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CONTANDO OS NÚMEROS

Jaime Alves Barbosa Sobrinho

Campina Grande - PB
Maio/2018
CONTANDO OS NÚMEROS

por

Jaime Alves Barbosa Sobrinho †

Tese apresentada como requisito para promoção funcional


para a Classe E (Professor Titular) da Universidade Fede-
ral de Campina Grande - UFCG, nos termos da Resolu-
ção 02/2015 da Câmara Superior de Gestão Administrativo-
Financeira - CSGAF/UFCG.

† Professor UAMat/CCT/UFCG (jaime@mat.ufcg.edu.br)


Jaime Alves Barbosa Sobrinho

CONTANDO OS NÚMEROS

Tese aprovada em 10/07/2018, como requisito parcial para a


promoção funcional para a Classe E (Professor Titular) da
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG, nos ter-
mos da Resolução 02/2015 da Câmara Superior de Gestão
Administrativo-Financeira - CSGAF/UFCG.

Aprovado por:

Universidade Federal de Campina Grande - UFCG


Centro de Ciências e Tecnologia - CCT
Unidade Acadêmica de Matemática - UAMat

10/JULHO/2018
Dedicatória

A Deus, por ter nos criado capazes de absorver e


transmitir a compreensão do seu mundo, através
da matemática, e a todos que dedicam vossas
existências empenhados nessa sublime tarefa.

iv
Agradecimentos
Agradecer uma obra é sempre tarefa árdua, pois pessoas e fatos com os quais interagimos
diariamente sempre podem induzir parcelas importantes de contribuições sem que, eventual-
mente, estejamos percebendo e dando o devido reconhecimento. De qualquer modo, tentaremos
ser genéricos e direto, buscando fazer jus aos que, em princípio, estiveram mais diretamente en-
volvidos apoiando.
Destacamos:

• O Amor, suporte e compreensão dos meus amados e queridos: esposa Maria Fernandes e
filhos Maxwell, Marquênia, Igor e Ian;

• Os amigos e colegas professores, funcionários e alunos que fazem a UFCG e em especial


à UAMat;

• Diversos professores, orientadores e amigos em outras instituições, em especial UFPB,


UEPB, UFPE, UFAL, UFRJ, LNCC, IMPA, UNICAMP e Universidade de Miami;

• Aos autores de todas as referências citadas na bibliografia e, em nome dos quais, estendo
os meus mais efusivos agradecimentos aos que se dedicam à atribuição de escrever obras
didáticas. Os considero verdadeiros mestres e reais responsáveis por nossas formações.
Sabe o que é a responsabilidade de se criar uma obra quem um dia se atreveu e, embora
seja dignificante, diria que é tarefa tão ou mais exigente para um professor quanto o seria
para um aluno lecionar curso em que participa pela primeira vez;

• À minha querida família e em especial minha mãe, Iraci Marinho Barbosa (97 anos), que
também foi minha professora durante os quatro primeiros anos de formação, e meu pai,
Nivaldo Alves Barbosa (in memoriam), pelos constantes incentivos e motivações;

• Enfim, Àquele acima de tudo e de todos, DEUS (seria a MATEMÁTICA?).

Meu muitíssimo obrigado a todos!

v
Se números é o alfabeto matemático,
as funções são as suas palávras.

vi
Resumo
O ato de contar números consiste em um dos nossos primeiros contatos com noções abs-
tratas de matemática, sem que haja preocupação com o que efetivamente venha a ser os objetos
sendo contados. Ao final do século XIX, Peano formalizou axiomas que contemplavam as no-
ções envolvidas nesse procedimento e mostrou que, o que entendemos como números naturais
e as suas operações de adição, multiplicação e de ordem, e as suas respectivas propriedades
associadas, são meras consequências desse ato. O objetivo do trabalho é: destacar a importân-
cia das ideias de Peano e fazer extensão das noções envolvidas no procedimento de “contar os
números”, que culminam com um inovador processo de construção dos números inteiros, dos
racionais e dos reais, de uma forma extremamente análoga do que consta no trabalho de Peano,
e a ampliação para a inclusão dos números reais em construções de estruturas de corpo em todas
as cardinalidades superiores.

Palavras-chave: Axiomas de Peano; Princípios de Indução; Função Sucessora e Antecessora.

vii
Abstract
The act of counting the numbers consists in one of our first contacts with abstract notions
of mathematics, with no concern for what actually becomes to be such counted objects been.
At the end of the nineteenth century, Peano formalized axioms that contemplated the notions
involved in this procedure and showed us that, what we understand as natural numbers and their
correspondents operations of addition, multiplication and order, with their associated properties,
are mere consequences from this counting act. The purpose of this work is to highlight the
importance of Peano’s ideas and to expand the notions involved in this “counting the numbers”
process, which culminate to an innovative procedure of constructing the integers, rational and
real numbers, in a way very analogous to what was developed by Peano, and the enlargement
for the inclusion of the real numbers in constructions of numeric structures of field in all the
superior cardinalities.

Keywords: Peano’s Axioms; Principle of Induction; Sucessor and Predecessor Function.

viii
Lista de Abreviaturas e Siglas
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
AMS American Mathematical Society
CCT Centro de Ciências e Tecnologias
UAMat Unidade Acadêmica de Matemática
UFCG Universidade Federal de Campina Grande
IMPA Instituto de Matemática Pura e Aplicada
PROFMAT Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional
SBM Sociedade Brasileira de Matemática
NBR Norma Brasileira
PIN Princípio de Indução Natural
PBO Princípio da Boa Ordem
SPIN Segundo Princípio de Indução Natural
PIZ Princípio de Indução Inteira
SPIZ Segundo Princípio de Indução Inteira
PER Propriedade da Existência de Raízes
PIQ Princípio de Indução Racional
PDF Princípio da Decomposição Fracionária
SPIQ Segundo Princípio de Indução Racional
PIQP Princípio de Indução Racional Positiva
PEPR Propriedade da Existência de Potências Reais
PIR Princípio de Indução Real
PDR Princípio da Decomposição Real
SPIR Segundo Princípio de Indução Real
PIT Princípio de Indução Transfinita
PEPH Propriedade da Existência de Potências Hiper-Reais
PIH Princípio de Indução Hiper-Real
ZFC Conjunto de Axiomas de Zermelo-Fraenkel mais o Axioma da Escolha

ix
Lista de Símbolos
À parte as simbologias usuais, que já é parte pacífica do linguajar matemático, tipo os
símbolos N, Z, Q, R e C, utilizados para denotarem respectivamente os conjuntos dos números
naturais, inteiros, racionais, reais e complexos, utiliza-se as simbologias abaixo, no seguinte
contexto:

A – função antecessora
S – função sucessora
An – n-ésima função antecessora
Sn – n-ésima função sucessora

n
fn – n-ésima raiz da permutação f ( fn = f)
def
= – igualdade por definição
not
= – igualdade por notação

|{z}
= – “*” é uma resultado ou equação que justifica a igualdade

|{z}
⇐⇒ – “*” é uma resultado ou equação que justifica a equivalência

|{z}
=⇒ – “*” é uma resultado ou equação que justifica a implicação
0/ – conjunto vazio
Z+
∗ – números inteiros estritamente positivos
Z−
∗ – números inteiros estritamente negativos
Z+ – números inteiros não negativos
Z− – números inteiros não positivos
Q+
∗ – números racionais estritamente positivos
Q−
∗ – números racionais estritamente negativos
Q+ – números racionais não negativos
Q− – números racionais não positivos
Qn – n-ésimas frações racionais
X∗ – elementos não-nulo do conjunto numérico X
pn – elemento de Qn (pn = np )
 
I – intervalo de numérico I = 0, 1

x
Sumário

1 Introdução 4
1.1 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.2 Organização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 Contando os Naturais, Inteiros e Racionais: Abordagem Clássica 10


2.1 Contando os Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.1.1 Axiomas de Peano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.1.2 Potência Natural de uma Funcão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.1.3 Operando os Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.1.3.1 Operação de Adição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.1.3.2 Propriedades da Adição Natural . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.1.3.3 Operação de Multiplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.1.3.4 Propriedades da Multiplição Natural . . . . . . . . . . . . . 18
2.1.3.5 Operação de Potenciação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.1.3.6 Propriedades da Potenciação Natural . . . . . . . . . . . . . 20
2.1.4 Ordenando os Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.1.5 Propriedades da Relação de Ordem Natural . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1.6 Subtração Natural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.1.7 Propriedades da Subtração Natural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.1.8 Boa Ordem Natural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.1.9 Aplicações do Princípio da Boa Ordem Natural . . . . . . . . . . . . . 28
2.1.10 Segundo Princípio de Indução Natural . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.2 Contando os Inteiros: Abordagem Clássica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.2.1 Apresentando os Inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.2.2 Tricotomia Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.2.3 Operando os Inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.2.3.1 Adição Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.2.3.2 Propriedades da Adição Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . 35

1
2.2.3.3 Subtração Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.2.3.4 Propriedades da Subtração Inteira . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.2.3.5 Multiplicação Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.2.3.6 Propriedades da Multiplicação Inteira . . . . . . . . . . . . . 38
2.2.4 Ordenando os Inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.2.4.1 Função Sucessora Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.2.4.2 Propriedades da Sucessora Inteira . . . . . . . . . . . . . . . 40
2.2.4.3 Relação de Ordem Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.2.4.4 Propriedades da Relação de Ordem Inteira . . . . . . . . . . 43
2.3 Contando os Racionais: Abordagem Clássica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
2.3.1 Apresentando os Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.3.2 Tricotomia Racional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2.3.3 Operando os Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2.3.3.1 Adição Racional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2.3.3.2 Propriedades da Adição Racional . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.3.3.3 Subtração Racional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.3.3.4 Propriedades da Subtração Racional . . . . . . . . . . . . . 49
2.3.3.5 Multiplicação Racional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.3.3.6 Propriedades da Multiplicação Racional . . . . . . . . . . . 50
2.3.3.7 Divisão Racional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.3.4 Ordenando os Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.3.4.1 Propriedades da Relação de Ordem Racional . . . . . . . . . 54

3 Contando os Inteiros por Indução 56


3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
3.2 Axiomas de Indução Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
3.3 Propriedade da Tricotomia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
3.4 Relação de Ordem Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
3.5 Outras Formulações do Princípio de Indução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
3.6 Potência Inteira de uma Permutaccão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
3.7 Adição Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
3.7.1 Propriedades da Adição Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
3.7.2 Propriedades da Adição em Potências de Permutações . . . . . . . . . 76
3.8 Multiplicação Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
3.9 Potência Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
3.10 Resultados Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

2
Referências Bibliográficas 87

3
Capítulo 1

Introdução

“Nem tudo o que pode ser contado conta,


e nem tudo o que conta pode ser contado.”

(Albert Einstein)

Vamos contar? “Um, dois, três, quatro...,novecentos e noventa e nove, mil, mil e um,...”
Quem não lembra dessa saudosa e divertida brincadeira que talvez seja uma marca na infância
de cada um de nós? Embora o ato de contar os números naturais seja bastante simples e ingê-
nuo, que nos remete aos tempos primórdios da nossa infância, através dele é possível extrair-se
fundamentos de ideias em princípio mais sofisticadas, como é o caso do antecessor do primeiro
número natural, o número zero, o qual é um dos primeiros conceitos objetivando se extender
os números naturais em que ocorreram resistências históricas de aceitação, na história da evo-
lução do nosso intelecto coletivo de conhecimento em matemática e em especial dos números,
em virtude das suas controvérsias associadas a questão de se aceitar a existência de algo para
representar a existência do que seria algo que não existe1 (para mais curiosidades na evolução
histórica da concepção do número zero, consultar [1], [2] ou [3]). Uma outra noção que tam-
bém se destaca por suas controvérsias na compreensão de seu significado é a ideia de infinito,
presente nos simples questionamentos do ato de contar os números, tipo: “até aonde sabes con-
tar?” ou mesmo “qual é o maior números de todos?”, que surgem com naturalidades quando se
observa um princípio natural da contagem que é “o próximo número a ser contado é diferente de
todos que já foram contados”. Tal questão também remete a outros problemas que se insurgem
com naturalidade que é, “como denominar ou mesmo representar uma infinidade de números?”
e mesmo aspectos subjetivo dos números com a questão “se no mundo físico a quantidade de
objetos é finita, qual o significado para o sucessor do número que representa o total da maior
1O número zero teve seu uso proibido em algumas regiões da europa, por volta do final do século XIII.

4
quantidade possível de coisas objetivas (a totalidade das menores partículas do universo)?”2
Bom, mas o nosso objetivo aqui não diz a ver sobre como a evolução do conhecimento tem
lidado com essas questões (sugerimos a leitura de um verdadeiros tratado sobre o tema que é
[4], ou mesmo em [5], para quem se interessar por esses ou diversos outros aspectos da evolu-
ção social na escrita, nomenclatura ou mesmo construção dos vários conjuntos numéricos, em
várias épocas e em diferentes culturas). Em verdade, essas controvérsias, tipo as associadas aos
extremos do conjunto dos naturais, em nada tem a ver com o ato de contar os números, uma vez
que na contagem não existem questionamentos que digam respeito a existência e significado
dos objetos sendo contados (de princípio a existência de tais objetos ficam implícitas a partir
da concepção imaginária de que todos os objetos numéricos já se encontram “enfileirados” a
partir do seu primeiro elemento, o número um). Portanto, na cronologia histórica existem dois
aspectos a serem evidenciados que são os que estariam relacionados as características existenci-
ais intrínsecas dos objeto sendo contados (os números propriamente ditos) e a outra é a relação
existente entre esses objetos, evidenciadas pelo procedimento de contagem (enfileiramento),
conforme fica percebível nos primeiros capítulos da abordagem no belo livro de Graham Flegg
([6]).
Observando um pouco as diversas narrativa histórica da evolução conceitual dos subjetos
da matemática, é difícil as mesmas não se misturarem ou até mesmo se confundirem com as
narrativas relacionadas à história dos números e esta por sua vez com seus fortes vínculos asso-
ciados à prática de contagem, ao surgimento dos diversos sistemas de representação numéricas
e às próprias contruções e ampliação para outros sistemas numéricos. Em fato, o procedimento
de contagem dos números é algo que se apresenta como característica intrínseca da natureza
humana ou porque não dizer dos próprios animais3 e se faz presente em todas as narrativas
relacionadas com à própria história do desenvolvimento intelectual da humanidade.
Ao final do século XIX Peano, observando a essência do procedimento de contagem de
não se preocupar com a natureza dos objetos sendo contados, consubstanciou uma belíssima
construção dos números naturais, partindo de princípios que nada mais são que a contemplação
de forma cristalina de tudo que há por trás da atividade recreativa de se contar os números (ver
[7]). Todas as propriedades algébricas das operações de adição e multiplicação, bem como da
relação de ordem total e do princípio da boa ordenação, são obtidas tendo por premissa nada
mais que as ideias envolvidas nesse ato de contagem dos números, conforme é contado no
Capítulo 2.
Esclarecemos de que, na linguagem utilizada, a noção de números relacionada com o ato
2 Esse número, sem significado matemático próprio, convencionou-se denominá-lo por googol (= 10100 , cf.
Wikipedia - https://en.wikipedia.org/wiki/Googol)
3 Cientistas tem desenvolvidos pesquisas que evidenciam que chipanzés, gatos, cavalos, pombos e até mesmo

os pintinhos também detém habilidades de contar e ordenar.

5
de contagem tem a ver com o conceito de números ordinais, enquanto a noção de números
correspondente com as suas características existenciais intrínsecas, tem a ver com o conceito de
números cardinais, conceitos ambos introduzidos por Georg Cantor ao final do século XIX (ver
[8]).

1.1 Objetivos
Adiantamos que embora o título do trabalho tenha uma conotação bem abrangente, em
termos dos usuais estruturas numéricas conhecidas da matemática, vamos focar primordial-
mente nos números naturais, os inteiros, as frações e os reais, em um contexto que se assemelha
ao trabalho apresentado por Peano, sem preocupações com naturezas intrínsecas existenciais
dos objetos envolvidos. O grande diferencial de uma abordagem com esse caráter é que as con-
trovérsias, que tanto tem atrapalhado à compreensão e abordagem dos números negativos, do
próprio número zero e mesmo das frações, são evitadas. O destaque então passa a ser concen-
trado apenas na apresentação dos procedimentos aritméticos da adição, multiplicação e ordena-
ção, todos como simples consequências da ampliação do primitivo procedimento de contagem,
aplicados aos demais ambientes numéricos. O ganho de uma abordagem dentro desse contexto
é inestimável, pois a apresentação mais natural destes “novos” elementos numéricos, em con-
textos práticos que evitam as controvérsias e dificuldades de ordem muitas vezes filosóficas das
suas existências, culminam com narrativas didadicamente mais compreensíveis, simples e obje-
tivas, como ocorre no caso dos números inteiros negativos em que o seu princípio de contagem
se identifica com uma das interpretações práticas que é a contagem do fluxo de ovelhas de um
rebanho, que se movimentam entre dois terrenos distintos de uma determinada propriedade.
Considerando que com os efeitos da procriação a população de ovelhas pode, em princípio,
aumentar indefinidamente em cada um dos terrenos, então o fluxo, na fronteira entre os dois
terrenos, também pode aumentar de modo indeterminado em ambas as direções (ver ilustração
na figura 1.1).
A ideia de alguém ficar contando (ou em linguagem moderna, se por um contador com
sensor eletrônico) para determinar o sucessor de um número quando uma ovelha percorre a
direção do terreno A para o terreno B e o antecessor do número quando a direção da ovelha for
invertida, fatalmente impõe a necessidade subjetiva dos números inteiros e además todo o seu
algebrismo da aritmética envolvida nas operações de adição e de multiplicação, de uma maneira
completamente análoga ao procedimento tradicionalmente divulgado de que “um pastor conta
seu rebanho de ovelhas com pedrinhas, quando o mesmo retorna ao seu recinto (curral) todo
final do dia” na tradicional história de construção ou apresentação dos números naturais.
A contextualização das frações na ótica do mesmo princípio de contagem, se faz de modo

6
Figura 1.1: Fluxo de ovelhas em um cercado

parecido ao que é feito com os inteiros, tendo por diferença básica a necessidade de um contador
para cada subdivisão (fração) natural da unidade, com as devidas relações entre cada um destes
contadores, de modo que o sucessor seguido da quantidade de partes divididas da unidade se
identifica com o contador original da unidade (ver detalhes no Capítulo ??).
Destacamos como um dos principais objetivos deste trabalho ou objetivo geral propri-
amente dito, obter-se uma generalização dos princípios (axiomas) elencados por Peanos, em
seu trabalho sobre uma construção para os números naturais, que possibilite a construção dos
números inteiros e também dos números racionais e reais, através de procedimentos que se
assemelham ao que foi desenvolvido no caso dos números naturais. Ou seja, uma construção
dos números inteiros, dos números racionais e dos reais, através de adequada generalização dos
conhecidos axiomas de Peano.
Dentre os objetivos específicos, elencamos:

• A compreensão das características e propriedades que os subconjuntos dos números in-


teiros, das frações e dos próprios números reais, como conhecidos, devem satisfazer para
que seja possível determinar-se aonde os princípios (axiomas) de Peano devem ser al-
terados, de modo que estes também tenham contemplados os respectivos subconjuntos
numéricos analisados;

• Obter-se uma eventual simplificação de abordagem didática para os números inteiros,


frações e números reais, através uma nova proposta onde as dificuldades relacionadas com
as controvércias de contextualizações existenciais desses elementos são desnecessárias.
Talvez, esse contexto de abordagem possa provocar impactos na forma como os números
negativos e as próprias frações são lecionadas nas disciplinas iniciais, com destaque para
esses conteúdos de matemática;

7
• A obtenção de todas as propriedades aritméticas contidas no algebrismo das operações
de adição e multiplicação, bem como da relação de ordem, regra dos sinais,... etc. Todas
como consequências imediatas do devido procedimento de contagem dos números;

• Desenvolver uma inédita construção para o conjunto dos números inteiros;

• Desenvolver uma inédita construção para o conjunto dos números racionais;

• Desenvolver uma inédita construção para o conjunto dos números reais;

• Obter-se uma abordagem mais uniforme na construção dos diversos subconjuntos numé-
ricos conhecidos;

• Ampliar a metodologia para a construção de extensões do corpo dos reais, em estruturas


definidas para todas as cardinalidades superiores.

1.2 Organização
Enfatizamos as fortes influências que buscamos seguir em toda a estruturação e orga-
nização do trabalho, através das excelentes dicas e sugestões presentes nos magníficos livros
do professor Daniel de Morais Filho ([9] e [10]), no belo livro que a American Mathematical
Society (AMS) publicou homenageando Norman E. Steenrod (in memoriam), contemplando
quatro ensaios escritos pelo próprio Norman e os referenciados matemáticos Paul R. Halmos,
Menahem M. Schiffer e Jean A. Dieudonné, buscando padronizar e orientar a escrita exposi-
tiva de livros e artigos em nível de pesquisa e em nível de textos de graduação de matemática
([11]). Nas escritas precisas presentes em muitos dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC)
do Programa de Mestrado Profissional de Matemática - PROFMAT, com abordagens vincula-
das a propriedades e construções dos números, tipo [12] e [13], além dos manuais de normas
técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), para padronização da escrita
nos trabalhos acadêmicos, tipo as Normas Brasileiras (NBR) NBR6023 ([14]) e NBR10520
([15]), bem como a não tão “Breve Introdução ao LATEX 2ε ”, escrita pelo professor Lenimar N.
de Andrade ([16]).
Em linhas gerais o trabalho se encontra estruturado através da seguinte organização:

• O Capítulo 1 (este) faz apresentação dos objetivos do trabalho, dando destaque aos seus
objetivos gerais e específicos bem como da estruturação organizacional dos conteúdos
abordados;

• No Capítulo 2 é feito uma revisão apresentando as construções clássicas dos números


naturais, nos moldes presente no trabalho de Peano ([7]), bem como as contruções dos

8
números inteiros e dos números racionais, através de adequadas definições de classes de
equivalências sobre conjuntos advindo das estruturas previamente concebidas. Se busca
enfatizar destaque especial nas propriedades a serem reescritas no inovado contexto que
se apresenta nos capítulos que se seguem. Dentre algumas das principais bibliografias
consultadas e que mais exerceram influências no estilo abordado, destacamos as seguintes
referências clássicas escritas por Mac Lane e Birkhoff ([17] e [18]), Elon Lima ([19] e
[20]), Jamil Ferreira ([21]), Abramo Hefez ([22]),... et al.;

• No Capítulo 3 é feito o inovado desenvolvimento e apresentação de uma construção para


os números inteiros, nos mesmos moldes da construção apresentada no Capítulo 2, para
os números naturais. Como referência que mais contempla os conteúdos abordados a
única identificada, no contexto, é o trabalho TCC sob nossa orientação ([25]);

• O Capítulo 4 foca no inovado desenvolvimento e apresentação da abordagem sobre a


construção dos números racionais, ampliando o que foi desenvolvido nos Capítulo 2 e
Capítulo 3, na construção dos números naturais e números inteiros, respectivamente;

• O Capítulo 5 continua ampliando os procedimentos indutivo, desenvolvendo uma nova


construção para os números reais, estendendo o que foi apresentado nas inovadas formas
de se enxergar os números naturais, números inteiros e racionais, respectivamente;

• E finalizando, o Capítulo 6 apresenta as conclusões do trabalho, buscando interpretar


os possíveis impactos dos resultados apresentados, bem como inferir sobre possibilida-
des das ideias introduzidas serem aplicadas na construção de outros conjuntos numéricos
desconhecidos, tipo os números que denominaremos de hiper-reais, ou nos números com-
plexos ou mesmo qualquer um dos seus possíveis subcorpos, como é o caso do corpo dos
números algébricos, o corpo dos números construtíveis,... etc. Para maior aprofunda-
mento, em outros contextos clássicos da teoria dos números e estudos atuais nessa linha
de pesquisas, sugerimos [26], [27], [28], [29] e [31], dentre diversos outros autores reco-
nhecidos.

