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Você é chamado para atender uma novilha de 1 ano.

O produtor diz chamar esta doença como “a peste do


olho branco”. Relata ainda que há 20 dias o animal separou-se do rebanho, não se alimentava
adequadamente, úlceras no focinho, apatia, mimica de ruminação, salivação excessiva e corrimento
ocular. Também relata, que há 3 semanas, um animal morreu na propriedade apresentando os mesmos
sinais clínicos.

Você então é levado até o animal enfermo:

Questionamentos

Uma vez estabelecida a lista de possíveis diagnósticos, é hora de priorizar as possibilidades.

Você, então, questiona o produtor:

Por quantos animais seu rebanho é composto?

50 bovinos. 

Algum animal foi introduzido recentemente ao seu rebanho?

Sim, adquiri 10 novilhas há 2 meses. 

Seus animais são desvermifugados e vacinados?

Sim, são vacinados para doenças reprodutivas e clostridioses. Foram desvermifugados há 3 meses com
ivermectina. Porém, não sei o histórico vacinal das vacas recentemente adquiridas, e ainda não fiz
nenhuma vacina ou desvermifugação.

Você utilizou algum fármaco na tentativa de tratar esses animais?

Sim, foi aplicado terramicina ontem.

Somente as vacas recém adquiridas apresentam os sinais clínicos?

Não, uma das vacas acometidas nasceu na propriedade.

Há criação de outra espécie animal na sua propriedade?

Sim, um total de 22 ovinos.

Qual alimentação é fornecida aos animais?

Tanto os bovinos quanto os ovinos se alimentam de aveia e azevém. As vacas em lactação também se
alimentam de silagem de milho, ração para vaca em lactação e farelo de soja.

Os bovinos e ovinos são criados em consórcio?

Sim, ficam nos mesmos piquetes.

Existem outros animais na propriedade apresentando os mesmos sinais clínicos?

Além do que veio a óbito, há outro animal iniciando o mesmo quadro.

Nos animais foi possível identificar febre?


Sim.

Diagnósticos diferenciais

Febre aftosa

A febre aftosa ou foot-and-mouth disease  é uma enfermidade infecciosa altamente contagiosa,


porém de baixa letalidade, causada por vírus do gênero Aphtovirus pertencente à
família Picornaviridaei. Os sinais clínicos comumente observados são febre, anorexia, depressão,
sialorreia profusa e vesículas no palato, lábios, gengiva, narinas, espaços interdigitais. Logo após o início
da infecção as vesículas se rompem originando úlceras formadas pelas extensas áreas de epitélio
descamado. As lesões, geralmente, cessam, porém o vírus pode permanecer na faringe por longos
períodos. 

Uma das características do vírus da febre aftosa é a de que este pode manter-se de forma latente em
animais que se recuperaram da infecção e, até mesmo, em animais vacinados, os quais são chamados
animais com infecção persistente e/ou portadores. O vírus é eliminado para o meio ambiente em todas as
secreções e excreções dos bovinos doentes (lágrimas, secreções nasais, saliva, sêmen, leite, urina e fezes),
contaminando o ambiente. O agente é eliminado por quantidade tão elevada, que um só animal pode
infectar a outros milhares. A morbidade da febre aftosa é extremamente elevada, e a difusão em um
rebanho é rápida, após uma semana do aparecimento do primeiro animal doente, todos os animais
apresentarão a doença. Macroscopicamente, além das lesões de boca e pata, são raras e incluem vesículas
e úlceras nos pilares do rúmen e áreas de necrose nos músculos esqueléticos e no miocárdio.
Microscopicamente, observa-se degeneração e necrose da camada germinativa dos epitélios afetados. Na
forma cardíaca observa-se miocardite com infiltração de células mononucleares. Toda suspeita de febre
aftosa deve ser comunicada às autoridades sanitárias responsáveis.

Estomatite vesicular 

            A estomatite vesicular é causada por um vírus do gênero Vesiculovirus da família Rhabdoviridae.


