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BASES

FARMACOLÓGICAS
E INTERAÇÕES
MEDICAMENTOSAS
NA ESTÉTICA

Viviane Cecilia Kessler Nunes Deuschle


Fármacos e cicatrização
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar os processos envolvidos na cicatrização.


 Descrever o mecanismo de ação dos fármacos usados na aceleração
da cicatrização.
 Identificar como os fármacos prejudicam a cicatrização.

Introdução
Independentemente do agente que causou a ferida, tanto de forma aci-
dental como intencional, o processo de cicatrização é comum a todos os
ferimentos. Trata-se de um processo sistêmico e dinâmico, que depende
das condições em que o organismo se encontra. Esse processo envolve
uma série de reações moleculares, bioquímicas e fisiológicas, de que
participam células, substâncias vasoconstritoras, fatores de crescimento,
matriz extracelular e sinais químicos, que interagem no sentido de reparar
o tecido danificado. É somente durante a fase fetal de desenvolvimento
humano que o sistema de reparo tecidual ocorre sem a formação de
cicatriz.
O processo de cicatrização é dividido em fases, que decorrem desde
o início da lesão, passando por um processo de recuperação da homeos-
tasia até o restabelecimento completo do tecido. Nesse período, há uma
série de eventos bioquímicos e histológicos, no sentido de promover a
cicatrização da área atingida. Existem fatores que podem contribuir para
que esse processo se complete adequadamente e, até mesmo, para
acelerá-lo; contudo, existem também fatores que levam ao retardo da
cicatrização, comprometendo a evolução normal do processo.
Neste capítulo, você vai estudar os processos fisiológicos envolvidos
na cicatrização, bem como os fatores que interferem de forma positiva e
negativa no reparo tecidual. Ainda, você vai compreender o mecanismo
de ação dos fármacos que contribuem para a cicatrização e daqueles
que dificultam esse processo.
2 Fármacos e cicatrização

Fases da cicatrização
Ao ter um ferimento instalado, tanto de forma acidental como intencional,
como no caso das cirurgias, o organismo inicia o processo de reparo tecidual,
denominado cicatrização. Esse processo é complexo e dinâmico e envolve
diversos elementos celulares, hormonais e moleculares, que entram em ação
logo após a lesão e dependem do grau de comprometimento do tecido e das
condições orgânicas do indivíduo, conforme Garbuio et al. (2018). Segundo
Mendonça e Coutinho-Netto (2009), o processo de cicatrização é dividido
didaticamente em três fases, sendo elas: fase inflamatória, fase proliferativa
e fase de remodelagem.

Fase inflamatória
Logo após a instalação do ferimento, inicia-se a fase inflamatória, com libe-
ração de mediadores inflamatórios, como tromboxano A2 e prostaglandinas.
As plaquetas são acionadas devido ao extravasamento de sangue no local,
formando um agregado e ativando a cascata de coagulação. Esta visa a formar
uma barreira contra a contaminação por micro-organismos e organizar a ma-
triz necessária à migração celular e à liberação das citocinas, bem como dos
fatores de crescimento, imprescindíveis para o fechamento da lesão, conforme
apontam Mendonça e Coutinho-Netto (2009) e Pagnano et al. (2009).
A formação do coágulo é necessária para aproximar as bordas da lesão e
para cruzar a fibronectina, que servirá de base para que outras células atuem,
como os fibroblastos, as células endoteliais e os queratinócitos, conforme
apontam Isaac et al. (2010) e Oliveira e Cunha-Dias (2012). As plaquetas são
importantes do ponto de vista homeostático, uma vez que secretam mediadores
inflamatórios e fatores de crescimento para o local do ferimento. Entre os
fatores de crescimento liberados, estão:

 o fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF);


 o fator de crescimento transformador-β;
 o fator de crescimento transformador-α;
 o fator de crescimento epidérmico; e
 o fator de crescimento endotelial.

