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Pensando as Brigadas de Cavalaria Mecanizadas

no Exército Brasileiro em seu Salto para o Futuro


General de Brigada Joarez Alves Pereira Junior, Exército Brasileiro

A
BRIGADA DE CAVALARIA Mecanizada De acordo com o serviço a ser executado ou a
(B da C Mec) mantém a mesma ameaça a ser enfrentada, o governo deve fazer uso
constituição e quase que o mesmo material da caixa que possua as melhores ferramentas para
por décadas. Apesar de ser uma Grande Unidade a execução da tarefa. Assim sendo, na iminência
(GU) muito bem organizada para o cumprimento de uma epidemia que assole o país, a “caixa de
de suas missões prioritárias, é oportuno, na ferramentas” Saúde deverá ser a mais utilizada. Se
medida em que o Exército Brasileiro passa por é o crime transnacional que nos aflige, a possível
um período de transformação, que se pense na “caixa” a ser empregada é da Justiça. No caso de
viabilidade da manutenção da estrutura existente acordos internacionais, que ferem nossos inte-
ou em possíveis mudanças e, neste caso, em que resses, estarem sendo formatados, de imediato
dimensão, de maneira que a Brigada de Cavalaria devemos fazer bom uso das ferramentas dispostas
Mecanizada possa melhor cumprir as missões que no Ministério das Relações Exteriores, a “caixa”
lhe serão atribuídas na Guerra do Futuro. que possui as ferramentas mais apropriadas para
proteger a Nação nessa situação.
A Lógica da Existência das Forças Armadas A existência das ferramentas colocadas à dis-
Para que se chegue à Bda C Mec, é preciso posição no Ministério da Defesa se justifica face
recordar a ideia básica que orienta a existência às ameaças à soberania nacional e à defesa dos
das Forças Armadas e, por consequência, as suas interesses do Brasil no exterior, particularmente
peças de manobra. quando do uso da força, contra Forças Armadas
Todo país precisa de ferramentas para a exe- estabelecidas e/ou grupos de diferenciado poder
cução dos serviços necessários à sua população bélico ofensivo. A simples existência dessa “caixa
e para defesa de ameaças que possam atingir de ferramentas” pode ser o fator inibidor da
a sociedade. Via de regra, essas “ferramentas” ameaça (poder dissuasório).
são organizadas em caixas próprias, de acordo As ferramentas devem ser úteis, pois é lícito
com a aptidão e a possibilidade de emprego pensar que, por exemplo, se não houvesse a
face ao serviço a ser prestado e/ou ameaça a possibilidade da existência de doenças, as “ferra-
ser debelada. mentas” da saúde seriam desnecessárias. Como é
No caso brasileiro, essas simbólicas “caixas de fácil concluir que o mundo atual, e em previsível
ferramentas” são distribuídas em Ministérios, futuro, não estará livre de ameaças à saúde, nem
como o da Saúde, da Educação, da Justiça, das tampouco estará livre da agressão e da ameaça do
Relações Exteriores, da Defesa, e tantos outros. emprego de força contra a soberania e os interesses

O General de Brigada Joarez Alves Pereira Junior é o atual do Exército e foi assessor, por 5 anos, do Gabinete de
Comandante da 3ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, em Segurança Institucional da Presidência da República.
Bagé-RS. É oriundo da Arma de Cavalaria, tendo servido É mestre em Estudos Estratégicos pelo U.S. Army War
nos três tipos de Unidades de Cavalaria existentes no College e foi auxiliar do adido do Exército nos EUA.
Exército Brasileiro. Comandou a Escola de Administração

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A Viatura Blindada de Reconhecimento CASCAVEL é um dos meios que garante a potência de fogo da 3º Bda C Mec, Bagé/RS – 2013.

nacionais, as “caixas de ferramentas” Saúde e da realidade norte-americana, embora parte


