eu sou a própria saúde, eu sou o
próprio amor” etc.

DRAGO EDITORIAL 67
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Essa é tanto uma forma de não deixar Ori vagar, quanto


uma forma de não deixar a inconsciência de Ori nos boicotar.
Dando comandos que são os conceitos em sua totalidade, em
pouco tempo o material começa a se mostrar de forma simbólica
com imagens, por exemplo, de modo a lidarmos com ele por
meio de mais comandos e mais autoridade.
A autoridade também deve ser exercida sobre Ori fazendo
com que se incorpore atitudes nobres daquelas ligadas à verdade,
ao respeito, à gratidão, à simplicidade, à autoconfiança e à
alegria. Essas atitudes abrem uma clareira para entrada de luz na
parte inconsciente de Ori. Essas atitudes abrem um espaço para
entrada de luz e as afirmações/comandos são como diamantes
lapidados pela consciência, plantados no lodaçal. Quando os
diamantes recebem os raios de luz, vindos de diferentes ângulos
e diferentes direções, ocorre uma reflexão total! Uma luz/brilho
sai de dentro da pessoa e, novamente filtrada pelo crivo de seu
Ori, ilumina o eleda pelo qual o ser deve passar, bem como as
pessoas que cruzam seu eleda. Isso funciona como um elo forte
e decisivo entre o ser no Aye e as projeções no Orun. Assim no
Aye como no Orun.
Aquilo que antes nos limitava ou nos boicotava passa a
ser recurso para nosso crescimento. E toda história de nosso
crescimento está registrada em nosso Ori e incorporada à nossa
alma.

AQUISIÇÃO DE CONHECIMENTO

Seja qual for a capacidade de compreensão, o estágio


evolutivo, o grau de espiritualidade, de inteligência ou de

68 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

mentalidade em que nos encontramos, trazemos uma maleta


de conhecimento agarrada a nós mesmos – na melhor das
hipóteses, uma mala muito cheia, simples e sofisticada ao
mesmo tempo, repleta de recursos. Tudo isso é o conjunto
da bagagem que podemos carregar por qualquer tempo,
em qualquer lugar, em qualquer forma de existência ou
circunstância. Eternamente levamos conosco um conjunto
de valores que nos serve, nos defende, nos autoriza; abrem
portas. O conhecimento não pode ficar de fora.
Contudo, nossa capacidade de equacionar e obter respostas
a partir de um conjunto bem organizado e estruturado de
saberes interligados – o conhecimento – não teve inauguração
na nossa existência.
Algumas pessoas recusam o conhecimento como se a
humanidade tivesse começado hoje e naquela pessoa. Quanto
conhecimento a humanidade não produziu e ficamos alheios
a ele?! Nossa existência nesse estágio não é longa o suficiente
para desprezarmos o conhecimento que a humanidade
produziu e conquistou por longos milhares de anos. Não
podemos viver todas as experiências e ter todas as vivências.
Não conseguimos elaborar sozinhos e dar sentido a um grande
mosaico de acontecimentos, perguntas, enigmas que compõem
a vida de um modo geral. É preciso ser humilde, responsável e
determinado o suficiente para buscar conhecimento.
Ao longo de nossa existência, nos damos conta de que nós
mesmos precisamos responder por nossa viagem. A angústia
de se desfazer da ignorância não pode ser desprezada. Ela
precisa ser incorporada ao modo de vida se queremos nos
responsabilizar pelo nosso avançar. Não podemos nos esquecer

