Você está na página 1de 4

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica.

In: BEJNAMIN,
Walter, Magia e técnica, arte e política, Editora Brasiliense. Brasília. 1987, p.165-196.

A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica

Gabriel Rios

No texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, Benjamin (1987)


analisa as mudanças na sociedade de seu tempo histórico após a revolução industrial do
século XIX, mais especificamente, as alterações no campo da arte, e de forma totalizante o
impacto dessas mudanças sob a estética nessa sociedade.
Para tal análise, o autor divide o texto em 18 tópicos, que se complementam e que
defendem o corpo da teoria da reprodutibilidade técnica e suas implicações. Primeiramente,
Benjamin (1987) realiza um apanhado histórico do surgimento de técnicas de reprodução
técnica, como a litografia e posteriormente a fotografia, esta última que altera toda a história
da arte após a sua utilização. “Pela primeira vez na história as mãos foram liberadas do papel
mais importante na produção artística, e isso acelera a quantidade de produção de imagens”
(BENJAMIN, 1987, p.166).
Por conta dessa aceleração, a reprodutibilidade técnica “pode colocar a cópia do
original em situações impossíveis para o próprio original” (BENJAMIN, 1987, p.168), ou
seja, o seu acesso e massificação se tornam evidentes. Perante essa possibilidade de cópia do
original e sua massificação, o aqui e o agora da obra de arte se perde, sua existência não é
mais única. Com isso, Benjamin (1987) expõe a perda da autenticidade da obra de arte
através do desenvolvimento da reprodutibilidade técnica:

A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo que foi transmitido


pela tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até o seu
testemunho histórico. Como este depende da materialidade da obra,
quando ela se esquiva do homem através da reprodução, também o
testemunho se perde. Sem dúvida, só esse testemunho desaparece, mas o
que desaparece com ele é a autoridade da coisa, seu peso tradicional
(BENJAMIN, 1987, p.168)

Após evidenciar a perda da autenticidade, Benjamin (1987) cunha um conceito para englobar
todas essas características: o conceito de aura. “O que é aura? É uma figura singular,
composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por
mais perto que ela esteja” (BENJAMIN, 1987, p.170). Esta aparição não se situa somente no
sentido do que é visível, mas também, e principalmente, no sentido perceptivo. Por exemplo,
a carta de Pero Vaz de Caminha à coroa portuguesa, em que ele descreve o território onde
hoje se situa o Brasil e através dessa carta instiga a exploração dessas terras pela coroa
portuguesa.
Avançando em sua argumentação, Benjamin (1987) desenvolve a investigação de outros
aspectos que se perdem diante da reprodutibilidade técnica. Essa tradição, da qual a obra de
arte perdeu ao ter sua aura destruída, se encontrava exprimida no culto em suas formas mais
primitivas de existência, portanto, em sua origem. Porém, “com a reprodutibilidade técnica a
obra de arte se emancipa pela primeira vez na história, de sua existência parasitária,
destacando-se do ritual” (BENJAMIN, 1987, p.171). Portanto, o valor de culto, diante desse
cenário, se vê suplantado pelo valor de exposição.
A arte surge a serviço da magia e do culto e posteriormente, à religião. Essa função ao qual
era atribuída a obra de arte, fazia com que a obra só fosse exposta em rituais ocasionais ou no
máximo a sacerdotes. “A medida que as obras de arte se emancipam do seu uso ritual,
aumentam as ocasiões para serem expostas”(BENJAMIN, 1987, p.173). Ainda sobre ao papel
da arte no passado confrontada pela reprodutibilidade, o autor expõe:

O tema dessas artes, que serviam ao ritual e ao culto, eram o homem e seu
meio, copiados segundo as exigências da sociedade em que a técnica se
fundia inteiramente com o ritual. Diferentemente desse tipo de sociedade, a
sociedade moderna possui a técnica mais emancipada que já existiu.
Porém, essa técnica emancipada se confronta com a forma de produção e
organização socioeconômica dessa sociedade. Por conta disso, ela ainda
executa a mesma função que cumpria na primeira sociedade: exercitar o
homem para as novas percepções exigidas por aparelhos técnicos de sua
vida cotidiana, em outras palavras, para o modo de produção capitalista
(BENJAMIN, 1987, p.173).

Diante disso, podemos dizer que Benjamin (1987) demonstra que diante da
reprodutibilidade técnica, e os avanços tecnológicos da era industrial, o que importa para a
obra de arte é a quantidade de pessoas que a conheceram. Estas novas condições de produção
da sociedade possibilitam uma emancipação como nunca antes vista, porém ela ainda se
confronta com a forma de produção e organização socioeconômica da sociedade capitalista.
Em outros termos, as suas possibilidades e potencialidades são suprimidas por esse modo de
organizar a produção e a vida humana.
Após expor essas questões acerca do valor de uso e de exposição da obra de arte,
Benjamin (1987) aborda o valor de eternidade do qual a arte perdeu:

Para os gregos, cuja arte visava a produção de valores eternos, a mais alta
das artes era a menos perfectível, a escultura, cujas criações se fazem
literalmente a partir de um só bloco. Daí o declínio inevitável da escultura,
na era da obra de arte montável (BENJAMIN, 1987, p.175).