Defesa deverão ser preservadas para o bem da da experiência de transformação daquele país
sociedade e da sobrevivência soberana do Estado. possa ser aproveitada.
Em boa parte das situações a serem trabalha- Os EUA também possuem a “caixa de fer-
das por um governo, o uso de uma “caixa de ramentas” Defesa e a empregam com bastante
ferramentas” não é exclusivo. O Exército, em frequência. A maneira de prepará-la para
particular, pelas próprias exigências do combate, emprego é exclusiva, pois é o único país com
possui uma diversidade enorme de “ferramen- capacidade expedicionária significativa, prontos
tas” em sua “caixa”, similares às existentes na a empregar suas Forças Armadas para extinguir
“caixa” da Saúde, da Educação, da Justiça, etc., a ameaça em seu país de origem. Dessa maneira,
que podem ser úteis à administração federal na seus Comandos Militares são direcionados para
condução de suas ações. No entanto, as “ferra- as diferentes regiões do mundo e não para o seu
mentas” que nos fazem exclusivos são aquelas próprio território. Assim, devem possuir meios
destinadas à Guerra e ao uso da Força na defesa adaptados ou adaptáveis para a condução das
dos interesses nacionais, da nossa soberania e operações em diversos ambientes operacionais.
na proteção da sociedade brasileira, seja pelo Sendo um país rico, e com vultosos recursos dis-
emprego, seja pela dissuasão. ponibilizados às Forças Armadas, têm capacidade
de rápida aquisição de meios e desenvolvimento
O Emprego das Forças Armadas de tecnologias direcionadas às necessidades de
Com justa razão, as Forças Armadas um momento específico. Caso se faça necessário,
dos Estados Unidos da América (EUA) e, em rapidamente mudam sua composição para se
consequência, o Exército norte-americano, têm adequar à nova faceta do mundo onde serão
sido referência na evolução das Forças Armadas empregados.
de outros países para o enfrentamento das Os EUA, quando do emprego de suas Forças
ameaças do novo século. No entanto, no caso Armadas, ainda que nos países de origem da
específico do Brasil, é preciso ter atenção para ameaça, costumam dividir suas ações em três
as características da nossa realidade, que difere etapas estratégicas:

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brigadas mecanizadas
1ª - focada na destruição das Forças Armadas meios pesados de guerra (blindados, artilharia,
inimigas, quando as ações desenvolvidas mísseis, etc.) e ser capaz de enfrentar resistências
baseiam-se, fortemente, no combate convencio- com poucos meios bélicos, porém com maior
nal, sem significativas evoluções doutrinárias de dificuldade de serem atingidos sem agredir a
emprego. Assim procedeu na união com as forças população civil;
da “North Alliance” no Afeganistão e também por 3ª - em uma fase em que a ameaça já se encon-
ocasião da invasão do Iraque. Haja vista a tamanha tra bastante enfraquecida, inicia-se a preparação
disparidade de Poder Relativo de Combate, essa de forças locais, capazes de dar continuidade
etapa foi muito breve, em ambos os casos; às ações, sem que as forças oponentes voltem
2ª - sem a existência de oposição de Forças a apresentar ameaça ao território e ao povo
Armadas aptas a oferecer resistência de algum norte-americano.
significado, as operações tendem a se concentrar No caso brasileiro, a nossa capacidade de
nas ações de contrainsurgência com características constituir força expedicionária capaz de con-
mais evidentes das chamadas “operações no amplo duzir uma operação de guerra no exterior é, e
espectro”. Focos de resistência são combatidos; continuará sendo em futuro previsível, bastante
os remanescentes de resistência, em ações “tipo limitada. Portanto, a perspectiva de condução
guerrilha”, misturam-se à população e as ações da primeira etapa estratégica, ao enfrentarmos
se voltam para os centros urbanos; as agências uma ameaça, deverá ocorrer em território
governamentais, livres da ameaça da primeira nacional ou no entorno próximo. Esse fato,
etapa, são empregadas com mais intensidade; a associado às limitações orçamentárias atuais
imprensa tem mais liberdade de locomoção e se e, possivelmente, de médio e longo prazos,
torna mais atuante, etc. Nesta fase, a tropa a ser impõe termos meios apropriados para conduzir
empregada deverá dispor de menor número de o combate em nosso ambiente operacional, com

Grupo de Combate desembarca de uma Viatura Blindada de Reconhecimento URUTU durante um exercício de adestramento fase pelotão do
3º RC Mec, Bagé/RS – 2013.

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equipamento compatível com o nosso terreno desérticas ou nas estepes africanas, apenas para
e com as imposições de Área Operacional do citar duas diferentes regiões do globo terrestre.
Continente, que exigem tropas aptas às missões A preparação da nossa Força, a meu ver, deve
caracterizadas pela economia de meios. priorizar a capacitação para que essa “caixa de
O mais provável é que, no caso de um conflito ferramentas” Defesa justifique a razão de sua
armado de razoáveis proporções (ou uma guerra) existência, ou seja, estar preparada para a defesa de
no exterior, estejamos agindo em uma aliança, nossa soberania em território nacional e entorno.
sob a égide de um Organismo Internacional. Capazes de cumprir essa destinação, parece mais
Nessa perspectiva, parece coerente que estejamos simples nos adaptarmos às necessidades de par-
envolvidos na 2ª etapa estratégica, onde ações ticipação externa, como citado anteriormente,
no “amplo espectro” se imporiam no cenário do de improvável atuação solitária. Diferentemente,
conflito e em uma 3ª etapa, na preparação de for- em nosso território, temos de ser capazes de atuar
ças locais, momento em que as forças oponentes com ou sem ajuda externa.
já estariam enfraquecidas. Nessas duas etapas,
é possível que tivéssemos de adaptar a consti- A Obtenção de Capacidades para o Emprego
tuição de nossas tropas para atuar em ambiente Uma Força Armada (FA) deverá estar capa-
operacional diverso do nosso, seja em regiões citada a atuar em todo o espectro do conflito,

