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Espectro de Quê?

Paul Scharre

As opiniões expressas neste artigo são exclusiva- militares, investindo em tecnologias avançadas,
mente do autor. destinadas a enfraquecer a projeção de poder pelos

U
Estados Unidos da América (EUA) e eliminar suas
MA DÉCADA DE conflito aprimorou tradicionais vantagens. Os mísseis balísticos de
e ampliou nosso entendimento da longo alcance, os mísseis de cruzeiro antinavio,
guerra. Nosso léxico também precisa os sistemas integrados de defesa antiaérea,
mudar. As operações para estabilizar regiões as armas antissatélite e as armas cibernéticas
CFN dos EUA, Cb Reece Lodder

Fuzileiro Naval dispara um míssil Javelin de uma viatura, durante exercício no Centro de Combate Aeroterrestre do Corpo de Fuzileiros Navais
dos EUA, Twentynine Palms, Estado da Califórnia, 29 Ago 11.

“subgovernadas” e administrar a instabilidade têm o potencial de complicar os conceitos de


interna, antes consideradas “operações de não operação norte-americanos contra adversários
guerra” ou “conflito de baixa intensidade”, hoje são que possuam essas tecnologias. Enquanto isso,
vistas como guerras que podem incluir o combate atores não estatais, não satisfeitos com apenas
intenso. Ao mesmo tempo, adversários estatais o terrorismo e a insurgência como métodos de
sofisticados ampliaram o espectro das operações combate, buscam armas mais sofisticadas, que os

Paul Scharre serviu na Arma da Infantaria, no 75o atualmente, o Gabinete do Secretário de Defesa. É bacharel
Regimento de Rangers, no Iraque e no Afeganistão. Integra, e mestre pela Washington University em Saint Louis.

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permitam impor novos custos e riscos às Forças meio desse espectro dos conflitos. O extremo
Armadas ocidentais e frustrar suas tentativas de superior inclui ameaças sofisticadas de A2/AD,
conquistar terreno. Essas armas, tradicionalmente cujo enfrentamento requer novas capacidades e
disponíveis somente a atores estatais, incluem conceitos de operação norte-americanos (pode-se,
mísseis anticarro guiados de precisão, veículos plausivelmente, ampliar essa gama ainda mais, de
aéreos não tripulados, sofisticados sistemas modo a incluir o confronto nuclear). Esse espectro
portáteis de defesa antiaérea, mísseis de cruzeiro de operações novo e revisado varia não em nível de
antinavio e foguetes, artilharia e morteiros guiados esforço ou intensidade da violência (as operações
de precisão. Os planejadores da Defesa dos EUA de COIN podem esgotar recursos enormes e ser
se referem a essas novas ameaças e aos conceitos extremamente violentas às vezes), e sim em escala
norte-americanos para enfrentá-las como e sofisticação das capacidades do inimigo.
contrainsurgência (COIN, na sigla em inglês),
antiacesso/negação de área (A2/AD, na sigla em O Léxico Atual
inglês) e guerra “híbrida”, respectivamente1. O atual léxico conjunto do Departamento de
É preciso revisar e ampliar o espectro ou gama Defesa dos EUA não abarca esse novo e ampliado
de operações militares, de modo a incluir essas espectro de operações de modo significativo e
novas ameaças, enquadrando ações irregulares interessante. Segundo a Publicação Conjunta
(como as operações de COIN, de contraterrorismo 3-0 — Operações Conjuntas (JP 3-0 — Joint
e de estabilização) no “extremo inferior” e os Operations), a gama de operações militares varia
conceitos de operação contra-A2/AD no “extremo de “operações de resposta a crises e de contin-
superior”. A guerra de mobilidade convencio- gência limitada” a “operações e campanhas de
nal, frequentemente denominada “operações grande escala”2.
de combate de grande porte”, ocupa, hoje, uma A JP 3-0 descreve a gama de operações militares
parcela relativamente pequena do espectro de ao longo da dimensão do nível de esforço, o que
operações. Além disso, a guerra convencional não é muito útil. A Operação Enduring Freedom no
não está situada no extremo superior, e sim no Afeganistão e a estabilização do Iraque são, ambas,