DRAGO EDITORIAL 69
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

de que Eledunmare conta conosco, como nos conta o Odu Ogbe-


Ogunda.
O conhecimento evita de ficarmos subjugados às opiniões
e impressões que os outros ao nosso redor têm das situações
e dos fatos que ocorrem. Não podemos ficar subjugados a
essas impressões porque, em princípio, não sabemos a partir
de qual referencial foram elaboradas. O conhecimento nos dá
uma libertação e com grande propriedade, já que podemos
reconhecer que existe algo que é um conjunto de saber
estruturado, devidamente colocado em um lugar privilegiado
acima de nós mesmos e das nossas relações, de um modo geral.
É guia, pois o conhecimento se põe à prova por muitas pessoas,
por muitos anos e diante de muitas situações.
O conhecimento não só está disponível para o que a
pessoa precisa, como também para auxiliarmos os outros em
sua jornada. Esse auxílio tem que ser de forma responsável e
referendada.
Quando se trata do conhecimento mítico, na cultura
yoruba tem-se um conjunto de conhecimento que data de cerca
de três mil anos antes dessa era. Esse conhecimento se mantém
vivo. Está na formação de uma cultura participativa e cheia
de vida como forma de organização, baliza e suporte de todo
um povo. Regula as relações sociais e políticas, além de ser o
corpo estruturante da cultura e religião que nessa cultura não se
dissociam.
Faz-se necessário aqui algum esclarecimento acerca de
uma diferença significativa entre as culturas ocidental e yoruba a
que temos salientado.

70 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

À medida que a cultura ocidental foi se construindo a partir


de um tipo de conhecimento que privilegia o saber racional/
lógico/científico e filosófico, o ser humano se afastou da
natureza, como se só a distância do objeto de estudo pudesse
garantir a compreensão desse objeto. Com essa postura,
ganhamos um tipo de conhecimento que consideramos muito
valioso e útil, capaz de resolver e responder por várias questões
que “têm cansado a humanidade”.
O conhecimento racional/lógico/científico e filosófico
nos deixou um legado de distanciamento da natureza como se
não fizéssemos parte dela. Para conhecer, catalogar, organizar
e sistematizar os objetos ao nosso redor, aprendemos que o
certo seria estarmos separados o máximo possível da natureza.
Dessa forma, fomos nos construindo. Todavia, a ciência, bem
como partes da cultura ocidental, tem já de muito tempo,
revisto essa abordagem que se faz da natureza. Embora a física
quântica já tenha nos mostrado a não separação entre observador
e objeto observado e a interligação de todos e tudo por meio de
campos vibracionais, a mentalidade de separação entre nós de
um lado e natureza de outro ainda persiste.
A cultura yoruba se construiu de modo muito diferente,
sobretudo em relação a esse distanciamento da natureza.
Antes mesmo de a cultura ocidental diferenciar um saber
especializado e nomeá-lo de química, ou bioquímica, o macaco
já sabia quais frutos ele podia comer e quais eram venenosos e
soube contar a seus filhos... o pássaro voa há milhões de anos,
e, só há muito pouco tempo conseguimos como humanidade
projetar o avião. A diferença cultural não está na observação da
natureza e seus ciclos, seus limites e suas potencialidades, que

DRAGO EDITORIAL 71
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

essa cultura muito privilegia. A diferença significativa está em


não se colocar na arrogância de estarmos no topo da natureza,
e sim, fazendo parte dela. Herdamos da cultura ocidental a
imagem de nos vermos coroados no topo da natureza, e não
fazemos questionamentos a esse respeito.
Já a cultura yoruba, entende que a natureza tem tudo; a
natureza é tudo. Ao prestar atenção na natureza, no que se
criou ou se desenvolveu primeiro é que se recebem todas as
informações necessárias para o grande saber. É se abaixando
para a natureza, reverenciando toda ela em todas as nossas
atitudes, que não nos separamos dela. Motivo pelo qual de
toda a natureza ser sacralizada nessa cultura. A natureza
disponibiliza o conhecimento e todo poder universal deste
conhecimento.
A cultura yoruba é um grande referencial das
potencialidades da natureza e suas relações de toda ordem. Todo
o potencial da natureza vem sendo transmitido por meio dessa
cultura. É um saber supra sistematizado e hierarquicamente
deve ser respeitado.
Aquilo que foi dito acerca da simplicidade e da
humildade se aplica à aquisição do conhecimento. Quanto
mais conhecimento a pessoa tem mais axé ela carrega. Quanto
mais conhecimento Ori carrega, mais seu dono se torna
responsável por aquilo que faz. Um erro de sua parte pode
causar sua própria destruição. Ter acesso ao conhecimento é
uma oportunidade conjugada a muita responsabilidade.
Enfim, precisamos do conhecimento para termos
assertividade ao discernir entre o saber e uma impressão