Enfim, o trabalho encerra-se apresentado todas as principais referências bibliográficas


consultadas, durante toda a fase de desenvoltura e contextualização das ideias abordadas.

9
Capítulo 2

Contando os Naturais, Inteiros e


Racionais: Abordagem Clássica

“Todas as coisas são números.”

(Pitágoras)

Este capítulo destina-se a fazer uma revisão das clássicas abordagens de construção dos
números naturais, via os axiomas de Peano, e dos números inteiros e racionais, via operações
sobre classes de equivalência definidas sobre o produto cartesiano dos números naturais e dos
números inteiros e naturais não nulos, respectivamente. Para complementação sugerimos con-
sultas aos livros do Birkhoff e Mac Lane ([17] e [18]), do Elon L. Lima ([19]), do Jamil Ferreira
([21]) e do Abramo Hefez ([22]).

2.1 Contando os Naturais


Em seu trabalho original Ioseph Peano ([7]), buscando contemplar de modo fidedigno
os princípios da contagem dos números naturais, considera que a função sucessora (início da
contagem) se inicia a partir do número 1, ou seja, define os números naturais como sendo
N = {1, 2, 3, ...}. Aqui, por questões relacionadas a aspectos algébricos, para quando de sua
extensão para os números inteiros (ou mesmo por questão de preferência, conforme enfatiza o
Elon L. Lima ([20]) na seção sobre Conceitos e Controvérsias, tratando se o número zero é ou
não um natural, onde observa que essa diferença sutil é irrelevante), vamos considerar que a
contagem começa a partir do número zero.

10
2.1.1 Axiomas de Peano
No contexto que será abordado, os Axiomas de Peano simplesmente se resumem na afir-
mação de que existe conjunto satisfazendo:

Definição 2.1.1 (Axiomas de Peano) Diz-se que um conjunto N ̸= 0/ satisfaz à Propriedade da


Indução Natural, quando existir uma função S : N → N, chamada de sucessora, satisfazendo
aos seguintes princípios:

N1 - S é injetiva;

N2 - Existe elemento 0 ∈ N que não pertence a imagem de S 0 ̸∈ Im(S) ;

N3 - (Princípio de Indução Natural - PIN) Se um subconjunto X ⊂ N satisfaz:


( )
a) 0 ∈ X;
=⇒ X = N. (2.1)
b) Sempre que n ∈ X ⇒ S(n) ∈ X.

Observamos que o elemento 0 ∈ N satisfazendo ao princípio N2 é único, pois se algum outro


elemento 0̃ ∈ N também satisfaz N2 , como X = {0} ∪ Im(S) satisfaz aos itens (2.1)-a e (2.1)-b,
tem-se pelo Princípio de Indução Natural (eq. 2.1) que X = N, e como 0̃ ̸∈ Im(S), segue-se
que 0̃ ∈ {0} ⇒ 0̃ = 0. Portanto, não existe ambiguidade na escolha de um símbolo específico
(único) para a sua representação. Também, não é difícil de se verificar o fato de que conjuntos
que satisfazem à Propriedade da Indução Natural são isomomorfos (estruturas algebricamente
idênticas) e assim, a menos de isomomorfismo utilizamos o símbolo N para representar o ele-
mento (único) dessa estrutura, propriamente denominadas de números naturais. Em síntese,
dando destaque ao observado, tem-se:

Axioma 2.1 (Peano) Existe conjunto N ̸= 0/ satisfazendo à “Propriedade da Indução Natural”.

Definição 2.1.2 Chama-se Números Naturais os elementos de um conjunto satisfazendo à


“Propriedade da Indução Natural”. Neste caso, S(n) é o sucessor de n ∈ N e n é o antecessor
de S(n).

Um fato que também decorre de N2 é que:


def
1 = S(0) ̸= 0, (2.2)

pois 1 ∈ Im(S) e no entanto 0 ̸∈ Im(S). Esse fato, é apenas o passo inicial do Princípio de
Indução Natural (eq. 2.1-a) para se justificar o seguinte resultado mais geral:

Proposição 2.1 Se N satisfaz à “Propriedade da Indução Natural”, então:

S(n) ̸= n, ∀n ∈ N. (2.3)

11
Demonstração: Considere X = {n ∈ N; S(n) ̸= n}, então por (2.2) tem-se que 0 ∈ X. Agora, se
n ∈ X é qualquer outro elemento, segue-se do princípio N1 que S(S(n)) ̸= S(n). Logo, segue-se
da definição de X que S(n) ∈ X e daí, obtém-se do princípio N3 (PIN) que X = N, o que conclui
a demonstração. □

A simplicidade da seguinte conceituação, atribuindo simbolos e denominando os primeiros nú-


meros naturais, ordenados via função sucessora, esconde um pouco do que tem sido um dos
grandes problemas enfrentados por gerações que é o de como representar e atribuir nomencla-
tura para uma infinidade de objetos1

def def def def


1 = S(0); 2 = S(1); 3 = S(2); 4 = S(3); ... (2.4)

O próximo resultado, aparentemente óbvio, simplesmente diz que quando se conta in-
definidamente a partir do zero obtém-se todos os números naturais (talvez seja natural essa
concepção por nossa experiência com os números naturais, mas não é exatamente isso o que diz
os três princípios que caracterizam a definição dos números naturais, conceituados na Definição
2.1.2).

Proposição 2.2 N = {0, 1, 2, 3, 4, ...}.

Demonstração: Basta verificar que X = {0, 1, 2, 3, 4, ...} satisfaz às premissas (hipóteses)


do PIN (eq. 2.1). □

Destacamos a seguinte notação usual que também será adotada em determinadas circunstâncias
quando for preciso desconsiderar a presença do elemento zero.

def
N∗ = N − {0} = {1, 2, 3, 4, ...} = Im(S). (2.5)

2.1.2 Potência Natural de uma Funcão


A potência natural de uma função, cujos domínio e contradomínio sejam coincidentes, é
definida indutivamente para todos os naturais através do PIN (eq. 2.1), da seguinte forma:

Definição 2.1.3 Sejam A ̸= 0/ e f : A → A uma função. A n-ésima potência de f é:


def
(
a) f 0 = IdA ;
def (2.6)
b) Se f n é definida para n ∈ N ⇒ f S(n) = f ◦ f n .
1 No sistema posicional em princípio é possível representar qualquer número natural, por combinações dos seus
dez primeiros simbolos, bem como se fazer a sua denominação por combinações das letras do alfabeto, no entanto
tal representação e denominação tendem a crescer indefinidamente ao ponto de ficarem impraticáveis.

12
Em (2.6-a), IdA é a função identidade do conjunto A (IdA (a) = a, ∀a ∈ A). Uma consequência
imediata do PIN é que a n-ésima potência de f fica bem definida para todos os números naturais,
pois definindo-se X = {n ∈ N; f n fica bem definida}, a equação (2.6) é exatamente o que garante
que as premissas (hipóteses) do PIN sejam satisfeitas, seguindo-se que X = N. Outros dois
resultados que também decorrem direto como consequência do PIN e da Definição 2.1.3 é:
n
IdA = IdA , ∀n ∈ N (2.7)
n
(basta observar que X = {n ∈ N; IdA = IdA } satisfaz às hipóteses do PIN) e

f ◦ f n = f n ◦ f , ∀n ∈ N. (2.8)

Para justificar (2.8), basta considerar X = {n ∈ N; f ◦ f n = f n ◦ f }. Então, é imediato observar


que 0 ∈ X e, para qualquer outro elemento n ∈ X, tem-se fazendo uso da propriedade associativa
da composição de funções que:
(2.6 − b) n∈X (2.6 − b)
S(n) | {z } n | {z } n n
f S(n) ◦ f .
| {z }
f◦f = f ◦(f ◦ f ) = f ◦(f ◦ f) = (f ◦ f )◦ f =

Portanto, S(n) ∈ X e, como as duas premíssas do PIN (eq. 2.1) são satisfeitas, tem-se que
X = N, o que conclui a justificativa.
Um resultado que caracteriza os números naturais como as n-ésimas potências da função
sucessora aplicadas ao número zero é:

Proposição 2.3 Seja n ∈ N. Então,


Sn (0) = n. (2.9)

Demonstração: Buscando fazer uso do PIN, seja X = {n ∈ N; Sn (0) = n}. Segue-se de (2.6-a)
que 0 ∈ X. Considerando agora n ∈ X qualquer outro elemento,
(2.6 − b) ∈X
S(n)
 n| {z
S ◦ Sn (0) = S Sn (0) = S(n).
| {z } }
S (0) =

Portanto, segue-se da definição de X que S(n) ∈ X e, como as premissas do PIN são satisfeitas,
tem-se que X = N e o resultado fica demonstrado. □

Portanto, segue-se das Proposições 2.2 e 2.3 que os números naturais pode também ser escrito
da seguinte forma:
N = {Sn (0); n ∈ N}. (2.10)

13
2.1.3 Operando os Naturais
Talvez seja nas definições das operações sobre os números naturais (Adição e Multipli-
cação) onde a Propriedade da Indução Natural (ou Axiomas de Peano) demonstra a sua maior
riqueza, pois suas conceituações deixam bem evidentes as suas fortes relações com a função
sucessora bem como com os nossos primitivos ato de contar os números e de se fazer cálculos
contando com o auxilio dos dedos.

2.1.3.1 Operação de Adição

A adição de números naturais é definida fazendo-se uso do PIN, da seguinte forma:

Definição 2.1.4 Dados m, n ∈ N, a sua soma (ou adição), m + n, é definida recursivamente


por:
def
(
a) m + 0 = m;
def (2.11)
b) Definido m + n ⇒ m + S(n) = S(m + n).

O resultado seguinte, que também poderia ter sido adotado para definir-se a adição, es-
pelha melhor a ideia primitiva de “soma nos dedos” (toma-se um número natural m e se conta
sucessivamente, a partir de m, n vezes o outro número natural n dado ou seja, aplica-se a n-ésima
potência da sucessora à m). Mais precisamente:

Proposição 2.4 Para quaisquer m, n ∈ N, tem-se que:

m + n = Sn (m). (2.12)

Demonstração: Buscando fazer-se uso do PIN na justificativa, fixe m ∈ N, tomado arbitraria-


mente, e defina Xm = {n ∈ N; m + n = Sn (m)}. Então, segue-se das equações (2.11-a) e (2.6-a)
que 0 ∈ Xm . E, para qualquer outro elemento n ∈ Xm ,

(2.11 − b) − b)
| {z }
n ∈ Xm
| {z }  (2.6
n
| {z } S(n)
m + S(n) = S(m + n) = S S (m) = S (m) ⇒ S(n) ∈ Xm .

Portanto, tem-se as premíssas do PIN satisfeitas e então, Xm = N, o que mostra que (2.12)
ocorre para quaisquer m, n ∈ N. □

Uma resultado que segue-se imediato da Proposição acima, e que inclusive também po-
deria ter sido usado na definição da soma, é:

Corolário 2.5 Para quaisquer m, n ∈ N, tem-se que:

m + n = Sn ◦ Sm (0).

(2.13)

14
Demonstração: Consequência imediata das equações (2.9) e (2.12), pois:
(2.12) (2.9)
m + n = S (m) = Sn Sm (0) = Sn ◦ Sm (0).
n
| {z }  | {z } 

2.1.3.2 Propriedades da Adição Natural

Algumas das propriedades da adição seguem-se direto da sua definição, ou mesmo por
suas equivalências dadas pelas equações (2.12) e (2.13). Tem-se por exemplo que:
(2.6 − b) (2.12)
| {z } 1 | {z }
S(m) = S (m) = m + 1. (2.14)

Dentre outras propriedades, por vezes nem tão imediatas, elencamos:

1. Existência de Elemento Neutro:

m + 0 = 0 + m = m, ∀ m ∈ N. (2.15)

Demonstração: Consequência direta da definição da soma (equação 2.11-a) e das equa-


ções (2.12) e (2.9). □

2. Comutatividade:
m + n = n + m, ∀ m, n ∈ N. (2.16)

Demonstração: Buscando utilisar o PIN, fixe qualquer m ∈ N e defina Xm = {n ∈ N; m+


n = n + m}. Então, segue-se de (2.15) que 0 ∈ Xm e, para qualquer outro elemento n ∈ Xm ,
(2.11 − b) (2.12)
| {z }
n ∈ Xm
| {z }  (2.8)
| {z } m  (2.12)
| {z }
| {z }m
m + S(n) = S(m + n) = S(n + m) = S S (n) = S S(n) = S(n) + m,

concluindo-se que S(n) ∈ Xm . Portanto, temos que as premissas do PIN são satisfeitas
com Xm e então, Xm = N. A justificativa termina tendo em vista que m ∈ N foi tomado
arbitrário. □

Um resultado que é consequência imediata de propriedade acima, é:

m + S(n) = S(m + n) = S(m) + n; ∀ m, n ∈ N. (2.17)

15
3. Associatividade:
def
(m + n) + k = m + (n + k) = m + n + k, ∀ m, n, k ∈ N. (2.18)

Demonstração: Procedendo-se pelo PIN, tome quaisquer m, n ∈ N e defina Xmn = {k ∈


N; (m + n) + k = m + (n + k)}. Então, segue-se de (2.15) que 0 ∈ Xmn . E para qualquer
outro k ∈ Xmn ,
(2.17)
| {z }  k| ∈{zXmn} 
(m + n) + S(k) = S (m + n) + k = S m + (n + k)
(2.17) (2.17)
| {z } | {z } 
= m + S(n + k) = m + n + S(k) ,

concluindo-se que S(k) ∈ Xmn . Portanto, tem-se as premissas do PIN satisfeitas com
Xmn e daí, Xmn = N. A justificativa termina tendo em vista que m, n ∈ N foram tomados
arbitrários. □

4. Lei do Cancelamento: Dados m, n, k ∈ N,

m + n = m + k ⇐⇒ n = k. (2.19)

Demonstração: Procedendo-se também pelo PIN, seja X = {m ∈ N; m + n = m + k ⇐⇒


n = k}. Então, segue-se de (2.15) que 0 ∈ X. E, para qualquer outro m ∈ X,
(2.17)
| {z }  
S(m) + n = S(m) + k ⇐⇒ S (m + n) = S (m + k)
Def. 2.1.1/N1 m∈X
| {z } | {z }
⇐⇒ m + n = m + k ⇐⇒ n = k,

mostrando que S(m) ∈ X. Portanto, tem-se as premissas do PIN satisfeitas com X e então,
X = N e a justificativa fica concluída. □

2.1.3.3 Operação de Multiplicação

Nossa referência para definir a operação de multiplicação, nos números naturais, continua
tendo por base o procedimento de recorrência através do PIN. O procedimento tem a ver com
a ideia de se somar lotes de uma certa quantia. Mais precisamente,
not
Definição 2.1.5 Dados m, n ∈ N, o seu produto (ou multiplicação), m · n = mn, é definido
recursivamente por:
def
(
a) m · 0 = 0;
def (2.20)
b) Definido m · n ⇒ m · S(n) = m · n + m.

16
O resultado que se segue, também poderia ter sido adotado na definição da multiplicação, por
ser equivalente a definição dada. Ele contempla de modo mais explícito a ideia da soma em
blocos (lotes) de uma mesma quantidade, que foi observado acima. Também, por esse resultado
fica destacado um fato de que, enquanto a definição da soma tem a ver com a operação de
composições da função sucessora (equação 2.13), a definição do produto tem a ver com as
potências de potências da sucessora. Mais precisamente:

Proposição 2.6 Para quaisquer m,n ∈ N, tem-se que:


n
mn = Sm (0). (2.21)

Demonstração: Buscando aplicar o PIN, fixar m ∈ N, tomado arbitrário, e considerar Xm =


n
{n ∈ N; mn = Sm (0)}. Então, segue-se por (2.20-a) e (2.6-a) que 0 ∈ Xm . E, para qualquer
outro elemento n ∈ Xm ,
(2.20 − b) (2.13)  − b)
n ∈ Xm
n n  (2.6 S(n)
Sm (0) + m = Sm ◦ Sm (0) = Sm
| {z } | {z } | {z } | {z }
m · S(n) = mn + m = (0),

mostrando que S(n) ∈ Xm . Portanto, tem-se as premissas do PIN satisfeitas para Xm e então,
Xm = N e a justificativa fica concluída por conta de m ∈ N ter sido tomado arbitrário. □

Um resultado que alguns autores usam para se estender o processo recursivo, na definição
da multiplicação nos números naturais, é (cf. [19], página 29):

Corolário 2.7 Para quaisquer m, n ∈ N, tem-se que:


n
m · S(n) = Sm (m). (2.22)

Demonstração: De fato, basta observar que:


(2.21) (2.6 − b)
m S(n)

m
  (2.8)
m n m n m
 (2.9) n
S (0) = Sm (m).
| {z }  | {z } | {z }  | {z }
m · S(n) = S (0) = S ◦ S (0) = S

O próximo resultado será útil na demonstração de algumas propriedades da multiplição


dos números naturais.

Proposição 2.8 Para quaisquer inteiros m, n ∈ N, tem-se que:

S(m) · n = m · n + n. (2.23)

17
Demonstração: Observamos que o resultado acima seria uma simples observação decorrente
da propriedade distributiva, entretanto, tal fato ainda não foi demonstrado e ainda por cima o
mesmo será utilizado na demonstração da distributividade. Mas procedendo-se mais uma vez
pelo PIN, fixe m ∈ N, tomado arbitrário, e considere Xm = {n ∈ N; S(m) · n = m · n + n}. Então,
segue-se por (2.20-a) e (2.15) que 0 ∈ Xm . E para qualquer outro elemento n ∈ Xm ,
(2.20 − b) n ∈ Xm (2.18)
| {z } | {z }  | {z } 
S(m) · S(n) = S(m) · n + S(m) = m · n + n + S(m) = m · n + n + S(m)
(2.16), (2.17) e (2.18) (2.20 − b)
| {z }  | {z }
= m · n + m + S(n) = m · S(n) + S(n),

mostrando que S(n) ∈ Xm . Portanto, tem-se as premissas do PIN satisfeitas para Xm e então,
Xm = N e a justificativa fica concluída por conta de m ∈ N ter sido tomado arbitrário. □

2.1.3.4 Propriedades da Multiplição Natural

Dentre as diversas propriedades que a multiplição natural satisfaz, destacamos:

1. Produto por Zero:


m · 0 = 0 · m = 0, ∀ m ∈ N. (2.24)

Demonstração: Basta observar que:


(2.20 − a) (2.7) (2.6 − a) (2.21)
| {z } | {z } m | {z } 0 m
 | {z }
m·0 = 0 = IdN (0) = S (0) = 0 · m.

2. Existência de Elemento Neutro Multiplicativo:

m · 1 = 1 · m = m, ∀ m ∈ N. (2.25)

Demonstração: De fato:
(2.2) (2.20 − b) (2.24) (2.15)
| {z } | {z } | {z } | {z }
m·1 = m · S(0) = m·0+m = 0+m = m
(2.15) (2.24) (2.23) (2.2)
| {z } | {z } | {z } | {z }
= 0 + m = 0 · m + m = S(0) · m = 1 · m.

3. Comutatividade:
m · n = n · m, ∀ m, n ∈ N. (2.26)

18
Demonstração:
Buscando se utilizar do PIN, seja n ∈ N, escolhido arbitrariamente, e fixe Xn = {m ∈
N; m · n = n · m}. Tem-se por (2.24) e (2.25) que {0, 1} ⊂ Xn . Agora, se m ∈ Xn é outro
elemento qualquer, então:
(2.23) m ∈ Xn (2.20 − b)
| {z } | {z } | {z }
S(m) · n = m · n + n = n · m + n = n · S(m) =⇒ S(m) ∈ Xn .

Portanto, as premissas do PIN são satisfeitas para Xn o que assegura que Xn = N. A


demonstração fica concluída, tendo em vista que o n ∈ N escolhido pode assumir qualquer
valor. □

4. Distributividade:
(
a) m · (n + k) = m · n + m · k
; ∀ m, n, k ∈ N. (2.27)
b) (n + k) · m = n · m + k · m
Demonstração: Naturalmente que o item b) segue-se do item a) e da propriedade comu-
tativa, demonstrada logo acima. Quanto ao item a), tem-se buscando fazer uso do PIN
que para n, k ∈ N, escolhidos arbitrários, fixar Xnk = {m ∈ N; m · (n + k) = m · n + m · k}.
Então, por (2.24) segue-se que 0 ∈ Xnk e para qualquer outro elemento m ∈ Xnk ,
(2.23) m ∈ Xnk
| {z } | {z }
S(m) · (n + k) = m · (n + k) + (n + k) = (m · n + m · k) + (n + k)
(2.18) (2.23)
| {z } | {z }
= (m · n + n) + (m · k + k) = S(m) · n + S(m) · k.

Ou seja, S(m) ∈ Xnk e portanto, Xnk = N por satisfazer as hipóteses do PIN, o que finaliza
a demonstração por conta da arbitrariedade com que os elementos n, k ∈ N foram esco-
lhidos. □

5. Associatividade:
def
(m · n) · k = m · (n · k) = mnk, ∀ m, n, k ∈ N. (2.28)
Demonstração:
Fixando-se arbitrariamente n, k ∈ N, seja Xnk = {m ∈ N; (m · n) · k = m · (n · k)}. Então,
tem-se por (2.24) e (2.25) que {0, 1} ⊂ Xnk . Agora, considerando m ∈ Xnk um outro
elemento qualquer, tem-se:
(2.23) (2.27)
| {z } | {z }
(S(m) · n) · k = (m · n + n) · k = (m · n) · k + n · k
m ∈ Xnk (2.23)
| {z } | {z }
= m · (n · k) + (n · k) = S(m) · (n · k).