Ainda, esses fatores são responsáveis pela produção de fibronectina e


trombospondina, que são glicoproteínas adesivas, conforme Mendonça e
Coutinho-Netto (2009) e Takamori et al. (2018).
Fármacos e cicatrização 3

A fase inflamatória é caraterizada por uma resposta humoral e celular,


caracterizada por alterações na microcirculação local (vasodilatação, aumento
da permeabilidade vascular e acúmulo de plasma) e pela participação de
macrófagos e mastócitos. Dessa forma, evidencia-se nessa fase a presença
de dor, calor, eritema e edema, segundo Mendonça e Coutinho-Netto (2009).
Juntamente com os fatores de crescimento, a cascata de coagulação e a
ativação do sistema complemento, há a liberação de fatores quimiotáticos, que
atraem células relacionadas com a inflamação para a área lesada, conforme
apontam Campos, Borges-Branco e Groth (2007) e Mendonça e Coutinho-
-Netto (2009). Como resposta aos fatores quimiotáticos, as células envolvidas
com a inflamação, como neutrófilos e monócitos, migram em direção ao
local. Os neutrófilos são os primeiros a chegar à lesão e aderem às paredes
do endotélio. Por serem capazes de produzir radicais livres, os neutrófilos
ajudam na destruição de micro-organismos. Logo após, são substituídos por
monócitos, que, antes dos fibroblastos, são importantes no início do reparo;
eles são responsáveis por liberarem fatores de crescimento e citocinas e por
estimularem a angiogênese e a produção da matriz extracelular, que ocorre
na próxima fase, a proliferativa, conforme definem Campos, Borges-Branco
e Groth (2007).

Fase proliferativa
Nesta fase, ocorrem quatro eventos: epitelização, angiogênese, formação de
tecido de granulação e deposição do colágeno. A epitelização ocorre até o final
da segunda semana após o ferimento e, se a membrana basal da epiderme não
for lesada, as células epiteliais migram para a superfície, e as demais camadas
são reestruturadas em poucos dias. Caso contrário, as células epiteliais das
bordas da lesão se proliferam, na tentativa de restaurar a pele. A epitelização
se caracteriza pelo encontro das bordas da lesão pelos queratinócitos que não
foram lesados e dos anexos cutâneos, que participam da formação do tecido
de granulação. O fator de necrose tumoral (TNF-α) estimula a angiogênese,
com a participação das células endoteliais e a formação de capilares. O fator
de crescimento PDGF induz os fibroblastos dos tecidos vizinhos a migrarem
para a região, e o TNF-α estimula a produção de colágeno tipo I e a formação
de miofibroblastos, que são imprescindíveis para a contração da lesão, segundo
Freire et al. (2018).
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Os fibroblastos têm importância na formação do tecido de granulação, uma vez que


são responsáveis pela produção de colágeno, elastina, fibronectina, glicosaminogli-
canos e proteases, que são responsáveis pelo desbridamento e pela remodelagem
do ferimento, conforme Campos, Borges-Branco e Groth (2007).

Fase de maturação ou remodelagem


De certa forma, esta é a fase mais importante do processo, pois ocorre a de-
posição do colágeno de forma organizada. O colágeno inicialmente formado
é do tipo III e, aos poucos, vai sendo substituído por colágeno do tipo I, um
tipo de colágeno mais resistente. O colágeno tipo I vai sendo organizado ao
longo das linhas de tensão da pele, proporcionando aumento da força tênsil
do ferimento. Ao mesmo tempo, os fibroblastos e leucócitos produzem uma
enzima chamada colagenase, que degrada a antiga matriz, que é substituída
por uma nova, segundo Oliveira e Cunha-Dias (2012).
Com a maturação da lesão, os vasos, os fibroblastos e as células inflamató-
rias vão desaparecendo do local, por meio de processos de migração, apoptose
e outros mecanismos de morte celular, levando à instalação da cicatriz com um
reduzido número de células. Entretanto, se permanecer a presença de células na
área lesada, ocorrerá a formação de cicatrizes hipertróficas e/ou queloideanas.
A cicatrização por primeira intenção ocorre quando não há presença de
infecção no tecido, em que apenas a membrana basal da epiderme foi rompida,
e há pequena quantidade de morte celular. A recuperação do tecido ocorre por
um processo fibrótico, com deposição de coágulo sanguíneo e fibrina, gerando
uma cicatriz de pequeno tamanho, segundo Perez (2014). A Figura 1 mostra
a instalação da fase inflamatória até o fechamento da ferida.
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Corpo Resposta Crosta Nova


estranho inflamatória epiderme

(a) (b) (c)

Figura 1. Evolução do processo de cicatrização da fase inflamatória até o fechamento


do tecido: (a) tecido ferido com um elemento estranho; (b) elemento estranho removido,
início da fase inflamatória e fechamento da lesão; (c) reepitelização do tecido (tecido
recém-recuperado).
Fonte: Adaptada de Designua/Shutterstock.com.

