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CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS E SEUS

COMANDOS ANFÍBIOS

Primeiro derrube a parede psicológica erguida entre as Forças de


Operações Especiais e as outras organizações militares. Segundo, eduque
o resto das Forças Armadas – dissemine um reconhecimento e entendimento
sobre as ações das Forças de Operações Especiais... e a importância da
sua missão. Finalmente, integre os esforços das Forças de Operações
Especiais em todo o espectro de nossas possibilidades militares.
Almirante Willian J. Crowe Jr., 1986

LEONARDO BARBOSA CABRITA*


Primeiro-Sargento-FN-MO

SUMÁRIO

Introdução
Operações Especiais – Procedência Histórica
Operações Especiais no Brasil
Corpo de Fuzileiros Navais e seus Comandos Anfíbios
Perspectivas das Operações Especiais
Conclusão

INTRODUÇÃO ambientes caracterizados por alto grau de


sensibilidade política, grande complexida-

O presente artigo tem o propósito de


apresentar algumas considerações
sobre o processo de criação dos chama-
de psicossocial e elevado grau de sigilo.
Além disso, são capazes de projetar poder
e obter vitórias rápidas com menores
dos Comandos ou Operações Especiais perdas de homens e com grande impacto
(OpEsp), que são compostos de pequenos sobre o inimigo.
efetivos, dotados de grande capacidade Nesta situação, as unidades de Opera-
física e emocional, de espírito de corpo e ções Especiais surgem como instrumento
especialmente selecionados e treinados. ideal para esse novo tipo de engajamento
No mundo contemporâneo, são ele- em um meio caótico, compatível com as
mentos extremamente positivos no enfren- novas exigências estratégicas no século
tamento de crises ou conflitos de caráter XXI. Destacam-se, neste contexto, pela
eminentemente não convencional, em ênfase dirigida à questão da segurança,

* Realizou o Censo de Comandos Anfíbios em 1997. Graduado em História na Universidade Estácio de Sá-2010,
fez curso de Especialização em História Contemporânea e em Relações Internacionais na Universidade
Candito Mendes 2012 e 2013. Serve no Comando do Primeiro Distrito Naval.
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ser dotados de grande capacidade e mo-


bilidade de combate. Deveriam possuir
resistência superior aos outros para passar
longos períodos sem alimentação adequa-
da, dormindo pouco e em alerta constante,
pois deles dependiam o descanso das tro-
pas, o reconhecimento e o planejamento
das batalhas vindouras.
Os comandos são uma antiga fer-
ramenta militar, mas no passado eram
selecionados de maneira diferente do que
são atualmente. O que transforma um
bom grupo de combate em uma fração de
comandos é a habilidade de se deslocarem
sem serem detectados, e isso nos traz de
Símbolo dos Comandos Anfíbios** volta às origens dos comandos como ca-
çadores. As habilidades de caça são o que
antecipando-se às crises e avaliando os comandos precisam para sobreviver
situações. no território inimigo. Para tratarmos de
Operações Especiais, é necessário conhe-
OPERAÇÕES ESPECIAIS – cer a história dessa extraordinária tropa,
PROCEDÊNCIA HISTÓRICA em face de inúmeros fatos já registrados.
As OpEsp estão entre os mais antigos
Desde o início de nossa convivência e importantes princípios da guerra, em
em grupos, tivemos os primeiros soldados, que o essencial é a “surpresa”. Em todas
que eram nesta fase os caçadores. Depois, as épocas, a história oferece exemplos
para a defesa das pequenas sociedades de unidades às quais foram confiadas
e de suas terras, começaram a surgir os missões audaciosas, cujo propósito era
guerreiros, que protegiam os territórios resolver uma situação ou corrigir o curso
e as aldeias de invasores. Estes eram os de uma batalha.
soldados convencionais e, dentro deste Um primeiro relato dessas unidades
grupo de homens soldados, havia alguns especiais refere-se ao guerreiro hebreu Gi-
destinados a seguir na frente ou ficar mais deão. Em 1245 a.C., ele iludiu e venceu os
para trás, com a finalidade de darem o adversários midianitas. Gideão primeiro
primeiro combate ou alertar os outros da selecionou, entre os milhares de solda-
presença do inimigo, de modo a evitar dos de que dispunha, 300 combatentes
uma escaramuça do oponente em questão. de elite. Em seguida, preparou-se para a
Sobre estes poderíamos dizer que foram ação no mais absoluto sigilo, preservando
o embrião do que hoje conhecemos como a surpresa. Sua ideia foi desorientar os
“soldados especiais” do tipo “Comandos” adversários, em número superior, com
ou “Operações Especiais”, pois deveriam ações simultâneas.1

** N.A.: Moeda representativa dos que concluem o Curso de Comandos Anfíbios. O número estampado
corresponde ao autor do artigo e cada militar que conclui o curso recebe número a si relacionado.
1 Bíblia de Estudo Temas e Concordância/Roswell D.Hitchcock; Rio de Janeiro: 2005, Velho Testamento,
livro de Juízes, cap.07.