19
Logo, S(m) ∈ Xnk e as premissas do PIN ficam verificadas para Xnk ⇒ Xnk = N, con-
cluindo a demonstração em virtude da arbitrariedade das escolhas de n, k ∈ N. □

6. Lei do Cancelamento: Dados m, n, k ∈ N com m ̸= 0, então

m · n = m · k ⇐⇒ n = k. (2.29)

Demonstração: A demonstração pode ser obtida através do PIN, pois definindo-se X =


{m ∈ N∗ ; m · n = m · k ⇐⇒ n = k} ∪ {0}, tem-se naturalmente que {0, 1} ⊂ X e, para
qualquer outro elemento m ∈ X − {0}, tem-se que:
(2.23) 0 ̸= m ∈ X e (2.19)
| {z } | {z }
S(m) · n = S(m) · k ⇐⇒ m · n + m = m · k + m ⇐⇒ n = k =⇒ S(m) ∈ X.

Então, segue-se que X satisfaz às premissas do PIN e assim X = N, o que mostra, em


particular, a veracidade de (2.29). □

Um resultado particular, que se obtém como consequência da “lei do cancelamento” do


produto, é:
m̸=0
m · n = 0 ⇐⇒ n = 0. (2.30)

2.1.3.5 Operação de Potenciação

Mais uma vez o processo recursivo, próprio dos números naturais, torna possível definir-
se a operação de potenciação, com os números naturais diferentes do número zero, da seguinte
forma:

Definição 2.1.6 Dado m ∈ N∗ ,


def
(
a) m0 = 1;
def (2.31)
b) Se mn é definida para n ∈ N =⇒ mS(n) = mn · m = m · mn .

2.1.3.6 Propriedades da Potenciação Natural

Na busca de se evitar fuga dos principais propósitos, na proposta do presente trabalho,


destacamos apenas as seguintes propriedades da potenciação:

Proposição 2.9 Dados k, l ∈ N∗ e m, n ∈ N, então:




 a) k1 = k;

 b) km+n = km · kn ;

(2.32)


 c) (k · l)n = kn · l n ;

d) (km )n = kmn .

20
Demonstração: De fato, a) segue-se direto de (2.31), lembrando que 1 = S(0). Para justificar
b), tem-se procedendo pelo PIN que fixando-se n ∈ N arbitrário e definindo-se Xn = {m ∈
N; km+n = km · kn }, então é imediato concluir-se que 0 ∈ Xn e também, se m ∈ Xn é qualquer
outro elemento,
(2.17) (2.31) m ∈ Xn (2.28) e (2.26) (2.31)
S(m)+n | {z } S(m+n) | {z } (m+n) m n m n | {z } S(m)
· kn .
| {z } | {z }
k = k = k · k = (k · k ) · k = (k · k) · k = k

Então, S(m) ∈ Xn obtendo-se a verificação das premissas do PIN com Xn de onde segue-se que
Xn = N, finalizando a demonstração de b). Para justificar c), tem-se também por argumentos do
PIN que, definindo-se X = {n ∈ N; (k · l)n = kn · l n }, então tem-se de (2.31) que 0 ∈ X e, para
qualquer outro elemento n ∈ X,
(2.31 − b) n ∈ X e (2.26) (2.31 − b)
(k · l)S(n) (k · l)n · (k · l) (kn · k) · (l n · l) kS(n) · l S(n)
| {z } | {z } | {z }
= = =

ou seja, S(n) ∈ X e assim, como X satisfaz às premissas do PIN, X = N, o que conclui a


justificativa de c). Por último, para justificar d), tem-se, por raciocínio semelhante de indução
natural, que fixando n ∈ N, tomado arbitrário, e definindo Xn = {m ∈ N; (km )n = kmn }, então é
imediato verificar que {0, 1} ⊂ Xn e que, se m ∈ Xn for qualquer outro elemento,
(2.31 − b) item c) 1, m ∈ Xn e (2.25) item b) (2.23)
(kS(m) )n (km · k1 )n = (km )n · (k1 )n kmn · kn = kmn+n = kS(m)·n .
| {z } | {z } | {z } | {z } | {z }
= =

Portanto, S(m) ∈ Xn o que mostra que as premissas do PIN são satisfeitas para Xn e daí, Xn = N,
o que conclui a demonstração de d) e de toda a proposição. □

2.1.4 Ordenando os Naturais


A ordenação dos números naturais fica implicitamente definida através da função suces-
sora, pois subjetivamente falando, através do próprio ato de contagem dos números fica no
imaginário do contador a ideia de que os elementos numéricos estão dispostos em uma fila a
partir do primeiro elemento. O que a matemática faz, com o seu peculiar formalismo, é colo-
car essa contextualização em uma linguagem que abstrai e contempla a noção sobre quaisquer
conjuntos. Pois bem:

Definição 2.1.7 Uma relação (binária) sobre um conjunto A é qualquer subconjunto R ⊂ A×A.
Diz-se que R é uma relação de ordem sobre A, quando R satisfaz às seguintes propriedades:

1. Reflexividade: ∀ a ∈ A, (a, a) ∈ R;

2. Antissimetria: (a, b) ∈ R e (b, a) ∈ R =⇒ a = b;

21
3. Transitividade: (a, b) ∈ R e (b, c) ∈ R =⇒ (a, c) ∈ R.

A relação R é chamada de relação de ordem total (ou linear) quando, além das três proprie-
dades acima, também satisfaz:

4. Totalidade (Linearidade): ∀ a, b ∈ A, (a, b) ∈ R ou (b, a) ∈ R.

Observamos que é usual denotar-se que (a, b) ∈ R escrevendo “aRb” e quando R é uma relação
de ordem utiliza-se o símbolo “⪯” no lugar de R. Em particular, quando a relação de ordem são
as usuais, sobre conjuntos numéricos, o simbolo tradicional que utiliza-se é o “≤” (lê-se menor
ou igual). Destacamos também o uso da notação “≺”, ou “<” (lê-se menor) no caso numérico,
para enfatizar a situação de relacionamento com elementos distintos, ou seja:

a ≺ b ⇐⇒ a ⪯ b, a ̸= b. (2.33)

Definição 2.1.8 Dados m, n ∈ N, diz-se que “m é menor que n”, denotando-se por “m < n”,
quando existir k ∈ N∗ tal que n = m + k. Mais precisamente,

m < n ⇐⇒ n = Sk (m) = m + k; k ∈ N∗ , m, n ∈ N. (2.34)

Em tal circunstância, também diz-se que “n é maior que m”, denotando-se por “n > m”. Ou
seja,
n > m ⇐⇒ m < n. (2.35)

O próximo resultado é a forma matemática de formalmente se afirmar que os números


naturais se encontram “enfileirados”.

Proposição 2.10 Para quaisquer m, n ∈ N, a relação sobre N:

m ≤ n ⇐⇒ m < n ou m = n, (2.36)

é uma relação de ordem total.

Demonstração: Antes de iniciarmos a demonstração, observamos que segue-se como con-


sequência de (2.34) e (2.36) que:

m ≤ n ⇐⇒ n = Sk (m) = m + k; k ∈ N. (2.37)

A demonstração naturalmente se desmembra em justificar as quatro seguintes propriedades:

• Reflexividade: Obviamente, para qualquer n ∈ N tem-se que n = n =⇒ n ≤ n;

22
• Antissimetria: Para m = n tem-se que m ≤ n e n ≤ m. Agora, considerando que m ̸= n
são tais que m ≤ n e n ≤ m, então só resta a possibilidade de m < n e n < m. Porém nesse
caso teria-se a existência de k1 , k2 ∈ N∗ tais que n = m + k1 e m = n + k2 e assim:
(2.18) (2.19) (2.12)
m = n + k2 = (m + k1 ) + k2 = m + (k1 + k2 ) =⇒ 0 = k1 + k2 = Sk2 (k1 ) =⇒ 0 ∈ Im(S).
| {z } | {z } | {z }

A última conclusão acima seria um absurdo tendo em vista o que enuncia o princípio
N2 (Def. 2.1.1). Portanto, a condição m ≤ n só pode ocorrer simultaneamente com a
condição n ≤ m para o caso em que n = m;

• Transitividade: Dados m, n, l ∈ N tais que m ≤ n e n ≤ l, então segue-se de (2.37) que


existem k1 , k2 ∈ N tais que n = m + k1 e l = n + k2 (k1 = 0 ⇔ m = n e k2 = 0 ⇔ n = l).
Portanto, considerando k = k1 + k2 tem-se:
(2.18) (2.37)
| {z } | {z }
l = n + k2 = (m + k1 ) + k2 = m + (k1 + k2 ) = m + k ⇐⇒ m ≤ l;

• Totalidade: Dados m, n ∈ N, devemos verificar que uma das seguintes possibilidades


ocorre, quais sejam m ≤ n ou n ≤ m. Suponha que eventualmente a condição n ≤ m deixe
de ocorrer ou seja, por (2.37):
(2.9) (2.10) (2.9)
| {z } n+k | {z } k1 | {z }
m ̸= n + k = S (0), ∀ k ∈ N =⇒ m = S (0) = k1 , k1 ∈ {0, 1, 2, 3, · · · , n − 1},
def
onde n − 1 = A(n), o antecessor de n. E então,
(2.12)
n = Sk (k1 ) = Sk (m) = m + k,
| {z }
k ∈ {1, 2, 3, · · · , n} ⊂ N∗

n = m + k, k ∈ N∗ ⇐⇒ m < n.

2.1.5 Propriedades da Relação de Ordem Natural


Dentre uma variedade de importantes propriedades, muitas das quais consequências dire-
tas das definições envolvidas, tipo

n < S(n), ∀ n ∈ N, (2.38)

destacaremos as que mais se conectam aos propósitos dos próximos capítulos (indicamos as
referências citadas no início do capítulo para uma maior contemplação).

23
1. (Lei da Tricotomia) Para quaisquer m, n ∈ N apenas uma, dentre as seguintes possibili-
dades, necessariamente ocorrerá:

a) m < n, b) m = n, c) m > n; (2.39)

Demonstração: A justificativa praticamente se constitui na mesma argumentação utili-


zada na demonstração das propriedades da antissimetria e da totalidade, da relação “≤”,
presentes da demonstração da Proposição 2.10 (da totalidade basta justificar que a ocor-
rência de duas das possibilidades não ocorre simultaneamente e a antissimetria afirma
que a) e c) não ocorre simultaneamente, resta justificar que a) e b) ou b) e c) não ocorrem
simultaneamente, o que é consequência direta da injetividade da função sucessora - prin-
cípio Z2 da Definição 2.1.1). □

2. (Monotonicidade da Adição) Dados m, n, l ∈ N, então:

m < n ⇐⇒ m + l < n + l; (2.40)

Demonstração:
Considerando as Propriedades da Adição Natural (2.1.3.2), basta observar-se que:
(2.34) prop. de “+” (2.34)
| {z } | {z } | {z }
m < n ⇐⇒ n = m + k, k ∈ N∗ ⇐⇒ n + l = (m + l) + k, k ∈ N∗ ⇐⇒ m + l < n + l.

3. (Monotonicidade da Multiplicação) Dados m, n ∈ N e l ∈ N∗ , então:

m < n ⇐⇒ m · l < n · l; (2.41)

Demonstração: Considerando as Propriedades da Multiplicação Natural (2.1.3.4) e o


fato de que produto de números não-nulos é não-nulo (eq. 2.30), basta observar-se que:
(2.34) prop. de “·” (2.34)
| {z } | {z } | {z }
m < n ⇐⇒ n = m + k, k ∈ N∗ ⇐⇒ n · l = m · l + k̃, k̃ = k · l ∈ N∗ ⇐⇒ m · l < n · l.

4. (Adição de Desigualdades) Dados m, n, p, q ∈ N, então:

m < n, p ≤ q =⇒ m + p < n + q; (2.42)

24
Demonstração:
Considerando as Propriedades da Adição Natural (2.1.3.2), basta observar-se que:
(2.34)
| {z }
m < n, p ≤ q ⇐⇒ n = m + k1 , q = p + k2 ; k1 ∈ N∗ , k2 ∈ N
⇓← {propriedades de “+” (2.1.3.2)
(2.34)
| {z }
n + q = (m + p) + k, k = k1 + k2 ∈ N∗ ⇐⇒ m + p < n + q.

5. (Multiplicação de Desigualdades) Dados m, n, p, q ∈ N, então:

m < n, p < q =⇒ m · p < n · q; (2.43)

Demonstração:
Considerando as Propriedades da Multiplicação Natural (2.1.3.4), basta observar-se que:
(2.34)
| {z }
m < n, p < q ⇐⇒ n = m + k1 , q = p + k2 ; k1 , k2 ∈ N∗
⇓← {propriedades de “·” (2.1.3.4)
(2.34)
| {z }
n · q = m · p + k, k = m · k2 + k1 · p + k1 · k2 ∈ N∗ ⇐⇒ m · p < n · q.

6. Para qualquer n ∈ N,
̸ ∃ m ∈ N, n < m < S(n); (2.44)
Demonstração:
Naturalmente que este resultado segue-se de (2.10) e (2.38), pois são os responsáveis por
produzir o “enfileiramento” de todos os números naturais:

0 < 1 < 2 < · · · < n < S(n) = n + 1 < · · ·

Mas, se porventura existisse m ∈ N satisfazendo que n < m < n + 1, então teria-se por
(2.34) a existência de k1 , k2 ∈ N∗ tal que m = n + k1 e n + 1 = m + k2 e daí,
(2.19)
| {z }
n + 1 = m + k2 = n + (k1 + k2 ) =⇒ 1 = k1 + k2

e, por conta de uma similar consequência da propriedade da Adição de Desigualdades


(m ≤ n, p ≤ q ⇒ m + p ≤ n + q), teria-se a seguinte contradição:

1 ≤ k1 , 1 ≤ k1 =⇒ 1 < S(1) = 2 = 1 + 1 ≤ k1 + k2 = 1.

25

7. Dados m, n ∈ N,
m < n ⇐⇒ m + 1 ≤ n. (2.45)
Demonstração:
Basta observar-se:

k ∈ N∗ ⇔ k ∈ Im(S) ⇔ k = S(k̃) = k̃ + 1, k̃ ∈ N

(2.34) prop. de “+” (2.37)
| {z } | {z } | {z }
m < n ⇐⇒ n = m + k, k ∈ N∗ ⇐⇒ n = (m + 1) + k̃, k̃ ∈ N ⇐⇒ m + 1 ≤ n.

2.1.6 Subtração Natural


A lógica conceitual da operação de subtração, entre dois números naturais, é o passo ini-
cial que abre questionamentos que impõe a necessidade de extensão do conjunto dos naturais,
para os números inteiros, como solução as controvérsias associadas à como proceder a operação
de subtração entre dois números naturais quaisquer. Deixando à parte esses relevantes questio-
namentos, observamos que a subtração nos naturais não chega a ser exatamente uma operação
binária, tendo em vista que ela particulariza os objetos que podem ser tomados e que, o seu vín-
culo conceitual com a relação de ordem, “≤”, a identifica melhor como uma simples notação.
Mais precisamente,

Definição 2.1.9 Dados m, n ∈ N, com m ≤ n. A Subtração (ou diferença) entre n e m, de-


notada por n − m (lê-se n menos m) é o número (único) k ∈ N, que aparece em (2.37). Ou
seja:
k = n − m ⇐⇒ n = m + k. (2.46)

A diferença entre n e m tem a ver com o significado empírico do que tá faltando em m, para que
m seja n.

2.1.7 Propriedades da Subtração Natural


Dentre algumas propriedades imediatas, tipo:

a) n − n = 0, b) (n − m) + m = n. (2.47)

Elencamos as seguintes propriedades, deixando as suas justificativas como exercício:

26
1. Dados m, n, p ∈ N, com m ≤ n. Então pm − pn fica bem definido e, além disso:

p(n − m) = pn − pm; (2.48)

2. Dados m, n, p ∈ N, tal que p − (n − m) esteja bem definido. Então (p + m) − n fica bem


definido e, além disso:
p − (n − m) = (p + m) − n; (2.49)

3. Dados m, n, p ∈ N, tal que m+n ≤ p. Então (p−n)−m e (p−m)−n ficam bem definidos
e, além disso:
p − (m + n) = (p − m) − n = (p − n) − m; (2.50)

4. Dados m, n, p ∈ N, tais que 0 < m < n < p. Então:

0 < n − m < p − m < p; (2.51)

5. Dados m, n, p, q ∈ N, tais que m ≤ n e p ≤ q. Então:

n − m ≤ q − p ⇐⇒ n + p ≤ m + q. (2.52)

2.1.8 Boa Ordem Natural


Nesta seção apresenta-se uma propriedade que é satisfeita pelos números naturais, o Prin-
cípio da Boa Ordem-PBO (ou Princípio da Boa Ordenação2 ), que é na verdade uma equivalên-
cia do PIN, antes enunciaremos alguns conceitos preliminares.

Definição 2.1.10 Seja “⪯” uma relação de ordem sobre um conjunto A e B ⊂ A. Diz-se que
um elemento bmin ∈ B é um mínimo (ou primeiro elemento) de B se satisfaz:

bmin ≤ b, ∀ b ∈ B. (2.53)

Analogamente, diz-se que um elemento bmax ∈ B é um máximo (ou último elemento) de B se


satisfaz:
b ≤ bmax , ∀ b ∈ B. (2.54)

Diz-se que A satisfaz o Princípio da Boa Ordem-PBO (ou Princípio da Boa Ordenação),
com a relação de ordem “⪯”, ou mesmo que “⪯” é uma Boa Ordem para A ou ainda que A
2 Na Teoria axiomática dos Conjuntos de Zermelo-Fraenkel (ZF), um enunciado mais abrangente desse princí-
pio é equivalente ao Axioma da Escolha, criado em 1904 pelo matemático alemão Ernst Zermelo. Este é conside-
rado um dos axiomas mais importantes da história da Matemática, apesar de suas consequências não-construtivas
e controversas (cf. Paradoxo de Banach-Tarski, entre outros).

27
é Bem Ordenado por “⪯”, quando todo subconjunto não vazio 0/ ̸= B ⊂ A possuir um (único)
mínimo. Ou seja,

∀ B ⊂ A, B ̸= 0/ =⇒ ∃ bmin ∈ B tal que bmin ≤ b, ∀ b ∈ B. (2.55)

Um fato simples de se verificar é que uma relação de ordem, “⪯”, satisfazendo o Princípio
da Boa Ordem necessariamente é uma relação de ordem total. A recíproca no entanto não é
verdadeira em geral (para mais profundidade nesse tema sugerimos [8], [30], [31], [32], [33],
et al.).

Proposição 2.11 N satisfaz o PBO com a relação de ordem “≤”.

Demonstração: Em acordo com a Definição 2.1.10, temos que justificar que qualquer sub-
conjunto não-vazio B ⊂ N tem elemento mínimo, bmin ∈ B, satisfazendo que bmin ≤ n, ∀ n ∈ B.
Pois bem, considerando X = {n ∈ N; n ≤ b, ∀ b ∈ B}, segue-se do fato que 0 ≤ n, ∀ n ∈ N e
de B ⊂ N que 0 ∈ X. Considerando b ∈ B ̸= 0,
/ segue-se de b < S(b) = b + 1 (eq. 2.38) que
S(b) ̸∈ X ⇒ X ̸= N. Então, tem-se do PIN e o fato de 0 ∈ X que existe elemento m ∈ X tal que
S(m) = m + 1 ̸∈ X (senão as premissas do PIN seriam satisfeitas, implicando em X = N). Pois
bem, justificaremos que tal m satisfaz às propriedades do bmin procurado e com isso encerra-se
a demonstração. De fato, como m ∈ X, tem-se por sua definição que m ≤ n, ∀ n ∈ B e assim,
resta apenas justificar que m ∈ B. Mas supondo que isso não ocorresse, como m ∈ X, teria-se:
(2.45)
| {z }
m < b, ∀ b ∈ B =⇒ m + 1 ≤ b, ∀ b ∈ B ⇒ m + 1 ∈ X,

o que seria uma contradição com a escolha de m tal que m + 1 ̸∈ X. □

2.1.9 Aplicações do Princípio da Boa Ordem Natural


Dentre uma variedade de aplicações, apresentamos apenas duas que se assemelham e
estão relacionadas com propriedades que os números racionais satisfaz.

1. (Propriedade Arquimediana) Dados m, n ∈ N,

0 < m < n =⇒ ∃ k ∈ N tal que n < km. (2.56)

Demonstração:
Considere B = {b ∈ N; b = n− pm, p ∈ N}. Então, como B ̸= 0,
/ pois {n, n−m} ⊂ B (para
p = 0 e p = 1 em B), segue-se pelo PBO a existência de mínimo bmin = n− p̃m ∈ B, p̃ ≥ 1.
Daí, considerando k = p̃ + 1 = S( p̃) > p̃ (ver 2.38), afirmamos que n < km, pois do

28
contrário, pela Lei da Tricotomia teria-se n ≥ km ⇔ n − km ∈ N ⇒ n − km ∈ B (para
p = k em B), o que é um absurdo pela minimalidade de bmin , desde que:

n − km = n − ( p̃ + 1)m = n − p̃m − m < n − p̃m = bmin .

2. (Axioma de Eudoxius) Dados m, n ∈ N,

0 < m < n =⇒ ∃ k ∈ N tal que km ≤ n < (k + 1)m. (2.57)

Demonstração:
Considere B = {p ∈ N; n < pm}. Pela Propriedade Arquimediana (2.56) segue-se que
B ̸= 0/ (fato também facilmente verificável, considerando-se p = n + 1 ∈ B). Daí, segue-se
pelo PBO a existência de elemento mínimo bmin ∈ B (bmin ≤ b, ∀ b ∈ B). Como 0 ̸∈ B,
tem-se que bmin ∈ N∗ ⇒ bmin = S(k) = k + 1, k ∈ N. Portanto, como k < k + 1 = bmin
(ver 2.38), tem-se da minimalidade de bmin ∈ B que k ̸∈ B e então, da Lei da Tricotomia
segue-se que km ≤ n < (k + 1)m. □

2.1.10 Segundo Princípio de Indução Natural


O Segundo Princípio de Indução Natural-SPIN é uma forma equivalente do PIN, mas
que se apresenta mais adequada em determinadas circunstâncias para se fazer verificação das
premissas. Mais precisamente, conforme será abordado no próximo resultado, de um modo
ainda mais amplo, na veracidade dos princípios N1 e N2 , o PIN (princípio N3 da Propriedade
da Indução Natural - Definição 2.1.1) é equivalente ao seguinte princípio:

f3 - (Segundo Princípio de Indução Natural-SPIN) Se um subconjunto X ⊂ N satisfaz:


N
( )
a) 0 ∈ X;
=⇒ X = N. (2.58)
b) Sempre que m ∈ X ⇒ {0, 1, · · · , m, S(m)} ⊂ X.