A Figura 2 demonstra a fase em que ocorrem a coagulação e a epitelização


da ferida.

(a) (b) (c)

Figura 2. Coagulação e epitelização do ferimento: (a) início da coagulação; (b) aproximação


das bordas da lesão; (c) tecido recuperado.
Fonte: Adaptada de gritsalak karalak/Shutterstock.com.
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O Quadro 1 apresenta um resumo das células que participam do processo


de cicatrização.

Quadro 1. Células envolvidas no processo de cicatrização

Célula Características Funções na cicatrização

Fibroblastos Células formadoras  Secreção de pró-colágeno


de fibras do tecido  Manutenção da integridade
conjuntivo da matriz extracelular
 Produção de fatores de
crescimento

Fibrócitos Fibroblastos inativos  Sua atividade celular é a


fibrose
 Transformam-se em
fibroblastos e miofibroblastos
durante a cicatrização

Miofibroblastos Aparecem durante o  Síntese dos componentes da


processo de cicatrização matriz extracelular
e desaparecem  Importantes para a contração
por apoptose das feridas

Macrófagos Células fagocitárias  Fagocitam elementos


do tecido conjuntivo estranhos, bactérias, restos
(denominadas celulares, elementos anormais
monócitos da matriz extracelular
quando estão no  Podem proliferar no local,
compartimento produzindo novas células
vascular)  Secretam substâncias que
participam da defesa e do
reparo tecidual

Mastócitos Presentes nos pequenos  Auxiliam nas reações


vasos sanguíneos e imunes, na inflamação, na
linfáticos e nas fibras reconstrução e no reparo
nervosas; ocorrem de tecidos e nas doenças
de forma variável no fibróticas
tecido conjuntivo  Participam da angiogênese
e das reações alérgicas e
parasitárias

(Continua)
Fármacos e cicatrização 7

(Continuação)

Quadro 1. Células envolvidas no processo de cicatrização

Célula Características Funções na cicatrização

Plasmócitos Células derivadas  Sintetizam e secretam uma


dos linfócitos B, grande quantidade de
responsáveis pela anticorpos humorais
síntese de anticorpos  Produzem resposta
imunológica específica

Neutrófilos Células constituintes  Presentes durante as invasões


normais do tecido de micro-organismos, em que
conjuntivo, vindas do aumenta a diapedese
sangue por diapedese,
por meio da parede
dos capilares e vênulas

Eosinófilos Aparecem em pequena  Liberam seus grânulos


quantidade, mas no meio extracelular,
aumentam nas alergias, para destruir a ligação
parasitoses e reações antígeno-anticorpo
antígeno-anticorpo  Participam da modulação da
inflamação

Linfócitos Os dois tipos principais  Migram para os tecidos


são os linfócitos B e T durante o processo de reparo
e têm a capacidade de
retornarem ao sangue

Fatores que interferem na cicatrização


São muitos os fatores que interferem no processo de cicatrização, tanto de
forma positiva, acelerando o reparo, como de forma negativa, retardando a
recuperação do tecido. Esses fatores podem ser locais ou sistêmicos, podendo
interferir em maior ou menor grau, segundo Mendonça e Coutinho-Netto
(2009). Por exemplo, a deficiência nutricional dificulta a cicatrização, pois o
sistema imune fica deprimido, reduzindo a capacidade de síntese e reparo do
tecidual, segundo Tazima, Vicente e Moriya (2008).
Dessa forma, a avaliação do estado nutricional é de extrema importância
para que esse processo ocorra de forma adequada. A ingestão adequada de
proteínas favorece a produção dos linfócitos e dos fatores de coagulação, a
8 Fármacos e cicatrização