Complexidade
aquisição/
Categorias de Complexibilidade Forças
desen- Preparação Obs
emprego na preparação empregadas
volvimento de
material

Cada agência é
Emprego
Interagências Compartimentada especialista na
mínimo de FA
sua área

Emprego
Tipo Polícia preponderante Compartilhada
F Policiais

Defesa Emprego forte


Específica
Etta Estrt das FA
É o que
verdadeira-
mente justifica
Emprego a existência das
prioritário FA
Guerra
(quase Exclusiva
Convencional
exclusivo) das
FA

Quadro 1

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brigadas mecanizadas
desde os de pequena intensidade até a guerra têm pequena participação de defesa, limitando-se
total. Para percorrer esse espectro, coerente com ao assessoramento técnico de funcionamento
a realidade brasileira, e a fim de tornar didática da instalação a ser protegida. Esse tipo de ação
a explanação, este autor divide a intensidade exige preparação focada na estrutura específica
do conflito em quatro categorias de emprego, a ser protegida e emprega complexos materiais
utilizando-se de nomes-fantasia coerentes preparados para a guerra.
com o observado em atuações ocorridas e de Apesar de todos esses tipos de operações possí-
previsível ocorrência futura: interagências, tipo veis de serem conduzidas pelas Forças Armadas,
polícia, defesa de estruturas estratégicas e guerra nada é mais complexo do que a preparação para a
convencional. Guerra. Nesse mister, não existe improvisação, nem
O quadro 1, acima, sintetiza as ideias a serem tampouco possibilidade de capacitação em pessoal
explanadas. e material a curto prazo. É o tipo de operação cujo
Nas operações tipo “interagências” o emprego material a ser empregado é de difícil aquisição e
das Forças Armadas se dará de forma reduzida, manutenção (custo muito elevado), complexo
podendo se ater a atividades de apoio logístico. de ser desenvolvido (tecnologia avançada) e,
A preparação é mínima, pois cada agência é por conseguinte, de elevado grau de dificuldade
especializada na sua área de atuação e, por não para ser operado, o que exige diferenciada
possuírem preparação para o conflito, devem ser capacitação de pessoal. No entanto, estar apto a
chamadas a atuar em situações bastante pacíficas, conduzir operações de guerra é o que justifica a
com baixo grau de risco para os agentes. existência de Forças Armadas, seja agindo para
As operações tipo “polícia” envolvem grau maior impedir, seja dissuadindo qualquer possibilidade
de agressividade, pessoal especializado a lidar de violação de nossa soberania. Assim sendo, este
com armamento e risco elevado. O material a ser deve ser o foco de atenção quando se pensa em
empregado é bastante simples quando comparado reestruturação de qualquer Força Armada. Forças
àquele destinado às Forças Armadas, limitando-se, Armadas sem capacidade de conduzir uma guerra
basicamente, a equipamentos de proteção (escudo, sujeitam-se a transformarem-se em “ferramentas”
capacete, colete, etc.), armamento não letal, arma- dimensionadas para outra “caixa” da administra-
mento leve e viaturas pouco especializadas. A ção governamental, assemelhando-se a Guardas
prática tem demonstrado que é o clássico caso de Nacionais, Forças Policiais e outras do gênero.
“quem pode mais, pode menos”, pois nossas Forças
Armadas têm estado preparadas e atuantes nesse
tipo de operação após um pequeno treinamento Apesar de todos esses tipos de
específico. No entanto, seria impensável querer operações possíveis de serem
preparar nossas forças policiais para a condução conduzidas pelas Forças Armadas,
dos complexos sistemas militares (blindados, nada é mais complexo do que a
artilharia, aeronaves, navios, submarinos, guerra
preparação para a Guerra.
eletrônica e muitos outros), além de saber aplicar
uma doutrina de emprego complexa e ampla.
As operações tipo “defesa de estruturas estratégi- A Remodelação das Brigadas
cas” começam a exigir participação mais expressiva A tendência é que as brigadas sejam organizadas
das Forças Armadas. Sistemas de mísseis e de arti- com variadas unidades de manobra, de acordo
lharia antiaérea, força blindada, meios DQBRN, com a missão a ser cumprida, ou seja, devem ter o
associados a vários outros, podem ser empregados tamanho “exato” para a operação na qual estiverem
para a defesa de estruturas grandiosas e essenciais envolvidas. Para tanto, deve-se buscar atender
para a Nação. A força policial complementa com aos princípios da modularidade, flexibilidade,
ações e meios menos sofisticados e as agências adaptabilidade, elasticidade e sustentabilidade.