São conhecidos dois sorotipos, sendo um deles transmitido por insetos, incluindo tabanídeos, mosquitos,
moscas e ácaros do gênero Flebotomus. O agente causal também pode infectar os animais através de
ferimentos na boca ou nos cascos, ou ainda, por traumatismos nos tetos. A doença clínica é observada
geralmente em adultos, enquanto animais jovens são raramente infectados. Observam-se lesões
vesiculares na boca, lábios, gengiva, focinho, língua e espaço interdigital. Em muitos casos, após alguns
dias de evolução é difícil encontrar lesões vesiculares, observando-se somente lesões erosivas. A
frequência de animais clinicamente afetados é variável de 0,5% a 50%, mas até 90% do rebanho pode ser
afetado subclinicamente. Enquanto que a mortalidade é inexistente ou muito baixa (RIET-CORREA et
al., 1996).

O período de incubação é de até cinco dias. Os animais afetados, que em geral têm mais de um ano de
idade, ficam febris. Vesículas desenvolvem-se na língua e nas membranas mucosas orais. Em vacas, pode
desenvolver-se mastite, com lesões graves nos tetos. Os casos suspeitos devem ser notificados às
autoridades pertinentes.

Diarreia viral bovina e doença das mucosas 

            O vírus da diarreia viral bovina (BVDV) pertence a família Flaviviridae e gênero Pestivirus. A


BVD, possui uma forma conhecida como doença das mucosas (DM), onde bovinos persistentemente
infectados e tolerantes a cepa não-patogênica do BVDV são infectados por uma cepa patogênica. A MD
possui morbidade baixa e alta letalidade. Na forma aguda os sinais clínicos caracterizam-se por
depressão, anorexia, sialorreia, hipertermia e diarreia podendo conter sangue e/ou muco. Observam-se
ulcerações de mucosa oral, língua e focinho. Já a forma crônica ocorre em animais que sobrevivem à
forma aguda observando-se diarreia intermitente, emagrecimento progressivo, pelo hirsuto e seco,
timpanismo, deformações do casco, associado a úlceras na pele localizadas preferencialmente no períneo,
escroto, orifício prepucial, vulva, rodete coronário e espaço interdigital. Na necropsia pode-se observar
erosões e ulcerações no focinho, mucosa oral, faringe, laringe, esôfago e pré-estômagos, já no intestino
delgado pode observar-se acúmulo de fibrina e sangue nas placas de Peyer. 

Febre catarral maligna

            A febre catarral maligna é uma doença viral de baixa morbidade, mas com letalidade de
aproximadamente 100%. São conhecidas duas formas da enfermidade: a africana, associada ao gnú
causada pelo Alcelaphine herpesvirus, e a americana, associada ao ovino, pelo Herpesvirus ovino tipo 2.
A doença possui característica epidemiológica importante, ocorre somente se há ovinos em contato com
bovinos, sendo que os ovinos, não são afetados, somente atuam como reservatórios do vírus.

Os sinais clínicos caracterizam-se por hipertermia, depressão, emagrecimento, lesões ulcerativas da


mucosa oral, focinho e narinas, salivação, corrimento nasal e ocular, opacidade da córnea, incoordenação
motora e tremores musculares. O curso clínico varia de 1 a 15 dias. Na necropsia as lesões macroscópicas
caracterizam-se por úlceras da mucosa oral e nasal, faringe, esôfago, traqueia e vesícula urinária. Além de
áreas esbranquiçadas e ulcerações nos pré-estômagos, abomaso e intestino. 

Tem como etiologia um vírus do gênero Rhadinovirus da família Gammaherpesvirinae. A transmissão


pode ser realizada também pela inalação de aerossóis ou pela ingestão de pasto contaminado pelo vírus ou
ainda por fômites.

Língua azul

            A Língua Azul é uma doença infecciosa causada por um Orbivirus, da família Reoviridae, sendo o
vírus transmitido por insetos, principalmente mosquitos do gênero Culicoides. A doença apresenta caráter
subclínico, na maioria das vezes, e possui sinais clínicos como ulcerações orais, crostas no focinho,
inflamação no rodete coronário, afrouxamento dos cascos, claudicação, abortos, infertilidade. Apresenta
morbidade e mortalidade baixas. Na necropsia, uma lesão característica são as hemorragias na íntima da
artéria pulmonar próximo à saída do ventrículo direito.