proliferação dos fibroblastos e queratinócitos e, consequentemente, a produção


de colágeno. Aminoácidos como arginina e glutamina também são necessários
para o processo. Carboidratos e lipídeos fornecem energia para as células
envolvidas, e sua deficiência retarda a cicatrização. As vitaminas lipossolúveis
(A, E e K) são necessárias à síntese de colágeno e glicoproteínas, além de terem
potente efeito antioxidante. Já as vitaminas hidrossolúveis, como C, B1, B2 e
B6, atuam como cofatores para a produção do colágeno, além de reduzirem
sua degradação. Ainda, os minerais, entre eles o cobre, o zinco e o ferro, são
fundamentais para a produção do colágeno, dos leucócitos e das células epi-
teliais. O ferro também é importante para o transporte de oxigênio no sangue.
Assim, a carência desses nutrientes dificulta a cicatrização, segundo Mendes
et al. (2017). Além disso, a adequada hidratação do organismo contribui para
a recuperação do tecido, sendo recomendada uma ingestão diária de cerca de
30 mL/Kg de peso corporal, de acordo com Mendes et al. (2017).
Fatores como idade, tabagismo, presença de doenças crônicas, distúrbios
metabólicos, infecções e neoplasias também interferem negativamente na
cicatrização. Algumas patologias instaladas no organismo, como diabetes,
deficiências imunes, isquemia, anemia, esclerose sistêmica, hipotireoidismo,
doenças hereditárias, alterações de coagulação, insuficiência renal, insu-
ficiência hepática, insuficiência respiratória e queimaduras, por exemplo,
estão associadas à maior dificuldade em processos cicatriciais. A diabetes,
em especial, é um tipo de patologia em que o reparo tecidual é prejudicado,
tendo influência na homeostase do tecido e interferindo de forma negativa
nas fases inflamatórias, na deposição da matriz extracelular e na angiogênese,
conforme apontam Campos, Borges-Branco e Groth (2007).
Ainda, a manutenção de elementos estranhos ao corpo no interior do feri-
mento constitui-se em fonte de contaminação e infecção, prolongando a fase de
inflamação e reduzindo a cicatrização. Nesses casos, algumas técnicas como
o desbridamento contribuem para o processo de cicatrização. Essa técnica tem
como base a remoção dos tecidos inviáveis, podendo ser realizada pelos tipos
autolítico, enzimático, mecânico ou cirúrgico. A presença de excessiva carga
bacteriana e células mortas no tecido necrosado das feridas inibe a cicatrização
e leva ao quadro de infecção, o qual consiste no fator mais influente no retardo
da cicatrização. Assim, a realização do desbridamento, quando indicado, é
bastante propícia, conforme aponta Sarandy (2007).
Fármacos e cicatrização 9

A artrite reumatoide é uma doença autoimune inflamatória e crônica. Dessa forma, ela
influencia negativamente no processo de cicatrização, fazendo com que o processo
ocorra de forma lenta, conforme apontam Goeldner et al. (2011). Para saber mais sobre
esse tema, leia o artigo disponível no link a seguir.