72 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

que precisa ser descartada, se é de nossa vontade agir com


responsabilidade com os outros e com nós mesmos.
Existem várias formas de oráculo que nos trazem
informações de grande conhecimento, de discernimento sobre
a vida, de nosso caminhar, de nossa existência e o que é de
existente em nosso Ori, como o jogo de búzios, ikin, opele ifa.
Depois de adquirir tanto conhecimento, o próprio Ori quando
chega ao panteão do conhecimento se torna um grande
oráculo de nossa vida.
Por isso consultamos, perguntamos, agimos de forma
consonante com os oráculos, até que um dia, por meio de
todo esse conhecimento, podemos fazer parte e ser parte deste
grande oráculo.

DRAGO EDITORIAL 73
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

Bori e seus benefícios


ao Ori

Em outros momentos, já falamos sobre a importância de


dar Bori. O Bori é um trabalho espiritual, cuja intenção primeira
é dar alimento ao Ori.
Falemos um pouco a respeito deste recurso. Entendemos
que em todo ritual yoruba pelo qual passamos, ocorre uma
intensa e poderosa transformação energética. Conceituar energia
só faz sentido quando estabelecemos uma correspondência entre
essa grandeza e as transformações que nela ocorrem mediante
realização de trabalho. Utilizamos aqui o próprio conceito
físico para energia, uma vez que entendemos mesmo ser esse
o conceito associado aos rituais. A energia está disponível para
que a utilizemos na realização de algo.
No amplo espectro da consciência, algumas faixas de
frequência mental ainda não se manifestaram. Elas existem
em potência e possibilidades, ainda por serem descobertas e
reveladas à própria pessoa dona do Ori. São um emaranhado
de possibilidades, ainda confusas, adquiridas ao longo desta e
de outras vidas que precisam virar, mediante transformação
energética, comandos mentais efetivos e, posteriormente, atos
em sua verdadeira instância.
Contudo, é a própria entidade Ori que precisa cumprir
o papel de trazer essas frequências à mostra para seu dono, de

74 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

modo que se manifeste por efeito real. Fazer por si só, nem
todos se encontram ou se acham aptos. O Bori, com sua gama de
elementos, ao suprir de energia-alimento o Ori do ser, vem acudi-
lo. Fortalece desse modo um elo entre o Ori e as possibilidades do
ser que estão latentes. Precisam passar do potencial à realização.
Nosso Ori, nossas possibilidades e nossa atuação,
juntamente com nosso eleda, precisam conviver em sintonia. O
Bori fortalece esse elo, muitas vezes, frágil demais, quebradiço
ao ponto de não suportar o tempo necessário à atuação do ser,
seja em compreender experiências que devemos vivenciar, seja
em construir metas, persistir em determinado projeto, analisar
possibilidades de forma não ludibriante, capacitar-se para
realizações de um modo geral.
À medida que reconhecemos e fortalecemos esse elo,
evoluímos muito. Nossa energia se torna fluida nas transformações
necessárias ao nosso crescimento espiritual, mental e material.
Quanto mais esse elo se fortalece, mais prósperos vamos nos
fazendo, em toda amplitude de sentido.
Tudo o que fazemos ou criamos precisa combinar conosco.
O Bori nos auxilia a personalizar nossos propósitos. Nosso Ori
e nosso coração devem manter sintonia e vibrar com a mesma
frequência de nosso caminhar. A ressonância das frequências
afins de nosso coração, nosso caminhar e nosso Ori produzirão
ondas de grande alcance e amplitude. Por isso, temos que agir de
modo consciente e atento o suficiente para não perdermos tal
sintonia. Sendo assim, nosso propósito deve, necessariamente,
parecer conosco.
Porém, em muitas vezes, o ser vai se acostumando a uma
imagem deturpada de si. Essa imagem pode ser fruto de muitas