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Outro exemplo bem conhecido de uma na América do Norte. No Novo Mundo,


missão de comandos aconteceu há mais de os enfrentamentos pela supremacia entre
três mil anos, quando um grupo de gregos França e Grã-Bretanha multiplicaram as
escondidos em um cavalo de madeira ações de guerrilha. No século XVIII, na
foi deixado do lado de fora dos portões Guerra de Independência norte-americana
de Troia. Os troianos, acreditando que e na Revolução Francesa também ocorre-
o Exército grego havia desistido do seu ram numerosas ações irregulares.
cerco e estava indo embora, pensaram que Durante a expansão colonial do século
o cavalo de madeira era uma maneira de XIX, os exércitos europeus engajados
reconhecimento da vitória troiana. O povo além-mar tiveram que adaptar suas táticas
de Troia arrastou o cavalo para dentro da para derrotar adversários que lhes eram
cidade e preparou uma grande celebração. frequentemente inferiores em número e
Então, enquanto todos estavam dormindo, material. Descobriram, assim, as opera-
as tropas gregas escondidas mataram os ções de contraguerrilha, tendo os britâni-
poucos guardas troianos, abriram os por- cos as empregado durante a Guerra dos
tões da cidade e deixaram que o Exército Bôeres, na África do Sul.2
grego entrasse. Essa foi uma clássica ope- No fim do século XIX, a Guerra dos
ração de comandos. O fato está registrado Bôeres mudou o Exército britânico de
na Ilíada e na Odisséia, de Homero, em maneira profunda. As táticas de coman-
que a Operação Cavalo de Troia foi le- dos lhes atraíam, tanto pelo uso de armas
vada a cabo pelo lendário Aquiles e seus quanto pela organização. Os britânicos
Mermidons (Bravos Guerreiros). Existe sofreram várias derrotas na luta contra
uma verdadeira mina de exemplos de os Bôeres, pois ainda estavam presos
ações que hoje qualificaríamos como a velhas formas de combate em que os
Operações Especiais. Na Roma Antiga, ataques seguiam formas rígidas mais ade-
aperfeiçoou-se a combinação seleção, quadas à época das Guerras Napoleônicas.
treinamento, boa liderança e longo tem- Os ingleses mudaram suas táticas e seus
po de serviço para preparar suficientes uniformes e desenvolveram um gosto
soldados perfeitos, capazes de manter o pelas operações “tipo comandos”, de des-
Império por milhares de anos. locamento rápido e de ataques agressivos.
Na Europa, no final do século XVII, Além disso, os instrumentos que tor-
apareceram as tropas leves e os destaca- naram os comandos modernos foram, por
mentos de batedores (Infantaria Ligeira, exemplo: as aeronaves, os navios rápidos,
na Alemanha). Essas novas formações as armas automáticas e os explosivos,
atendiam à preocupação tática de conhecer criados no século XX. De fato, o con-
a situação, cobrir as comunicações e des- ceito moderno de soldados profissionais
gastar o inimigo. Uma de suas primeiras desenvolveu-se na Europa e, depois disso,
utilizações deu-se na França, em 1702 e expandiu-se por todo o planeta.
1703, durante a revolta dos protestantes do A Primeira Guerra Mundial (1914-
Languedoc e de Cevenas, chamados cami- 1918) teve um curso tão terrível, e suas
sards. Outras guerras aconteceram ao lon- consequências foram tão catastróficas, que
go do século XVII, tanto na Europa como resultou em uma escalada global de tecno-

2 História Geral da África, VI: África do século XIX à década de 1880. Editado por J. F. Ade Ajayi. Brasília:
Unesco, 2010.

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logia militar e ali viu-se o primeiro uso em do Exército britânico, mais especifica-
larga escala de técnicas básicas dos coman- mente em um quartel-general instalado
dos. A Guerra começou inesperadamente no Egito. Já com a patente de coronel,
em 1914. Os europeus foram confrontados registrou seu conhecimento sobre táticas
com uma situação crítica desconhecida até de guerrilha, focando no valor ofensivo
então: as trincheiras, envenenamento a das mesmas para enfraquecer as linhas de
gás, reconhecimento e bombardeio aéreo, suprimento turcas. Relatou, no livro Os
carro de combate, fogo de artilharia con- Sete Pilares da Sabedoria (1926), como
centrado, elaboração dos planos de ataque mobilizou de forma ampla o sentimento
e fortificações inteligentes. nacionalista árabe contra a Turquia,
Nos primeiros anos de guerra, as táticas alcançando uma vasta publicidade. É
caíram em um padrão cansativamente curioso notar que comandantes dos
redundante. Massas de tropas moviam-se Estados Unidos da América (EUA), na
pelo fogo de metralhadoras e artilharia, recente Guerra do Iraque, orientaram-se
e seus defensores tinham uma vantagem com os relatos de T. E. Lawrence sobre
enorme: suas posições eram trincheiras a guerra no século XX.3
bem construídas, inclusive com abrigos Os russos são um exemplo de men-
(bunkers), que suportavam o bombardeio te aberta para fazer coisas originais na
de artilharia. Após esse período da guerra, política e na guerra. Foram eles que re-
as tropas francesas, alemãs e britânicas viveram o antigo esporte grego e chinês
desenvolveram táticas melhores, tais do paraquedismo. No ano de 1930, em
como a dos franceses de ataque de pe- manobras do Exército russo, um pequeno
quenas unidades, mais tarde conhecidas corpo de paraquedistas pousou bem atrás
como táticas de infiltração. Os alemães de uma ostensiva linha de batalha, na qual
organizaram destacamento de assalto deveriam tomar posição, e acabou por
(Stosstruppen) e os ingleses aprenderam capturar um quartel-general. Dessa forma,
que apenas tropas regulares não podiam o paraquedismo, desde 1939, tornou-se
derrotar um exército de guerrilheiros e uma forma perfeitamente reconhecida e
desenvolveram um gosto pela operação estabelecida de guerra.
de comandos: “deslocamento rápido e de Quando a Segunda Guerra Mundial
ataques agressivos”. começou, no final de 1939, iniciou-se a era
A Primeira Guerra Mundial, por todo de ouro para os comandos, como também
o seu crítico combate de trincheira e sua para o desenvolvimento e criação da maior
reputação de pensamentos controversos, parte dos conceitos que são empregados
foi uma estufa de novas ideias que levou até hoje e que estão difundidos na maio-
soldados a pensarem em novas táticas de ria das Forças Armadas das nações. O
combate para novas guerras. Perdida no verdadeiro estilo comandos foi criado por
meio de tudo isso estava a criação das pri- iniciativa e esforços de alguns indivíduos
meiras unidades modernas dos comandos. empreendedores. O enérgico primeiro-
Naquele conflito, um belo exemplo -ministro da Inglaterra durante a Segunda
de elemento de OpEsp são as proezas Guerra Mundial (1939-1945), Winston
do inglês Lawrence da Arábia, quando Churchill, e o Tenente-Coronel da Arti-
trabalhou no serviço de informações lharia Real Dudley Clarke incrementaram