GAMA DE OPERAÇÕES MILITARES

Operações de Resposta a Crises Operações e Campanhas


e de Contingência Limitada de Grande Escala

Engajamento Militar, Cooperação em


Segurança e Dissuasão

Figura 1. Gama de Operações Militares, Publicação Conjunta 3-0, Operações Conjuntas

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léxico da guerra

“Extremo Inferior” Varia segundo a escala e a sofisticação das capacidades do adversário “Extremo Superior”
Operações de COIN, de Operações contra ameaças Guerra de mobilidade Operações contra-A2/AD
contraterrorismo e de “híbridas” (isto é, atores tradicional contra forças
estabilização não estatais providos de militares convencionais
armas sofisticadas)
Figura 2. Espectro de Operações Revisado

“operações de grande escala”. Essas campanhas COIN, conflitos “híbridos”, operações militares
consumiram, em certos momentos, os esforços de convencionais e operações contra ameaças de
cem mil ou mais soldados em cada um dos dois paí- A2/AD. Todas essas operações exigem diferentes
ses; duraram anos de conflito contínuo; custaram capacidades, métodos e conceitos de operação. Um
centenas de bilhões de dólares; e resultaram em espectro definido somente por nível de esforço
milhares de mortes de militares norte-americanos não apreende essas importantes distinções entre
e dezenas de milhares de feridos. Com base em as operações, sendo, em consequência, de mínima
qualquer parâmetro razoável, as guerras no Iraque utilidade.
e no Afeganistão são operações de grande escala.
Na verdade, as fases de estabilização das guerras Extremos Superior e Inferior de Quê?
nesses dois países acabaram exigindo um nível de As operações militares variam segundo nível de
esforço e uma duração consideravelmente maiores esforço, duração, tipo de conflito, tipo de adver-
que as invasões que derrubaram seus governos, sário ou muitas outras variáveis. Classificá-las ao
ambas as quais levaram apenas algumas semanas, longo de um espectro unidimensional é algo dema-
e não anos. siadamente simplista e problemático em diversos
As operações de estabilização e o combate de aspectos. Não obstante, “espectro de operações”
encontro convencional diferem consideravelmente continua a ser uma útil ferramenta heurística ou
em termos de Forças necessárias, adestramento e de síntese. Embora os termos “alta intensidade” e
equipamentos. Por exemplo, a Força que invadiu o “baixa intensidade” não façam mais parte do léxico
Iraque em 2003 era extremamente bem adestrada conjunto formal do Departamento de Defesa dos
e equipada para derrotar o Exército de Saddam, EUA, muitos militares e funcionários civis do
mas estava menos preparada (inicialmente) para setor continuam a empregar “alto” e “baixo” para
os desafios da estabilização e da contrainsurgência referir-se aos extremos de um espectro teórico de
que se seguiram. A gama de operações militares operações militares. No “extremo inferior” (ou
apresentada na JP 3-0 não faz essa distinção. “baixo”) desse espectro, estão atividades como
Segundo a referida publicação, tanto a invasão operações de COIN, de contraterrorismo e de
inicial do Iraque quanto a campanha de estabili- estabilização. No “extremo superior” (ou “alto”),
zação, que foi mais longa, sangrenta e dispendiosa, encontram-se as operações contra ameaças de A2/
enquadram-se no extremo direito desse espectro. AD, que estão entre os desafios mais sofisticados
Se avaliada com base no nível de esforço, é discu- que as Forças norte-americanas talvez venham a
tível se a invasão inicial do Afeganistão (realizada enfrentar.
por um número reduzido de Forças Especiais e Explícita ou implicitamente, “intensidade” é,
agentes da CIA no terreno, além do poder aéreo) com frequência, a variável com base na qual as
chegou a ser uma operação “de grande escala”. operações supostamente variam ao longo do
Por estar centrada em nível de esforço, a gama espectro dos conflitos. Dependendo de quem
de operações militares descrita na JP 3-0 não esteja falando, “intensidade” pode significar
registra diferenças qualitativas fundamentais entre nível de esforço, conforme o descrito na JP

