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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

ESCOLA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS, INOVAÇÃO E NEGÓCIOS


CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA
DISCIPLICA DE CLÍNICA MÉDICA DE SUÍNOS
PROFESSOR E DOUTOR RAFAEL FRANDOLOSO
ACADÊMICOS: CATHERINE L. APPELT; GABRIEL SCOPEL E GABRIELI STRAUSS

Peste Suína Africana


INTRODUÇÃO

 Virose hemorrágica grave e complexa dos suídeos domésticos, selvagens e ferais, em ambos os
sexos e em todas as idades.
 Associada a um alto índice de mortalidade em suínos domésticos.
 Doença de notificação obrigatória na Organização Mundial de Saúde Animal (OIE).
 Nos suínos domésticos e selvagens (Sus scrofa) pode ocorrer nas formas superaguda, aguda e
crônica, dependendo da virulência da cepa viral, via de infecção e carga viral a que o suídeo é
exposto.
 Não representa perigo à saúde pública.
 Não tendo tratamento ou vacina disponível, o controle e prevenção da doença estão baseados
exclusivamente nas medidas higienicossanitárias.
 Ocorrência de um surto de PSA - abate de todos os animais e seus contatos.
 Responsável por grandes prejuízos socioeconômicos.
 Ponto crucial na segurança alimentar mundial por estar presente em países da África, Europa e
Ásia; por isso, medidas de biossegurança específicas devem ser implantadas para evitar a entrada
do vírus em uma região ou país.

ETIOLOGIA

 Causada pelo vírus da PSA ou VPSA, única espécie viral da família Asfaviridae (nome baseado
nas iniciais de african swine fever virus – ASFV)
 Único arbovírus com DNA genômico conhecido.
 Genoma viral: formado por DNA linear de fita dupla com até 194.000 pares de bases, que possui
entre 150 a 167 ORFs, que, por sua vez, codificam de 100 até 200 proteínas.
 Partícula viral complexa, formada por 68 proteínas.
 Genoma recoberto por uma estrutura central proteica, “core”, revestida por uma membrana lipídica
interna e um capsídeo de formato icosaérico.
 Camada mais externa é o envelope: estrutura lipoproteica dispensável na infecção.
 Considerando o gene da principal proteína do capsídeo (p72) já foram identificados 24 genótipos
distintos do VPSA.
EPIDEMIOLOGIA