Proposição 2.12 Seja S : N → N função sucessora satisfazendo aos princípios N1 e N2 da


Definição 2.1.1 e “≤” definido por (2.36) ou equivalentemente (2.37). Então, os princípios
PIN, SPIN e PBO são equivalentes.

Demonstração:
A Proposição 2.11 afirma a implicação PIN ⇒ PBO. Quanto a recíproca, considerando-se
que N satisfaz ao PBO, com a relação “≤”, seja X ⊂ N satisfazendo as premissas do PIN. Deve-
se concluir que X = N. Supondo, por absurdo, que isso não ocorra, teria-se B = N − X ̸= 0/ e

29
daí, pelo PBO teria-se a existência de bmin ∈ B. Mas como 0 ∈ X ⇔ 0 ̸∈ B ⇒ bmin > 0 ⇔ bmin =
S(k) = k + 1 > k, k ∈ N. E da minimalidade de bmin , segue-se que k ̸∈ B ⇔ k ∈ X. Porém, como
X foi considerado satisfazendo as premissas do PIN, teria-se o absurdo de bmin = S(k) ∈ X ⇔
bmin ̸∈ B.
Para mostrar a implicação PIN ⇒ SPIN, seja X ⊂ N satisfazendo as premissas do SPIN
(itens a e b de 2.58), então X também satisfaz às premissas do PIN, pois as premissas do item a)
do SPIN e PIN são as mesmas e quanto a premissa do item b) do PIN ela segue-se da premissa
b) do SPIN, observando que:

m ∈ X ⇒ S(m) ∈ {0, 1, · · · , m, S(m)} ⊂ X ⇒ S(m) ∈ X.

Então, do PIN tem-se que X = N, assegurando que o SPIN ≡ N


f3 também ocorre. Reciproca-
mente, para mostrar que SPIN ⇒ PIN, tem-se da equivalência ja mostrada PIN ⇔ PBO que
será suficiente mostrar a implicação SPIN ⇒ PBO. Esse fato é justificado com raciocínio aná-
logo ao que foi feito na demonstração da Proposição 2.11, fazendo-se as devidas adequações
que serão deixadas ao leitor. □

Nossa abordagem sobre os números naturais, revendo o desenvolvimento da construção


de Peano, se encerra por aqui. Evitou-se abordar questionamentos relacionados com a sua na-
tureza cardinal infinita, mas como alertado de princípio, iriamos focar fundamentalmente nas
relações ordinais advindas da função sucessora, sem muita preocupação com os aspectos exis-
tenciais intrínsecos da sua natureza. Sugerimos consultar as bibliografias apresentadas no início
do capítulo para quaisquer interesse complementar envolvendo essa temática. Enfatizamos que,
na abordagem dos capítulos que se seguem, sobre a construção dos inteiros e dos racionais,
qualquer assertiva tratando da enumerabilidade desses conjuntos não sofre mudanças em rela-
ção ao que já é de conhecimento desde os trabalhos de George Cantor ([8]). Outros aspectos,
tipo conceitos envolvendo subconjuntos limitados, serão tratados nos próximos capítulos, em
contextos mais abrangente que também tem os números naturais inseridos.

2.2 Contando os Inteiros: Abordagem Clássica


Os inteiros são sem dúvida os números mais difíceis de serem apresentados, nas disci-
plinas do cíclo fundamental, em vista das abordagens usuais dando significados aos elementos
numéricos positivos, como entidades que podem ser representadas ou mesmo contextualizadas
objetivamente, enquanto que os números negativos não tem nenhum semelhança objetiva com
os significados atribuídos aos números positivos. Tanto que, embora a ordem natural de amplia-
ção dos ambientes numéricos seja dos números naturais para os inteiros e em seguida as frações,

30
a ordem com que eles são introduzidos no ensino fundamental, após os números naturais, são as
frações e suas propriedades aritméticas e só bem depois que as noções de números negativos são
consideradas, em uma forma meio que artificial, com contextualizações que não soam bem re-
ceptivas e deixam controvérsias na aritmética das regras de sinais, não parecendo convincentes
para quem leciona e muito menos para os que estão aprendendo. A sensação é de que os objetos
não passam de elementos imaginários, pois apenas se procura resolver problemas que ocorrem
com os números naturais, sem a devida formalidade que a matemática requer. Só já no ensino
universitário é que as noções de classe de equivalências são apresentadas e então os números
negativos tem um tratamento algébrico com as devidas formalidades, talvez por conta de que na
abordagem das classes de equivalência não se busca contextualizações com o mundo físico nem
significados objetivos aos elementos considerados. Fica então a pergunta natural e que talvez
ela própria responda o porque de essa abordagem apenas serem lecionadas por alguns poucos
cursos que se preocupam um pouco mais com abstrações do conhecimento. Qual é mesmo a
necessidade dos números negativos se os seus significados objetivos se apresentam como ir-
reais? À parte a devida resposta a questão, vamos abordar a clássica construção dos números
inteiros, através da devida definição de classes de equivalência sobre o produto cartesiano dos
naturais, de uma forma bastante objetiva e procurando ressaltar os resultados importantes como
base complementar ao que se faz nos próximos capítulos. Nossa referência básica são os livros
do Birkhoff e Mac Lane ([17] e [18]), do Ferreira, Jamil ([21]), do Hefez, Abramo ([23]) e do
Domingues, Hygino e Iezzi, Gelson ([24]).

2.2.1 Apresentando os Inteiros


Conforme foi observado no início da Subseção 2.1.6, abordando à subtração natural, essa
operação é o que motiva as questões onde o surgimento dos elementos inteiros se impõem. À
parte as discussões sobre a sua natureza, é pacifico que a seguinte conta apresenta o mesmo
valor em N: 1 − 0 = 2 − 1 = 3 − 2 = 4 − 3 = · · · = 1. Portanto, nada mais natural (embora o
resultado não seja um natural) que a eventual existência de objeto para dar sentido a operação
de subtração quando a segunda parcela fica maior que a primeira (n − m com n < m) também
satisfaça semelhante propriedade, tipo 0 − 1 = 1 − 2 = 2 − 3 = 3 − 4 = · · · = (−1 é a representa-
ção simbólica para o elemento inteiro que satisfaz à esta cadeia de igualdades). Isto sugestiona
a conceituação dos elementos inteiros como uma classe dessas cadeias de identidades e é exa-
tamente isso que se faz através do conceito de classes de equivalência.

Definição 2.2.1 Diz-se que uma relação (binária), R, de um conjunto A ̸= 0,


/ é uma Relação de
Equivalência, denotando-se por R = ∼, quando satisfaz às seguintes propriedades:

1. Reflexividade: a ∼ a, ∀ a ∈ A;

31
2. Simetria: a ∼ b ⇐⇒ b ∼ a;

3. Transitividade: Se a ∼ b e b ∼ c =⇒ a ∼ c.

Nesse caso, chama-se de Classe de Equivalência de um elemento a ∈ A, denotando-se por ā,


o subconjunto de A formado por todos os elementos que se relacionam com a, ou seja:

ā = b ∈ A; b ∼ a . (2.59)

O conjunto formado por todas as classes de equivalência de elementos de A, denotado por


A/∼ , é chamado de Conjunto Quociente determinado por “∼”, ou seja:

A/∼ = ā; a ∈ A . (2.60)

Dentre diversas propriedades que as classes de equivalência satisfaz, destacamos a que


afirma que todo elemento pertence a sua própria classe; a que dois elementos se relacionam se,
e somente se, eles se encontram em uma mesma classe; e a que diz que o conjunto de todas as
classes de equivalência, A/∼ , particiona o conjunto A em uma coleção disjunta de subconjuntos
de A (cf. [24], página 80). Ou seja:
[
i) a ∈ ā; ii) ā = b̄ ⇔ a ∼ b; iii) A = x. (2.61)
x∈A/∼

Proposição 2.13 A relação “∼”, definida em N × N por:

(m, n) ∼ (p, q) ⇐⇒ m + q = n + p (2.62)

é uma Relação de Equivalência.

Demonstração: As propriedades da Reflexividade e da Simetrica são imediatas, quanto a


Transitividade, vamos considerar que:

(m, n) ∼ (p, q) ⇔ m + q = n + p e (p, q) ∼ (r, s) ⇔ p + s = q + r



prop. de “+”
| {z }
(m + q) + (p + s) = (n + p) + (q + r) ⇐⇒ (m + s) + (p + q) = (n + r) + (p + q)
(2.19) (2.62)
| {z } | {z }
⇐⇒ m + s = n + r ⇐⇒ (m, n) ∼ (r, s).

Chamamos a atenção para o que foi comentado no início, em termos da necessidade de


ter-se o mesmo valor para as subtrações 0 − 1 = 1 − 2 = 2 − 3 = 3 − 4 = · · · . Se identificar-se

32
cada uma dessas diferenças com a classe de equivalência do par ordenado de naturais associados
(m − n ≡ (m, n)), tem-se por (2.61-ii) que:

−1 = (0, 1) = (1, 2) = (2, 3) = (3, 4) = · · ·

Isto nos remete a seguinte definição de números inteiros e em particular a notação para os
números negativos e os que se identificam com os números naturais.

Definição 2.2.2 Os Números Inteiros são os elementos do conjunto:


n o
Z = N × N/∼ = (m, n); (m, n) ∈ N × N . (2.63)

Os Números Naturais são identificados como um subconjunto dos inteiros através de:
n o
def
N = n = (n, 0); n ∈ N . (2.64)

Os Números Inteiros Positivos (estritamente) são os elementos do conjunto:


n o
def
Z+∗ = n = (n, 0); n ∈ N ∗ = N∗ . (2.65)

Os Números Inteiros Negativos (estritamente) são os elementos do conjunto:


n o
def
Z−∗ = − n = (0, n); n ∈ N∗ = −N∗ . (2.66)

Os Números Inteiros Não-Negativos são os elementos do conjunto:

Z+ = Z+
∗ ∪ {0} = N. (2.67)

Os Números Inteiros Não-Positivos são os elementos do conjunto:

Z− = Z−
∗ ∪ {0} = −N. (2.68)

2.2.2 Tricotomia Inteira


Um resultado que segue-se como consequência direta das definições acima e da proprie-
dade da Lei da Tricotomia nos naturais (2.39) é:

Proposição 2.14 (Lei da Tricotomia Inteira) Para quaisquer z ∈ Z apenas uma, dentre as se-
guintes possibilidades, necessariamente ocorrerá:

a) z ∈ Z−
∗; b) z = 0; c) z ∈ Z+
∗.

33
Demonstração: Dado z = (m, n), m, n ∈ N, tem-se pela Lei da Tricotomia dos naturais (2.39)
que apenas uma dentre as seguintes condições ocorrerá:
(2.34) (2.61 − ii) (2.62) (2.66)
a) m < n ⇐⇒ n = m + k, k ∈ N∗ ⇐⇒ z = (m, n) = (0, k) = −k ∈ Z−
| {z } | {z } | {z } | {z }
∗;
(2.37) (2.61 − ii) (2.62) (2.66)
| {z } | {z } | {z } | {z }
b) m = n ⇐⇒ m = n + k, k = 0 ⇐⇒ z = (m, n) = (0, 0) = 0;
(2.34) (2.61 − ii) (2.62) (2.66)
c) n < m ⇐⇒ m = n + k, k ∈ N∗ ⇐⇒ z = (m, n) = (k, 0) = k ∈ Z+
| {z } | {z } | {z } | {z }
∗.

Como consequência do resultado acima, define-se a seguinte função que será utilizada em outros
contextos mais adiante:

Definição 2.2.3 O sinal de um elemento z ∈ Z é:



+
 1, se z ∈ Z∗ ;


def
sgn(z) = 0, se z = 0; (2.69)

 −1, se z ∈ Z− .

Como a propriedade apresentada na proposição acima, diversas outras propriedades, se-


melhantes as que foram mostradas nos números naturais, também ocorrem nos números intei-
ros. Vamos verificar como se amplia as operações dos naturais para os números inteiros.

2.2.3 Operando os Inteiros


Apresentaremos as operações usuais sobre os inteiros (adição e multiplicação), desenvol-
vendo as regras tendo-se por referência que as classes, representando os inteiros, se comportam
como sendo (m, n) ≡ (m − n) e ponderando-se as operações satisfazendo as propriedades usu-
ais que ocorrem com os números naturais. As demonstrações muitas vezes serão deixadas para
consulta as referências (principalmente [17] e [21]), uma vez que as mesmas propriedades serão
novamente tratadas, com outra abordagem, nos próximos capítulos.

2.2.3.1 Adição Inteira

Como observado logo acima, fossemos informalmente realizar a adição entre os elemen-
tos (m, n) ≡ (m − n) e (p, q) ≡ (p − q), teria-se:
prop. de “+”
| {z }
(m, n) + (p, q) ≡ (m − n) + (p − q) = (m + p) − (n + q) ≡ (m + p, n + q).

Logo, nada mais natural que a seguinte definição de adição de inteiros:

34
Definição 2.2.4 A Adição Inteira (ou Soma Inteira) dos números (m, n), (p, q) ∈ Z é:

(m, n) + (p, q) = (m + p, n + q). (2.70)

Uma questão que naturalmente se impõe é verificar se a adição fica realmente bem defi-
nida, haja vista que os elementos inteiros são classes que admitem diferentes representações,
mais precisamente:

???
|{z}
(m, n) = (m̃, ñ) e (p, q) = ( p̃, q̃) =⇒ (m + p, n + q) = (m̃ + p̃, ñ + q̃)

Para justificar que a implicação acima é um fato, basta observar que:

(2.61 − ii) e (2.62)


| {z }
(m, n) = (m̃, ñ) e (p, q) = ( p̃, q̃) ⇐⇒ m + ñ = n + m̃ e p + q̃ = q + p̃

(m + p) + (ñ + q̃) = (m + ñ) + (p + q̃) = (n + m̃) + (q + p̃) = (n + q) + (m̃ + p̃)

(m + p, n + q) = (m̃ + p̃, ñ + q̃).

Destacaremos agora as propriedades algébricas, observadas na operação de adição natu-


ral, que se ampliam para o caso dos inteiros.

2.2.3.2 Propriedades da Adição Inteira

Dentre diversas propriedades que são satisfeitas pelos números inteiros, em relação a
operação de adição, destacaremos a ampliação das que já ocorriam nos números naturais.

Proposição 2.15 A operação de adição em Z satisfaz às propriedades:

1. Existência de Elemento Neutro: 0 = (0, 0) satisfaz que

z + 0 = 0 + z = z, ∀ z ∈ Z; (2.71)

2. Comutatividade:
x + y = y + x, ∀ x, y ∈ Z; (2.72)

3. Associatividade:

def
(x + y) + z = x + (y + z) = x + y + z, ∀ x, y, z ∈ Z; (2.73)

35
4. Lei do Cancelamento: Dados x, y, z ∈ Z,

x + y = x + z ⇐⇒ y = z; (2.74)

5. Existência de Elemento Simétrico:

∀ x = (m, n) ∈ Z, ∃! x̃ = (n, m) ∈ Z (único) tal que x + x̃ = x̃ + x = 0. (2.75)

Demonstração: As propriedades da Existência de Elemento Neutro, da Comutatividade, da


Associatividade, e da Lei do Cancelamnto são todas consequências das respectivas propriedades
para os números naturais, tendo em vista que a adição de inteiros se resume a adição sobre os
naturais em cada uma de suas coordenadas (deixamos os detalhes como exercícios aos leitores,
sugerindo a eventual consulta de [21], página 46). Quanto a única propriedade que não se
verifica com os números naturais, a da Existência de Elemento Simétrico, basta observar que:
(2.70) (2.61 − ii) e (2.62)
| {z } | {z }
(m, n) + (n, m) = (m + n, n + m) = (0, 0) = 0.

Denota-se o Elemento Simétrico de um inteiro x ∈ Z por −x, ou seja:

x = (m, n) ∈ Z ⇐⇒ −x = (n, m). (2.76)

Portanto, segue-se da Definição 2.2.2 que os números inteiros negativos são os simétricos dos
números inteiros positivos e vice-e-versa.

2.2.3.3 Subtração Inteira

Diferentemente do caso dos números naturais, a subtração é de fato uma operação bi-
nária sobre os números inteiros. Define-se ela através da soma com o elemento simétrico do
subtraído. Ou seja:

Definição 2.2.5 Dados x, y ∈ Z, a Subtração (ou Diferença) entre x e y é definida e denotada


por:
def
x − y = x + (−y). (2.77)

2.2.3.4 Propriedades da Subtração Inteira

Sendo a subtração uma operação de fato e que envolve o elemento simétrico do subtraído,
é natural que as propriedades relacionadas com a subtração natural sejam ampliadas. Vamos
nos restringir apenas as que constam na Proposição 3.2.3 de [21], página 47, deixando também
as suas justificativas como exercícios ao leitor ou mesmo para consulta à citada referência.

36
Proposição 2.16 Para quaisquer x, y, z ∈ Z, tem-se que:

i) − (−x) = x; ii) − y + x = x − y; iii) x − (−y) = x + y;


iv) − x − y = −(x + y); v) x − (y + z) = (x − y) − z; vi) x − (y − z) = (x − y) + z.

2.2.3.5 Multiplicação Inteira

Como procedeu-se no caso da adição, levando em consideração o que observou-se no


início da subseção 2.2.3, fossemos informalmente realizar a multiplicação entre os elementos
(m, n) ≡ (m − n) e (p, q) ≡ (p − q), teria-se:
prop. de “·”
| {z }
(m, n) · (p, q) ≡ (m − n) · (p − q) = (mp + nq) − (mq + np) ≡ (mp + nq, mq + np).

Esse fato motiva e sugere a seguinte definição de multiplicação entre números inteiros:

Definição 2.2.6 A Multiplicação Inteira (ou Produto Inteiro) dos números (m, n), (p, q) ∈ Z
é:
not def
(m, n) (p, q) = (m, n) · (p, q) = (mp + nq, mq + np). (2.78)

E novamente, tem-se a questão de verificar se a multiplicação fica realmente bem definida,


no seguinte sentido:

???
|{z}
(m, n) = (m̃, ñ) e (p, q) = ( p̃, q̃) =⇒ (mp + nq, mq + np) = (m̃ p̃ + ñq̃, m̃q̃ + ñ p̃).

A justificativa da implicação acima não é tão imediata como foi no caso da adição, mas vamos
produzir os argumentos para o caso em que m > n e p < q, deixando ao leitor os demais casos
semelhantes. Inicialmente, observa-se que:
(2.19)
| {z }
m > n ⇐⇒ m = n + k1 , k1 ∈ N∗ ⇐⇒ n + k1 + ñ = m + ñ = n + m̃ ⇐⇒ k1 + ñ = m̃ ⇐⇒ m̃ > ñ.

Também observa-se pelo desenvolvimento acima que k1 = m − n = m̃ − ñ e, com o mesmo


procedimento, k2 = q − p = q̃ − p̃. Então,

k1 k2 = (m̃ − ñ)(q̃ − p̃) = (m − n)(q − p) ⇐⇒ m̃q̃ + ñ p̃ − m̃ p̃ − ñq̃ = mq + np − mp − nq

mp + nq + m̃q̃ + ñ p̃ = mq + np + m̃ p̃ + ñq̃ ⇐⇒ (mp + nq, mq + np) = (m̃ p̃ + ñq̃, m̃q̃ + ñ p̃).

37
2.2.3.6 Propriedades da Multiplicação Inteira

Destacaremos apenas as propriedades que foram apresentadas no caso dos números natu-
rais. Elas encontram-se resumidas no seguinte resultado:

Proposição 2.17 A operação de multiplicação em Z satisfaz às propriedades:

1. Produto por Zero:


x · 0 = 0 · x = 0, ∀ x ∈ Z; (2.79)

2. Existência de Elemento Neutro Multiplicativo: 1 = (1, 0) satisfaz que

z · 1 = 1 · z = z, ∀ z = (m, n) ∈ Z; (2.80)

3. Comutatividade:
x · y = y · x, ∀ x, y ∈ Z; (2.81)

4. Associatividade:
def
(x · y) · z = x · (y · z) = xyz, ∀ x, y, z ∈ Z; (2.82)

5. Lei do Cancelamento: Dados x, y, z ∈ Z com x ̸= 0, então

x · y = x · z ⇐⇒ y = z. (2.83)

Ou equivalentemente,
x̸=0
x · y = 0 ⇐⇒ y = 0. (2.84)

Demonstração: As justificativas são consequências simples das propriedades da adição e mul-


tiplicação natural e é deixada como exercícios ao leitor ou mesmo para consulta as referências
sugeridas □

Uma propriedade que é consequência das Definições 2.2.2 e 2.2.3 ocorre com o conceito
de módulo de um número inteiro.

Definição 2.2.7 O Módulo (ou Valor Absoluto) de um elemento z ∈ Z, é:


( )
z, se z ∈ Z+;
def
|z| = z · sgn(z) = ∈N (2.85)
−z, se z ∈ Z−
∗ .

38
2.2.4 Ordenando os Inteiros
Definido os inteiros como um conjunto numérico que contempla os naturais e amplia o
contexto de suas operações binárias, surge uma questão natural que é como estender a noção
de ordem para esses novos elementos? Observando como a relação de ordem é definida para
os naturais (equações 2.34, 2.36 e 2.37), percebe-se que o fator preponderante responsável por
“enfileirar” é a função sucessora e então, vem a questão de como estender a função sucessora
dos naturais aos números inteiros?

2.2.4.1 Função Sucessora Inteira

Fazendo-se ponderações informais, levando em consideração que:


(2.37)
| {z }
(m, n) = (k, 0) = k ∈ N ⇐⇒ m = n + k, k ∈ N ⇐⇒ m ≥ n


(2.17)    
| {z }  
S(m) = S(n + k) = n + S(k) ⇐⇒ S(m), n = S(k), 0 = S(k) = S (k, 0) = S (m, n) .

Tem-se então uma ótima motivação sugerindo a seguinte ampliação do conceito de função
sucessora, aos números inteiros.

Definição 2.2.8 Denotando-se a “função sucessora” dos números naturais por S = SN , a fun-
ção sucessora inteira, SZ , é:
  
SZ (m, n) = SN (m), n ; (m, n) ∈ Z. (2.86)

Novamente a questão de “estar bem definido?” vem a tona, pois como a definição se
processa sobre o representante de uma classe, tem-se que justificar de que ela independe desse
representante. Ou mais precisamente,

???
|{z}    
(m, n) = (m̃, ñ) =⇒ SZ (m, n) = SZ (m̃, ñ) .

Mas a justificativa é relativamente simples, bastando observar-se que:


(2.17)
| {z }  
m + ñ = n + m̃ ⇐⇒ SN (m) + ñ = n + SN (m̃) ⇐⇒ SN (m), n = SN (m̃), ñ

e o resultado decorre da definição de SZ , em (2.86).