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3-0, ou grau de violência. De qualquer forma, e poder de aumentar a escala das operações
“intensidade” é uma designação inadequada. para formações de combate coesas organizadas
As operações irregulares, como operações de e maiores.
COIN, de contraterrorismo ou de estabilização, Curiosamente, o que antes constituía o extremo
podem exigir níveis consideráveis de esforço — superior hoje situa-se no meio do espectro. A
em alguns casos, níveis notadamente maiores guerra de mobilidade tradicional contra Forças
que operações convencionais de combate Armadas convencionais não é o desafio mais
de encontro contra um Estado na disputa sofisticado que as Forças norte-americanas
por um mesmo território. As operações de possivelmente enfrentem. Os desafios mais sofis-
COIN, de contraterrorismo e de estabilização ticados são as ameaças de adversários providos de
podem ser extremamente violentas. Para o capacidades de A2/AD.
militar no terreno, que se veja diante de uma Esse espectro é significativo e útil porque são
complexa emboscada com fogo de metralha- necessários métodos, capacidades e conceitos
doras, dispositivos explosivos improvisados de operação distintos para enfrentar adversários
ou minas e lança-rojões, pouco importa que que se enquadrem em diferentes pontos ao longo
o inimigo esteja vestindo uma farda ou não. do espectro. As capacidades e abordagens que
As ações a serem tomadas no terreno são as sejam úteis contra adversários convencionais
mesmas. No Iraque e no Afeganistão, as tropas são, em geral, insuficientes em ambientes de
norte-americanas participaram de confrontos A2/AD, onde novas abordagens inimigas visam
sangrentos e intensos nos escalões grupo de a frustrar as modalidades norte-americanas
combate, pelotão e companhia. Caracterizar tradicionais de projeção de poder. Embora os
esse tipo de combate como sendo de “baixa atuais carros de combate, helicópteros, viatu-
intensidade” vai contra a lógica. ras de combate, caças, bombardeiros, navios,
As operações militares se enquadram, navios-aeródromos e satélites dos EUA sejam,
realmente, ao longo de um espectro que varia de modo geral, qualitativamente proficientes
segundo a escala e a sofisticação do adversário para operações contra Forças convencionais, as
enfrentado. No “extremo inferior” desse espectro, operações contra-A2/AD exigem novas armas,
estão as operações de COIN, de contraterro- como as de ataque a longa distância, e novos
rismo e de estabilização. No “extremo superior”, conceitos de operação, como bases dispersas
encontram-se as operações contra-A2/AD. e reforçadas, para aumentar a capacidade de
Conforme se passa do extremo “inferior” para resistência a ataques de mísseis.
o “superior”, as capacidades do adversário cres- As Forças inimigas convencionais podem
cem em sofisticação tecnológica, adestramento ser consideradas “subordinadas” em relação a

Achatamento da curva por meio do reequilíbrio das capacidades para enfrentar futuras ameaças

Prováveis ameaças futuras Prováveis ameaças futuras


Capacidades norte-americanas têm como atual foco a
guerra convencional

Operações de COIN, de Enfrentamento de Guerra de mobilidade tradicional contra forças Operações


contraterrorismo e de ameaças "híbridas" militares convencionais contra-A2/AD
estabilização