DRAGO EDITORIAL 75
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

frustrações e decepções pelas quais a pessoa teve que vivenciar,


mas não tinha suporte mental e psíquico para organizar e
compreender essas experiências. O Bori pode nos ajudar muito
a dar seguimento às energias de dor, raiva, impotência e tristeza
que se ligaram aos sentimentos frustrantes. Com o Bori, essas
energias podem se transformar e encontrar caminhos para se
manifestarem de outra forma. Com isso, a imagem nublada
que o ser faz de si dá espaço a um recomeço.
Uma mudança de paradigma pode vir a operar no Ori
e seu dono, não tem outro jeito, a não ser se desenvolver e
progredir. Um conjunto velho de desculpas e lamentações não
lhe serve mais, pois o modelo-padrão que a pessoa gostava
de usar como suporte se tornou fora de hora e lugar. Esse
conjunto fica em desacordo com o recomeço. Caso a pessoa
ainda insista no conjunto, a magia da vida criará caminhos, por
meio de pessoas ou de situações, que venham a lhe mostrar
o quão velho esse conjunto se tornou. Até que o dono desse
Ori, que passou por um ritual de recomeço e renovação, se
dê conta do absurdo de carregar esse velho modelo, eventos
vão lhe ocorrendo no sentido de alinhar seu Ori, seu eleda, seu
coração, seu caminhar e seu prosperar. Muitas vezes, é preciso
que o ser volte e refaça seu caminho.
Plantamos muitos problemas em nossa mente. A
criatividade é a solução para desfazer o emaranhado de fios
no qual nosso Ori confuso insistiu em esconder ainda mais
sua resolução. A mente confusa vê o mesmo problema pelo
mesmo prisma. A criatividade é um salto quântico necessário
para desfazermos do emaranhado e avançarmos. A criatividade
dá novo significado àqueles pontos relevantes das questões.

76 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Os pontos importantes revestidos de um novo significado têm


potencial suficiente para se revelarem como solução de outro
modelo. Para isso, abrimos mão do velho modelo-padrão-
desculpa. Passamos a enxergar, em meio ao antigo caos, uma
nova ordem. Novos padrões se formam e se apresentam a
nós. Esse novo padrão é mais amplo e menos limitador. O
ritual do Bori aciona nossa criatividade. Podemos aceitá-la e
fazê-la ampliar e se espalhar em nossos atos ou, simplesmente
não aceitá-la. Recusar o potencial de criatividade é deixar-se
manter em uma continuidade contrária ao propósito do Bori.
Em alguns momentos, é preciso coragem de conviver com
as situações descontínuas para podermos nos desvincular da
concepção de que a vida é um relógio.
A vida, em suas mais diversas manifestações, se mostra
inclusive como um oceano de incertezas e possibilidades. Não
temos o direito de matar essas possibilidades em função do
medo. Que venham as possibilidades! As surpresas dão mais
cor à vida. A vida, em sua plenitude, é busca e entrega. Ora
um ora outro, ora conjugados. Temos que cuidar de nosso Ori
para que estejamos abertos às manifestações diversas da vida
em toda sua totalidade de cor e tonalidades. Ori é a divindade
mediadora de nossa liberdade.
Quanto mais alimentamos nosso Ori, mais a divindade
se torna capaz de enfrentar as situações adversas e não precisa
temê-las. Quanto mais alimentarmos e cuidarmos da divindade
que nos acompanha desde sempre, mais livre podemos ser.
O Bori também atua como um pilar para a confiança
nos recursos que fomos disponibilizando para Ori com
nossos aprendizados. Os recursos são vários. Já falamos