3 O Estado de S. Paulo, 8 jun. 2005, p. A18. Publicado originalmente no The Sunday Times.

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a formação de uma força que fosse capaz cada, os brandenburgers, que atuaria em
de levar a guerra ao continente europeu, território inimigo para conquistar pontos
enquanto as forças britânicas e aliadas vitais e outras instalações importantes.
preparavam-se para reconquistar a Europa. Em 1944, fora convertida em infantaria
Os britânicos tinham uma boa tradição motorizada (panzergrenadiers). No fim
de operações de incursão, especialmente da guerra, os brandenburgers foram dis-
ao longo dos dois últimos séculos, prin- solvidos e transferidos para uma unidade
cipalmente das guerras dos Bôeres e na de comandos Schutzstaffel (SS), do oficial
Primeira Guerra Mundial. A Inglaterra nazista Otto Skorzeny, um especialista em
sempre manteve um nível alto de trei- Operações Especiais durante a Segunda
namento para suas tropas militares de Guerra Mundial. Este era considerado
operações de comandos, que frequen- pelos Aliados como “o homem mais pe-
temente eram solicitadas para destruir, rigoso da Europa”. Tal fama era devida às
com explosivos, estruturas como pontes e várias operações de sabotagem, espiona-
prédios e equipamentos do inimigo. Pelo gem e resgate comandadas por ele, como
fato de os comandos realizarem a maior a Operação Greif, durante a Batalha das
parte de ataques pelo mar, existia um Ardenas, a Operação Carvalho e a liber-
treinamento anfíbio frequente em praias tação de Benito Mussolini.4
visando destruir minas. Na Segunda Guerra Mundial, a tá-
Em 1945, todas as unidades de coman- tica de guerrilha difundiu-se ao ponto
dos do Exército foram dispensadas, e a de se tornar um recurso universal. Para
maior parte dos comandos da Marinha a contenção da ameaça comunista, os
também; só os Royal Marines (Fuzilei- ocidentais ficaram mais dependentes das
ros Navais) continuaram suas tradições. armas convencionais. O Presidente norte-
Comandos atuais das Forças Armadas -americano, John F. Kennedy (1961-63),
britânicas desenvolveram-se a partir dos orientou seu secretário de Defesa, Robert
comandos britânicos durante a Segunda S. McNamara, a expandir rapidamente
Guerra Mundial. Daquele ponto em e substancialmente, em cooperação com
diante, percebeu-se que uma nova orga- os países aliados, a orientação das forças
nização, o Serviço Aéreo Especial (SAS), existentes para a conduta de guerra não-
criado em 1952 e reativado para lidar com -nuclear, operações paramilitares e guerras
a guerrilha comunista na Malásia, então não convencionais.5
uma colônia britânica, era útil em tempo Assim, da Antiguidade até as vés-
de paz e, desde então, tem estado em ope- peras da Segunda Guerra Mundial, as
ração. Após isso, os norte-americanos, que operações especiais foram numerosas,
viram essa nova forma de guerra em ação embora seu caráter secreto as tenha fre-
na Segunda Guerra Mundial, criaram as quentemente ocultado dos historiadores.
suas atuais Forças Especiais. A partir desse conflito, elas assumem
Vale reconhecer que os alemães, na caráter institucional dentro das Forças
Primeira Guerra Mundial, utilizaram Armadas. Daí em diante, a atuação dessas
tropas especializadas ao criarem uma unidades de OpEsp intensificou-se e seu
unidade de tropa altamente treinada e apli- papel e seus efetivos cresceram rapida-

4 Audaciosas ações de Otto Skorzeny. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1976, Cap. XIV.
5 Sob a Névoa da Guerra (The Fog of War, EUA/2003, 107 min.). Documentário. Direção de Errol Morris.
Distribuição Sony Pictures.

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mente e tornaram-se mais importantes do Dias Cardoso, português filho de família