Figura 3. Reequilíbrio das Capacidades do Departamento de Defesa dos EUA

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léxico da guerra
Forças militares de Estados-nação avançados, com envolve uma oposição direta às Forças militares de
capacidades de A2/AD, mas esse não é o caso de um inimigo em um combate de encontro. A guerra
inimigos que conduzam a guerra irregular. [O irregular apoia-se em influenciar populações
termo utilizado pelo autor, lesser includeds, ou para a conquista de objetivos políticos, incluindo
“menores e inclusas”, referia-se, originalmente, a estimular a insurgência, aterrorizar importantes
quaisquer operações, durante a Guerra Fria, que grupos populacionais ou enfraquecer a vontade
não o possível grande confronto com a União política de lutar do inimigo.
Soviética, segundo Thomas Barnett, e presumia Como os tipos de operação apresentados
que a capacidade para tal conflito de grande anteriormente variam em escala e sofisticação
escala seria, necessariamente, suficiente para o tecnológica, as operações situadas no meio e à
enfrentamento de qualquer outra ameaça. — N. direita no espectro se enquadram, em geral, na
do T.] Quando passamos para o extremo inferior definição de guerra tradicional, já que se opõem
do espectro, em que os adversários não dispõem a adversários providos de Forças militares orga-
de armas tecnologicamente avançadas nem da nizadas. As operações no extremo esquerdo do
instrução, adestramento e organização para espectro são de caráter mais irregular, já que os
conduzirem o combate aproximado contra Forças adversários recorrem a abordagens centradas
militares convencionais, eles respondem com o na população, a fim de compensar sua falta de
emprego das “armas dos fracos”: a insurgência e sofisticação em meios militares tradicionais. Por
o terrorismo. No lugar de um confronto militar sua vez, são necessárias abordagens centradas na
direto, eles se valem do apoio de populações civis população, como COIN, para derrotá-los.
e disfarçam sua movimentação em seu meio. O Em algum ponto entre a insurgência e a
Departamento de Defesa dos EUA caracteriza essa guerra convencional está a “guerra híbrida”, que
modalidade de conflito como “guerra irregular”, é uma combinação de abordagens irregulares
definida da seguinte forma em sua Diretriz e tradicionais. O termo “guerra híbrida” tem
3000.07: sido debatido em diversos foros5. Para fins do
Conflito violento entre atores estatais e não espectro revisado (Figura 2), “guerra híbrida”
estatais por legitimidade e influência sobre diz respeito a operações conduzidas por atores
as populações relevantes. A guerra irregular estatais ou não estatais que conjuguem abor-
favorece abordagens indiretas e assimétricas, dagens irregulares e tradicionais. Um exemplo
embora possa empregar a gama completa de seria a posse, por atores não estatais, de arma-
capacidades militares e de outra natureza, mentos sofisticados normalmente reservados
a fim de enfraquecer o poder, influência e às Forças Armadas de Estados-nação. Essas
vontade de um adversário3. tecnologias podem incluir mísseis anticarro
A Diretriz 3000.07 compara a guerra irregular guiados de precisão, sofisticados sistemas
à “guerra tradicional”, sendo esta última definida portáteis de defesa antiáerea, veículos aéreos
da seguinte forma: não tripulados, mísseis de cruzeiro antinavio
Forma de guerra entre as Forças militares e foguetes, artilharia e morteiros guiados de
convencionais de Estados, ou de alianças precisão. Essas capacidades podem permitir
de Estados, em que o objetivo é derrotar as que atores híbridos resistam a Forças militares
Forças Armadas de um adversário, destruir organizadas em combates de encontro. Ao
sua capacidade de combater ou conquistar mesmo tempo, as comunicações estratégicas
ou reter território, visando a forçar uma destinadas a influenciar as populações rele-
mudança no governo ou políticas de um vantes constituem aspectos importantes da
oponente4. guerra híbrida. Derrotar as forças do inimigo
A guerra irregular e a guerra tradicional são, no campo de batalha não é, por si só, suficiente
ambas, modalidades de guerra. A tradicional para conquistar a vitória.