 Primeira ocorrência: 1921 por Montgomery, no Quênia onde foram introduzidos suínos domésticos
no país
 Fora da África: primeiro foco em Portugal, 1957.
 Doença foi erradicada, mas reapareceu em surtos em Lisboa, em 1960, permanecendo endêmica e
só sendo erradicada quase vinte anos após o primeiro diagnóstico.
 Durante este período, ocorreram surtos na Espanha, França, Itália, Bélgica e Holanda.
 Primeira ocorrência de surtos nas Américas: Cuba, 1971, posteriormente no Haiti, República
Dominicana e Brasil.
 PSA foi erradicada em todos esses países e regiões, com exceção da Sardenha, onde a virose
permanece endêmica até hoje.
 Brasil: vírus identificado em maio de 1978 - suínos sintomáticos em Paracambi, no Rio de Janeiro.
Esses animais haviam sido alimentados com sobras dos serviços de catering de voos vindo da
Espanha ou Portugal (Lyra, 2006).
 Estratégia brasileira de combate dividida em duas fases: a de emergência, 1978 a 1979, e um
programa específico, de 1980 a 1984.
 Terceira disseminação fora da África: Geórgia, 2007 - surto epidêmico nos suínos que receberam
restos alimentares de um navio vindo de Moçambique.
 Doença disseminou-se para o Leste europeu, atingindo suínos da Armênia e Ucrânia, em 2012.
 Foram registrados surtos em Belarus (2013), Países Bálticos (2014), Polônia (2014), Moldávia
(2016) e Romênia (2017).
 2018: primeiro surto na China e, a seguir, disseminou-se para Camboja, Mongólia, Coreia do Sul,
Laos, Filipinas e Vietnam.
 Os javalis contribuíram para a propagação explosiva da doença: planteis sem medidas e controle
de biosseguridade.
 O período de incubação da doença é de 3 a 14 dias e, com o aparecimento dos sinais clínicos, a
evolução para óbito ocorre entre 4 e 7 dias.
 O agente causal está presente nos tecidos, secreções e excreções dos animais infectados e
permanece viável em produtos cárneos por longos períodos.
 O vírus é altamente resistente em cadáveres, podendo contaminar o solo. Logo, permite que ocorra
a contaminação ambiental, especialmente das lavouras de grãos e água superficiais.
 A mortalidade da PSA varia de 91 a 100% com as cepas mais virulentas e, para menos de 20%,
com as cepas menos virulentas.
 Animais infectados recuperados podem disseminar o vírus por meses e têm papel importante na
manutenção da infecção.
 As principais rotas de transmissão do VPSA ocorrem pelos contatos diretos e indiretos. O contato
direto se dá entre suídeos, por contato com fluidos corporais ou excreções, especialmente pela via
oro-nasal.
 Carrapatos moles, gênero Ornithodoros moubata, da Família Argasidae, são vetores eficientes e
inoculam vírus nos suídeos tanto selvagens como doméstico.
 A ingestão de restos de alimentos humanos, com carne suína ou embutidos contaminados, foi
historicamente a principal fonte de disseminação viral a longa distância.
 Devem-se ainda considerar equipamentos e/ou materiais, veículos ou fômites contaminados com
VPSA, geralmente introduzidos na criação, pelo homem.
 O ciclo doméstico caracteriza-se pela transmissão entre suínos infectados por contato direto e
indireto e independe do vetor artrópode.
 A densidade de suínos suscetíveis e as medidas de biosseguridade externa são fundamentais para
interromper o ciclo.
 O VPSA é sensível a solventes lipídicos, éter e clorofórmio, e inativado por calor, 60°C por 30
min, mas sobrevive por anos a 20°C ou 4°C.
 O agente mantém-se viável em ampla faixa de pH de 3,9 a 11,5, com uma persistência notável em
ambientes alcalinos.
 O vírus é sensível à radiação ultravioleta.
 Os desinfetantes recomendados são formaldeído, hidróxido de sódio, glutaraldeído, soda cáustica
e peróxidos.
 Nas carcaças, o agente pode manter-se por seis meses, a 4°C, e por 2 anos, se dessecado e mantido
à temperatura ambiente. Resistente indefinidamente em carne congelada a -20°C.

PATOGENIA

 A virulência das cepas do VPSA, a saúde do animal suscetível e as condições ambientais interferem
diretamente na evolução da infecção e do quadro clínico.
 Animais que se recuperam podem se tornar portadores por dois a seis meses. No entanto, alguns
suínos podem permanecer com infecção persistente, sem sinais clínicos. Estas infecções crônicas
podem durar até um ano.
 A virulência pode ser alta, moderada e baixa e a infecção pode ser hiperaguda, aguda ou crônica.
 O vírus invade o organismos através das tonsilas e do trato respiratório, replicando-se no tecido
linfático do tecido nasofaríngeo do animal.
 Estudos morfogenéticos mostraram o tropismo do VPSA por células do sistema mononuclear
fagocítico, fundamental na formação da resposta imune inata.
 Os monócitos/macrófagos são as células alvo do vírus.
 As células dendríticas também são consideradas hospedeiras naturais do vírus.
 Células reticulares do baço, linfonodos, pulmões, células epiteliais tubulares renais e hepatócitos,
neutrófilos e células endoteliais também são alvos para o VPSA.

SINAIS CLÍNICOS

 Forma hiperaguda:
 Geralmente causada por cepas altamente virulentas e a evolução é muito rápida (24-72h).
 Os suínos apresentam febre alta (até 42°C), anorexia, letargia e, às vezes, morte súbita sem
sinais de doença.
 Alguns animais podem apresentar dificuldade respiratória, mas geralmente não são
encontradas lesões graves na necropsia.
 Cepas do ASFV virulentas podem desencadear necrose extensa de tecidos infectados.
 Forma aguda:
 Causada por cepas de alta a moderada virulência.
 Tem como sinais clínicos mais evidentes prostração e apatia intensa, dispneia, anorexia e
hipertermia (40,5°C a 42,0°C).
 Na pele dos animais afetados, observam-se áreas com coloração vermelho-azulada, localizadas,
principalmente, na região das orelhas, focinho, abdômen e membros.
 A mortalidade pode chegar a 100%.