DRAGO EDITORIAL 77
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

acerca daquelas atitudes que fortalecem Ori. O Bori fortalece


a confiança nesses recursos/atitudes e faz com que o ser os
ligue à energia necessária ao enfrentamento de situações que
requerem mais fôlego do que as situações normais. É como
se, mesmo mediante os dias difíceis em que a vida assim nos
mostra, não deixamos a nobreza de Ori ser corrompida.
Por fim, tudo o que foi dito a respeito do Bori perde
muito de sua validade e de seu alcance se o dono do Ori não
se mover, pelo menos minimamente, para tal. Novamente,
não podemos nos esquecer de que Eledunmare precisa de Sua
criação para que se perfaça a maravilha única.

78 DRAGO EDITORIAL
ORI - O TODO-PODEROSO

Ori e Orixá

Como a origem da palavra orixá é um rico objeto de


estudo, optamos por selecionar apenas uma vertente do
significado da palavra. Não é nosso objetivo esgotarmos toda
a compreensão que temos dos significados que a palavra orixá
carrega. Escolhemos apenas um por compreender que com
apenas uma linha de raciocínio, o próprio leitor atento irá se
dar conta da importância de cuidar de seu Ori para que o orixá
se manifeste plenamente em sua vida.
Neste momento, prosseguir com a leitura só faz sentido
se aprendemos o que foi dito acerca de Ori ao longo de todo
este texto. Entende-se que Aprender não é compreender, aprender é
mudar comportamento1. Assim, podemos continuar ...
Orixá é o guardião de Ori. Esse guardião de Ori é a
natureza viva em todo seu encantamento. É a natureza em
movimento e inteireza. Quando se inicia em um orixá, o ser
tem a oportunidade e o privilégio de, arquetipicamente, passar
a carregar consigo os elementos da natureza.
Os elementos passam a existir de forma intensa no iniciado.
No ser, cuja visão de mundo contempla o conhecimento
mítico, não existe distinção entre o que é exterior à pessoa e o
que está em seu interior. Sendo assim, o elemento que a pessoa
tiver interesse em buscar para si já existe dentro dela.
Os elementos que passamos a carregar após a iniciação
1 Jean Piaget.

DRAGO EDITORIAL 79
RONALDO S. R. AZEVEDO E KÁTIA M. N. TOLEDO AZEVEDO

existem como uma relação de empatia com os elementos da


natureza. Quando esses elementos são acionados por nós, eles
passam a se mostrar na natureza, que apenas aparentemente,
se encontram exteriores a nós. Precisamos acioná-los se
queremos movimento.
Temos que descobrir, a cada dia, onde nossos projetos não
estão germinando com a devida força que combinaria conosco
e, a partir daí, cultivá-los com nossa força vital. Precisamos
daqueles elementos que estão em nós para fazermos nossos
projetos crescerem. Tudo o que estiver faltoso em nossos
projetos, já existe em nós porque nosso orixá, sendo o guardião
de nosso Ori, disponibiliza uma série de recursos para nosso
Ori prosseguir e prosperar.
Algumas situações requerem um pouco mais de um
elemento do que de outro, de forma mais branda ou abrupta,
misturados a outros ou não, fluida ou mais represada. À
medida que vivemos, aprendemos o quanto de certo elemento
tal situação carece.
Contudo, é de grande valor saber que não é o Orixá
que vive por nós. São as nossas vontades, nossas escolhas e
nossas metas que farão com que nossa vida tenha sentido
para nós mesmos. Do mesmo modo, Ori precisa lançar mão
de si mesmo para poder orquestrar, de forma proveitosa, os
elementos que vieram do Orixá e estão disponíveis no ser.

Crie condições para que seu orixá seja guardião de um bom Ori.

80 DRAGO EDITORIAL

Você também pode gostar