39
2.2.4.2 Propriedades da Sucessora Inteira

As propriedades da função sucessora inteira são muitas e em verdade ela é a base ins-
piradora de todo o desenvolvimento feito no próximo capítulo (vide Teorema 3.1), mas como
o próximo capítulo tem um contexto um pouco mais abstraído, vamos elencar algumas das
propriedades que apresentam-se como ampliações imediatas de propriedades observadas com
a “função sucessora natural”, tendo por objetivo a meta de se ampliar a noção de ordem dos
naturais para os inteiros.
Inicialmente, como consequência da motivação desenvolvida para a definição da função
sucessora inteira e preservando-se o devido contexto de identificação dado na Definição 2.2.2,
tem-se que:
SZ| = SN . (2.87)
N

O que significa que a sucessora inteira é de fato uma extensão da sucessora natural.
Outros resultados que ampliam propriedades que já foram citadas no caso dos naturais,
são:

Proposição 2.18 A função sucessora inteira, SZ , é bijetiva com função inversa, denotada por
AZ e chamada de função antecessora inteira, definida por:
  
AZ (m, n) = m, SN (n) ; (m, n) ∈ Z. (2.88)

Além disso, para quaisquer x, y ∈ Z, SZ e AZ satisfaz:

i) SZ (0) = 1, AZ (0) = −1; ii) SZ (x) = x + 1, AZ (x) = x − 1;


iii) SZ (x) ̸= x ̸= AZ (x); iv) SZ (x + y) = x + SZ (y), AZ (x + y) = x + AZ (y);
v) (SZ )k (x) = x + k, k ∈ N ⊂ Z; vi) (AZ )k (x) = x − k, k ∈ N ⊂ Z.

Demonstração: Basta observar os cálculos abaixo, que seguem-se direto das definições dadas
por (2.86) e (2.88) e das respectivas propriedades no caso natural, com x = (m, n) e y = (m̃, ñ).
       
SZ ◦ AZ (m, n) = SZ AZ (m, n) = SZ m, SN (n) = SN (m), SN (n) = (m, n)

e
       
AZ ◦ SZ (m, n) = AZ SZ (m, n) = AZ SN (m), n = SN (m), SN (n) = (m, n)

(nas duas últimas igualdades usou-se o fato de que SN (m) + n = SN (m + n) = m + SN (n), cf. eq.
2.17). Logo, AZ e SZ são inversas uma da outra. Quanto as outras propriedades, tem-se:
i)
     
SZ (0) = SZ (0, 0) = SN (0), 0 = 1, 0 = 1, AZ (0) = AZ (0, 0) = 0, SN (0) = 0, 1 = −1

40
ii)
 
SZ (x) = SZ (m, n) = SN (m), n = (m + 1, n) = (m, n) + (1, 0) = x + 1

e
 
AZ (x) = AZ (m, n) = m, SN (m) = (m, n + 1) = (m, n) + (0, 1) = x + (−1) = x − 1

iii)
 
SZ (x) = SZ (m, n) = SN (m), n ̸= (m, n) = x ⇐⇒ SN (m) + n = SN (m + n) ̸= n + m

e
 
AZ (x) = AZ (m, n) = m, SN (n) ̸= (m, n) = x ⇐⇒ m + SN (n) = SN (m + n) ̸= n + m

iv)
  
SZ (x + y) = SZ (m, n) + (m̃, ñ) = SZ (m + m̃, n + ñ) = SN (m + m̃), n + ñ
  
= m + SN (m̃), n + ñ = m, n + SN (m̃), ñ = x + SZ (y)

e
  
AZ (x + y) = AZ (m, n) + (m̃, ñ) = AZ (m + m̃, n + ñ) = m + m̃, SN (n + ñ)
  
= m + m̃, n + SN (ñ) = m, n + m̃, SN (ñ) = x + AZ (y)

v) e vi) Obtém-se como simples aplicações do PIN e são deixadas como exercícios ao leitor. □

2.2.4.3 Relação de Ordem Inteira

Apesar dos autores geralmente apresentarem a relação de ordem inteira de uma forma um
pouco mais direta, em relação ao que faremos, o resultado final é o mesmo. Existem outras pos-
sibilidades para se fazer essa abordagem (no próximo capítulo adota-se uma outra alternativa,
com argumentos um pouco mais genérico) e nossa opção é por conta das identificações com o
que foi apresentado, no caso dos números naturais, e por sua melhor identificação com o que
será desenvolvido nos capítulos que se seguem.
Mas enfim, uma vez estendida a função sucessora ao conjunto dos números inteiros, po-
demos imitar a definição do caso dos naturais (vide Definição 2.1.8), onde a função sucessora
exerce papel preponderante no “enfileiramento” daqueles números. Assim, o ordenamento dos
inteiros será estabelecido por:

41
Definição 2.2.9 Dados x, y ∈ Z, diz-se que “x menor que y”, denotando-se por “x < y”,
quando existir k ∈ N∗ tal que y = x + k. Mais precisamente,

x < y ⇐⇒ y = (SZ )k (x) = x + k; k ∈ N∗ , x, y ∈ Z. (2.89)

Em tal circunstância, também diz-se que “y maior que x”, denotando-se por “y > x”.

É simples verificar-se que a relação “menor que” é bem definida, no sentido de que não depende
do representante da classe dos números x e y escolhidos.
O próximo resultado é o correspondente da Proposição 2.10 (caso dos naturais) que efetiva
e formalmente põe os números inteiros em ordem total.

Proposição 2.19 Para quaisquer x, y ∈ Z, a relação sobre Z:

x ≤ y ⇐⇒ x < y ou x = y, (2.90)

é uma relação de ordem total.

Demonstração: Analogamente ao observado no caso dos naturais, tem-se como consequência


de (2.89) e (2.90) que:
x ≤ y ⇐⇒ y = (SZ )k (x) = x + k; k ∈ N. (2.91)

A demonstração consiste na produção de argumentos para as quatro seguintes propriedades:

• Reflexividade: ∀ x ∈ Z, (2.90) naturalmente contempla que x ≤ x;

• Antissimetria: Para x = y tem-se que x ≤ y e y ≤ x. Agora, considerando que x ̸= y são


tais que x ≤ y e y ≤ x, então por (2.90) necessariamente x < y e y < x. Contudo, neste
caso teria-se a existência de k1 , k2 ∈ N∗ tais que y = x + k1 e x = y + k2 e daí, teria-se:
(2.73) (2.74)
x = y + k2 = (x + k1 ) + k2 = x + (k1 + k2 ) =⇒ 0 = k1 + k2 ⇐⇒ k1 = −k2 ∈ Z−
| {z } | {z }
∗.

A última conclusão acima (que decorre do fato dos simétricos dos números positivos se-
rem os negativos e vice-e-versa) é um absurdo, pois contraria a Lei da Tricotomia Inteira
(Proposição 2.14) com k1 . Portanto, a condição x ≤ y só pode ocorrer simultaneamente
com a condição y ≤ x para o caso em que x = y;

• Transitividade: É ipsis verbis o caso dos naturais, pois dados x, y, z ∈ Z tais que x ≤ y e
y ≤ z, então segue-se de (2.91) que existem k1 , k2 ∈ N tais que y = x + k1 e z = y + k2
(k1 = 0 ⇔ x = y e k2 = 0 ⇔ y = z). Portanto, considerando k = k1 + k2 ∈ N tem-se:
(2.73) (2.91)
| {z } | {z }
z = y + k2 = (x + k1 ) + k2 = x + (k1 + k2 ) = x + k ⇐⇒ x ≤ z;

42
• Totalidade: Dados x, y ∈ Z, devemos verificar que uma das seguintes possibilidades
ocorre, quais sejam x ≤ y ou y ≤ x. Pela Lei da Tricotomia Inteira (Proposição 2.14),
tem-se que necessariamente uma das duas seguintes condições ocorre, para o número
x − y ∈ Z:
(2.89) (2.90)
i) x − y ∈ Z−
| {z } | {z }
∗ ⇔ x − y = −k, k ∈ N∗ ⇔ y = x + k, k ∈ N∗ ⇐⇒ x < y =⇒ x ≤ y,
(2.91)
| {z }
ii) x − y ∈ N ⇔ x − y = k, k ∈ N ⇔ x = y + k, k ∈ N ⇐⇒ y ≤ x.

2.2.4.4 Propriedades da Relação de Ordem Inteira

Todas as propriedades elencadas na subseção 2.1.5 se verificam, feita as devidas ade-


quações ao caso dos números inteiros. Como as justificativas são bem semelhantes as de lá
apresentadas, deixamo-as como exercícios ao leitor. Enfatizamos que todas essas propriedades,
bem como os demais assuntos referenciados no caso dos naturais, serão novamente abordados
no próximo capítulo, que se dedica a construir os inteiros por uma ótica que nem mesmo se
pressupõe a existência dos naturais.
Encerramos a abordagem, apresentando um resultado que tradicionalmente é o que os
autores utilizam para definir a relação de ordem inteira, bem como as principais propriedades,
apresentadas no caso dos naturais, no contexto dos inteiros.

Proposição 2.20 Dados (m, n), (m̃, ñ) ∈ Z, então:

(m, n) < (m̃, ñ) ⇐⇒ m + ñ < n + m̃. (2.92)

Demonstração: Antes de iniciarmos os argumentos da demonstração, observar que as desi-


gualdades à esquerda e a direita de (2.92) têm contextos diferentes, no sentido de que uma é
sobre os inteiros e a outra é sobre os naturais. Pois bem, a demonstração segue-se direta do
seguinte desenvolvimento:
(2.89) (2.70)
| {z } | {z }
(m, n) < (m̃, ñ) ⇐⇒ (m̃, ñ) = (m, n) + (k, 0) = (m + k, n), k ∈ N∗
(2.61 − ii) e (2.62) (2.34) e (2.16)
| {z } | {z }
⇐⇒ m̃ + n = ñ + m + k ⇐⇒ m + ñ < n + m̃.

A propriedade em (2.38) se estende aos inteiros, como consequência direta das definições da
função sucessora inteira (2.86) e da relação “menor” (2.89), ou seja:

x < SZ (x), ∀ x ∈ Z, (2.93)

43
Ademais, tem-se também as extensões resumidas no seguinte resultado:

Proposição 2.21 Os números inteiros satisfazem as seguintes propriedades:

1. (Lei da Tricotomia) Para quaisquer x, y ∈ Z apenas uma, dentre as seguintes possibilida-


des, necessariamente ocorrerá:

a) x < y, b) x = y, c) x > y; (2.94)

2. (Monotonicidade da Adição) Dados x, y, z ∈ Z, então:

x < y ⇐⇒ x + z < y + z; (2.95)

3. (Monotonicidade da Multiplicação) Dados x, y ∈ Z e z ∈ Z∗ , então:


z ∈ Z+ z ∈ Z−
| {z ∗} | {z ∗}
zx < zy ⇐⇒ x < y ⇐⇒ zy < zx; (2.96)

4. (Adição de Desigualdades) Dados x, y, z, w ∈ Z, então:

x < y, z ≤ w =⇒ x + z < y + w; (2.97)

5. Para qualquer x ∈ Z,
̸ ∃ z ∈ Z, x < z < SZ (x); (2.98)

6. Dados x, y ∈ Z,
x < y ⇐⇒ x + 1 ≤ y. (2.99)

Demonstração: Exercícios ao leitor (vide [17], [21], [22], [24], et. al.) □

2.3 Contando os Racionais: Abordagem Clássica


Como o Capítulo ?? dedica-se a fazer abordagem completa dos racionais, adotaremos o
mesmo procedimento da seção anterior, procurando ser bastante objetivo, abordando só os as-
pectos mais significantes da comparação com o que se apresenta nos capítulos seguintes e o que
é usualmente abordado nas bibliografias conhecidas, das quais sugerimos para complementação
as mesmas referências citadas na seção anterior.

44
2.3.1 Apresentando os Racionais
À parte os significados objetivos (que estamos sempre buscando contornar) das frações, é
pacífico que as seguintes frações são representações distintas de um mesmo objeto:
1 2 3 n
, , ,··· , ,···
2 4 6 2n
ou mesmo
−2 −4 −6 −2n
, , ,··· , ,···
5 10 16 5n
(o número inteiro que aparece no numerador significa a quantidade de partes sendo considera-
das, ou em falta no contexto dos números negativos, de unidades de divisão de uma unidade
pelo número natural não nulo que aparece no denominador). Então, procedendo-se análogo
ao que foi feito com os inteiros, esse fato sugere a seguinte formalização das frações (núme-
ros racionais) como classes de equivalência de elementos do produto cartesiano de Z × N∗ , da
seguinte forma.

Proposição 2.22 A relação “∼”, definida em Z × N∗ por:

(x, m) ∼ (y, n) ⇐⇒ xn = ym (2.100)

é uma Relação de Equivalência.

Demonstração: As propriedades da Reflexividade e da Simetrica seguem-se direto da comuta-


tividade da multiplicação inteira. Quanto a Transitividade, tem-se que:

(x, m) ∼ (y, n) ⇔ xn = ym e (y, n) ∼ (z, k) ⇔ yk = zn



prop. de “·” (2.62)
| {z } | {z }
n(xk) = (xn)k = (ym)k = (yk)m = (zn)m = n(zm) ⇐⇒ xk = zm ⇐⇒ (x, m) ∼ (z, k).

É usual denotar-se as classes de equivalência da relação “∼”, definida por (2.100), por:

not x def
n o
x/n = = (x, n) = (y, m) ∈ Z × N∗ ; xm = yn . (2.101)
n

Definição 2.3.1 Os Números Racionais são os elementos do conjunto:


nx o
Q = Z × N∗ /∼ = ; (x, n) ∈ Z × N∗ . (2.102)
n

45
Os Números Inteiros são identificados como um subconjunto dos racionais através de:
def x
n o
Z= x = ; x∈Z . (2.103)
1
Os Números Racionais Positivos são os elementos do conjunto:
nx o
+ +
Q∗ = ∈ Q; x ∈ Z∗ . (2.104)
n
Os Números Racionais Negativos são os elementos do conjunto:
nx o
Q− ∗ = ∈ Q; x ∈ Z−
∗ . (2.105)
n
Os Números Racionais Não-Negativos são os elementos do conjunto:

Q+ = Q+
∗ ∪ {0}. (2.106)

Os Números Racionais Não-Positivos são os elementos do conjunto:

Q− = Q−
∗ ∪ {0}. (2.107)

2.3.2 Tricotomia Racional


A propriedade da Lei da Tricotomia Racional, segue-se como consequência imediata das
definições acima e da propriedade da Lei da Tricotomia Inteira (Proposição 2.14) é:

Proposição 2.23 (Lei da Tricotomia Racional) Para qualquer q = x/n ∈ Q apenas uma, den-
tre as seguintes possibilidades, necessariamente ocorrerá:

a) q ∈ Q−
∗; b) q = 0; c) q ∈ Q+
∗.

Demonstração: Sendo z = x/n, x ∈ Z, n ∈ N∗ , tem-se pela Lei da Tricotomia Inteira que


apenas uma dentre as seguintes condições ocorrerá:

a) x ∈ Z+ +
∗ ⇐⇒ q = x/n, ∈ Q∗ ;
b) x = 0 = 0/1 = 0/n = q;
c) x ∈ Z− −
∗ ⇐⇒ q = x/n, ∈ Q∗ .

Como consequência do resultado acima, estende-se a função sinal, para o contexto dos números
racionais, da seguinte forma:

Definição 2.3.2 O sinal de um elemento q ∈ Q é:



+
 1, se q ∈ Q∗ ;


def
sgn(q) = 0, se q = 0; (2.108)

 −1, se q ∈ Q− .

46
2.3.3 Operando os Racionais
As contextualizações para as operações de adição e multiplicação de frações são bem
parecidas com as mesmas para os números inteiros, tendo como diferença basicamente que ao
invés de se operar unidades de algum objeto, se opera as suas partes divididas pelo número
natural que aparece no denominador das frações. Então, para se operar trabalha-se com as
quantidades dessas partes. Quando as frações sendo operadas têm os denominadores distintos,
na operação de adição (ou subtração) tem-se que ter o cuidado de buscar representações nas
quais as duas estejam divididas pela mesma quantidade de parcelas (o denominador ser um
número natural comum) e então faz-se a operação normal sobre o numerador, como se estivesse
operando os inteiros. Esse princípio básico é o que norteia a definição da adição de frações, pois,
uma premissa nas contextualizações dessa operação é que, as quantidades a serem adicionadas
têm que ter a mesma natureza, no caso as mesmas subdivisões equânimes da unidade de uma
determinada grandeza.

2.3.3.1 Adição Racional


x y
Como frisamos acima, fossemos realizar a adição entre os elementos n e m, teria-se que
determinar as representações das frações que tenham o mesmo valor no denominador e proceder
a soma inteira das parcelas dos numeradores. Assim, necessita-se encontrar a representação de
ambas as frações, nas quais apareçam o mesmo valor no denominador. Uma alternativa (que é
lecionada no enino básico) é por esse número comum como sendo o mínimo múltiplo comum de
m e n, d=mmc(m, n), ou mesmo, mais simplesmente, se por o denominador de ambas as frações
igual ao produto de m e n, mn. Neste caso, procede-se a adição inteira normal sobre seus
respectivos numeradores e mantém o denominador com a novo particionamento da unidade,
dado pelo produto mn. Mais precisamente,
x xn y ym x y xn ym xn + ym
= , = =⇒ + = + = .
m mn n mn m n mn mn mn
Portanto, nada mais natural que a seguinte definição de adição de racional:

Definição 2.3.3 A Adição Racional (ou Soma Racional) dos números racionais mx , ny ∈ Q é:
x y xn + ym
+ = . (2.109)
m n mn
Novamente, como ocorria com os números inteiros, por conta da operação tá sendo rea-
lizada sobre representantes de uma classe, tem-se que justificar a questão da não dependência
da representação desses elementos sendo operados, ou seja, se a operação é bem definida no
sentido que:

x x̃ ??? xn + ym
y ỹ |{z} x̃ñ + ỹm̃
= e = =⇒ = ⇐⇒ xnm̃ñ + ymm̃ñ = x̃ñmn + ỹm̃mn.
m m̃ n ñ mn m̃ñ

47
Mas a conta é simples, basta observar que:
x x̃ y ỹ
= e = ⇐⇒ xm̃ = x̃m e yñ = ỹn =⇒ xnm̃ñ + ymm̃ñ = x̃ñmn + ỹm̃mn.
m m̃ n ñ

2.3.3.2 Propriedades da Adição Racional

As propriedades que são satisfeitas pela adição de números racionais são basicamente as
mesmas que ocorre com os inteiros. Ou seja:

Proposição 2.24 A operação de adição em Q satisfaz às propriedades:

1. Existência de Elemento Neutro: 0 ∈ Q satisfaz que

q + 0 = 0 + q = q, ∀ q ∈ Q; (2.110)

2. Comutatividade:
p + q = q + p, ∀ p, q ∈ Q; (2.111)

3. Associatividade:
def
(p + q) + r = p + (q + r) = p + q + r, ∀ p, q, r ∈ Q; (2.112)

4. Lei do Cancelamento: Dados p, q, r ∈ Q,

p + q = p + r ⇐⇒ q = r; (2.113)

5. Existência de Elemento Simétrico:

∀ q ∈ Q, ∃! q̃ ∈ Q (único) tal que q + q̃ = q̃ + q = 0. (2.114)

x y
Demonstração: Considerando p = m, q= n e r = kz , tem-se que todas as justificativas são
consequências diretas das definições de número racional (eq. 2.101), da adição racional (eq.
2.109) e das respectivas propriedades no caso dos inteiros, conforme ver-se a seguir:
1.
y 0 y 0 y
q+0 = + = = q = + = 0 + q;
n n n n n
2.
x y xn + ym ym + xn y x
p+q = + = = = + = q + p;
m n mn mn n m
3.
x y  z xn + ym z xnk + ymk + zmn
(p + q) + r = ++ = + =
m n k mn k mnk
xnk ymk + zmn x y z
= + = + + = p + (q + r);
mnk mnk m n k

48
4.
x y x z xn + ym xk + zm y z
+ = + ⇔ = ⇔ xnk + ymk = xkn + zmn ⇐⇒ yk = zn ⇔ = ;
m n m k mn mk n k
−y
5. Basta considerar q̃ = n =⇒ ny + −y
n =
0
n = 0. □

Segue-se da notação do Elemento Simétrico de um racional e da demonstração da propri-


edade 5, acima, que:
y −y
− = . (2.115)
n n
Portanto, tem-se da Definição 2.3.1 e de semelhante propriedade com os números inteiros que:
Os números racionais negativos são os simétricos dos números racionais positivos e vice-e-
versa.

2.3.3.3 Subtração Racional

A Subtração Racional é definida de modo idêntico ao que foi feito no caso dos números
inteiros. Ou seja:

y
Definição 2.3.4 Dados p = mx , q = n ∈ Q, a Subtração (ou Diferença) entre p e q é definida e
denotada por:
def xn − ym
p − q = p + (−q) = . (2.116)
mn

2.3.3.4 Propriedades da Subtração Racional

As propriedades da Subtração Racional são ipsis litteris as mesmas das do caso dos in-
teiros e, nas suas justificativas, que são deixadas como exercícios ao leitor, faz-se uso das res-
pectivas propriedades associadas no caso dos inteiros.

Proposição 2.25 Para quaisquer p, q, r ∈ Q, tem-se que:

i) − (−p) = p; ii) − q + p = p − q; iii) p − (−q) = p + q;


iv) − p − q = −(p + q); v) p − (q + r) = (p − q) − r; vi) p − (q − r) = (p − q) + r.

2.3.3.5 Multiplicação Racional

Interpretando-se as contextualizações de frações, para se introduzir a operação de multi-


plicação, tem-se que na operação de multiplicação de uma quantidade inteira por uma fração é
natural que se faça a multiplicação no numerador e se preserve as subdivisões da fração que apa-
rece na multiplicação, conforme ideia comentada na apresentação da Subseção 2.3.3. Quando
o produto é entre duas frações, o contexto é de se tomar as frações de uma certa quantidade

49
fracionada, que significa que devemos subdividir a fração pelo número do denominador da fra-
ção sendo multiplicada (a subdivisão da divisão é a multiplicação dos denominadores) e fazer
o produto normal das quantidades nos numeradores. Esses fatos motivam e sugere a seguinte
definição de multiplicação racional:

x y
Definição 2.3.5 Dados m, n ∈ Q, chama-se Multiplicação Racional (ou Produto Racional),
desses elementos, o seguinte número racional:
x y not x y def xy
= · = . (2.117)
mn m n mn
E a questão de se a multiplicação é bem definida, traduz-se em:

x x̃ ??? xy
y ỹ |{z} x̃ỹ
= e = =⇒ = ⇐⇒ xym̃ñ = x̃ỹmn.
m m̃ n ñ mn m̃ñ
Porém, a arguição é bem direta, pois:
x x̃ y ỹ
= e = ⇐⇒ xm̃ = x̃m e yñ = ỹn =⇒ xym̃ñ = x̃ỹmn.
m m̃ n ñ

2.3.3.6 Propriedades da Multiplicação Racional

Uma propriedade que segue-se das Definições 2.3.1 e 2.3.2, é a extensão do conceito de
módulo de um número inteiro para os racionais.