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Impacto do Espectro Revisado como a insurgência e o terrorismo. As capacidades
Uma determinada operação pode passar por norte-americanas, em sua maioria, ocupam o
diversas fases e por várias ou mesmo todas as meio do espectro. O fato de não se converterem,
partes do espectro dos conflitos. A guerra no necessariamente, em capacidades em um dos
Iraque, por exemplo, começou como uma campa- dois extremos, de A2/AD ou COIN, significa
nha militar tradicional contra Forças organizadas que a proficiência das Forças norte-americanas
de um Estado-nação, evoluindo, em seguida, é insatisfatória em ambos.
para uma contrainsurgência e, mais tarde, para As adaptações e investimentos recentes das Forças
uma operação de imposição da paz, que visava a Armadas dos EUA, incluindo desde Unidades ribei-
suprimir uma crescente guerra civil entre sunitas rinhas e de Assuntos Civis até o novo bombardeiro
e xiitas. Por fim, converteu-se em uma missão de de longo alcance, concentraram-se nos extremos
assistência a Forças de segurança, objetivando do espectro. Buscando economia, o Departamento
a capacitação das Forças do governo iraquiano. de Defesa se voltou, recentemente, às capacidades
Alguns adversários podem até empregar, simul- convencionais situadas no meio do espectro. Por
taneamente, táticas e métodos de combate de exemplo, nos últimos anos, o Exército reduziu seus
diversos pontos no espectro. meios blindados e de artilharia a fim de abrir espaço
As Forças dos EUA precisam estar preparadas para capacidades centradas em COIN, como equi-
para a possibilidade de que as operações passem, às pes de assuntos civis ou de apoio de informação.
vezes de maneira súbita e imprevista, de um ponto Contudo, ainda há lacunas significativas tanto no
para outro no espectro, conforme os adversários extremo superior quanto no inferior. Conforme as
busquem a modalidade de conflito mais vantajosa pressões orçamentárias crescerem, o processo de
para a consecução de seus objetivos. Tanto atores reequilibrar capacidades por meio da distribuição
estatais quanto não estatais buscam modernizar de recursos para os dois extremos do espectro
seus equipamentos e táticas militares e desenvolver continuará não apenas no Exército, como também
capacidades mais à direita no espectro revisado. As nas demais Forças Singulares.
vantagens históricas em superioridade tecnológica
das Forças Armadas norte-americanas significam Não é um Caso de “Ameaça Subordinada”
que seus adversários estatais e não estatais tenta- Superar os desafios gerados por adversários
rão, também, empregar abordagens irregulares situados em diferentes pontos do espectro requer
e centradas na população, para buscar resolver capacidades distintas. Os desafios impostos por
conflitos segundo lhes convier, levando populações adversários que empregam capacidades menos
a virar-se contra os EUA e enfraquecendo sua sofisticadas e, portanto, abordagens irregulares,
vontade de lutar. não são “subordinados” aos apresentados por
Historicamente, os EUA têm sido fortes na adversários convencionais ou de A2/AD mais
parte intermediária do espectro dos conflitos, sofisticados. A modalidade de guerra muda em
isto é, na guerra convencional. O extremo superior termos qualitativos, à medida que nos aproximamos
do espectro (operações contra-A2/AD) é novo, do extremo inferior do espectro. As Forças Armadas
tendo evoluído conforme os adversários foram dos EUA precisam estar aptas a lidar com todo o
modernizando suas Forças militares e concebendo espectro, o qual afeta cada Força de forma diferente.
abordagens inteligentes para se oporem às forças As abordagens de A2/AD desafiam os conceitos
norte-americanas. O extremo inferior do espectro norte-americanos tradicionais de projeção de
existe há milênios, mas vem se tornando mais poder aéreo e marítimo. Por isso, a Marinha e a
relevante para as Forças norte-americanas em Força Aérea dos EUA precisam concentrar a maior
tempos recentes, uma vez que a superioridade parte de seus esforços em operações em ambientes
dos EUA na guerra convencional impele os de A2/AD. A guerra tradicional contra adversários
adversários a empregar abordagens irregulares, convencionais menos sofisticados é, de modo