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Tipo Existente Missão Ambi Op Preparação Material Tendência
Brigada
Infantaria
Única:
Blindada Mesma Mesmo Mesma Mesmo
Brigada
Cavalaria
Blindada

Quadro 2
Essa ideia, muito coerente, apesar de não tão neste trabalho, levou-se em consideração quatro
nova (as brigadas sempre puderam receber ou fatores: missão, ambiente operacional, preparação
perder meios para o cumprimento de suas mis- e material.
sões), precisa ser vista com cautela. A brigada Brigadas Blindadas
continua focada no emprego tático e deve possuir As brigadas blindadas (quadro 2), seja de
um “módulo básico” definido para o cumprimento infantaria ou de cavalaria, são as forças de choque
de suas principais missões de combate, haja vista empregadas para ações decisivas, com grande
que, conforme anteriormente explanado, esse aptidão para o aproveitamento do êxito e a per-
é o foco de preparação das Forças Armadas, a seguição. Cumprem, portanto, a mesma missão.
razão de suas existências. Uma força preparada As brigadas atuam no mesmo ambiente ope-
para a guerra cumprirá bem missões de menor racional (Ambi Op). Como se preparam para o
intensidade, mas o oposto não é verdadeiro. cumprimento da mesma missão, em ambiente
As brigadas podem ser divididas quanto ao operacional semelhante, as brigadas blindadas
grau de mecanização da maioria de seus meios de infantaria e cavalaria desenvolvem a mesma
em três tipos: blindada, mecanizada e leve. Hoje, o preparação e possuem o mesmo material.
Exército Brasileiro possui as brigadas de infantaria Portanto, pode-se concluir que o “módulo
e de cavalaria blindadas. Possui, de igual modo, as básico” brigada blindada possa ser único e as
brigadas de infantaria e de cavalaria mecanizadas. denominações de infantaria e cavalaria sejam
Na categorização de brigadas leves possui uma dispensáveis, podendo ser mantidas por outros
variedade de brigadas de infantaria (montanha, fatores, como os históricos, por exemplo.
selva, paraquedista, aeromóvel) e o Comando de Brigadas Leves
Operações Especiais. As brigadas leves (quadro 3), por sua vez,
A fim de pensar se os “módulos básicos” de possuem bastante diversidade quanto aos fatores
brigadas blindadas, mecanizadas e leves podem considerados para análise. A missão da Brigada
ser os mesmos para cada tipo, alguns fatores Paraquedista difere da Brigada de Selva, cujas
importantes precisam ser considerados. Para tanto, missões também diferem daquelas da Brigada