Definição 2.3.6 O Módulo (ou Valor Absoluto) de um elemento q ∈ Q, é:


( )
q, se q ∈ Q +;
def
|q| = q · sgn(q) = −
∈ Q+ . (2.118)
−q, se q ∈ Q∗ .

Ademais, destacaremos apenas as propriedades algébricas mais relevantes, cuja maioria


é ipsis litteris a respectiva propriedade na Proposição 2.17, da multiplicação inteira, e as quais
é a referência na demonstração do seguinte resultado.

Proposição 2.26 A operação de multiplicação em Q satisfaz às propriedades:

1. Produto por Zero:


q · 0 = 0 · q = 0, ∀ q ∈ Q; (2.119)

1
2. Existência de Elemento Neutro Multiplicativo: 1 = 1 satisfaz que

q · 1 = 1 · q = q, ∀ q ∈ Q; (2.120)

3. Comutatividade:
p · q = q · p, ∀ p, q ∈ Q; (2.121)

50
4. Associatividade:
def
(p · q) · r = p · (q · r) = pqr, ∀ p, q, r ∈ Q; (2.122)

5. Existência de Elemento Inverso:


def
∀ q ∈ Q∗ = Q − {0}, ∃! q̃ ∈ Q∗ (único) tal que q · q̃ = q̃ · q = 1; (2.123)

6. Lei do Cancelamento: Dados p, q, r ∈ Q com p ̸= 0, então

p · q = p · r ⇐⇒ q = r. (2.124)

Ou equivalentemente,
p̸=0
p · q = 0 ⇐⇒ q = 0. (2.125)

Demonstração:
Embora simples (dignas a deixar-se como exercícios), apresentamos as breves justifica-
tivas, todas fazendo-se uso das respectivas propriedades no caso inteiro, conforme Proposição
2.17, excetuando-se a propriedade da existência de elemento inverso e da lei do cancelamento.
y
Pois bem, considerando-se p = mx , q = n e r = kz , tem-se das definições de número racional (eq.
2.101), do produto racional (eq. 2.117) e das respectivas propriedades no caso dos inteiros,
que:
1.
(2.117) (2.79) (2.79) (2.117)
y 0 | {z } y · 0 | {z } 0 0 | {z } 0 · y | {z } 0 y
q·0 = · = = =0= = = · = 0 · q;
n 1 n n n n 1 n
2.
(2.117) (2.80) (2.80) (2.117)
y 1 | {z } y · 1 | {z } y y | {z } 1 · y | {z } 1 y
q·1 = · = = =q= = = · = 1 · q;
n 1 n n n n 1 n
3.
(2.117) (2.81) (2.117)
x y | {z } x · y | {z } y · x | {z } y x
p·q = · = = = · = q · p;
m n mn nm n m
4.
 x y  z (2.117) (2.82) (2.117)
| {z } (xy)z | {z } x(yz) | {z } x
y z
(p · q) · r = · · = = = · · = p · (q · r);
m n k (mn)k m(nk) m n k
y n·sgn(y)
5. Como q = n ∈ Q∗ ⇔ y ̸= 0 ⇔ |y| ∈ N∗ ⇔ sgn(y) ̸= 0, tem-se que para q̃ = |y| ∈ Q∗ :

(2.121) (2.117) (2.118)


| {z } n · sgn(y) y | {z } ny · sgn(y) | {z } n|y|
q · q̃ = q̃ · q = · = = = 1;
|y| n n|y| n|y|
x m·sgn(x)
6. Também, p = m ∈ Q∗ ⇔ x ̸= 0 ⇔ |x| ∈ N∗ ⇔ sgn(x) ̸= 0 ⇔ p̃ = |x| ∈ Q∗ e daí:

(2.122) (2.123) (2.120)


| {z } | {z } | {z }
p · q = p · r =⇒ p̃(pq) = p̃(pr) ⇐⇒ ( p̃p)q = ( p̃p)r ⇐⇒ 1 · q = 1 · r ⇐⇒ q = r.

51
Como obviamente q = r ⇐⇒ p · q = p · r, a justificativa de 2.124 termina, bem como a de toda
Proposição. □

Como consequência da demonstração da propriedade da Existência de Elemento Inverso,


tem-se a seguinte expressão para a sua notação:
 y −1 n sgn(y) y
not −1
q̃ = q = = , ∀ q = ∈ Q∗ . (2.126)
n |y| n

2.3.3.7 Divisão Racional

Por conta da propriedade da Existência de Elemento Inverso, é possível definir-se a divisão


de qualquer racional por outro não-nulo, da seguinte forma:

Definição 2.3.7 A Divisão (ou Quociente) entre os números racionais p = mx ∈ Q e p = ny ∈ Q∗ ,


é o número racional:
p def xn · sgn(y)
= p · q−1 = . (2.127)
q m|y|

2.3.4 Ordenando os Racionais


Para estabelecer o “enfileiramento” dos números racionais nos moldes do que foi desen-
volvido na extensão dos números inteiros para os naturais (Subseção 2.2.4), necessitaríamos
fazer extensão da função sucessora dos inteiros para os racionais. Esse caminho carece de uma
análise mais criteriosa e é parte do que se desenvolve no Capítulo ??. Portanto, apenas introdu-
ziremos a forma como os autores tradicionalmente conceituam esse ordenamento nos números
racionais, deixando ao leitor a verificação das diversas propriedades, semelhantes as que foram
apresentadas no caso dos naturais (Subseção 2.1.5), mas ipsis verbis continuam ocorrendo nos
inteiros e nos racionais. Para complementações indicamos as referências citadas no início do
capítulo ou mesmo a inédita abordagem que desenvolveremos já a partir do próximo capítulo.

x y
Definição 2.3.8 Dados p = m,q = n ∈ Q, diz-se que “p menor que q”, denotando-se por
“p < q”, quando existir k ∈ N∗ tal que ym = xn + k. Mais precisamente,
x y
p= < = q (em Q) ⇐⇒ ym = (SZ )k (xn) = xn + k; k ∈ N∗ ⇐⇒ xn < ym (em Z). (2.128)
m n
Em tal circunstância, também diz-se que “q maior que p”, denotando-se por “q > p”.

Uma conta simples, que deixamos ao leitor, é a verificação de que a relação “menor que” é bem
definida, no sentido de que não depende do representante da classe dos números racionais p e q
escolhidos.

52
O próximo resultado, que corresponde a Proposição 2.10 (caso dos naturais) e a Proposi-
ção 2.19 (caso dos inteiros), é o que efetivamente coloca os números racionais em uma relação
de ordem total.

Proposição 2.27 Para quaisquer p, q ∈ Q, a relação sobre Q:

p ≤ q ⇐⇒ p < q ou p = q, (2.129)

é uma relação de ordem total.

Demonstração: Considerando p = mx , q = ny , tem-se como consequência de (2.128) e (2.129)


que:
x y
p= ≤ = q (em Q) ⇐⇒ ym = (SZ )k (xn) = xn + k; k ∈ N ⇐⇒ xn ≤ ym (em Z). (2.130)
m n
A demonstração consiste na produção de argumentos para as quatro seguintes propriedades:

• Reflexividade: ∀ p ∈ Q, a equação (2.129) naturalmente contempla que p ≤ p;

• Antissimetria: Para p = q, (2.129) assegura que p ≤ q e q ≤ p. Agora, considerando que


x y
p= m ̸= n = q são tais que p ≤ q e q ≤ p, então por (2.129) necessariamente p < q e
q < p. Contudo, neste caso teria-se a existência de k1 , k2 ∈ N∗ tais que ym = xn + k1 e
xn = ym + k2 e daí,
(2.73) (2.74)
xn = ym + k2 = (xn + k1 ) + k2 = xn + (k1 + k2 ) =⇒ 0 = k1 + k2 ⇐⇒ k1 = −k2 ∈ Z−
| {z } | {z }
∗.

A última conclusão acima (que decorre do fato dos simétricos dos números positivos se-
rem os negativos e vice-e-versa) é um absurdo, pois contraria a Lei da Tricotomia Inteira
(Proposição 2.14) com k1 . Portanto, a condição p ≤ q só pode ocorrer simultaneamente
com a condição q ≤ p para o caso em que p = q;

• Transitividade: Também como acontece no caso dos inteiros, é ipsis verbis o caso dos
naturais, pois dados p = mx , q = ny , r = z
l ∈ Q tais que p ≤ q e q ≤ r, então segue-se de
(2.130) que existem k1 , k2 ∈ N tais que ym = xn+k1 e zn = yl +k2 . Portanto, considerando
k = k1 l + k2 m ∈ N, segue-se das propriedades da adição e da multiplicação, em Z, que:

znm = yml + k2 m = (xn + k1 )l + k2 m = xnl + (k1 l + k2 m)


(2.91) (2.96) (2.130)
| {z } | {z } | {z }
= xnl + k, k ∈ N ⇐⇒ xln ≤ zmn ⇐⇒ xl ≤ zm ⇐⇒ p ≤ r;

y
• Totalidade: Dados p = mx , q = n ∈ Q, devemos verificar que uma das seguintes possibi-
lidades ocorre, quais sejam p ≤ q ou q ≤ p. Pela Lei da Tricotomia Inteira (Proposição
2.14), tem-se que necessariamente uma das duas seguintes condições ocorre, para o nú-
mero xn − ym ∈ Z:

53
i)

xn − ym ∈ Z−
∗ ⇐⇒ xn − ym = −k, k ∈ N∗ ⇐⇒ ym = xn + k, k ∈ N∗
(2.89) (2.128) (2.129)
| {z } | {z } | {z }
⇐⇒ xn < ym ⇐⇒ p < q =⇒ p ≤ q,

ii)

xn − ym ∈ N ⇐⇒ xn − ym = k, k ∈ N ⇐⇒ xn = ym + k, k ∈ N
(2.91) (2.130)
| {z } | {z }
⇐⇒ ym ≤ xn ⇐⇒ q ≤ p.

2.3.4.1 Propriedades da Relação de Ordem Racional

Encerramos a abordagem, contando o que é clássico nas construções dos racionais, apre-
sentando um resultado equivalente ao que foi utilizado na definição da relação “menor que”,
nos racionais (2.128), e um outro resultado expandindo aos racionais o contexto da Proposição
2.21. Enfatizamos o nosso enfoque mais direcionado aos assuntos relevantes e relacionados ao
que se trata nos dois capítulos seguintes.

Proposição 2.28 Dados p, q ∈ Q, então:

p < q ⇐⇒ ∃ r ∈ Q+
∗ tal que q = p + r. (2.131)

Demonstração: Dados p = mx , q = ny ∈ Q e r = kz ∈ Q+ +
∗ ⇐⇒ z, k ∈ Z∗ . É suficiente observar-se
que:
y x z xk + zm
q = p + r ⇐⇒ = + = ⇐⇒ ymk = xnk + zmn
n m k mk
(2.89) (2.96) (2.128)
| {z } | {z } | {z } x y
⇐⇒ xnk < ymk ⇐⇒ xn < ym ⇐⇒ p = < = q.
m n

Proposição 2.29 Os números racionais satisfazem as seguintes propriedades:

1. (Lei da Tricotomia) Para quaisquer p, q ∈ Q apenas uma, dentre as seguintes possibili-


dades, necessariamente ocorrerá:

a) p < q, b) p = q, c) p > q; (2.132)

54
2. (Monotonicidade da Adição) Dados p, q, r ∈ Q, então:

p < q ⇐⇒ p + r < q + r; (2.133)

3. (Monotonicidade da Multiplicação) Dados p, q ∈ Q e r ∈ Q∗ , então:


z ∈ Q+ r ∈ Q−
| {z ∗} | {z ∗}
rp < rq ⇐⇒ p < q ⇐⇒ rq < rp; (2.134)

4. (Adição de Desigualdades) Dados p, q, r, s ∈ Q, então:

p < q, r ≤ s =⇒ p + r < q + s; (2.135)

5. Para quaisquer p, q ∈ Q,

p < q =⇒ ∃r ∈ Q tal que p < r < q. (2.136)

Demonstração: Exercícios ao leitor (vide [17], [18], [21], [22], [24], et. al.) □

55
Capítulo 3

Contando os Inteiros por Indução

“A escada da Sabedoria tem os


degraus feitos de números.”

(Blavatsky)

3.1 Introdução
Conforme o título do capítulo sugere, a abordagem buscará enxergar os números inteiros
com a mesma ótica com que os números naturais foram introduzidos, desenvolvendo-se uma
interpretação mais “natural” de sua concepção, ao menos do ponto de vista didático. Conforme
foi apresentado no capıítulo 2, os números naturais, com todas as suas operações e propriedades,
é o produto de um enfileiramento de seus elementos, sucessor a sucessor, tendo como ponto
de partida o elemento denotado por 0. Os números inteiros, que também foi apresentado no
capıt́ulo 2, mostrou-se gozar de propriedades semelhantes, tendo seus elementos enfileirados
através da seguinte extensão da função sucessora aos inteiros:
 
SZ (m, n) = SN (m), n ; (m, n) ∈ Z. (3.1)

A diferença substancial, do caso dos inteiros em relação ao enfileiramento dos naturais, é a


não existência de um ponto de partida na “fila” e esta, poder se estender indefinidamente em
ambos os sentidos, denominados de sentido dos números sucessores e sentido dos números
antecessores. Veremos adiante que, nomeando-se algum elemento da fila como elemento de
referência (o qual também o denominaremos por 0), é possível a construção dos inteiros, com
todas as suas operações e propriedades, conforme visto no capítulo anterior, simplesmente como
consequência desse enfileiramento determinado pela sua função sucessora, nos mesmos moldes
realizado com os números naturais.

56
3.2 Axiomas de Indução Inteira
A função sucessora, definida nos inteiros por (3.1), satisfaz propriedades que são sufici-
entes para a caracterização dos inteiros, com todas as propriedades e definições apresentadas no
capítulo anterior, semelhante ao que se fez com os naturais através do axioma de Peano. Neste
capítulo, utiliza-se dessas propriedades como referência para a apresentação de uma inovada
alternativa de construção para os inteiros, que se mostra mais natural, no sentido de que ela
também deriva a construção dos números naturais como um caso particular. Antes porém, é
importante apresentarmos algumas notações e linguagem que será de uso recorrente.

Definição 3.2.1 y ∈ Z é chamado de elemento sucessor de x ∈ Z quando y = SZ (x). Neste caso,


x é chamado de elemento antecessor de y. Quando y possui apenas um antecessor, denota-se o
mesmo por AZ (y). Neste caso, tem-se:
 
“x é antecessor de y” x = AZ (y) ⇔ “y é sucessor de x” y = SZ (x) . (3.2)

Teorema: 3.1 A função sucessora SZ , definida em Z por (3.1), satisfaz:

P1 - Todo inteiro possui um único sucessor e um único antecessor;

P2 - O sucessor do número zero não é o zero;

P3 - (Princípio de Indução Inteira) Se um subconjunto X ⊂ Z satisfaz:


( )
a) X ̸= 0;
/
=⇒ X = Z. (3.3)
b) x ∈ X ⇒ SZ (x) ∈ X, AZ (x) ∈ X.

Demonstração:
Antes de proceder a demonstração, observamos que, por (3.2), P1 é equivalente a:

f1 - A função sucessora é bijetiva e sua inversa é a função antecessora. (S−1 def


P Z = AZ )

f1 , basta lembrar das propriedades da função SN (n) = n + 1,


Para justificar à propriedade P1 ou P
a definição dos inteiros como classe de equivalência de N × N (Definição 2.2.2), a definição da
função sucessora dada por (3.1) e a antecessora, definida em Z por:
  
AZ (m, n) = m, SN (n) ; (m, n) ∈ Z, (3.4)

mais o fato simples de se verificar de que (m, n) = SN (m), SN (n) (vide Proposição 2.18). A
justificativa de P2 segue-se do fato de que:

 (3.1)
| {z } 
SZ (0, 0) = SN (0), 0 = (1, 0) ̸= (0, 0). (3.5)

57
Por último, para justificar à propriedade P3 , considere

Z+ = {(m, n) ∈ Z; m ≥ n} e Z− = {(m, n) ∈ Z; m ≤ n}.

Então, segue-se da Lei da Tricotomia Inteira (Proposição 2.14), que

Z+ ∪ Z− = Z, Z+ ∩ Z− = {(0, 0)} = {0} (3.6)

e além disso, considerando-se

SZ+ = SZ| e SZ− = AZ| , (3.7)


Z+ Z−

é simples verificar-se que Z+ com a função sucessora SZ+ satisfaz os Axiomas de Peano (ou
Propriedade da Indução Natural), apresentados no capítulo 2 (vide Definição 2.1.1) e, de modo
análogo, também Z− com a função sucessora SZ− . Portanto, dado X ⊂ Z satisfazendo as premis-
sas de (3.3), considere X + = X ∩ Z+ e X − = X ∩ Z− . Então, como X ̸= 0,
/ considere (m, n) ∈ X.
Pela Lei da Tricotomia Inteira (Proposição 2.14), tem-se que uma das seguintes condições ne-
cessariamente ocorrerá:
 
∈ N∗ ⇒ AkZ k (0) = (k, k) = (0, 0) ∈ X;

i) m > n ⇒ (m, n) = (k, 0) ∈ X, k (k, 0) = k, SN

ii) m = n ⇒ (m, n) = (0, 0) ∈ X;


 
iii) m < n ⇒ (m, n) = (0, k) ∈ X, k ∈ N∗ ⇒ SZk (0, k) = SN
k (0), k = (k, k) = (0, 0) ∈ X.


(nos itens i) e iii) utiliza-se repetidamente, k-vezes, a premissa 3.3-b) para concluir-se que
(0, 0) ∈ X). Portanto, necessariamente tem-se que (0, 0) ∈ X + e (0, 0) ∈ X − (vide a definição
de X + e de X − ). Então, como das premissas da propriedade P3 sendo satisfeitas, tem-se também
satisfeitas as premissas do PIN para os subconjuntos X + e X − (com suas respectivas funções
sucessoras), segue-se que X + = Z+ e X − = Z− . Logo, como por definição X = X + ∪ X − , tem-
(3.6)
se que X = Z+ ∪ Z− = Z, o que conclui a justificativa de P3 e de todo o teorema. □

No caminho da contrução dos inteiros, que adotamos a seguir, a abordagem não se pre-
ocupará com a natureza intrínseca dos seus elementos, análogo ao procedimento utilizado na
definição dos números naturais. Como veremos, ela terá por base a existência de uma função
que faz o papél de “enfileirar” os seus elementos, ao molde das propriedades apresentadas no
Teorema 3.1. Mais precisamente:

Definição 3.2.2 Diz-se que um conjunto Z ̸= 0/ satisfaz à Propriedade da Indução Inteira,


quando existir uma função S : Z → Z, chamada de sucessora, satisfazendo aos seguintes prin-
cípios:

58
def
Z1 - S é bijetiva S−1 = A é chamada de antecessora ;


def def
Z2 - Existe um elemento de referência er = 0 ∈ Z tal que S(0) = 1 ̸= 0;

Z3 - (Princípio de Indução Inteira - PIZ) Se um subconjunto X ⊂ Z satisfaz:


( )
a) X ̸= 0;
/
=⇒ X = Z. (3.8)
b) Sempre que x ∈ X ⇒ S(x) ∈ X e A(x) ∈ X.

Um bom exercício é a verificação de que a condição X ̸= 0/ em (3.8-a) pode ser substituída


pela condição 0 ∈ X (ou equivalentemente 1 ∈ X). Também, quando um conjunto satisfaz
à Propriedade da Indução Inteira, o princípio Z2 ocorre em verdade para todos os demais
elementos em Z. Ou seja,

Proposição 3.2 Se Z satisfaz à “Propriedade da Indução Inteira”, então:

S(x) ̸= x, ∀x ∈ Z.

Demonstração: Considere X = {x ∈ Z; S(x) ̸= x}, então, tem-se pelo princípio Z2 que 0 ∈ X


e obviamente X ̸= 0.
/ Agora, se x ∈ X é qualquer outro elemento, tem-se por definição que
S(S(x)) ̸= S(x), pois do contrário, aplicando-se a função A a identidade S(S(x)) = S(x) contrapo-
ríamos a hipótese de que S(x) ̸= x (analogamente S(A(x)) ̸= A(x), pois do contrário, aplicando-
se agora a função S a identidade x = S(A(x)) = A(x), novamente iriamos contrapor a hipótese
de que S(x) ̸= x). Portanto, temos que S(x) ∈ X e A(x) ∈ X e segue-se do princípio Z3 que
X = Z, o que finaliza a demonstração. □

O seguinte resultado, que é consequência direta do Teorema 3.1, e por conseguinte do


Axioma de Peano, é em verdade uma equivalência deste axioma (Corolário 3.13). Observamos
que, daqui para frente a nossa abordagem estará desconsiderando todos os resultados em que
se fez uso do Axioma de Peano. Os argumentos serão refeitos tendo-se por referência apenas
o resultado que se segue, como axioma, no qual o denominaremos de Axioma dos Inteiros. O
próprio Axioma de Peano será justificado como um caso particular deste.

Teorema: 3.3 (Axioma dos Inteiros) Existe conjunto Z ̸= 0/ satisfazendo à “Propriedade da


Indução Inteira”.

Sem perigo de confusão, será adotada a seguinte:

Definição 3.2.3 Os Números Inteiros são os elementos de um conjunto satisfazendo à “Pro-


priedade da Indução Inteira”. Neste caso, S(x) é o sucessor de x ∈ Z e A(x) é o seu antecessor.

59
3.3 Propriedade da Tricotomia
Definição 3.3.1 Dado x ∈ Z, chama-se sucessores de x e, respectivamente, antecessores de x,
aos subconjuntos:

[x]+ = {S(x), S(S(x)), S(S(S(x))), · · · } e [x]− = {A(x), A(A(x)), A(A(A(x))), · · · }. (3.9)

Segue-se da injetividade das funções sucessoras e antecessoras que:

[x]+ ∩ [x]− = 0/ (3.10)

e que
[S(x)]+ ⊂ [x]+ e [A(x)]− ⊂ [x]− . (3.11)
Em verdade, para qualquer número inteiros dado, o conjunto dos inteiros é caracterizado por
este inteiro e por seus sucessores e antecessores, ou seja:

Proposição 3.4 (Lei Estendida da Tricotomia) Seja x ∈ Z. Então, para qualquer y ∈ Z, ape-
nas uma (única) das seguintes condições ocorre:

+
 a) y ∈ [x] ;


b) y ∈ [x]− ; (3.12)


 c) y = x.