 Formas subagudas e crônicas:


 São associados a cepas de moderada e baixa virulência, respectivamente.
 Apresentam um curso mais lento, de três a quatro semanas
 Os sinais clínicos são os mesmos da forma aguda, mas menos intensos.
 Os animais que sobrevivem tendem a manter a enfermidade sob a forma crônica, em que os
sinais são variáveis, podendo ser observadas pneumonias, artrites e ulcerações cutâneas.

LESÕES PATOLÓGICAS

 De modo geral, as lesões da PSA são semelhantes às da forma aguda da PSC, com tendência à
apresentação de quadros mais hemorrágicos.
 Nos casos agudos, além das alterações macroscópicas, identificáveis pelo exame clínico, observa-
se quadro de hemorragias generalizadas. São representadas por petequias e/ou equimoses em quase
todas as serosas e linfonodos e congestão, particularmente aparente no sistema venoso, com
consequente acúmulo de líquidos nas grandes cavidades e edemas em outros órgãos.
 O tecido subcutâneo geralmente apresenta icterícia leve.
 Os linfonodos periféricos apresentam hemorragias leves, mais comuns na porção externa do
parênquima.
 Os linfonodos internos, em especial os mediastínicos e gastro-hepáticos podem mostrar intensa
hemorragia. Em menor grau, também os linfonodos renais, ilíacos e mesentéricos poderão se
apresentar aumentados e congestos.
 Na abertura das cavidades corporais podem ser observados hidrotórax, hidropericárdio e ascite. O
líquido encontrado é seroso, e seu aspecto pode variar entre claro, citrino e rosado.
 O baço, em geral, apresenta grande aumento de tamanho, com congestão e aspecto escurecido e
hemorrágico, sendo uma das alterações mais sugestivas da enfermidade.
 Nos rins, podem ser notadas petéquias e equimoses, não só na superfície, como também no
parênquima e pelve renal.
 A bexiga pode não apresentar alterações ou conter hemorragias petequiais na mucosa.
 O fígado apresenta ligeiro edema parietal e presença de conteúdo espesso, muitas vezes misturado
com sangue.
 No estômago, a mucosa pode apresentar congestão, e o conteúdo gástrico, geralmente presente,
pode estar misturado com sangue, principalmente quando preexistem úlceras gástricas.
 Na mucosa do intestino delgado podem ser observadas petéquias e equimoses. Algumas vezes,
podem ocorrer áreas com intensas hemorragias e seu conteúdo pode apresentar aspecto
sanguinolento.
 O pericárdio pode estar opaco e espessado; petequias e equimoses podem estar presentes no
epicárdio e endocárdio.
 Os pulmões e equimóticas na superfície e os lóbulos pulmonares apresentam- se bem demarcados
devido à presença de edema lobular. Nos casos crônicos observam- se áreas circunscritas de
fibrose, necrose e pneumonia caseosa no pulmão.

DIAGNÓSTICO

 O diagnóstico clínico: considerar a epidemiologia do quadro e o histórico da infecção na região.


 Métodos moleculares: reação da polimerase em cadeia (PCR), em tempo real (RT-PCR) e
convencional.
 Nas áreas livres de PSA, é necessário possuir instalações laboratoriais com nível de biossegurança
4 (NB4) para extrair DNA das amostras biológicas.
 A técnica-padrão da OIE é hemadsorção em leucócitos (HAD), sendo baseada na observação da
adsorção de eritrócitos em leucócitos infectados com vírus. Uma suspensão de tecido-alvo do vírus
do animal suspeito, geralmente tonsilas, linfonodos, baço, fígado e sangue, é inoculada em cultivo
de leucócitos de suínos. Após 24 horas da infecção, é adicionada a essa cultura uma suspensão de
eritrócitos de suínos. Os cultivos de COS.1 e outras linhagens de suínos, incluindo macrófagos
alveolares suínos imortalizados são examinados pelo microscópio ótico, a fim de certificar a
presença do VPSA e verificar se houve ou não a formação dos aglomerados de hemácias em torno
de leucócitos. A amostra é considerada negativa após três passagens sequenciais.
 A técnica de imunofluorescência direta (IFD) pode também ser aplicada em cortes ultrafinos de
baço, pulmão, linfonodos e rim, tanto para detectar os antígenos VPSA nos tecidos ou outros vírus
suínos, como o herpesvírus suíno.
 Já a imunofluorescência indireta (IFI) e/ou imunoperoxidade (IPX) são aplicadas no isolamento e
diagnóstico de amostras virais replicadas em cultivo de células in vitro.
 A técnica de ELISA pode ser aplicada tanto no diagnóstico de antígenos virais como em anticorpos.
 Uma metodologia alternativa para isolamento viral é o uso de culturas de células primárias da
medula óssea de suínos. As células são inoculadas do mesmo modo que se inocula a cultura de
leucócitos, ou seja, com uma suspensão de tecido-alvo do animal suspeito. Comumente, a
identificação dos antígenos virais nas células infectadas é pela técnica de IFI. Essa técnica também
é aplicada na identificação das cepas virais que não induzem à hemadsorção.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