Tipo Existente Missão Ambi Op Preparação Material Tendência

Montanha Montanha

Selva Selva

Leve Aeromóvel Difere Difere Difere Difere Aeromóvel

Paraquedista Paraquedista
Cmdo Op Cmdo Op
Especiais Especiais

Quadro 3

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brigadas mecanizadas
Aeromóvel. O ambiente operacional é bastante poderiam ser idênticas em organização e preparo;
diverso, chegando aos extremos de selva e mon- na verdade, estaríamos somente aumentando o
tanha. Consequência das diversidades de missões número de Bda C Mec. Mas alguma GU deveria
e ambientes operacionais, a exigência de material ser estabelecida para bem cumprir as missões de
e a preparação do pessoal diferem bastante. Atq Coor e Def Pos. Não me parece uma possi-
Portanto, diferentemente do que ocorre com as bilidade atraente transformar a Bda Inf Mtz em
brigadas blindadas, fica difícil perceber “módulos Bda C Mec;
básicos” idênticos para as brigadas leves e, conse- 2ª - a Bda C Mec e a nova Bda Inf Mec seriam
quentemente, as denominações existentes tendem organizadas para cumprir todo um amplo leque
a ser mantidas. de missões, desde a F Cob até a Def Pos. Nesta
Brigadas Mecanizadas segunda possibilidade também poderiam ter
Já no que se refere às brigadas mecanizadas organização e preparo idênticos, mas corre-se
(quadro 4), o assunto pode tornar-se mais o risco de se criar uma brigada pouco eficiente.
polêmico. Primeiramente porque o Exército Utilizando-se de uma caricatura jocosa nacional,
Brasileiro até pouco tempo somente possuía mas que deixa clara a ideia a ser transmitida,
um tipo de brigada caracterizada como meca- afirma-se que poderia ser criada a brigada
nizada: a Brigada de Cavalaria Mecanizada. A “pato” que “anda um pouco, nada um pouco e
recém-criada Brigada de Infantaria Mecanizada
(Bda Inf Mec) ainda estuda sua doutrina de
emprego. No entanto, pode-se supor que as
novas brigadas terão de cumprir as importantes
missões de combate características da Infantaria
Motorizada, ainda de fundamental importância
para a condução da guerra.
Atualmente, as Bda C Mec são organizadas
para bem cumprir as missões que exigem maior
mobilidade e poder de choque, como as de Força
de Cobertura (F Cob), Reconhecimento (Rec),
Vigilância (Vig), Ação Retardadora (Aç Rtrd) e
Defesa Móvel (Def Mv). Não atua com a mesma
eficiência nas operações de Ataque Coordenado Adestramento de um Pelotão de Carros de Combate dotado das
(Atq Coor) e Defesa em Posição (Def Pos), cuja viaturas LEOPARD 1A5BR, durante a Operação Sentinela Avançada/3ª
Bda C Mec, no Campo de Instrução Barão de São Borja-Rosário do
tropa melhor constituída para esse tipo de missão Sul/RS – Out 2013.
é a Infantaria Motorizada.
As brigadas mecanizadas, portanto, deverão voa um pouco”, mas não é previamente equipada
ser constituídas por um “módulo básico” que e adestrada para bem cumprir um determinado
permita cumprir (e se preparar para cumprir) rol de missões. Não me parece, tampouco, uma
um leque variado de importantes missões de possibilidade eficiente;
combate: ataque coordenado, defesa em posição, 3ª - na constituição de seus “módulos básicos”,
defesa móvel, força de cobertura, ação retardadora, as Bda C Mec e de Inf Mec estariam organiza-
reconhecimento e vigilância, para citar as mais das, equipadas e adestradas para serem mais
expressivas. eficientes em um rol distinto de missões. As
Dessa maneira, pode-se visualizar ao menos Bda C Mec continuariam focadas nas missões
três possibilidades básicas: que exigem maior mobilidade, poder de choque
1ª - as Bda Inf Mec cumprirão a mesma missão e atuação independente e as Bda Inf Mec se
das atuais Bda C Mec. Nesse caso, as brigadas voltariam, prioritariamente, para missões que

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Tipo Existente Missão Ambi Op Preparação Material Tendência

Atq Coor
Def Pos
Inf Def Mv Inf
Mesmo

[Difere]
Mecanizada Difere Difere
atua em
frentes mais
F Cob
Cav amplas
Rec/Vig Cav
Aç Rtrd
Def Mv

Quadro 4
exigem maior número de fuzileiros e menor Características da Bda C Mec e seu Material
flexibilidade de emprego, pela inexistência de Motomecanizado
uma fração mecanizada leve, como o Grupo de Os fatores mais importantes para que uma Bda
Exploradores. Esses diferentes róis de missões C Mec possa cumprir as suas missões podem ser
seriam a vocação de cada Brigada, embora resumidos nos seguintes:
a possibilidade de atuação nas operações no • mobilidade;
amplo espectro possa impor que uma Bda C Mec • flexibilidade;
receba um B I Mec ou que a Bda Inf Mec venha a • proteção blindada;
receber um R C Mec, de acordo com uma missão • potência de fogo;
específica recebida. Entretanto, no seu dia-a-dia • ação de choque;
de trabalho, as brigadas seriam vocacionadas • meios tecnológicos avançados.
para distintas missões de combate e seriam bem A mobilidade pode ser dividida em tática e
mais eficientes que a Brigada “pato”. estratégica. A mobilidade tática caracteriza-se pela
Vejo como mais propícia esta terceira possi- existência de viaturas sobre rodas e sobre lagartas. Já
bilidade e, desse modo, interpreto que a Bda C a mobilidade estratégica é acentuada pela existência
Mec e a Bda Inf Mec cumprirão, com prioridade, exclusiva das viaturas sobre rodas, que dão maior
diferentes missões de combate. agilidade ao deslocamento para emprego da Brigada.
Poderão atuar no mesmo ambiente operacional, A flexibilidade é obtida pela variedade de viaturas,
no entanto, como as frentes da Bda C Mec, pelo capazes de executar um amplo rol de missões em
tipo de ação que executam, serão mais amplas, diferentes ambientes operacionais. A proteção
deverão possuir maior flexibilidade e meios blindada é adquirida por meio de viaturas blindadas.
capazes de se deslocarem em qualquer terreno. A potência de fogo assume papel diferenciado não
Adotando a perspectiva de diferentes missões, somente pela existência de obuses e morteiros,
a preparação será diferente, bem como o tipo de mas também pelas viaturas dotadas de armamento
material que dotará as organizações militares pesado. A ação de choque é marcada pelas viaturas
desses dois tipos de brigadas mecanizadas. blindadas com capacidade de deslocamento em
É possível, portanto, concluir que deverão conti- qualquer terreno e os meios tecnológicos avançados
nuar existindo dois tipos de brigadas mecanizadas, são aqueles que permitem conduzir o combate com
diferentemente do que ocorre com as brigadas os recursos a serem disponibilizados para a Guerra
blindadas. de Quarta Geração (quadro 5).

