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VOTO

PROCESSO: 48500.004497/2012-72

INTERESSADA: Centrais Elétricas Matogrossenses S.A. ― CEMAT

RELATOR: Diretor Julião Silveira Coelho

RESPONSÁVEIS: Superintendência de Fiscalização Econômica e Financeira – SFF e Diretoria – DIR

ASSUNTO: Proposta de intervenção administrativa na Centrais Elétricas Matogrossenses S.A. – CEMAT.

I. RELATÓRIO

Em atendimento à orientação da Diretoria, a SFF apurou a situação econômico-financeira das


concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica controladas pela Rede Energia S.A., cujo
organograma segue abaixo:

Figura 1 – Organograma do grupo societário REDE ENERGIA


Fonte: http://www.redenergia.com/ri/ - Acesso em 30/08/2012

2. Mediante estudos elaborados em 4 de agosto de 2011 e em 2 de fevereiro de 2012, no âmbito do


processo de fiscalização por monitoramento periódico do equilíbrio econômico-financeiro das concessões, a SFF,
em face das demonstrações financeiras de 31/3/2011 e de 30/9/2011, apresentou diagnósticos do desempenho das
nove concessionárias de distribuição geridas pelo Grupo Rede Energia.

3. Referidos diagnósticos evidenciaram que:

(i) a CELPA, a CEMAT, a Empresa Elétrica Bragantina S.A. – EEB – e a Caiuá Distribuição de
Energia S.A. – CAIUÁ-D, responsáveis por 65,2% da receita operacional líquida das distribuidoras do Grupo,
apresentam indicadores de não sustentabilidade das operações, em função, principalmente, dos respectivos
montantes de dívida;

(ii) o problema preponderante consiste no elevado montante das dívidas das concessionárias, bem
como na falta de liquidez dos respectivos mútuos ativos;
(iii) as concessionárias integrantes do Grupo REDE ENERGIA apresentam elevado endividamento
frente ao fluxo de caixa obtido1; e

(iv) o endividamento global das distribuidoras do Grupo atingiu R$ 5,34 bilhões 2 em 30 de setembro
de 2011, ao passo que a relação consolidada Dívida Líquida/ (EBITDA – Capex) alcançou o patamar de 19,7 vezes.

4. Em 28 de fevereiro de 2012, a CELPA ajuizou pedido de recuperação judicial perante a Justiça


Estadual do Pará.

5. Em abril de 2012, a SFF constatou o início de inadimplência sistêmica das concessionárias do


Grupo Rede Energia em relação aos encargos intrassetoriais, cujo valor consolidado chegou a R$ 365 milhões no
dia 16 daquele mês.

6. Em 19 de abril de 2012, a SFF determinou3 que o Grupo Rede Energia apresentasse plano de ação
que abrangesse todas as nove concessionárias, além da própria Rede Energia S.A., e promovesse:
(i) a retomada imediata do recolhimento de encargos setoriais e do pagamento de fornecedores
em atraso;

(ii) a redução gradual da relação Dívida Líquida / EBITDA até 5 vezes e da Dívida
Líquida/(EBITDA – Capex) até 7 vezes em todas as distribuidoras; e

(iii) a liquidação imediata dos empréstimos de mútuos vencidos a pagar e a receber que
envolvessem as distribuidoras ou o envio de documentos que atestassem os respectivos pagamentos.

7. Em 19 de junho de 20124, a Rede Energia S.A. solicitou a prorrogação de 60 (sessenta) dias do


prazo para apresentação do plano de ação.

8. Mediante a Nota Técnica n. 288, de 13 de julho de 2012, a SFF (i) recomendou a instauração de
processo administrativo de inadimplência contra todas as concessionárias do Grupo Rede Energia, exceto a
CELPA, cujo processo já se encontrava em andamento5, e (ii) destacou que:
(i) a Dívida Líquida consolidada das distribuidoras aumentou para R$ 5,7 bilhões e a relação Dívida
Líquida / (EBITDA – Capex) passou a ser de 15,7 vezes;

(ii) as distribuidoras CELPA, CEMAT, CELTINS, CAIUÁ-D e EEB apresentaram volume de dívida
incompatível com a geração de caixa e os investimentos realizados;

(iii) houve aumento material das inadimplências intrassetoriais, tributárias e de empréstimos de


mútuos das concessionárias do Grupo; e

(iv) à vista da inadimplência setorial generalizada (R$ 664 milhões em 2/7/2012), da inadimplência
tributária (R$ 537 milhões em 31/3/2012) e da inadimplência com os mútuos (R$ 246 milhões em 31/3/2012,
vencidos desde 31/8/2011), bem como das dificuldades enfrentadas pela holding para captar recursos para aporte
nas distribuidoras, houve gestão inadequada dos recursos financeiros das concessões, tendente a comprometer a
continuidade das operações das concessionárias, inclusive com risco de contágio aos demais agentes setoriais.