Demonstração: Que as três situações em (3.12) são mutuamente excludentes, segue-se de (3.9)
e (3.10). E para justificar que os três conjuntos em (3.12) formam todos os inteiros, vamos usar
os argumentos da indução inteira. Portanto, considere X = [x]+ ∪ [x]− ∪ {x}. Então, x ∈ X ̸= 0/
e, para qualquer outro elemento y ∈ X, tem-se os seguintes casos possíveis:

a) y ∈ [x]+ . Neste caso existem duas possibilidades que são y = S(x) e assim S(y) =
S(S(x)) ∈ [x]+ ⊂ X e A(y) = A(S(x)) = x ∈ X ou y ∈ [S(x)]+ ⇒ S(y) ∈ [S(x)]+ ⊂ [x]+ ⊂ X
e A(y) ∈ [x]+ ⊂ X. Ou seja, nas duas possibilidades tem-se S(y) ∈ X e A(y) ∈ X;

b) y ∈ [x]− . Neste caso também existem duas possibilidades que são y = A(x) e então A(y) =
A(A(x)) ∈ [x]− ⊂ X e S(y) = S(A(x)) = x ∈ X ou y ∈ [A(x)]− ⇒ A(y) ∈ [A(x)]− ⊂ [x]− ⊂ X
e S(y) ∈ [x]− ⊂ X. Ou seja, nas duas possibilidades tem-se S(y) ∈ X e A(y) ∈ X;

c) y = x. Neste último caso segue-se direto de (3.9) que S(y) = S(x) ∈ [x]+ ⊂ X e A(y) =
A(x) ∈ [x]− ⊂ X. Ou seja, também tem-se que S(y) ∈ X e A(y) ∈ X.

Portanto, como em todos os casos tem-se que S(y) ∈ X e A(y) ∈ X, segue-se que X = Z, em
acordo com o que afirma o Príncipio da Indução Inteira (equação 3.8) e isso termina a demons-
tração. □

60
A seguir, apresentamos algumas linguagens que são de uso comum na abordagem dos
números inteiros. Os números naturais é visto como subconjunto dos números inteiros, através
do seguinte procedimento de denominação:

Definição 3.3.2 Chama-se Números Naturais ao subconjunto dos números inteiros:


def not def def
N = {0} ∪ [0]+ = {0, 1, 2 = S(1), 3 = S(2), · · · }. (3.13)

Definição 3.3.3 Chama-se Inteiros Positivos e, respectivamente, Inteiros Negativos, aos ele-
mentos dos seguintes subconjuntos dos números inteiros:
def def
Z+ +
∗ = [0] = {1, 2, 3, · · · } = N − {0} = N∗ (3.14)

e
def def def def
Z− − − − − − −
∗ = [0] = {1 = A(0), 2 = A(1 ), 3 = A(2 ), · · · }. (3.15)

Uma consequência que segue-se da nomenclatura adotada em (3.15) é que:


− −
A(n− ) = S(n) ⇐⇒ S(n− ) = A(n) , ∀ n ∈ Z+
∗. (3.16)

Outra nomenclatura também usual é:

Definição 3.3.4 Chama-se Inteiros Não Negativos e, respectivamente, Inteiros Não Positivos,
aos seguintes elementos:
def def
Z+ = {0, 1, 2, 3, · · · } = N e Z− = {0, 1− , 2− , 3− , · · · } = Z−
∗ ∪ {0}. (3.17)

Considerando-se as definições acima, o seguinte resultado, caso particular da Proposição 3.4


para o elemento elemento de referência x = 0, é o correspondente da Proposição 2.14.

Corolário 3.5 (Lei da Tricotomia Inteira) Dado um número inteiro x ∈ Z, apenas uma (úni-
ca) das seguintes condições ocorre:

+
 a) x ∈ Z∗ ;


b) x ∈ Z−
∗; (3.18)


 c) x = 0.

3.4 Relação de Ordem Inteira


A relação de ordem nos números inteiros fica naturalmente definida, através da função
sucessora, a partir do momento em que estes são “enfileirados”, na forma de uma cadeia se-
quencial. Mas observando-se o procedimento adotado nos naturais, percebe-se que o uso da
propriedade da tricotomia exerce um papém bem efetivo. Não obstante:

61
Definição 3.4.1 Dados x, y ∈ Z, diz-se que “x menor que y” (denotando-se por “x<y”) quando
y for algum dos elementos que sucedem x, ou seja:

x < y ⇔ y ∈ [x]+ ⇔ x ∈ [y]− . (3.19)

Um resultado que segue-se direto da Lei Estendida da Tricotomia (eq. 3.12) é:

Proposição 3.6 (Lei da Tricotomia) Dado x, y ∈ Z, apenas uma (única) dentre as seguintes
condições ocorre:
a) x < y; b) y < x; c) x = y. (3.20)

As seguintes notações também serão de uso recorrente:

Notação 3.7 Dados x, y ∈ Z, denota-se:



 a) x ≤ y ⇐⇒ x < y ou x = y;


b) x > y ⇐⇒ y < x; (3.21)

 c) x ≥ y ⇐⇒ y < x ou x = y.

Proposição 3.8 A relação “≤” é uma relação de ordem total em Z, ou seja:

1. Reflexividade: x ≤ x, ∀x ∈ Z;

2. Antisimetria: Se x ≤ y e y ≤ x ⇒ x = y;

3. Transitividade: Se x ≤ y e y ≤ z ⇒ x ≤ z;

4. Totalidade: Dados x, y ∈ Z ⇒ x ≤ y ou y ≤ x.

Demonstração: A reflexividade segue-se direto da definição de “≤” (eq. 3.21-a). A antisime-


tria segue-se da Proposição 3.6 ou observando-se que:

x ≤ y ⇔ y ∈ [x]+ ∪ {x} ⇔ x ∈ [y]− ∪ {y}

e
y ≤ x ⇔ x ∈ [y]+ ∪ {y} ⇔ y ∈ [x]− ∪ {x}

logo,
 (3.10)
x ≤ y e y ≤ x ⇐⇒ x ∈ [y]− ∪ {y} ∩ [y]+ ∪ {y} = {y} ⇒ x = y.


A transitividade deduz-se observando que

x ≤ y ⇔ [y]+ ⊂ [x]+ ⇔ [x]− ⊂ [y]− (3.22)

62
e daí,
x ≤ y ≤ z ⇔ [z]+ ⊂ [y]+ ⊂ [x]+ ⇒ [z]+ ⊂ [x]+ ⇔ x ≤ z.

E, concluindo a demonstração, a propriedade da Totalidade segue-se também direto da Propo-


sição 3.6. □

Antes de observarmos propriedades semelhantes a da boa ordem nos números inteiros,


vamos introduzir os seguintes conceitos:

Definição 3.4.2 Diz-se que um elemento xs ∈ Z é uma cota superior de um subconjunto dos
inteiros X ̸= 0,
/ quando:
x ≤ xs , ∀ x ∈ X (3.23)

e xi ∈ Z é uma cota inferior de X quando:

xi ≤ x, ∀ x ∈ X; (3.24)

xmax ∈ Z é o máximo de X quando:

xmax ∈ X e x ≤ xmax , ∀ x ∈ X (3.25)

e xmin ∈ Z é o mínimo de X quando:

xmin ∈ X e xmin ≤ x, ∀ x ∈ X. (3.26)

É simples verificar que quando um subconjunto X ̸= 0/ admite máximo ou mínimo, tais elemen-
tos são únicos. Em vista disso, é comum escrever-se:

xmin = min X e xmax = max X. (3.27)

Uma propriedade fundamental que os números inteiros satisfaz e que, em verdade, é


suficiente para a sua caracterização (vide Teorema 3.9) é a Propriedade da Boa Ordem Inteira.
Ou seja:

Definição 3.4.3 Diz-se que um conjunto Z ̸= 0/ satisfaz à Propriedade da Boa Ordem Inteira
quando admitir uma relação de ordem total “⪯” satisfazendo que para qualquer subconjunto
X ̸= 0:
/ 
 Z1 − X = Z não possui cota superior e nem cota inferior;

 c
c2 − X possui alguma cota superior ⇔ ∃ max X;
Z (3.28)

 c − X possui alguma cota inferior ⇔ ∃ min X.
 Z
3

63
Na definição acima usou-se a mesma letra utilizada para representar um conjunto satisfazendo à
Propriedade da Indução Inteira, por conta do fato, já observado, de que a Propriedade da Boa
Ordem Inteira é suficiente para caracterizar os números inteiros. Mais precisamente:

Teorema: 3.9 Um conjunto Z ̸= 0/ satisfaz à “Propriedade da Indução Inteira” se, e somente


se, satisfaz à “Propriedade da Boa Ordem Inteira”.

Demonstração: De fato, vamos supor inicialmente que Z ̸= 0/ satisfaz à Propriedade da In-


dução Inteira. Então, como já visto, Z admite a relação de ordem total definida pela equação
(3.21-a) (vide Proposição 3.8). Assim, o princípio Z
c1 é satisfeito porque do contrário existiria
algum elemento xs ∈ Z (ou xi ∈ Z) tal que xs não teria sucessor (ou xi não teria antecessor), o
que não é verdade por conta do princípio Z1 da Definição 3.2.2. Quanto ao princípio Z c2 , na-
turalmente que se existe max Y este, por definição, é cota superior e supondo-se, por absurdo,
que exista algum subconjunto Y ̸= 0/ para o qual exista alguma cota superior ys ∈ Z e não exista
max Y . Então, definindo-se X = {xs ∈ Z; xs é cota superior de Y e xs ̸∈ Y }, tem-se que ys ∈ X
(do contrário ys = max Y ) e daí, X ̸= 0.
/ Também, para qualquer outro elemento xs ∈ X, tem-se
das equações (3.23) e (3.22) que S(xs ) ∈ X (do contrário xs não seria cota superior) e A(xs ) ∈ X
(do contrário A(xs ) = max Y ). Portanto, segue-se do Princípio de Indução Inteira (princípio Z3
da Definição 3.2.2) que X = Z, o que implica ser Y = 0.
/ Isto, é absurdo por conta da hipótese
Y ̸= 0.
/ Então, tal conjunto Y ̸= 0,
/ contrapondo-se ao princípio Z
c2 , não existe. De modo seme-
lhante, se existir min Y , este por definição é cota inferior e, supondo-se por absurdo que exista
subconjunto Y ̸= 0/ contrapondo-se ao princípio Z c3 , que significa que Y admite alguma cota infe-
rior, yi , mas não exista min Y . Então, definindo-se X = {xi ∈ Z; xi é cota inferior de Y e xi ̸∈ Y },
tem-se que yi ∈ X (do contrário yi = min Y ) e daí, X ̸= 0.
/ Também, para qualquer outro ele-
mento xi ∈ X, tem-se das equações (3.24) e (3.22) que A(xi ) ∈ X (do contrário xi não seria cota
inferior) e S(xi ) ∈ X (do contrário S(xi ) = min Y ). Portanto, tem-se do Princípio de Indução
Inteira (princípio Z3 da Definição 3.2.2) que X = Z, o que implica ser Y = 0.
/ Isto, é absurdo
por conta da hipótese Y ̸= 0.
/ Portanto, tal conjunto Y ̸= 0,
/ contrapondo ao princípio Zc3 , não
existe. Enfim, como todas as propriedades da equação (3.28) são satisfeitas, segue-se que a
relação de ordem “≤” faz de Z um conjunto satisfazendo à Propriedade da Boa Ordem Inteira.
Reciprocamente, considerando agora que um conjunto Z ̸= 0/ satisfaça à Propriedade da Boa
Ordem Inteira com uma relação de ordem total “⪯”, definimos o sucessor e, respectivamente,
o antecessor de x ∈ Z, por:

S(x) = max{y ∈ Z; x ≺ y} e A(x) = min{y ∈ Z; y ≺ x}. (3.29)

Observamos que na equação acima escreve-se “≺” para representar a situação “⪯” quando
não ocorre a igualdade. Também, nessa definição utilizou-se todas as propriedades dadas na

64
equação (3.28), pois Z
c1 garante que os conjuntos que aparecem nas definições de S(x) e A(x)
não sejam vazios e Z
c2 e Z
c3 garantem a existência (boa definição) do sucessor e do antecessor).
Daí, usando-se o fato simplesmente verificável de que,
 
S A(x) = A S(x) = x, ∀x ∈ Z

e que
S(x) ̸= x; ∀x ∈ Z,

os princípios Z1 e Z2 , da Definição 3.2.2, segue-se definindo o elemento de referência como


qualquer elemento de Z ̸= 0.
/ Com relação ao Princípio de Indução Inteira (princípio Z3 ),
vamos supor, por absurdo, que existisse um subconjunto X ̸= 0/ com X ̸= Z e tal que sempre
que x ∈ X vale que S(x) ∈ X e A(x) ∈ X. Então, tomando-se x ∈ X e y ̸∈ X, seja:
(
a) {z ∈ X; z ≺ y}, se x ≺ y;
Xx =
b) {z ∈ X; y ≺ z}, se y ≺ x.

Então, em ambos os casos teria-se que x ∈ Xx e assim Xx ̸= 0/ e, no caso a) y é uma cota superior
de Xx e em b) y é uma cota inferior de Xx . Portanto, considerando-se cada caso à parte, tem-se:

a) Caso x ≺ y. Nesse caso, seja xmax = max Xx ∈ Xx ⊂ X (a existência é assegurada pelo


c2 ). Então S(xmax ) ∈ X, pelo fato de que X possui todos os seus sucessores e
princípio Z
y ⪯ S(xmax ), pois se S(xmax ) ≺ y, teria-se S(xmax ) ∈ Xx o que contraria o fato de xmax =
max Xx , desde que xmax ≺ S(xmax ). Porém, como por definição das funções sucessora e
antecessora vale que

S(m) ≺ S(n) ⇔ m ≺ n ⇔ A(m) ≺ A(n)

e
̸ ∃w ∈ Z tal que z ≺ w ≺ S(z) e nem A(z) ≺ w ≺ z, ∀z ∈ Z.

Então, segue-se de y ⪯ S(xmax ) e de xmax ≺ y (por definição de Xx ), que necessariamente


y = S(xmax ) ∈ X. Isso é um absurdo, pois inicialmente foi considerado y ̸∈ X;

b) Caso y ≺ x. Nesse caso, seja xmin = min Xx ∈ Xx ⊂ X (a existência é assegurada pelo


c3 ). Então A(xmin ) ∈ X, pelo fato de que X possui todos os seus antecessores
princípio Z
e A(xmin ) ⪯ y, pois se y ≺ A(xmin ), teria-se A(xmin ) ∈ Xx o que contraria o fato de xmin =
min Xx , desde que A(xmin ) ≺ xmin . Portanto, segue-se de A(xmin ) ⪯ y e de y ≺ xmin (por
definição de Xx ), que necessariamente y = A(xmin ), ∈ X o que também é um absurto devido
ao fato de termos tomado y ̸∈ X.

65
Enfim, como em ambos os casos chega-se a uma contradição, a existência de um conjunto X
com as propriedades enunciadas não é possível e, concluímos a verificação do princípio Z3
da Definição 3.2.2, o que mostra que Z satisfaz ao Princípio de Indução Inteira, conforme
queriamos demonstrar. □

Observação 3.4.1 O fato de Z satisfazer à “Propriedade da Boa Ordem Inteira” implica em


seu subconjunto N satisfazer ao “Princípio da Boa Ordem” e, como visto no Capítulo 2, este
junto aos princípios N1 e N2 (Definição 2.1.1) é equivalente ao “Princípio da Indução Natural”
e ao “Segundo Princípio da Indução Natural” (vide Proposição 2.12).

3.5 Outras Formulações do Princípio de Indução


Uma outra reformulação do Princípio de Indução Inteira é dada pelo Segundo Princípio
de Indução Inteira. Seu enunciado faz uso da seguinte:

Definição 3.5.1 O Módulo (ou Valor Absoluto) de um inteiro x ∈ Z é:


(
def x, se x ∈ Z+ ;
|x| = (3.30)
y, se x = y− ∈ Z− +
∗ (⇔ x ̸∈ Z ).

(vide Definição 3.3.3 ou (3.16)). Segue-se direto da definição acima que:


(
|x| ∈ Z+ , ∀x ∈ Z;
(3.31)
|x| = 0 ⇔ x = 0.

O Segundo Princípio de Indução Inteira é apenas uma pequena alteração do princípio Z3


da Definição 3.2.2. Essa reformulação se apresenta mais adequada na justificativa de alguns
resultados e é o resultado que amplia a conceituação do SPIN.

Proposição 3.10 Um subconjunto Z ̸= 0/ satisfaz à “Propriedade da Indução Inteira” se, e


somente se, a função sucessora, S : Z → Z, satisfaz aos princípios Z1 , Z2 e, considerando-se
n − − o
Xx = S(|x|) , |x|− , A(|x|) , · · · , 1− , 0, 1, · · · , A(|x|), |x|, S(|x|) , x ∈ Z,

S também satisfaz ao

f3 - ( Segundo Princípio de Indução Inteira-SPIZ) Se um subconjunto X ⊂ Z satisfaz:


Z
( )
a) X ̸= 0;
/
=⇒ X = Z. (3.32)
b) Sempre que x ∈ X, tem-se que Xx ⊂ X.

66
Demonstração: Supondo-se que Z satisfaça à Propriedade da Indução Inteira, ou seja, aos
princípios Z1 , Z2 e Z3 da Definição 3.2.2, temos que justificar a ocorrência do princípio Z
f3 , para
tanto, considere X ⊂ Z não vazio e satisfazendo ao fato de que sempre que x ∈ X ⇒ Xx ⊂ X.
Tem-se duas situações a serem consideradas:

1. |x| = x ∈ X ∩ Z+ :
Neste caso, S(x) = S(|x|) ∈ Xx ⊂ X ⇒ S(x) ∈ X e A(x) = A(|x|) ∈ Xx ⊂ X ⇒ A(x) ∈ X;

2. |x| = y, x = y− ∈ X ∩ Z−
∗:
(3.16) − −
Neste caso, S(x) = S(y− ) = A(y) = A(|x|) ∈ Xx ⊂ X ⇒ S(x) ∈ X e A(x) =
(3.16) − −
A(y− ) = S(y) = S(|x|) ∈ Xx ⊂ X ⇒ S(x) ∈ X.

Ou seja, em ambos os casos X satisfaz às hipóteses de Z3 e então, segue-se que X = Z, valendo


portanto o princípio Z
f3 . Reciprocamente, considerando-se agora que os princípios Z1 , Z2 e
f3 sejam válidos, temos então que justificar a ocorrência do princípio Z3 , para tanto, considere
Z
X ⊂ Z não vazio e satisfazendo ao fato de que sempre que x ∈ X tem-se que S(x) ∈ X e A(x) ∈ X.
Deve-se concluir que X = Z. Basta concluir-se que Xx ⊂ X, por conta da validade do princípio
f3 . Supondo, por absurdo, que isto não ocorra, teria-se que Y = {y ∈ Xx ; y ̸∈ X} ̸= 0.
Z / Daí,
como x ∈ X ∩ Xx ̸= 0,
/ considerando y ∈ Y tal que A(y) ∈ Xx ∩ X ou S(y) ∈ Xx ∩ X (pois se isso
não fosse possível teria-se Xx ⊂ Y ⇒ X ∩ Xx = 0),
/ teria-se em cada caso um absurdo por conta
de X satisfazer a segunda premissa do princípio Z3 (≡ PIZ - Princípio de Indução Inteira) e
 
daí, A(y) ∈ X ⇒ y = S A(y) ∈ X ou S(y) ∈ X ⇒ y = A S(y) ∈ X, contrariando-se o fato de
ter-se tomado y ∈ Y . Portanto, tem-se que Xx ⊂ X, ∀ x ∈ X, seguindo-se que X = Z e a validade
do princípio Z3 , conforme esperava-se demonstrar. □

A seguir, apresentamos alguns resultados particulares da indução inteira, que se mostram


úteis em várias aplicações.

Proposição 3.11 Seja Y ⊂ Z satisfazendo que:



 a) Y ̸= 0;
/


b) Y possui cota superior; (3.33)

 c) Sempre que y ∈ Y =⇒ A(y) ∈ Y.

Então, Y = [max Y ]− ∪ {max Y } = {z ∈ Z; z ≤ max Y }.

Demonstração: De fato, pela Propriedade da Boa Ordem Inteira (Definição 3.4.3), seja ymax =
def
max Y . Então, segue-se de c) que [ymax ]− = {A(ymax ), A A(ymax ) , . . .} ⊂ Y . E, como [ymax ]+ ∩


Y = 0/ (do contrário teria-se ymax < max Y , que seria absurdo), segue-se da Lei Estendida da
Tricotomia (Proposição 3.4) que Y = [ymax ]− ∪ {ymax }, conforme queriamos demonstrar. □

67
Proposição 3.12 Seja Y ⊂ Z satisfazendo que:

 a) Y ̸= 0;
/


b) Y possui cota inferior; (3.34)

 c) Sempre que y ∈ Y =⇒ S(y) ∈ Y.

Então, Y = [min Y ]+ ∪ {min Y } = {z ∈ Z; min Y ≤ z}.

Demonstração: De fato, pela Propriedade da Boa Ordem Inteira (Definição 3.4.3), seja ymin =
def
min Y . Então, segue-se de c) que [ymin ]+ = {S(ymin ), S S(ymin ) , . . .} ⊂ Y . E, como [ymin ]− ∩


Y = 0/ (do contrário teria-se min Y < ymin , que seria absurdo), segue-se da Lei Estendida da
Tricotomia (Proposição 3.4) que Y = [ymin ]+ ∪ {ymin }, conforme queriamos demonstrar. □

A seguir vamos definir uma propriedade sobre conjuntos não vazios que é uma situação
particular da Propriedade da Indução Inteira. Entretanto, a existência dessa situação é, como
veremos logo em seguida, equivalente a existência da Propriedade da Indução Inteira.

Definição 3.5.2 Diz-se que um conjunto N ̸= 0/ satisfaz à Propriedade da Indução Natural,


quando existir uma função SN : N → N, chamada de sucessora, satisfazendo aos seguintes
princípios:

N1 - SN é injetiva;
def def
N2 - Existe um elemento = 0 ∈ N tal que Im(SN ) = SN (N) = N∗ = N − {0};

N3 - (Princípio de Indução Natural - PIN) Se um subconjunto Y ⊂ N satisfaz:


( )
a) 0 ∈ Y ;
=⇒ Y = N. (3.35)
b) Sempre que y ∈ Y ⇒ SN (y) ∈ Y.

Uma consequência da Proposição 3.12 é que o Axioma dos Inteiros (Teorema 3.3), em cuja
demonstração utilizou-se o Axioma de Peano (Teorema 3.1), tem em verdade o Axioma de
Peano como um caso particular. Isto demonstra a equivalência entre o Axioma dos Inteiros e o
Axioma de Peano, conforme já foi observado.