que jamais foram. humilde da cidade do Porto, foi enviado
a Pernambuco pelo governador-geral
OPERAÇÕES ESPECIAIS da colônia com a missão de organizar
NO BRASIL e instruir civis luso-brasileiros com o
propósito de formar uma força de resis-
No Brasil, as Operações Especiais têm tência com potencial que possibilitasse
sua história em um passado que remonta a expulsão do invasor. O Sargento-mor
aos idos do século XVII, ainda na época Antônio Dias Cardoso recebeu a incum-
do Brasil Colônia, por ocasião da ocor- bência de penetrar na região da Paraíba
rência das invasões holandesas. e de Pernambuco para treinar homens.6
A primeira invasão holandesa ocorreu Vencendo obstáculos da natureza e
em 9 de maio de 1624, na cidade de Salva- ações hostis de invasores estrangeiros,
dor, então sede do Governo Geral do Brasil. obteve pleno êxito na sua empreitada.
Em 29 de março de 1625, cerca de um ano Assim, a “guerra brasílica”, que tão bons
após terem tido sucesso na conquista da resultados iniciais apresentou, cedeu
capital da colônia, os holandeses se viram lugar à presença de profissionais com
sitiados, por terra, por forças de guerrilha bom nível de treinamento, como ocorre
organizadas e lideradas pelo bispo de atualmente em OpEsp.
Salvador, D. Marcos Teixeira, e, por mar, Podemos observar outro histórico de
por uma frota portuguesa, sob o comando Operações Especiais na chamada Guerra
de D. Fradique de Toledo Osório, ficando contra Oribe e Rosas, caudilhos sul-ame-
acossados por terra e por mar, reduzidos ricanos que, na metade do século XIX,
à área urbana da cidade. As forças de D. exerciam autocraticamente os governos do
Marcos eram comandadas por comba- Uruguai e da Argentina, respectivamente.
tentes identificados como “capitães dos A batalha do Passo Tonelero, em 17 de de-
assaltos”, responsáveis pela condução de zembro de 1851, foi uma das importantes
emboscadas. Entre eles destacou-se a figura ações militares que tiveram a participação
do Capitão Francisco Padilha, brasileiro decisiva da Marinha Imperial brasileira.
nato, que se notabilizou por ter conduzido Esta batalha resultou na garantia da livre
inúmeras ações muito bem-sucedidas, passagem dos navios brasileiros pelo Rio
caracterizadas pela surpresa na execução e Paraná. Em uma homenagem aos heróis
por uma intensa ação de choque. Em uma daquela época, uma das mais importantes
delas, foi responsável pela eliminação do unidades do CFN recebeu a denominação
próprio governador holandês, Van Dorth. histórica de Batalhão Tonelero.7
Francisco Padilha, naquele momento histó- A história das atuais Operações
rico, demonstrou uma capacitação ímpar na Especiais brasileiras remonta ao ano de
condução do que hoje é identificado como 1957, quando, por iniciativa pioneira,
Ações de Comandos. determinação e idealismo do major pa-
Em 1640, na segunda investida dos raquedista Gilberto Antônio Azevedo
batavos ao terrítorio brasileiro, Antônio Silva, realiza-se o primeiro Curso de

6 FROTA, Guilherme de Andrea. 500 Anos de Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 2000, cap.
“A defesa do território”, p. 142.
7 O Anfíbio – Revista dos Fuzileiros Navais do Brasil, no 26, Ano XXVII, 2008.

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Operações Especiais, no Centro de Ins- em muito facilitado pelo culto diário dos
trução Especial do Núcleo da Divisão seus valores essenciais: honra, competên-
Aeroterrestre, concluído em meados cia, determinação e profissionalismo. Na
de 1958, e que viria a se tornar o em- combinação desses valores e no zelo para
brião dos futuros Comandos e Forças sua permanente observância assenta-se a
Especiais. Em 1961, um pequeno grupo base da capacidade operacional.
de oficiais e sargentos paraquedistas Apesar de os Fuzileiros Navais já
possuidores do Curso de Operações Es- serem considerados, em funções de suas
peciais deslocou-se para os EUA a fim de peculiaridades operacionais, uma tropa
obter conhecimentos atualizados sobre o especial, a década de 1960 parece ter, de
emprego de rangers e special forces do alguma forma, sinalizado para os mais
Exército norte-americano, com propósito altos escalões da Marinha que chegara
de adaptá-los para o Exército Brasileiro. o momento de o CFN contar com uma
O dia 12 de agosto de 1968 marcou unidade ainda mais especial.
significativamente Dentro do Corpo
a história das Ope- de Fuzileiros Navais
rações Especiais no O desafio dos fuzileiros da Marinha do Bra-
Exército Brasileiro. sil, uma das unidades
Uma portaria mi-
de se manterem que representa toda a
nisterial reconheceu permanentemente mística do combate
oficialmente o Cur- prontos para emprego anfíbio e congrega
so de Comandos e os fuzileiros especifi-
de Forças Especiais, é em muito facilitado camente preparados
que teve atuação pelo culto diário dos seus para a realização de
destacada na elimi-
nação de focos de
valores essenciais: honra, Operações Especiais
é o Batalhão de Ope-
guerrilha no Brasil competência, determinação rações Especiais de
nas décadas de 60 e e profissionalismo Fuzileiros Navais
70, desenvolvendo, (BtlOpEspFuzNav),
inclusive, doutrina o Tonelero, cujos
própria de contraguerrilha aplicada e membros são ainda mais exigidos em ter-
aprovada no combate a guerrilheiros no mos de recrutamento, instrução e adestra-
meio rural. mento, ficando conhecidos como Coman-
dos Anfíbios, ou simplesmente ComAnf.
CORPO DE FUZILEIROS Assim, o Aviso Ministerial no 751, de
NAVAIS E SEUS COMANDOS 9 de setembro de 1971 criou o Batalhão
ANFÍBIOS de Operações Especiais de Fuzileiros Na-
vais, com sede na região do Rio Guandu
O Corpo de Fuzileiros Navais é uma do Sapê, em Campo Grande, Zona Oeste
força de pronto emprego. Quando cha- do Rio de Janeiro (RJ). À época de sua
mada, não tem tempo para terminar sua criação, o Batalhão Tonelero foi organi-
prontificação operativa e, muito menos, zado e estruturado bem de acordo com a
para forjar o caráter moral de suas forças. conjuntura do momento, em que as Forças
O desafio dos fuzileiros de se manterem Armadas e os demais organismos de segu-
permanentemente prontos para emprego é rança do Brasil vivenciavam um contexto