1 EBITDA descontado dos investimentos com capital próprio.


2 Desconsiderados os mútuos ativos, pela incerteza do recebimento.
3.Ofício n. 416/2012.

4 Carta VPRE 638/12.


5 Vide Processo autos no 48500.004567/2009-97.
9. Em 10 de agosto de 2012, a Diretoria determinou6 à SFF a adoção urgente de providências para
abertura de processos administrativos de verificação das condições econômico-financeiras e de inadimplência de
todas as concessionárias do Grupo Rede Energia.

10. Em 20 de agosto de 2012, a Rede Energia S.A. solicitou7 nova prorrogação, por outros 90 (noventa)
dias, do prazo para apresentação do plano de ação.

11. Por meio da Nota Técnica n. 328, de 30 de agosto de 2012, a SFF apresentou nova análise da
situação econômico-financeira e de inadimplência da CEMAT.

12. Em 30 de agosto de 2012, foi publicada a Medida Provisória n. 577, a qual, que, entre outras
providências, (i) previu a não aplicação, às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, dos regimes de
recuperação judicial e extrajudicial8, salvo posteriormente à extinção da concessão, e, ao (ii) disciplinar a
intervenção administrativa para a adequação da prestação do serviço público de energia elétrica, afastou para as
concessões de energia elétrica a aplicação dos arts. 32 a 34 da Lei n. 8.987/1995.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Apreciação e deliberação do processo em caráter excepcional

13. Cumpre ressaltar que a deliberação do presente processo observará, em caráter excepcional, o
procedimento estabelecido no artigo 35 da Norma de Organização ANEEL n. 18, aprovada pela Resolução
Normativa n. 468, de 6 de dezembro de 2011, diante da urgência na apreciação da matéria.

14. Contudo, a fim de não prejudicar o direito à ampla defesa e ao contraditório da CEMAT, bem como
a fim de preservar a transparência das decisões adotadas pela ANEEL, o resultado do presente julgamento será
ratificado na 33ª Reunião Pública Ordinária.

II.2. Análise, caracterização e enquadramento de eventuais infrações

15. Conforme reportado pela SFF, é grave a situação econômico-financeira da CEMAT e do Grupo
Rede Energia.Com efeito, o quadro retratado na Nota Técnica n . 328/2012especificamente quanto à CEMAT indica
que:

(i) a Dívida Líquida da distribuidora em 30/6/2012 era de R$ 1.630 milhão e a relação Dívida Líquida
/ (EBITDA – Capex) era de 7,6 vezes, volume de dívida incompatível com a geração de caixa e investimentos
realizados;

(ii) nos últimos meses, houve aumento material das inadimplências intrassetoriais e tributárias,
porquanto em 20/08/2012 o Sistema de Inadimplentes da ANEEL registrou a falta de recolhimento das obrigações
intrassetoriais de R$ 251 milhões, aumento de 120% em relação ao valor de R$ 137 milhões verificado em
16/4/2012;

(iii) em relação às inadimplências tributárias entre 30/9/2011 e 30/6/2012, o volume de atrasados


passou de R$ 37 milhões para R$ 74 milhões, variação superior a 100%;

6 Memorando n. 158/2012-DR/ANEEL.
7 Carta VPRE 729/2012.
8 Previstos na Lei n. 11.101/2005.
(iv) está caracterizada imprudência nas aplicação de recursos da concessão, uma vez que os
empréstimos realizados para coligadas e/ou controladores não retornaram à concessionária quando do vencimento
do prazo contratual;

(v) em 30/6/2012, a CEMAT possuía R$ 139 milhões a receber de partes relacionadas, dos quais
R$ 83 milhões (59,4%) deveriam ter sido recebidos em 31/8/2011, o que não ocorreu;

(vi) a holding enfrenta dificuldades para captar recursos, o que tende a comprometer a continuidade
das operações da concessionária.