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brigadas mecanizadas
À exceção dos meios tecnológicos avançados, b. Viaturas Blindadas sobre rodas
que são praticamente inexistentes (e precisarão Hoje as OM das Bda C Mec são dotadas das
compor os meios das Bda C Mec do futuro), os Viaturas Blindadas de Transporte de Pessoal
demais meios necessários para que a Bda C Mec (VBTP) Urutu e das Viaturas Blindadas de
cumpra sua missão já existem. No entanto, esses Reconhecimento (VBR) Cascavel. O Exército
meios deverão sofrer uma evolução, que será gra- Brasileiro desenvolveu a VBTP Guarani que irá
dual e possivelmente lenta, haja vista a realidade substituir o Urutu e, portanto, essa futura viatura
orçamentária nacional. Coerente com a missão da já está definida. Para o período de transição parece
Bda C Mec, é preciso pensar quais seriam os meios perspicaz manter o Urutu repotencializado como
a serem incorporados no futuro para substituir opção. As VBR Cascavel deverão ser substituídas
aqueles atualmente existentes. Cabe salientar que, por uma viatura da linha Guarani, 8x8, com
devido ao possível passo lento de substituição, canhão 105 mm, mas ainda inexistente. Para o
além da existência atual e futura faz-se necessário período de transição, à semelhança do Urutu,
raciocinar com um período de transição. pode-se pensar no Cascavel repotencializado.
Assim, vejamos algumas ideias, por tipo de c. Viaturas Blindadas sobre lagartas
viaturas existentes, sobre quais poderiam ser as Atualmente, o Regimento de Cavalaria
perspectivas de futuro e sobre o atendimento Blindado (RCB), orgânico de uma Bda C Mec,
no período de transição. é dotado de VBTP M113 e Viatura Blindada
a. Viaturas leves de Combate (VBC) Leopard. A existência de
Boa parte das unidades mecanizadas possui uma tropa blindada, capaz de realizar ações
o Jeep Willys, totalmente ultrapassado, e o pro- de choque, aptas a se deslocarem em qualquer
cesso de substituição pela Viatura Tática Leve terreno é de fundamental importância para
(VTL) Marruá já se iniciou. No futuro, essas que a Bda C Mec possa cumprir suas princi-
viaturas, que atendem basicamente ao Grupo pais missões como Força de Cobertura, ações
de Exploradores, deveriam ser substituídas por de Reconhecimento em Força, condução de
Viaturas Blindadas Leves (VBL); no entanto, a Ação Retardadora, bem como a Defesa Móvel.
VTL atende perfeitamente para o período de Embora a existência de uma Força Blindada
transição. nas Bda C Mec seja o diferencial que as torna