https://qrgo.page.link/UAtqv

Fármacos que interferem na cicatrização


Os medicamentos cicatrizantes aplicados na pele geralmente são usados como
produtos para tratamento local, ou seja, administração tópica de fármacos. A
biodisponibilidade dos fármacos por essa via depende de alguns fatores, como
as características do veículo e as propriedades físico-químicas dos fármacos.
Ao se delinear uma formulação para aplicação tópica, leva-se em consideração
fatores como solubilidade, tamanho da molécula, coeficiente de partição, pKa
do fármaco, bem como a dose desejada, o local da pele em que será aplicado
o medicamento e as condições em que a pele se encontra, segundo Aulton
(2016) e Whalen, Finkel e Panavelli (2016).
Ao ser aplicado na superfície da pele, primeiramente, o fármaco deverá ser
liberado da formulação. Se o fármaco estiver na forma sólida, inicialmente
deverá sofrer dissolução e difusão, mas, se já estiver dissolvido, as moléculas se
difundirão para a superfície da pele. Uma vez na superfície da pele, o fármaco
poderá seguir a via intracelular, a via intercelular ou se difundir pelos anexos
cutâneos, denominados rotas de desvios, segundo Aulton (2016).
A maior barreira à permeação de fármacos através da pele é a espessura
da camada córnea, que varia de acordo com o local e a idade. Em locais em
que a pele é mais fina, há maior chance de efeitos adversos. Nessas regiões,
deve-se usar preferencialmente medicamentos de baixa potência, ou redobrar a
atenção quanto à dosagem aplicada, segundo Costa, Machado e Selores (2005).
A maioria das formulações aplicadas topicamente são semissólidas,
que permitem uma adequada permanência na superfície da pele. A oclusão
proporcionada por esse tipo de formulação permite uma maior hidratação
da pele, melhorando a liberação tópica da maioria dos fármacos, conforme
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aponta Aulton (2016). Contudo, a oclusão pode reter o suor no local da lesão
e permitir a infecção, causando efeitos indesejáveis, de acordo com Costa,
Machado e Selores (2005).
A aplicação tópica de fármacos é destinada à obtenção de efeitos na super-
fície da pele, no estrato córneo, na epiderme viável, na derme ou nos anexos
cutâneos (glândulas sudoríparas e sebáceas, folículos pilosos e unhas), ou em
conjunto, atuando em todas as estruturas da pele, conforme aponta Silva (2017).
Em relação à posologia para a via tópica, a quantidade de produto que sai do
orifício de uma bisnaga (geralmente 5 mm) corresponde a aproximadamente
0,5 g, o que é suficiente para cobrir uma superfície de 300 cm2, segundo Costa,
Machado e Selores (2005).
Muitos fármacos contribuem para promover a cicatrização, denominados
cicatrizantes, acelerando esse processo e propiciando o fechamento da ferida.
Os mais conhecidos são os agentes desbridantes, que são enzimas indicadas
para os casos de remoção de tecido desvitalizado ou necrosado. Os agentes
desbridantes enzimáticos mais empregados são a fibrinolisina, a desoxirri-
bonuclease e a colagenase. Esses fármacos podem atuar de forma isolada ou
em associações entre eles e com os antibióticos. Os antibióticos são indica-
dos quando há presença de processo infeccioso secundário, o que retarda a
cicatrização, conforme Oliveira e Cunha-Dias (2012) e Mendes et al. (2017).
No Quadro 2, confira os fármacos usados na cicatrização, verificando seus
mecanismos de ação, suas formas farmacêuticas e as possíveis associações
entre medicamentos.
Alguns fármacos utilizados para tratar patologias diversas podem prejudicar
o processo de cicatrização, ocasionando retardo na cicatrização em diversos
níveis. Por exemplo, alguns fármacos podem inibir a proliferação dos fibro-
blastos, células imprescindíveis para o reparo tecidual, interferindo no processo
de coagulação sanguínea, entre outros aspectos, conforme apontam Oliveira e
Cunha-Dias (2012) e Mendes et al. (2017). Entre os fármacos que dificultam
o processo cicatricial, pode-se citar os anti-inflamatórios esteroidais e não
esteroidais. Os anticoagulantes frequentemente prescritos para o tratamento
e a prevenção das doenças tromboembólicas são a heparina e a varfarina;
esses fármacos estão associados ao maior risco de sangramentos e hemorragia
e, dessa forma, dificultam o processo cicatricial.
Quadro 2. Mecanismos de ação dos fármacos cicatrizantes

Forma
Fármaco Mecanismo de ação Medicamentos e associações farmacêutica Referência

Fibrinolisina Promove o desbridamento enzimático  Fibrase (fibrinolisina, Pomada Cristália (2013)


suave (hidrolisa moléculas de fibrina desoxirribonuclease e Mandelbaum, Santis e
e exsudatos fibrinosos), agindo sobre cloranfenicol) Mandelbaum (2003)
tecidos desvitalizados (não ataca  Cauterex (fibrinolisina,
enzimaticamente o tecido saudável) desoxirribonuclease e
gentamicina)

Desoxirribonuclease Enzima lítica; agente desbridante  Fibrase (fibrinolisina, Pomada Cristália (2013)
de tecidos e cicatrizante de desoxirribonuclease e Mandelbaum, Santis e
ferimentos; age no DNA das cloranfenicol) Mandelbaum (2003)
células do exsudato da ferida  Cauterex (fibrinolisina,
desoxirribonuclease e
gentamicina)

Colagenase Age degradando o colágeno nativo  Kollagenase (colagenase) Pomada Cristália (2015)
do ferimento e é indicada para  Kollagenase com Cristália (2016)
lesões que apresentem tecido cloranfenicol (colagenase e Franco e Gonçalves
desvitalizado; contraindicada em cloranfenicol) (2008)
cicatrizes por primeira intenção Mandelbaum, Santis e
Mandelbaum (2003)

(Continua)
Fármacos e cicatrização
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(Continuação)

Quadro 2. Mecanismos de ação dos fármacos cicatrizantes

Forma
Fármaco Mecanismo de ação Medicamentos e associações farmacêutica Referência
Fármacos e cicatrização

Cloranfenicol Antibiótico tópico bacteriostático  Pode ser associado a Pomada Cristália (2019)
de amplo espectro, usado em agentes desbridantes
infecções bacterianas secundárias (Fibrase, Kollagenase com
que podem estar presentes, cloranfenicol)
prejudicando a cicatrização