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de defesa interna contra a subversão e o locais de desembarque e de pouso de


terrorismo, o que levava ao interesse do helicópteros; operação de postos de vigi-
CFN em ter uma tropa mais voltada para lância; realização de observação avançada
o emprego em situação de guerra, de dos fogos de apoio; ações de comandos,
guerrilha ou não convencional.8 destacando-se captura, resgate, elimina-
A partir de sua criação, o Batalhão ção, interdição e ocupação de alvos com-
Tonelero começou a direcionar suas pensadores do ponto de vista estratégico,
atividades de instrução para as Opera- operacional e tático em território hostil ou
ções Especiais. Nesse contexto, em 1972 sob controle do inimigo; ações de reco-
seria formada a primeira turma de oficiais nhecimentos; e retomada de instalações
oriundos da Escola Naval no Curso de e resgate de reféns em tempo de paz e
Contraguerrilha (ConGue). Ao longo dos de crise ou conflito. Tudo para contribuir
anos, esse curso sofreu modificações em com a consecução de propósitos políticos,
seu conteúdo e sua estrutura, passando a econômicos, psicossociais ou militares.
denominar-se, em Os Fuzileiros
1998, Curso Especial Navais de Ope-
de Comandos Anfí- O adestramento dos rações Especiais
bios (CesComAnf). dão continuidade
Com o vulto e ComAnf prevê anualmente ao treinamento em
a importância dos exercícios em várias regiões função de especiali-
atentados terroristas zar suas equipes em
de 11 de setembro
do Brasil, buscando a diferentes cursos,
de 2001, em Nova capacitação para operar tais como: Curso
Iorque e Washing- em clima frio, em Básico de Paraque-
ton, a agenda inter- dista, Salto Livre,
nacional passou a montanhas, no Pantanal, Mergulho Autôno-
dar maior impor- na Amazônia e na caatinga mo, Mergulho de
tância às chamadas Circuito Fechado,
“novas ameaças”, Demolição Subma-
comumente identificadas como terrorismo; rina, Montanha, Precursor Paraquedista,
tráfico ilegal de armas, drogas e pessoas; e Dobragem e Manutenção de Paraquedas,
pirataria. Essas atividades afetam a segu- Mestre de Salto, Operações Psicológicas,
rança, tornando-se evidente e inevitável a Guerra na Selva e Caatinga. Alguns mi-
necessidade de aprestamento de Operações litares do Tonelero são designados para
Especiais. cursos no exterior, especializando-se em
Nesse contexto, os Comandos Anfíbios cursos como: All Arms Commando Cour-
têm por tarefas específicas, entre suas se (Royal Marines), Comando de Ope-
possibilidades: realizações de infiltrações raciones Especiales (Marina/Espanha) e
terrestres, aquáticas, aéreas ou mistas em Anphibious Reconnaisance Course (US
qualquer tipo de terreno; reconhecimento Marine Corps). O Fuzileiro Naval (FN)
de praia, itinerários, passagens de vaus, de OpEsp também realiza um programa
pontes, túneis, obstáculos, pontos críticos, de intercâmbio com OpEsp congêneres de

8 DUNNINGAN, James F. Ações de Comandos: Operações especiais, comandos e o futuro da arte da guerra norte-
-americana. Tradução de Solution Consult Idiomas Ltda. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2008, p.42.

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outros países, o que contribui em muito o aperfeiçoamento dos carros de combate


para sua experiência. a uma condição de supermáquinas, a arti-
O adestramento dos ComAnf prevê lharia com poderes destrutivos e pontaria
anualmente exercícios em várias regiões do sem igual, a ciência colaborando com
Brasil, buscando a capacitação para operar o uso dos gases químicos e armamento
em clima frio, em montanhas, no Pantanal, nuclear, o homem iniciando uma fase de
na Amazônia e na caatinga. Esse excelente combates em localidades, tudo isto vem
processo de seleção e formação inicia-se acontecendo a uma velocidade inédita na
com um período de aprendizado, podendo História. Mas toda tecnologia é de certa
levar dois anos ou mais o preparo completo forma previsível. Porém o ser humano por
de um elemento de OpEsp. Os Comandos trás dela é que se constitui no verdadeiro
Anfíbios têm, necessariamente, diante de perigo. A adaptação é o segredo da nossa
si, uma grande variedade de cenários opera- existência. Para cada medida em armas
tivos para os quais devem estar preparados. usadas sempre surge uma contramedida.
Os Fuzileiros Navais de Operações O curso das OpEsp é caracterizado por
Especiais já adquiriram um excepcional surpresa, dissimulação, audácia e veloci-
padrão de credibilidade pelos níveis de dade, levadas a cabo por pequenos grupos,
eficiência que atingiram ao longo de sua constituídos de elementos com diversifi-
evolução, fundamentada em sua dedicação, cada habilitação. Esses elementos especia-
abnegação e competência. As OpEsp são lizados encontram-se frequentemente em
instrumento confiável e extremamente inferioridade numérica no que se refere a
valioso, sobretudo na consecução das ações efetivos e poder de fogo, empreendendo
de caráter preventivo, dissuasório e pró- ações complexas e altamente exigentes, o
-ativo para responder a qualquer ameaça que requer adestramentos especializados.
ao Estado por forças não convencionais ou Sendo assim, esses soldados podem rea-
criminosas e para assegurar a capacidade lizar ações fora do comum e devem ser
de projeção de poder da Marinha do Brasil. empregados apenas em tarefas especiais.
Continuando nessa linha de raciocínio, Seu emprego como elemento de combate
o Corpo de Fuzileiros Navais desenvolve convencional deve ser evitado.
um trabalho que deve manter um padrão O fator tempo, elemento por vezes
de eficiência operacional que permita aos escasso nos conflitos contemporâneos,
seus integrantes cumprir com excelência reduz a possibilidade de uma aceitável
suas complexas missões, bem como man- preparação para a ação, requerendo, então,
ter um conceito altamente respeitado na adestramentos permanentes, cautelosos
comunidade nacional e internacional das e detalhados. As OpEsp são realizadas
Operações Especiais. por pessoal especialmente selecionado,
empregando meios não convencionais e
PERSPECTIVAS DAS executando ações também não conven-
OPERAÇÕES ESPECIAIS cionais com o propósito de destruir ou
danificar objetivos específicos, capturar
Com o fim da Segunda Guerra Mundial ou resgatar pessoal ou material, coletar
e as novas tecnologias alcançadas, o mun- dados, despistar e produzir efeitos psico-
do moderno se encontrou em condições lógicos contra as forças adversas. Diante
de batalha nunca antes vistas. O uso do desse novo cenário, a temática militar e
avião em larga escala como bombardeiros, os estudos da guerra, como objeto, foram