O vírus multiplica-se inicialmente no tecido linfoide, principalmente em fagócitos mononucleares e é


carreado da via linfática para a corrente sanguínea.

Intoxicações por arsênico 

            Os sinais clínicos observados na intoxicação por arsênio são anorexia, diarreia hemorrágica,
ulcerações e erosões em todo o trato gastrintestinal, desidratação e fraqueza. Não há ocorrência de febre.
Para o diagnóstico é necessário identificar as possíveis fontes dessa substância tóxica, que pode estar
presente em determinados herbicidas (à base de metano arsonato ácido monossódico). Os principais
achados pós mortem são úlceras na mucosa oral, abomasal e congestão renal.

Ingestão de Ramaria flavo-brunnescens

            A intoxicação pelo cogumelo Ramaria flavo-brunnescens ocorre em bovinos com acesso a


eucalipto. Os animais afetados apresentam sialorreia, ulceração da cavidade oral, opacidade da córnea,
afrouxamento da capa córnea dos cascos e chifres e perda de pelos ao longo da cauda. Na necropsia,
observam-se úlceras em toda cavidade oral, esôfago e abomaso. 

Os sinais clínicos são emagrecimento, intensa salivação, afrouxamento dos pelos da vassoura da cauda e
atrofia das papilas da língua. Ainda pode aparecer, apetite diminuído, corrimento seroso nasal e ocular.

 Intoxicação por Amaranthus sp. 
            A intoxicação  Amaranthus sp., planta nefrotóxica, desencadeia uremia e como consequência há
formação úlceras recobertas por fibrina na mucosa da cavidade oral, esôfago, pré-estômagos e abomaso.
Frequentemente, a intoxicação tem ocorrência sazonal, no fim de verão a início de outono,
correspondente ao período de frutificação da planta.

Os sinais clínicos são depressão, anorexia, emagrecimento, secreção nasal sanguinolenta, hipomotilidade
ruminal, diarreia fétida e escura, edema submandibular.

Rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR)


            A forma respiratória da infecção pelo herpes vírus bovino tipo 1.1 (BHV-1) caracteriza-se por
febre, anorexia, dispneia, tosse, corrimento nasal, hiperemia, pústulas e erosões da mucosa nasal. Com
menor frequência, observa-se conjuntivite, sialorreia e ulcerações da mucosa oral. Animais confinados,
geralmente, são mais acometidos, e a doença apresenta clínica de 4 a 7 dias. De baixa letalidade, mortes
só ocorrem quando há infecções secundárias que desencadeiam graves pneumonias. Os achados
necroscópicos são hiperemia, exsudato e áreas esbranquiçadas ou ulceradas nas mucosas das narinas,
faringe, laringe, traqueia e brônquios.

Necropsia
Você considera que pela cegueira e severa debilidade, além da necessidade de estabelecer um diagnóstico
para tratar o rebanho, opta pelo sacrifício deste bovino e necropsia.

Concluindo
Portanto, depois de analisar as lesões microscópicas você conclui que o caso se tratava de febre catarral
maligna.

Ao estabelecer o diagnóstico de febre catarral maligna deve-se adotar medidas de controle que incluem
impedir contato entre ovinos e bovinos e isolar bovinos afetados de bovinos sadios. 

Existem tratamentos suportes que apresentam relativa melhora em determinados casos. Entretanto, a
doença é frequentemente fatal, não existindo tratamento especifico ou vacinas contra a enfermidade.

Referências
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Patologia Veterinária no Quinquênio 2013-2017. BOLETIM DE DIAGNÓSTICO DO
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2015

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produção e de companhia.1. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2015. 

RADOSTITS, O. M. et al. Clínica veterinária: um tratado de doenças dos bovinos, ovinos, suínos,


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RECH R.R., SCHILD A.L., DRIEMEIER D., GAMATZ S.L., OLIVEIRA F.N., RIET- CORREA F. &
BARROS C.S.L. 2005. Febre catarral maligna em bovinos no Rio Grande do Sul: epidemiologia, sinais
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