 É necessário estabelecer um fluxo de exames diferenciais, com doenças que cursam com lesões
hemorrágicas como:
 Erisipela;
 Pasteurelose;
 Carbúnculo hemático;
 Salmonelose;
 Síndrome da dermatite e nefropatia;
 Envenenamento por derivados cumarínicos.
CONTROLE E PREVENÇÃO

 A PSA é uma doença internacionalmente considerada de notificação obrigatória.


 Não existe tratamento específico e, até o momento, não há vacinas comerciais disponíveis.
 A doença é controlada pelo abate dos rebanhos positivos.
 Para prevenir a introdução da PSA, no país, é importante a implantação de programas de
biossegurança.
 As medidas recomendas pela OIE para evitar a introdução da PSA em países livres da doença
incluem: proibição total da entrada de suínos domésticos ou selvagens procedentes dos países
contaminados; proibição da entrada de carnes frescas, refrigeradas ou congeladas, oriundas desses
países; proibição da entrada de derivados da carne de suínos de áreas contaminadas; e inspeção
rigorosa nos aviões, navios, caminhões e outros meio de transporte. Caso positivo, realizar a
incineração do material. Além disso, existe também o controle sanitário oficial dos insumos para
ração de animais e das bagagens nos portos, aeroportos e fronteiras do Brasil.
 A importação internacional de suínos vivos, no Brasil, além de toda documentação sanitária
previamente definida, acontece com a quarentena dos animais no estabelecimento oficial do
Ministério da Agricultura, a Estação Quarentenária de Cananeia (EQC), Ilha de Cananeia, litoral
Sul do estado de São Paulo.

VACINAS

 Vacinas inativadas: falharam na indução da proteção, independente dos métodos de inativação e


dos adjuvantes utilizados.
 Vacinas vivas atenuadas (2ª opção): produzidas com cepas virais atenuadas por passagens seriadas
em cultivos celulares, usadas na Península Ibérica, na década de 1960. Todavia, a eficiência no
campo não foi adequada e os animais imunizados desenvolveram doença crônica inaceitável.
 Vacinas vivas atenuadas mais sofisticadas foram obtidas por tecnologia de recombinação de genes-
alvos específicos. Assim, os genes da MGF e 9GL foram interrompidos na cepa viral Geórgia07,
e os animais imunizados sob condição experimental apresentaram boa proteção no desafio com
cepa homóloga. Novos estudos avançaram com a realização da deleção de mais genes em
diferentes cepas virais naturalmente atenuadas, obtidas de regiões endêmicas, bem como em cepas
virulentas. Os protótipos conferiram proteção clínica contra cepas homólogas, mas não
heterólogas, existindo adicionalmente o risco da reversão para virulência.
 Uma outra estratégia que tem sido explorada é a construção de vacinas de subunidades, através da
inserção de antígenos imunogênicos do VPSA em outro vírus. Já foram produzidos dessa forma
vários antígenos virais, como as proteínas estruturais P72, P54 e P30, que induziram anticorpos e,
em alguns casos, linfócitos CD8+. Todas elas foram imunogênicas, mas geraram proteção apenas
parcial, nenhuma conseguindo proteger completamente contra a infecção viral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SOBESTIANSKY, Jurij; BARCELLOS, David (Coord.). Doenças dos suínos. Goiânia: Cânone,
2012. 959 p.
Número de chamada: 636.4.09 D651 2.ed-2012 Ac.115924. Capitulo 33 – Peste Suína Africana.

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