Fatores Material

Mobilidade tática Vtr sobre rodas e lagartas

Proteção Blindada Vtr Blindada

Potência de fogo Vtr com Armt Pesado

Vtr Bld com capacidade de


Ação Choque
deslocamento em qualquer terreno

Novas tecnologias a serem


Meios tecnológicos
adquiridas

Flexibilidade Diversidade de meios

Quadro 5

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capazes de bem cumprir suas missões, discutir é de fundamental importância nas missões de
qual o tipo de viatura que poderá mobilizar os combate da Bda C Mec;
RCB pode se tornar polêmico. • a manutenção da capacidade do Exército
A ideia central é que sejam viaturas blindadas Brasileiro no que concerne ao número de uni-
capazes de se deslocarem em qualquer terreno, dades blindadas. Hoje possuímos somente 12
com prioridade absoluta para as condições de Unidades Blindadas, quantidade pequena quando
terreno existentes no Brasil, onde se pensa empre- comparada à dimensão do país — e sem os RCB
gar tais Unidades em caso de defesa da Pátria. reduziríamos nossa capacidade em 33%. Sem
Caso sejamos capazes de desenvolver ou adquirir considerarmos países como os EUA, a China e
viaturas 8x8 sobre rodas com essa capacidade de a Rússia, a Turquia possui 5.200 VBC e o Egito
deslocamento, diferentemente do que acontece 4.487, enquanto mantemos cerca de 309 VBC.
com os Urutu e Cascavel, parece que seria a Redução nesse número não parece boa opção.
proposta ideal. Nessa hipótese, as Bda C Mec, no As principais desvantagens da manutenção dos
futuro, seriam mecanizadas e contando com o seu RCB sobre lagartas prendem-se a dois fatores:
material blindado todo sobre rodas. • dificuldades logísticas para a manutenção das
No entanto, à semelhança do que ocorre com as viaturas sobre rodas e sobre lagartas na mesma
demais viaturas, é preciso pensar em um período brigada;
de transição, até que essa possível 8x8 chegue às • diminuição da mobilidade estratégica da Bda
Organizações Militares, em futuro certamente não C Mec devido à maior dificuldade de transporte/
tão próximo. Nessa transição, a proposta volta-se deslocamento em estradas das viaturas sobre
para as VBTP M113 repotencializadas e para as lagartas.
VBC Leopard A5. Quanto às dificuldades logísticas, é preciso
lembrar que essa diversidade de viaturas não é
novidade para a Bda C Mec, que há décadas pratica
A ideia central é que sejam viaturas esse tipo de apoio. Verdade que novas práticas
blindadas capazes de se deslocarem poderiam ser implementadas, particularmente
em qualquer terreno, com prioridade em tempo de paz. Por exemplo, o apoio de manu-
absoluta para as condições de terreno tenção dos Batalhões Logísticos (B Log) poderia
se dar por aptidão para o serviço e os B Log que
existentes no Brasil, onde se pensa
apoiam as Bda Bld apoiariam os RCB das Bda
empregar tais Unidades em caso de C Mec. Com isso, os militares e as seções hoje
defesa da Pátria. existentes nos B Log das Bda C Mec poderiam ser
repassados para os B Log das Bda Bld e, em caso
As principais vantagens da adoção dessa linha de guerra ou operações, essas seções reforçariam
de ação são: os B Log das Bda C Mec. O assunto pode e merece
• a manutenção da doutrina de emprego, ser estudado, mas não apresenta grande trauma
doutrina essa amplamente testada e aprovada pois, como disse, essa rotina e preparo de pessoal
nos temas doutrinários escolares, nos exercícios para a diversificada manutenção nas OM das Bda
de simulação e em diversos exercícios no terreno; C Mec já é praticada.
• a continuidade da preparação e do ades- Quanto à mobilidade estratégica, de acordo
tramento da tropa, pois não haveria solução de com o Sistema de Planejamento do Exército
continuidade caso, no futuro, fossem adotadas (SIPLEX) em vigor, as Bda C Mec já se encon-
viaturas blindadas sobre rodas capazes de se tram pré-posicionadas para sua área prioritária
deslocarem em qualquer terreno; de atuação. Em caso de emprego em outro
• a permanência da mentalidade de Força ambiente operacional, coerente com a missão
Tarefa (FT) Blindada, pois o emprego dessa tropa a ser cumprida, e dentro da perspectiva de

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brigadas mecanizadas

Fatores O que caracteriza Meios

Hoje Transição Futuro

Mobilidade tática Vtr sobre rodas Vtr Leve VTL Marruá VBL
(Jeep em várias OM)

Proteção Blindada Vtr Blindada VBTP Urutu VBTP Urutu VBTP Guarani
repotencializado

Potência de Fogo Vtr com VBR Cascavel VBR Cascavel 8x8 família Guarani
Armt Pesado repotencializado

Ação choque Vtr Bld com M113 M113 repotencializado 8x8 (conforme
capacidade de VBC Leopard Leopard 1A5 evolução tecnológica)
deslocamento em 1A1
qualquer terreno