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levados à reflexão sobre os efeitos das mu- de gerações de guerras anteriores, exigin-
danças. Suas teorias, doutrinas e formas do que forças militares estejam preparadas
de emprego começaram a ser revisadas; para lidar com mais esse aspecto.
contudo, estão longe de sua fase madura. Na América Latina, as organizações
Entre os fatores que explicam o po- criminosas desafiam os Estados, e estes
der de uma nação diante de outras estão revelam-se cada vez mais incapazes de
os componentes do que chamamos de reduzir a violência nos territórios sob sua
elementos do poder nacional.9 E o que responsabilidade. A isso se segue uma
confere importância verdadeira a esses diminuição da autoridade dos governos
fatores, para o fim de determinar o poder em prol de um aumento do poder de
de uma nação, são o grau de preparação organizações criminosas. Neste sentido,
militar e a quantidade e a qualidade das é fundamental que o Corpo de Fuzileiros
Forças Armadas, o que as tornam capazes Navais faça uma análise apurada da situ-
de apoiar as políticas externas e internas ação atual que estamos vivendo.
que devem ser implementadas. Unidades de Operações Especiais
Nesse contexto, observa-se uma ten- experientes constituem um instrumento
dência global, na grande maioria dos es- discreto do Poder Nacional. Líderes mi-
tados nacionais, de litares estariam mais
valorização das suas bem instruídos a
OpEsp, as quais O emprego eficiente das usá-las em missões
ganham mais rele- do Poder Nacional
vância com funções unidades de Operações para as quais estão
específicas de seu Especiais proporciona excepcionalmente
pessoal, constituído qualificadas para
por soldados organi-
a deterioração das operar em tempo de
zados em pequenos capacidades militares paz ou de guerra.
efetivos, dotados de do inimigo Embora tropas de
excepcional espírito Operações Especiais
de corpo, potência não custem pouco,
física e emocional e especialmente sele- elas vêm sendo projetadas durante muito
cionados, treinados e equipados. tempo. Países de primeiro mundo têm,
Observamos, em todo o mundo, países nos últimos séculos, investido cada vez
que perceberam a real importância das mais em recursos e tecnologia em sol-
Operações Especiais e a comprovaram em dados de Operações Especiais, que com
diversas oportunidades. Na atualidade, ob- sua capacidade e flexibilidade, podem ser
serva-se uma desconcertante diversidade empregadas nos conflitos convencionais
de guerras separatistas, violências étnicas e não convencionais, mas com eficácia e
e religiosas, golpes de Estados, disputas eficiência excepcionais.
de fronteiras, levantes civis e de atentados Seu adestramento e suas habilidades
terroristas, provocando, assim, um cenário especiais permitem que operem em situ-
de inúmeras guerras que exige muito mais ações em que unidades convencionais não
inteligência e análise e maior capacidade podem ser usadas, por motivos políticos
flexível. As OpEsp englobam elementos ou militares. Desta forma, sua prioridade é

9 MORGENTHAU, Hans J. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. IPRI, 2003.

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usar a astúcia em vez da força bruta. Para Operações de ação direta, sabotagem,
isso, possuem habilidades e adestramento subversão e apoio de informação melhoram
especiais em operações secretas, não en- o entendimento do espaço de combate pelo
contradas em outro segmento das Forças comandante da força apoiada, dificultando
Armadas. ao inimigo o entendimento equivalente. Ao
Sob circunstâncias favoráveis, as aumentar o atrito e a confusão da guerra
OpEsp podem confirmar indícios colhi- para o adversário, as unidades de Ope-
dos por outras agências e providenciar rações Especiais reduzem a velocidade e
as informações que faltavam ser iden- a eficácia do processo decisório inimigo,
tificadas pelos métodos convencionais. melhorando, ao mesmo tempo, as do co-
Estas Forças empregam vários meios para mandante apoiado. Na verdade, o emprego
coletar informações por meio de contatos e a aplicação criteriosa das operações es-
e relacionamentos formais e preenchem peciais no início de um combate poderão
várias lacunas, auxiliando o comandante eliminar ou reduzir significativamente o
da Força Convencional a compreender a emprego das forças convencionais.
situação, particularmente nas áreas mais Várias vantagens do emprego das
complexas de segu- unidades de Opera-
rança e conflitos. ções Especiais são
O emprego efi- Questões político-militares evidentes. Unidades
ciente das unidades podem demandar o recurso pequenas operam
de Operações Espe- com eficiência em
ciais proporciona
a técnicas clandestinas circunstâncias se-
a deterioração das ou discretas, aceitando. veras, com baixos
capacidades mili- um nível de risco físico e requisitos em infra-
tares do inimigo, estrutura de apoio.
por meio de ações político incompatível com as Automotiváveis,
contra a sua infra- operações convencionais praticamente autos-
estrutura logística, suficientes e extre-
seus sistemas de
OTAN mamente adestra-
comando e controle das, especialmente
e de defesa aeroespacial, obrigando este aquelas com conhecimento de idiomas e
inimigo a empregar muitos meios na sua múltiplas culturas, são idealmente adap-
defesa de retaguarda. Exemplificando sua tadas para muitas missões que as forças
capacidade de cumprir missões nos níveis convencionais não podem assumir com
mais elevados de condução da guerra, tamanha eficiência e economia de meios
unidades de OpEsp experientes podem dentro da “zona nebulosa” entre a paz e
atacar sítios confirmados de armas de a guerra.
destruição em massa, quando mísseis e Contudo, o comandante que enquadre
outros ataques convencionais aéreos não e priorize suas OpEsp deve considerar
forem apropriados. Da mesma forma, seriamente as características dessas ope-
podem neutralizar baterias de mísseis rações, em que o fracasso, em algumas
das quais o inimigo esteja se valendo dessas situações, é tão possível quanto
para negar o uso do mar ou sabotar uma o sucesso. Portanto, seu emprego deve
linha férrea utilizada para o transporte de ser judicioso, com objetivos e propósitos
suprimentos inimigos. cujos valores o justifique.