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léxico da guerra
geral, “subordinada” a operações contra-A2/AD. primordialmente, à guerra tradicional contra
Por exemplo, os caças de quinta geração podem Forças militares de um Estado-nação não serão
desempenhar as mesmas missões que os de quarta suficientemente competentes em operações de
geração. Sua operação é consideravelmente mais COIN e de estabilização para enfrentar adversários
cara, porém, o que sugere que se adote uma com- que empreguem táticas irregulares.
binação de ambos os tipos de aeronave, quando Tanto o Exército quanto o Corpo de Fuzileiros
possível. O mesmo se aplica a navios. Empregar Navais dos EUA devem estar aptos a conduzir
um contratorpedeiro em uma missão antipirataria operações centradas na população para estabi-
ou de segurança marítima na qual um barco lizar regiões “subgovernadas” e a desenvolver
patrulha ou uma fragata fossem soluções aceitáveis a capacidade de segurança de países parceiros,
seria uma abordagem excessivamente cara. Uma permanecendo, ao mesmo tempo, proficien-
mistura de capacidades seria uma forma melhor tes na manobra de armas combinadas, para
de prover os meios de alta qualidade necessários destruir Forças militares organizadas em um
para o pequeno número de missões extremamente combate de encontro. O fato de as operações de
desafiadoras situadas no extremo superior do estabilização e de contrainsurgência poderem
espectro e a quantidade exigida para uma ampla durar anos ou décadas representa um desafio
gama de possíveis contingências. ainda maior para as Forças Terrestres ao exigir
Entretanto, algumas capacidades aéreas e uma base de forças em rodízio. A proficiência
marítimas situadas no “extremo inferior”, para norte-americana em operações convencionais
a condução de operações de COIN, contraterro- de conquista de terreno, por outro lado, per-
rismo e estabilização e o fornecimento de apoio mite que o país as conclua em uma questão de
às Forças Terrestres nesses tipos de conflito, ainda meses, se não semanas ou dias. Assim, para
são necessárias, não sendo, obrigatoriamente, que as operações convencionais e as operações
“subordinadas” às operações enquadradas no de COIN/estabilização possam ter o mesmo
extremo superior. Meios como Forças ribeirinhas, peso (porque campanhas convencionais podem
assuntos civis marítimos, VANT Predator e rapidamente se converter em COIN), é preciso
Reaper e aeronaves de ataque leve são qualitati- adestrar, equipar e planejar a maior parte das
vamente diferentes de contratorpedeiros, caças Forças Terrestres para estas últimas.
de quinta geração e bombardeiros. Embora a
Força Aérea e a Marinha dos EUA devam ter
como foco principal as ameaças de A2/AD, Para o militar no terreno, que se veja
alguns recursos devem permanecer dedicados diante de uma complexa emboscada
a missões de guerra irregular. com fogo de metralhadoras,
O Exército e o Corpo de Fuzileiros Navais dos dispositivos explosivos improvisados
EUA encaram desafios distintos. Diferentemente ou minas e lança-rojões, pouco
da Força Aérea e da Marinha, desafiadas por
conceitos de A2/AD destinados a frustrar as importa que o inimigo esteja vestindo
modalidades norte-americanas tradicionais de uma farda ou não.
projeção de poder, as Forças Terrestres dos EUA
detêm vantagens significativas sobre qualquer Ainda não sabemos se, para obtermos pro-
exército terrestre inimigo. Seus principais desafios ficiência em ambos os tipos de operação, será
advêm de operações de guerra irregular situadas melhor buscar um ponto ideal entre eles ou
no extremo inferior do espectro, as quais não voltar segmentos da força em direção a cada
são “subordinadas” à guerra tradicional, como tipo de conflito. Se existe um ponto interme-
aprendemos no Iraque e no Afeganistão. Um diário entre a guerra convencional e a COIN,
Corpo de Fuzileiros Navais e um Exército voltados, ele consiste na guerra “híbrida” contra atores