Desse modo, o autor expõe que a arte para os gregos visava produzir valores eternos,
imutáveis, e as criações dessas artes se davam a partir de blocos únicos dos quais não
poderiam ser modificados ou revisados. Já na era da reprodutibilidade técnica a arte é
montável, corrigível e modificável a todo momento de seu processo criativo. Portanto, essa
técnica não visa eternizar um valor, mas sim buscar novos e aprimorá-los.
Ainda se debruçando na questão da montagem, Benjamin (1987) vai além em suas
reflexões, tendo como objeto de análise o cinema e compara o processo do qual o ator
cinematográfico é submetido ao processo que o trabalhador enfrenta nas fábricas:

O processo de trabalho submete o operário a inúmeras provas mecânicas,


principalmente depois da introdução da cadeia de montagem. Essas provas
ocorrem implicitamente: quem não as passa com êxito, é excluído do
processo do trabalho. Elas também podem ser explícitas, como nos
institutos de orientação profissional” (BENJAMIN, 1987, p.179).
Após essas reflexões fundamentais acerca da montagem no processo produtivo dessa
sociedade, o autor faz outra importante reflexão acerca desse modo de produção: “a exigência
de ser filmado”. Essa reflexão traz à tona o papel que o público passa a exercer nessa
sociedade: de meros leitores o público passa a ser induzido a se tornar também escritores,
através da ampliação da imprensa que possibilitou um número expressivo de leitores a
escrever de volta para os jornais. “Com isso, a diferença essencial entre autor e público está a
ponto de desaparecer” (BENJAMIN, 1987, p.184).
Passando para uma análise da conduta e formas de se expressar de uma vanguarda,
Benjamin (1987) faz uma breve consideração acerca das ações dadaístas. Sendo o
comportamento social adotado pelos dadaístas o escândalo, o autor faz as seguintes
considerações:

As manifestações dadaístas asseguravam uma distração intensa,


transformando a obra de arte no centro de um escândalo. Essa obra de arte
tinha que satisfazer uma exigência básica: suscitar a indignação pública.
De espetáculo atraente para o olhar sedutor para o ouvido, a obra
convertia-se num tiro. Atingia, pela agressão, o espectador (BENJAMIN,
1987, p.191).

Sendo assim, a polêmica, o escândalo o choque diante do público, passa a ser uma
ferramenta utilizada para chamar atenção para um determinado objeto, seja artístico,
ideológico e etc.
Por fim, Benjamin faz uma análise do que ele chama de “estética da guerra”. A partir
do processo de proletarização geral dos homens e a crescente massificação por outro lado
desse mesmo processo, aparece o fascismo como força reacionária para tentar organizar as
massas -liberam a expressão de sua natureza, mas não os liberam das correntes das relações
de produção e propriedade. Acerca desse assunto, Benjamin diz:

As massas têm o direito de exigir a mudança das relações de propriedade;


o fascismo permite que elas se exprimam, conservando, ao mesmo tempo,
essas relações. Ele desemboca, consequentemente, na estetização da vida
política (BENJAMIN, 1987, p.195).

Essa estetização, conforme o autor, converge para um ponto: a guerra. “A guerra e


somente a guerra permite dar um objetivo aos grandes movimentos de massa, preservando as
relações de produção existentes”(BENJAMIN, 1987, p.195). Segundo a leitura que Benjamin
realiza do manifesto futurista, a estética da guerra se apresenta do seguinte modo:

Como a utilização natural das forças produtivas é bloqueada pelas relações


de propriedade, a intensificação dos recursos técnicos, dos ritmos e das
fontes de energia exige uma utilização antinatural. Essa utilização é
encontrada na guerra, que prova com suas devastações que a sociedade não
estava suficientemente madura para fazer da técnica o seu órgão, e que a
técnica não estava suficientemente avançada para controlar as forças
elementares da sociedade (BENJAMIN, 1987, p.195).

Tal guerra, segundo o autor, é reflexo da utilização insuficiente utilização dos meios
de produção no processo produtivo (as relações de produção e propriedade que permanecem
as mesmas, mesmo diante da possibilidade material das novas técnicas de produção de
superar essas relações) que desemboca na crise constante da economia política. Para
compensar esse desequilíbrio e contradição, “a técnica cobra em material humano o que lhe
foi negado pela sociedade” (BENJAMIN, 1987, p.196). Diante desse cenário presente no
tempo histórico em que se encontra Benjamin, ele compara o modo que a sociedade grega faz
o uso da estética com o modo em que a sociedade de seu tempo está fazendo uso, mais
especificamente o fascismo:

Na época de homero, a humanidade oferecia-se em espetáculo aos deuses


olímpicos; agora, ela se transforma em espetáculo para si mesma. Sua
auto-alienação atingiu o ponto que lhe permite viver sua própria destruição
como um prazer estético de primeira ordem. Eis a estetização da política,
como prática do fascismo (BENJAMIN, 1987, p.196).

Diante desse modo em que o autor termina o texto sobre a era da reprodutibilidade
técnica, podemos aproximar esta conclusão ao pensamento de outro pensador: Debord (1967)
e suas teses do livro “Sociedade do Espetáculo”, em que Debord tem como objeto de crítica a
mesma sociedade que Benjamin, a sociedade mercantil/capitalista, porém este processo que
Benjamin identifica de certo modo se encontra mais avançado.

Você também pode gostar