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CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS E SEUS COMANDOS ANFÍBIOS

Diante dessas ideias gerais, o cenário mente estabelecidas para a consecução


estratégico futuro, que começa a se definir, de projeção de poder. Nesse contexto,
torna-se um ambiente amplo, diversi- avultam o crescente valor da mobilidade
ficado e, acima de tudo, extremamente estratégica e o estabelecimento, cada vez
favorável à condução das missões de mais, de operações especiais em diferentes
caráter especial. ambientes operacionais.
Como já foi visto, unidades de Ope- Ao redor do mundo, nações estão
rações Especiais não são novidade. Um comprando a ideia de que soldados volun-
conceito muito utilizado, embora tenha tários, altamente treinados, são o melhor
sofrido algumas adaptações relacionadas caminho para projetar poder. Mesmo países
à evolução dos conflitos, seria a definição pacíficos e democráticos, cujas estruturas
da Organização do Tratado do Atlântico políticas e estratégicas crescem a cada
Norte (OTAN) no documento AAP-6, de dia, não podem se alienar da prevenção
2003: “Atividades militares conduzidas à ameaça da paz e da segurança, dentro e
por forças especialmente designadas, or- fora do território nacional. Exemplo disso é
ganizadas, treinadas a ideia do Pentágono,
e equipadas, que uti- levantando uma pro-
lizam técnicas ope- Os exércitos que buscam posta que os aliados
racionais e modos dos Estados Unidos
de ações não habi- lograr êxitos no campo estão olhando com
tuais para as forças de batalha do futuro atenção para criar
convencionais. Es- uma rede mundial de
sas atividades são
devem considerar forças especiais. Essas
desenvolvidas em seriamente suas opções unidades estão, mais
toda a gama de ope- em operações especiais do que nunca, no cen-
rações das forças tro das intervenções
convencionais, em militares internacio-
coordenação com elas, para atingir propó- nais. O assunto foi discutido em Paris, nos
sitos políticos, militares, psicológicos ou dias 6 e 7 de novembro de 2012, durante o
econômicos. Questões político-militares encontro entre os estados-maiores da França
podem demandar o recurso a técnicas clan- e dos EUA, e em um seminário que marcou
destinas ou discretas, aceitando um nível o 20o aniversário do Comando das Opera-
de risco físico e político incompatível com ções Especiais (COS, sigla em francês).11
as operações convencionais”. 10
A guerra do século XXI reserva às
O campo de batalha atual deman- OpEsp, incontestavelmente, um papel de
da operações desenvolvidas de forma destaque, demonstrando serem elas extre-
coordenada e controlada e o crescente mamente positivas nos desdobramentos
desdobramento de forças multinacionais desses conflitos que hoje e sempre tiveram
nos mais diversos ambientes operacionais, um papel preponderante, seja liderando
envolvendo tropas de Estados nacionais ou apoiando uma tarefa específica a ser
integrantes de organismos internacionais conduzida, acompanhando a tendência
ou de coalizões temporárias, especifica- global desses conflitos. Os exércitos que

10 DENÉCÉ, Eric. A história secreta das forças especiais: de 1939 a nossos dias. Tradução de Carolina
Massuia de Paula. São Paulo: Larouse do Brasil, 2009, p. 234.
11 Reportagem de Nathalie Guibert, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal UOL, 20/11/2012.

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buscam lograr êxitos no campo de batalha A manutenção e o controle do aparato


do futuro devem considerar seriamente militar sobre tais aspectos tornam-se pon-
suas opções em operações especiais. to de convergência para as ações de médio
e longo prazo na projeção e no aumento
CONCLUSÃO do quociente de poder nacional, servindo
como alavanca para se estudar os meios e
Para a ação militar de defesa do Es- as formas de melhor preparar os Estados
tado, o cenário internacional tornou-se para eventualidades de conflitos armados
mais complexo e incerto com o aumento por meio de sistemas de planejamento e
e a modificação nas sensibilidades e nas exercício de força.
vulnerabilidades, uma verdadeira frag- Apesar de o discurso dominante ser
mentação política do tabuleiro das nações, global, com pretensão de homogeneida-
exigindo que a segurança nacional tenha de, o renomado cientista político Samuel
agora uma abordagem multidimensio- Phillips Huntington apresentava uma
nal. Este trabalho teoria do paradig-
teve por propósito ma do caos: o en-
apresentar um en- No que se refere à fraquecimento dos
tendimento sobre as segurança, seremos Estados e a aparição
Operações Especiais de “Estados fracas-
do Corpo de Fuzi- obrigados a realizar um sados” intensifican-
leiros Navais, que gradual esforço devido do conflitos tribais,
assegura o poder
como instrumento
às ameaças e aos desafios étnicos e religiosos,
o surgimento de má-
de ordem, mesmo à segurança humana do fias internacionais,
em uma sociedade século XXI o aumento de refu-
democrática cujas giados, proliferação
mudanças em curso, de armas nucleares
nos últimos séculos XIX e XX, abalaram e outras de destruição em massa, a ex-
as certezas construídas, provocaram ecos e pansão do terrorismo, a prevalência de
projetaram sombras desse passado recente massacres e de limpezas étnicas. Esse
sobre a política, a economia e a sociedade, quadro contribui para uma imagem de
trazendo incertezas e complexidades e anarquia no mundo.12 Na esfera militar, o
desafiando o pensamento contemporâneo. surgimento da guerra não convencional
No que se refere à segurança, seremos transcende o campo da especulação e da
obrigados a realizar um gradual esforço experimentação, pois o ataque agora pode
devido às ameaças e aos desafios à segu- estar sempre iminente e ser desferido por
rança humana do século XXI. Devemos qualquer agente, trazendo para o debate a
chegar ao fim do século com um disposi- chamada Guerra Assimétrica.
tivo de segurança militar capaz de garantir Os aparelhos de defesa militar, como
a nossa proteção das rotas marítimas, corpos permanentes dos Estados, refletem
aéreas e terrestres e dispondo de uma força a defesa dos interesses e dos projetos nacio-
dissuasiva de alta mobilidade. nais perante um conflito assimétrico, carac-