16. Nesse contexto, ainda que a Concessionária salde seus débitos, a situação na qual se encontra o
Grupo Rede Energia coloca em dúvida sua capacidade de se manter adimplente e assegurar a adequada prestação
do serviço público de distribuição.

17. Contrariamente, o quadro atual permite antever a deterioração das condições econômicas
necessárias à manutenção da adequada prestação dos serviços.

18. No ponto, ressalta-se que desde o deferimento do pedido de recuperação judicial formulado pela
CELPA, o mercado financeiro tem fechado suas linhas de crédito para as concessionárias do Grupo Rede Energia.

19. Os fatos constatados pela SFF impõem urgente atuação da ANEEL, de modo a assegurar a
prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários.

20. Encontram-se à disposição da ANEEL, como medidas mais incisivas, tanto a intervenção na
concessão, a qual é conduzida pela própria Agência, quanto a propositura da declaração de sua caducidade,
declaração essa que compete ao Poder Concedente9.

21. Configura-se, portanto, quadro a exigir a imediata e cautelar intervenção da ANEEL, a fim de
prevenir que a CEMAT não perca “as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada
prestação do serviço concedido”10, a qual configura hipótese de extinção da concessão mediante caducidade.

22. No ponto, cumpre observar que, diante da declaração de intervenção na CEMAT, caberá a
instauração, no prazo de 30 dias, de “procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da
medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito a ampla defesa”, nos termos do artigo 6º da MP n.
577/2012.

II.3 Designação do interventor e valor da sua remuneração

23. Dispõe o artigo 5º, § 1º, da Medida Provisória n. 577/2012, que o ato que vier a declarar a
intervenção deve, necessariamente, além da designação do interventor, conter o valor de sua remuneração.

24. No caso concreto, propõe-se a nomeação do interventor Jaconias de Aguiar, o qual reúne a
qualificação técnica indispensável, com larga experiência no setor elétrico, e ilibada reputação.

25. Quanto à sua remuneração, propõe-se a fixação do valor médio das remunerações de diretor-
presidente estabelecidas nas empresas de referência11, definidas conforme metodologia do 2º ciclo de revisão
tarifária das distribuidoras, correspondente ao valor de R$ 41 mil.

9
10 Inciso IV, § 1º, do art. 38 da Lei n. 8.987/1995.
11 Atualizado pelo IPCA.
II.4 Indisponibilidade dos bens dos administradores

26. A exemplo da definição já consolidada na Lei n. 6.024/1974, que dispõe sobre a intervenção em
instituições financeiras, a Medida Provisória n. 577/2012 torna indisponíveis os bens dos diretores e do conselho de
administração da empresa em exercício nessas funções nos últimos 12 (doze) meses.

27. Isso significa dizer que estes administradores não poderão, por qualquer forma, direta ou
indiretamente, aliená-los ou onerá-los até apuração e liquidação final de suas responsabilidades.

III. DIREITO

28. Essa análise encontra fundamentação na Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; Lei n. 9.427, de
26 de dezembro de 1996; Medida Provisória n. 577, de 29 de agosto de 2012; Decreto n. 2.335, de 6 outubro de
1996; Contrato de Concessão de Distribuição n. 003/1997-ANEEL e Resolução Normativa n. 63, de 12 de maio de
2004.

IV. DISPOSITIVO

29. Do exposto, e considerando o que consta no Processo n. 48500.004497/2012-72, voto por:

(i) declarar a intervenção na Centrais Elétricas Matogrossenses S/A ― CEMAT, com o fim de
assegurar a prestação adequada do serviço público de distribuição de energia elétrica e o fiel cumprimento das
normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes, nos termos do art. 5º da Medida Provisória n. 577/2012;

(ii) designar como interventor o Sr. Jaconias de Aguiar, brasileiro, engenheiro, inscrito no CPF sob o
n. 007.112.176-53, RG n. 60.284-SSP/MG, haja vista sua notória experiência no setor de energia elétrica;

(iii) fixar a remuneração do interventor em R$ 41.000,00 (quarenta e um mil reais);

(iv) estabelecer que o prazo da intervenção será de até um ano, prorrogável a critério da ANEEL; e

(v) declarar indisponíveis os bens dos Diretores e dos membros dos Conselhos de Administração da
concessionária, bem como de todos aqueles que tenham estado no exercício das funções de administração nos
últimos 12 (doze) meses, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los até a
apuração e a liquidação final de suas responsabilidades.

Brasília, 31 de agosto de 2012.

JULIÃO SILVEIRA COELHO


Diretor

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