Quadro 6
modularidade das brigadas, ou a Bda C Mec fundamental importância para as missões de
não iria precisar do RCB para o cumprimento reconhecimento e vigilância.
da missão e perderia essa peça de manobra ou Existem diversificadas maneiras de esses
realizaria o deslocamento das viaturas para um sistemas se integrarem à organização da
TO distante sobre pranchas. Ressalta-se que as Bda C Mec. A inserção de um Esquadrão
duas desvantagens apontadas dizem respeito ao de Reconhecimento e Vigilância, dotado de
período de transição, pois se formos capazes SARP e radares nos Regimentos de Cavalaria
de dotar os RCB com viaturas sobre rodas 8x8 Mecanizados (R C Mec), em substituição ou
eficientes para o deslocamento em qualquer não a um Esquadrão de Cavalaria Mecanizado,
terreno, esse deverá ser o futuro dos nossos poderia ser uma opção, que exige estudo mais
Regimentos de Cavalaria Blindados. aprofundado.
Dessa maneira, poderíamos compor o
quadro 6, de viaturas que permitem a manu- Conclusão
tenção das importantes características da Bda O presente trabalho procurou levantar algu-
C Mec para o cumprimento de suas missões. mas ideias sobre a possível reestruturação das
Bda C Mec, no conjunto da transformação do
Novas tecnologias para a Bda C Mec Exército Brasileiro e no contexto da remodelação
O que se pretende não é apresentar a lista de do módulo Brigada.
materiais já existentes, ou previstos mas não Para tanto, levantou-se em que contexto a Bda
existentes, que necessitam evolução tecnológica. C Mec atuará, qual seja, na priorização das Forças
Nesse pacote estariam inseridos os sistemas de Armadas e do Exército Brasileiro para emprego
artilharia, os equipamentos de visão noturna, em combate. Caracterizou-se que o foco de pen-
equipamentos rádio e tantos outros. Este tópico samento é o combate convencional, embora um
se limita a apresentar dois tipos de material, de leque variado de operações de menor intensidade
tecnologia moderna, que precisam ser inseridos possa ser atribuído às Forças Armadas. O uso do
em algumas unidades da Bda C Mec: os Sistemas Exército Brasileiro em diferentes missões tem
Aéreos Remotamente Pilotados (SARP) e os tornado incontestável o dito popular que, nesse
sistemas de radares terrestres. Eles serão de caso, “quem pode mais, pode menos”.

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A Bda C Mec, tão bem estruturada para o cum- Meios tecnológicos avançados precisam ser
primento de sua missão, precisa ser analisada com incorporados, constituindo-se novas frações de
cuidado, e as mudanças devem ser cautelosas, de reconhecimento e vigilância, dotados de Sistemas
maneira a não piorar ao invés de melhorar uma Aéreos Remotamente Pilotados e de Sistemas
brigada tão bem concebida. A conclusão a que Radares. Tais frações poderiam compor a nova
se chega é que apenas pequenas mudanças são estrutura dos R C Mec orgânicos da brigada.
necessárias, e o recomendado, na visão do autor, O assunto é bastante amplo e não se esgotaria
é que haja uma diferenciação entre a Bda C Mec e neste pequeno trabalho, que serve de motivação
a Bda Inf Mec, que não estarão vocacionadas para para estudos mais aprofundados.
o cumprimento das mesmas missões de combate. A inserção das Bda C Mec nas Operações no
Este estudo indica, ainda, que é preciso Amplo Espectro, normalmente conduzidas com
manter uma Unidade Blindada, com poder de mais intensidade em uma 2ª fase, depois da con-
choque, na brigada, ainda que o avanço tecno- dução da guerra convencional, pode ser feita com
lógico permita que essa Unidade seja dotada total naturalidade. Devido a sua diversidade de
de veículos blindados de combate (VBC) sobre meios, flexibilidade de emprego e mobilidade, talvez
rodas, capazes de se deslocarem em qualquer seja a brigada mais preparada para esse tipo de
terreno com eficiência próxima àquela dos operação. O Exército Brasileiro poderia, inclusive,
veículos sobre lagartas. Na inexistência atual, face à posição ocupada pelo Brasil no cenário inter-
e em futuro próximo, desse tipo de viatura sobre nacional, pensar em ter uma Bda C Mec inserida
rodas, o ideal é a manutenção das atuais viaturas no contexto das Forças Estratégicas e prontas para
sobre lagartas, o que permitirá a manutenção da emprego imediato. Mas isso é assunto para mais
consolidada doutrina de emprego da Bda C Mec. um trabalho dissertativo.MR

Flagrante do apoio de fogo prestado pelo 25º GAC durante a manobra de adestramento da 3º Bda C Mec. Rosário do Sul/RS – 2013.

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