12 HUNTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações e a recomposição da Ordem Mundial. Rio de Janeiro:


Objetiva, 1997, p. 37.

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terístico do século XXI. Este processa-se Operações Especiais a fim de reduzir as


em ambientes operacionais extremamente perdas em conflitos, assegurando, assim,
fluídos, com a presença de coalizões, a certeza de sua eficiência, tendo como
alianças, parcerias e novos atores, e cada exemplo vários países no mundo.
vez mais organizado em torno de crenças O sucesso das Operações Especiais
e ideologias, e não mais da localização deve-se a uma equação aparentemente
geográfica. Os confrontos armados são simples entre a economia de força e a
utilizados como formas de imposição de liberdade de ação. Seus chefes exaltam
vontades fundamentadas nas mais varia- sua formidável relação custo-eficácia. Para
das motivações, e no fundo apresentando um Estado nacional emergente como o
profundas incompatibilidades entre si. Brasil, candidato ostensivo a um assento
Essas motivações, em função da avaliação permanente no Conselho de Segurança das
de diferentes perspectivas culturais, pro- Nações Unidas e que pretende ter, a cada
fundamente heterogêneas e, muitas vezes dia, sua estrutura política estratégica incre-
conflitantes, tornam-se incompreensíveis mentada, não há a menor dúvida de que
e absolutamente injustificadas. precisará estar preparado para defender-se
As presentes ameaças estão produzin- não somente das agressões, mas também
do uma modificação radical no perfil do das ameaças e para fazer face às crises e aos
preparo dos militares em todo o mundo. conflitos característicos do presente século.
Os conflitos armados do século XXI As unidades especiais surgem como
estão a exigir soldados cada vez mais instrumento ideal para esse novo tipo
profissionais, capazes de enfrentar um de engajamento em meio caótico. O alto
inimigo convencional num determinado nível de qualificação de seu pessoal, seu
momento, para, logo no momento seguin- treinamento intensivo, suas táticas de ação
te, fazer face a um inimigo irregular e, particulares e seus equipamentos de ponta
em seguida, engajar-se nas atividades de as predispõem naturalmente à utilização
assistência humanitária e reconstrução das de tecnologias modernas, às ações autô-
instituições e infraestruturas básicas da nomas e ao combate descentralizado, em
governança local. Desse modo, percebe- meio urbano ou em área hostil. Elas são
-se uma luta constante pela conservação formadas sob medida para enfrentamento
do status quo e pelo aumento do poder. da imprevisibilidade das situações, pois
Nota-se, contudo, que as circunstâncias podem reagir rapidamente, engajar-se
mudaram. O uso da força voltou a ser discretamente, efetuar ações com alvos
considerado não como possível, mas como bem definidos, autonomamente ou em
de fato empregado, como se pode observar conjunto com as forças convencionais.
no atual momento histórico. A análise de cenários prospectivos
O século XXI está prestes a ver tropas indica ser cada vez mais fundamental a
mais selecionadas, intensamente treinadas existência de forças de pronto emprego,
e bem equipadas, tornando-se uma proje- com permanente prontidão operacional
ção de poder contra situações em que o e capacidade de projeção de poder nas
país possa se encontrar, sendo tão úteis em áreas de interesse estratégico do País
tempos de paz e desejadas em tempo de e para atender a uma extensa gama de
guerra. Isso é o fator pela qual a maioria demandas operacionais.
dessas nações democráticas encoraja os A versatilidade e a flexibilidade
políticos a investirem em unidades de conferidas pelo conceito de emprego

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por meio de OpEsp, capazes de rapida- exige preparo de seus formuladores e


mente se adaptarem a diferentes perfis executores. As unidades de Operações
de missões, atuando em todo o espectro Especiais são instrumentos confiáveis
da segurança nacional, seja em ações e extremamente valiosos, sobretudo
humanitárias, no combate às novas na consecução das ações estratégicas
ameaças, seja no combate convencional, de caráter preventivo e dissuasório. É
serão fatores preponderantes para serem uma realidade que não podemos igno-
a melhor opção de emprego de força es- rar em nossa luta pelo crescimento do
tratégica da Nação. E essa opção terá uma Brasil. Vive-se em um mundo em que
envergadura compatível com a estatura a intimidação tripudia sobre a boa-fé,
político-estratégica do país que está se e nossa estratégia de formulação de
adaptando e consolidando a atender os política nacional deve ser pautada no
interesses em questão. binômio desenvolvimento-segurança,
Desde já, é preciso se trabalhar firme inevitavelmente inclinada ao aumento
para montar o adequado instrumental de nossa soma de responsabilidade na
de defesa. É uma empreitada árdua, que ordem internacional.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Corpo de Fuzileiros Navais; Operações Especiais; Poder Militar;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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