Gentamicina Antibiótico aminoglicosídeo,  Cauterex (fibrinolisina, Unguento Aché (2007)


bactericida de amplo espectro desoxirribonuclease e
gentamicina)

Neomicina Atua combatendo as principais  Neomicina Pomada Takeda Pharma (2017)


infecções da pele; é ativa contra  Nebacetin (neomicina e
bactérias Gram-negativas bacitracina) — a associação
dos dois antibióticos permite
a inibição de vários tipos de
bactérias

Bacitracina Usada na profilaxia de infecções  Nebacetin (neomicina e Pomada Takeda Pharma (2017)
cutâneas provenientes de ferimentos, bacitracina) — a associação
queimaduras e abrasões de pequena dos dois antibióticos permite
extensão; geralmente responde a inibição de vários tipos de
bem a bactérias Gram-positivas bactérias

Fonte: Adaptado de Pagnano et al. (2009).


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No Quadro 3, confira o mecanismo de ação desses fármacos e outras classes


de medicamentos que interferem negativamente no processo de cicatrização
e seus mecanismos de ação.

Quadro 3. Mecanismos de ação dos fármacos que dificultam a cicatrização

Fármaco Mecanismo de ação Referência

Anti-inflamatórios Os efeitos desencadeados pelos Costa, Machado


esteroidais: acetato corticosteroides afetam a síntese e a e Selores (2005)
de hidrocortisona, maturação do colágeno, referentes Freitas e
valerato de a alterações da força de tensão Souza (2007)
dexametasona, de uma lesão, inibindo a função
butirato de dos fibroblastos, deprimindo a
clobetasona, ação bactericida e fagocitária de
desonida, algumas células de defesa e, dessa
fluocinolona forma, ocasionado alterações e
acetonida, furoato retardo na cicatrização de feridas.
de mometasona, Em excesso, os corticoides
propionato inibem os fibroblastos, levando
de clobetasol, à perda de colágeno e de tecido
propionato de conjuntivo como um todo.
fluticasona, Ainda, em lesões com presença
entre outros de infecção, mascaram a infecção,
devido à sua ação anti-inflamatória,
e agravam as infecções, por
serem imunossupressores.
Em dermatites ulceradas, estão
contraindicados, devido ao seu
efeito antiproliferativo, ou seja,
que atrasa a cicatrização.

(Continua)
14 Fármacos e cicatrização

(Continuação)

Quadro 3. Mecanismos de ação dos fármacos que dificultam a cicatrização

Fármaco Mecanismo de ação Referência

Anti-inflamatórios O uso dos AINEs interfere no Lima et al. (2018)


não esteroidais processo de cicatrização por Whalen et
(AINEs): interferência na síntese proteica e al. (2016)
ácido acetilsalicílico, na divisão celular, interferindo na
ibuprofeno, produção do colágeno e deixando
cetoprofeno, a cicatrização mais fragilizada.
naproxeno, Também interagem com a
diclofenaco, vitamina C, reduzindo seus níveis
indometacina, e prejudicando a cicatrização,
meloxicam, a produção do colágeno, a
piroxicam, ácido absorção do ferro e a proteção
mefenâmico, contra radicais livres e infecção.
celecoxibe,
entre outros

Ácido acetilsalicílico Inibe a síntese de tromboxano A2 Whalen et


por acetilação da serina no centro al. (2016)
ativo da COX-1, inibindo a enzima.
Esse efeito inibitório promove a
supressão da agregação plaquetária.

Heparina Apresenta efeito anticoagulante, Whalen et


como consequência da ligação al. (2016)
da antitrombina III, inativando os
fatores de coagulação. Seu principal
efeito adverso é o sangramento.

Rivaroxabana É um inibidor do fator Xa, impedindo Whalen et


a conversão de protrombina al. (2016)
em trombina. O sangramento é
o efeito adverso mais grave da
administração desse fármaco.

Varfarina É um anticoagulante cumarínico, Whalen et


capaz de antagonizar a função de al. (2016)
cofator da vitamina K para os fatores
II, VII, IX e X da cascata de coagulação.

Fonte: Adaptado de Pagnano et al. (2009).


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Conheça mais sobre o efeito negativos dos AINEs sobre o processo cicatricial acessa
o link a seguir.

https://qrgo.page.link/H8gSH

AULTON, M. E. Delineamento de formas farmacêuticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.


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GOELDNER, I. et al. Artrite reumatoide: uma revisão atual. Jornal Brasileiro de Patologia
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16 Fármacos e cicatrização

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