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não estatais providos de armas sofisticadas, Um espectro de operações militares que
que operam em meio a populações civis e varie apenas em nível de esforço não é útil,
conduzem, simultaneamente, modalidades porque não destaca diferenças qualitativas fun-
irregulares e tradicionais de guerra. Não basta damentais entre operações de COIN, guerra
adestrar e equipar tropas para o combate contra híbrida, guerra convencional e operações
Forças convencionais apenas, pois as opera- contra-A2/AD.
ções de estabilização e de COIN não lhes são Um espectro que varie em escala e sofisticação
“subordinadas”. Entretanto, como as ameaças das capacidades do inimigo é mais sensato e útil
híbridas empregam tanto meios tradicionais para descrever como os vários tipos de conflito
quanto irregulares, seu enfrentamento requer a (de COIN e guerra híbrida a ambientes de A2/
condução simultânea de abordagens centradas AD) afetam as forças norte-americanas. Essas
na população e do combate de encontro direto. operações exigem capacidades, métodos e con-
Uma Força Terrestre centrada em ameaças ceitos de operação distintos. As Forças Armadas
híbridas, que pudesse destruir Forças inimigas dos EUA são, historicamente, fortes na guerra
e influenciar populações, talvez fosse capaz convencional, situada no meio do espectro, mas
de combater ao longo de todo o espectro dos capacidades nessa área não são tão úteis em outros
conflitos, desempenhando tanto operações pontos dele. Sendo assim, o Departamento de
convencionais quanto operações de COIN. Defesa está achatando a curva de capacidades. A
pasta vem ampliando investimentos nos extremos
Esclarecimento do Léxico superior (A2/AD) e inferior (COIN) do espectro
Para que os profissionais de defesa militares e, na medida em que restrições orçamentárias
e civis possam se comunicar efetivamente uns exigem uma compensação, assumindo riscos na
com os outros, será preciso dizer o que se quer área intermediária.
dizer. Termos como “alta intensidade” são enga- As crescentes pressões orçamentárias vêm
nosos e confusos e devem ser abandonados. É reduzindo os recursos. Enquanto isso, potenciais
simplesmente absurdo classificar como “baixa inimigos continuam a modernizar suas capaci-
intensidade” as longas, sangrentas e custosas fases dades de A2/AD, e a instabilidade em regiões
de contrainsurgência das guerras no Iraque e no “subgovernadas” continua a ameaçar os interesses
Afeganistão, tanto em termos do nível de esforço dos EUA. Diante dessas condições, o reequilíbrio
quanto do grau de violência. da força deve continuar.MR

REFERÊNCIAS
1. DEPARTMENT OF DEFENSE, Quadrennial Defense Review (Feb. 3. DEPARTMENT OF DEFENSE (DOD), DOD Directive 3000.07, Irregular
2010), p. 8-9, disponível em: <http://www.defense.gov/qdr/images/ Warfare (IW) (1 Dec. 2008), p. 11, disponível em: <http://www.dtic.mil/
QDR_as_of_12Feb10_1000.pdf>. whs/directives/corres/ disponível em: pdf/300007p.pdf>.
2. CHAIRMAN OF THE JOINT CHIEFS OF STAFF, Joint Publication 3-0, 4. Ibid, p. 11.
Joint Operations (22 Mar. 2010), I-8, disponível em: <http://www.fas.org/ 5. Para uma breve visão geral, consultar HOFFMAN, Frank. “Hybrid
irp/doddir/dod/jp3_0.pdf>. Warfare and Challenges”. Joint Force Quarterly 52 (January 2009): p. 36.

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