Corolário 3.13 (Axioma de Peano) Existe conjunto N ̸= 0/ satisfazendo à “Propriedade da


Indução Natural”.

Demonstração: De fato, considerando-se Z ̸= 0/ satisfazendo à Propriedade da Indução In-


teira, basta considerar N = Z+ (ver Definição 3.3.4) e SN = S|N . Então, N1 segue-se direto do
princípio Z1 (ver Definição 3.2.2) e N2 das definições de N e N∗ . Quanto ao princípio N3 , ele é
um caso particular da Proposição 3.12 tomando-se Y = N. □

68
3.6 Potência Inteira de uma Permutaccão
Considere um conjunto A ̸= 0/ e f : A → A uma permutação. A potência inteira de f é
definida, indutivamente, através do Princípio de Indução Inteira, da seguinte forma:
def
(
a) f 0 = IdA ;
def def (3.36)
b) Se f x fica bem definida para x ∈ Z =⇒ f S(x) = f ◦ f x e f A(x) = f −1 ◦ f x .

Em (3.36-a), IdA é a função identidade do conjunto A (IdA (a) = a, ∀a ∈ A) e f −1 é a função in-


versa de f (existe por conta da bijetividade de f ). Um bom exercício que decorre imediatamente
do PIZ (eq. 3.8) e (3.36-a), é mostrar que:
x
IdA = IdA , ∀x ∈ Z. (3.37)

Um resultado que segue-se também como consequência do Princípio de Indução Inteira


e da propriedade associativa da composição de funções, é a:

Proposição 3.14 Para quaisquer x ∈ Z,


(
a) f ◦ f x = f x ◦ f ;
(3.38)
b) f −1 ◦ f x = f x ◦ f −1 .

Demonstração: Para justificar (3.38-a), seja X = {x ∈ Z; f ◦ f x = f x ◦ f e f −1 ◦ f x = f x ◦ f −1 },


então é simples observar que 0 ∈ X e daí tem-se naturalmente que X ̸= 0.
/ E considerando-se
agora que x ∈ X seja um outro elemento qualquer, tem-se que
(3.36 − b) x∈X (3.36 − b)
S(x) | x | {z } x x
f S(x) ◦ f .
{z } | {z }
f◦f = f ◦(f ◦ f ) = f ◦(f ◦ f) = (f ◦ f )◦ f =

Também,
(3.36 − b)
A(x)
f ◦ ( f −1 ◦ f x ) = ( f ◦ f −1 ) ◦ f x ) = f x ◦ ( f −1 ◦ f )
| {z }
f◦f =
| {z } | {z }
=IdA =IdA
x∈X (3.36 − b)
( f x ◦ f −1 ) ◦ f = ( f −1 ◦ f x ) ◦ f f A(x) ◦ f .
| {z } | {z }
= =

E analogamente,
(3.36 − b) x∈X (3.36 − b)
−1 −1 −1 −1 −1 −1 −1 |
A(x) | x | {z } x x
f A(x) ◦ f −1
{z } {z }
f ◦f = f ◦(f ◦f ) = f ◦(f ◦ f ) = (f ◦ f )◦ f =

e
(3.36 − b)
−1 S(x)
f −1 ◦ ( f ◦ f x ) = ( f −1 ◦ f ) ◦ f x = f x ◦ ( f ◦ f −1 )
| {z }
f ◦f =
| {z } | {z }
=IdA =IdA
x∈X (3.36 − b)
( f x ◦ f ) ◦ f −1 = ( f ◦ f x ) ◦ f −1 | {z }
f S(x) ◦ f −1
| {z }
= =

69
Portanto, conclui-se que S(x) ∈ X e A(x) ∈ X e então, segue-se do princípio Z3 da Definição
3.2.2 que, X = Z, o que demonstra a Proposição. □

Um fato importante a ser observado é que as potências inteira de uma permutação também
são permutações. Mais precisamente, se denotarmos a inversa de uma permutação f por f −1 ,
tem-se que:

Proposição 3.15 Seja f : A → A uma permutação. Então, para qualquer inteiro x ∈ Z a função
f x é uma permutação e, além disso, a sua permutação inversa é:

( f x )−1 = ( f −1 )x . (3.39)

Demonstração: É suficiente verificar-se que f x ◦ ( f −1 )x = ( f −1 )x ◦ f x = IdA . Muito bem, pelo


Princípio de Indução Inteira (princípio Z3 ), considere X = {x ∈ Z; f x ◦ ( f −1 )x = ( f −1 )x ◦ f x =
IdA }. É imediata a conclusão de que 0 ∈ X ̸= 0.
/ Agora, considerando qualquer outro x ∈ X,
tem-se que:
(3.36 − b)   (3.38 − a) x∈X
−1 S(x) | −1 −1 x
S(x) x
= f ◦ ( f ◦ f −1 ) ◦ ( f −1 )x = IdA
{z } | {z } x | {z }
f ◦(f ) = (f ◦ f )◦ f ◦(f )

e
(3.36 − b) (3.38 − a)   x∈X
−1 S(x) −1 −1 x
S(x) | x |
f −1 ◦ ( f −1 )x ◦ f x ◦ f = IdA
{z }  {z } | {z }
(f ) ◦f = f ◦(f ) ◦(f ◦ f ) =

de onde S(x) ∈ X. Analogamente,


  (3.38-b)
−1 A(x) (3.36-b) −1 −1 −1 −1 x x∈X
f A(x)
◦(f ) = (f x
◦ f ) ◦ ( f ) ◦( f ) = f x ◦ ( f −1 ◦ f ) ◦ ( f −1 )x = IdA
| {z }
=f

e
(3.36-b)
  (3.38-b)
 
x∈X
( f −1 )A(x) ◦ f A(x) = ( f −1 )−1 ◦( f −1 )x ◦ ( f −1 ◦ f x ) = f ◦ ( f −1 )x ◦ f x ◦ f −1 = IdA
| {z }
=f

de onde também A(x) ∈ X. Portanto, o resultado segue-se pelo Princípio de Indução Inteira. □

Como as funções sucessora e antecessora são permutações, a definição das potências inteiras se
aplicam as mesmas. Neste caso, tem-se válida a seguinte consequência imediata de (3.39):

Corolário 3.16 Para quaisquer inteiro x ∈ Z, tem-se que:


(
(Sx )−1 = Ax ;
(3.40)
(Ax )−1 = Sx .

70
Demonstração: Segue-se direto de (3.39) e da definição da antecessora, A = S−1 . □

Um resultado que caracteriza os inteiros como uma imagem do elemento de referência


pela potência inteira da função sucessora, conforme também ocorre com os números naturais é
(vide eq. 2.9):

Proposição 3.17 Seja x ∈ Z. Então,


Sx (0) = x. (3.41)

Demonstração: Buscando-se fazer uso do PIZ, seja X = {x ∈ Z; Sx (0) = x}. Segue-se ime-
diato da definição de potência nula que 0 ∈ X ̸= 0.
/ Considerando-se agora x ∈ X um outro
elemento qualquer. Então,

def  x∈X
SS(x) (0) = S ◦ Sx (0) = S Sx (0) = S(x)

e
def −1  x∈X
SA(x) (0) = |{z}
S ◦Sx (0) = A Sx (0) = A(x).
=A
Portanto, segue-se da definição de X que, S(x) ∈ X e A(x) ∈ X, e o resultado fica demonstrado
pelo princípio Z3 da Definição 3.2.2 (eq. 3.8). □

3.7 Adição Inteira


A adição de números inteiros é definida fazendo-se uso do Princípio de Indução Inteira,
da seguinte forma:

Definição 3.7.1 Dados x, y ∈ Z, a sua Adição (ou Soma), x + y, é definida recursivamente por:
def
(
a) x + 0 = x;
def def (3.42)
b) Definido x + y ⇒ x + S(y) = S(x + y) e x + A(y) = A(x + y).

O resultado seguinte, que poderia ter-se utilizado na definição da soma, espelha a ideia
primitiva de “soma nos dedos” (toma-se um número inteiro x e se calcula sucessivamente, y
vezes (potência y da sucessora), o outro número inteiro dado y. Mais precisamente:

Proposição 3.18 Para quaisquer x, y ∈ Z, tem-se que:

x + y = Sy (x). (3.43)

71
Demonstração: Buscando-se fazer uso do Princípio de Indução Inteira, fixe x ∈ Z, tomado
arbitrariamente, e defina Xx = {y ∈ Z; x + y = Sy (x)}. Então, segue-se das equações (3.42-a) e
(3.36-a) que 0 ∈ Xx ̸= 0.
/ E, para qualquer outro elemento y ∈ Xx , tem-se que:
(3.42−b) y∈Xx  (3.36−b) S(y)
x + S(y) = S(x + y) = S Sy (x) = S (x) ⇒ S(y) ∈ Xx

e
(3.42−b) y∈Xx  (3.36−b) A(y)
x + A(y) = A(x + y) = S−1 Sy (x) = S (x) ⇒ A(y) ∈ Xx .
Portanto, tem-se do princípio Z3 (equação 3.8), que Xx = Z, concluindo-se assim a demonstra-
ção.

Uma resultado que segue-se imediato da Proposição acima, e que inclusive também poderia ser
usado na definição da soma, é:

Corolário 3.19 Para quaisquer x, y ∈ Z, tem-se que:

x + y = Sy ◦ Sx (0).

(3.44)

Demonstração: Consequência imediata das equações (3.43) e (3.41), pois:


(3.43) (3.41)
x + y = Sy (x) = Sy Sx (0) = Sy ◦ Sx (0).
 

3.7.1 Propriedades da Adição Inteira


Algumas das propriedades da adição seguem-se direto da sua definição, ou mesmo das
suas equivalências dadas pelas equações (3.43). Tem-se por exemplo que:
(3.36−b) 1 (3.43)
S(x) = S (x) = x + 1 (3.45)

e
(3.41)  (3.38−b)  (3.15) (3.43)
A(x) = A ◦ Sx (0) = Sx A(0) = Sx (1− ) = 1− + x. (3.46)
Dentre outras, por vezes nem tão imediatas, destacamos:

1. Existência de Elemento Neutro:

x + 0 = 0 + x = x, ∀x ∈ Z. (3.47)

Demonstração: Consequência direta da definição da soma (equação 3.42-a) e das equa-


ções (3.43) e (3.41). □

72
2. Comutatividade:
x + y = y + x, ∀x, y ∈ Z. (3.48)

Demonstração: Buscando utilisar o Princípio de Indução Inteira, tome qualquer x ∈ Z


e defina Xx = {y ∈ Z; x + y = y + x}. Então, segue-se de (3.47) que 0 ∈ Xx ̸= 0/ e, dado
qualquer outro elemento y ∈ Xx , tem-se:
(3.42−b) y∈Xx (3.43)  (3.38−a) x  (3.43)
x + S(y) = S(x + y) = S(y + x) = S Sx (y) = S S(y) = S(y) + x

concluindo-se que S(y) ∈ Xx . Analogamente,


(3.42−b) y∈Xx (3.43)  (3.38−b) x  (3.43)
x + A(y) = A(x + y) = A(y + x) = A Sx (y) = S A(y) = A(y) + x.

Portanto, temos também que A(y) ∈ Xx , e o resultado segue-se do princípio Z3 da Defini-


ção 3.2.2 (equação 3.8). □

Um resultado particular, que ficou embutido na demonstração acima, é:


(
x + S(y) = S(x + y) = S(x) + y
; ∀x, y ∈ Z. (3.49)
x + A(y) = A(x + y) = A(x) + y

3. Associatividade:
(x + y) + z = x + (y + z), ∀x, y, z ∈ Z. (3.50)

Demonstração: Procedendo-se pelo PIZ (Princípio de Indução Inteira), tome quaisquer


x, y ∈ Z e defina Xxy = {z ∈ Z; (x + y) + z = x + (y + z)}. Então, segue-se de (3.47) que
0 ∈ Xxy ̸= 0.
/ Agora, para qualquer outro z ∈ Xxy , tem-se que:

(3.49)  z∈Xxy 
(x + y) + S(z) = S (x + y) + z = S x + (y + z)
(3.49) (3.49) 
= x + S(y + z) = x + y + S(z) ,

concluindo-se que S(z) ∈ Xxy . Analogamente,

(3.49)  z∈Xxy 
(x + y) + A(z) = A (x + y) + z = A x + (y + z)
(3.49) (3.49) 
= x + A(y + z) = x + y + A(z) .

Portanto, tem-se também que A(z) ∈ Xxy e o resultado segue-se da equação (3.8). □

Uma propriedade que diferencia os números inteiros dos números naturais é a:

73
4. Existência de Elemento Simétrico:

∀x ∈ Z, ∃! x̃ ∈ Z (único) tal que x + x̃ = x̃ + x = 0. (3.51)

Demonstração: (Existência) Considerando x̃ = Ax (0) ∈ Z, tem-se que:


(3.48) (3.40) (3.43)
−1  −1 
x + x̃ = x̃ + x = Ax (0) + x = Sx (0) + x = Sx Sx (0) = 0.

(Unicidade) Para justificar a unicidade considere que x̂ ∈ Z também satisfaz x̂ + x = 0,


então:
(3.47) (3.51) (3.50) (3.47)
x̂ = x̂ + 0 = x̂ + (x + x̃) = (x̂ + x) + x̃ = 0 + x̃ = x̃.

5. Lei do Cancelamento: Dados x, y, z ∈ Z,

x + y = x + z ⇐⇒ y = z. (3.52)

^
Demonstração: Adicionando-se a identidade a esquerda o elemento (x + y) = ỹ + x̃
(simétrico de x + y), tem-se:
(3.51)
0 = (ỹ + x̃) + (x + y) = (ỹ + x̃) + (x + z) = ỹ + z ⇐⇒ z = ỹ˜ = y.

No que se segue estaremos fazendo uso da seguinte representação clássica para o elemento
simétrico de uma operação de soma:
def
Notação 3.20 Dado x ∈ Z, denota-se o simétrico de x por: x̃ = −x.

Conforme visto na demonstração de existência de elemento simétrico,

Ax (0) = −x. (3.53)

Uma outra observação interessante, e que foi uma das razões para a nossa definição de
números inteiros negativos (Definição 3.3.3), é que o simétrico de cada número positivo é o seu
“associado” número negativo e vice-e-versa. Mais precisamente:

Proposição 3.21 Um número inteiro é positivo se, e somente se, o seu simétrico for negativo.
Além disso, tem-se que:
n− = −n, ∀ n− ∈ Z−
∗. (3.54)

74
Demonstração: Buscando-se fazer uso da Proposição 3.11, considere o seguinte subconjunto
dos números negativos Y = {n− ∈ Z− −
∗ ; n = −n}. Então, seque-se de (3.15), (3.4.1) e (3.53)
que
def
−1 = A(0) = max Y ∈ Y,

o que assegura a veracidade das condições a) e b) de (3.33). Para justificar a condição c) de


(3.33), considere qualquer n− ∈ Y . Então,
− (3.15) (3.49)
A(n− ) + S(n) = A n− + S(n)

S(n) + S(n) =
(3.49) n− ∈Y
A ◦ S (n− + n) = IdZ (0) = 0.

=
− (3.15)
Portanto, −S(n) = S(n) = A(n− ) ∈ Y , o que assegura a propriedade c) de (3.33), seguin-
def
do-se que Y = [0]− = Z−
∗ , o que demonstra (3.54). Enfim, como

n + (−n) = 0 ⇒ −(−n) = n

e
n− ∈ Z− +
∗ ⇔ n ∈ Z∗ ,

a conclusão final da demonstração segue-se fazendo uso repetido de (3.54). □

As duas equações que se segue são apenas reescritas das equações (3.15), (3.17) e (3.30),
usando-se a caracterização dos números negativos, dada pelo resultado acima (Proposição 3.21).
Ou seja, 
 Z+ = {0, 1, 2, 3, · · · } (3.41)
n o
= Sn (0) = n; n ∈ N ;
(3.55)
 Z− = {−1, −2, −3, · · · } (3.53)
n o
= A n (0) = −n; n ∈ N∗ .

e (
x, se x ∈ Z+ ;
|x| = (3.56)
−x, se x ∈ Z− +
∗ (⇔ x ̸∈ Z ).
Buscando-se tão somente simplificar a escrita, em determinadas circunstâncias, adotamos
a seguinte definição de subtração entre inteiros:

Definição 3.7.2 A Subtração (ou Diferença) entre os inteiros x, y ∈ Z é:


def (3.53)
x − y = x + (−y) = x + Ay (0). (3.57)

Como exemplo, a reescrita da equação (3.46) fica da seguinte forma, com o uso da defi-
nição dada acima e de (3.54):
A(x) = x − 1. (3.58)

Finalizando, destacaremos algumas das propriedades que o elemento simétrico também


satisfaz, e que iremos tá fazendo uso na abordagem que se segue.

75
Proposição 3.22 Para x,y ∈ Z, tem-se que:



 a) − (−x) = x;

 b) − (x + y) = (−x) + (−y);



c) − (x − y) = y − x; (3.59)

d) − S(x) = A(−x);






 e) − A(x) = S(−x).

Demonstração: a) é consequência de

(−x) + x = x + (−x) = 0 ⇒ −(−x) = x;

b) segue-se de
(3.48) (3.50) 
(x + y) + ((−x) + (−y)) = (y + x) + ((−x) + (−y)) = y + (x + (−x) + (−y)
(3.51) (3.47) (3.51)
= (y + 0) + (−y) = y + (−y) = 0
⇒ −(x + y) = (−x) + (−y);

c) segue-se de
(3.59−b) (3.59−a) (3.48)
−(x − y) = −x − (−y) = −x + y = y − x;

d) segue-se de
(3.45) (3.59−b) (3.58)
−S(x) = −(x + 1) = (−x) + (−1) = A(−x);

e e) segue-se de
(3.58)  (3.59−b)  (3.59−a) (3.45)
−A(x) = − x + (−1) = (−x) + − (−1) = (−x) + 1 = S(−x).

3.7.2 Propriedades da Adição em Potências de Permutações


Apresentaremos agora alguns resultados envolvendo a soma de inteiros, que se aplicam
para potências inteira de uma permutação. Em particular, no próximo resultado tem-se uma
motivação para a notação adotada de elemento simétrico.

Proposição 3.23 Seja f : A → A uma função bijetiva e x, y ∈ Z. Então,



 a) f (x+y) = f x ◦ f y ;
(3.60)
 b) f x −1 = f (−x) (3.39) x
= f −1 .

76
Demonstração: De fato, utilizando-se argumentos do Princípio de Indução Inteira, considere
que y ∈ Z seja um inteiro dado e defina Xy = {x ∈ Z; f (x+y) = f x ◦ f y }. Então, é elementar
verificar-se que 0 ∈ Xy ̸= 0.
/ E, para x ∈ Xy qualquer, tem-se:

(3.49) (3.36−b) x∈Xy


f (S(x)+y) = f S(x+y) = f ◦ f (x+y) = f ◦ ( f x ◦ f y ) =
(3.36−b)
= ( f ◦ f x) ◦ f y = f S(x) ◦ f y ,

mostrando que S(x) ∈ Xy . Analogamente,

(3.49) (3.36−b) x∈Xy


f (A(x)+y) = f A(x+y) = f −1 ◦ f (x+y) = f −1 ◦ ( f x ◦ f y ) =
(3.36−b)
= ( f −1 ◦ f x ) ◦ f y = f A(x) ◦ f y ,

mostrando que também A(x) ∈ Xy . Portanto, segue-se do princípio Z3 (equação 3.8) que Xy = Z,
o que conclui a demonstração da primeira equação em (3.60). A segunda equação segue-se de
imediato utilizando-se a primeira equação, já demonstrada, observando-se que:

(−x) x+(−x) (3.36−a)
x
f ◦f =f = f 0 = IdA .

Para composição de permutações distintas, quando elas comutam entre si vale o seguinte resul-
tado:

Proposição 3.24 Sejam f : A → A e g : A → A permutações que comutam entre si ( f ◦g = g◦ f ).


Então, para quaisquer x, y ∈ Z, tem-se que:
(
a) f x ◦ gy = gy ◦ f x ;
(3.61)
b) ( f ◦ g)x = f x ◦ gx .

Demonstração: Inicialmente, considere X1 = {x ∈ Z; f x ◦ g1 = g1 ◦ f x }. Então, por (3.36) e o


fato de que f e g comutam entre si, tem-se que {0, 1} ⊂ X1 . Também, como
(3.60) (3.36−b)
( f )−1 ◦ g1 = ( f −1 ◦ g1 ) ◦ ( f ◦ f −1 ) = f −1 ◦ (g1 ◦ f 1 ) ◦ f −1
| {z }
=IdA
1∈X1 (3.60)
= ( f −1 ◦ f 1 ) ◦ (g1 ◦ f −1 ) = g1 ◦ ( f )−1 ,
| {z }
=IdA

tem-se em verdade que {−1, 0, 1} ⊂ X1 ̸= 0.


/ E, para qualquer outro x ∈ X1 , tem-se que:
(3.36−b) x∈X
f S(x) ◦ g1 = ( f ◦ f x ) ◦ g1 = f 1 ◦ ( f x ◦ g1 ) = 1 ( f 1 ◦ g1 ) ◦ f x
1∈X1 (3.38−b) 1
= (g1 ◦ f 1 ) ◦ f x = g1 ◦ ( f ◦ f x ) = g ◦ f S(x)

77
e
(3.36−b) x∈X
f A(x) ◦ g1 = ( f −1 ◦ f x ) ◦ g1 = f −1 ◦ ( f x ◦ g1 ) = 1 ( f −1 ◦ g1 ) ◦ f x
−1∈X1 (3.38−a) 1
= (g1 ◦ f −1 ) ◦ f x = g1 ◦ ( f −1 ◦ f x ) = g ◦ f A(x) .

Logo, S(x) ∈ X1 e A(x) ∈ X1 , seguindo-se do princípio Z3 (equação 3.8) que X1 = Z, ou seja,

f x ◦ g = g ◦ f x , ∀x ∈ Z. (3.62)

Por reciocínio semelhante, mostra-se também que:

f x ◦ g−1 = g−1 ◦ f x , ∀x ∈ Z. (3.63)

De fato, definindo-se X−1 = {x ∈ Z; f x ◦ g−1 = g−1 ◦ f x }. Então, por (3.36-a) segue-se que
0 ∈ X−1 . E, como f e g comutam entre si, tem-se que:
(3.60) (3.36−b)
f (−1) ◦ g−1 = ( f −1 ◦ g−1 ) ◦ ( f ◦ f −1 ) = f −1 ◦ (g−1 ◦ f 1 ) ◦ f −1
| {z }
=IdA
1∈X−1 (3.60)
= ( f −1 ◦ f ) ◦ (g−1 ◦ f −1 ) = g−1 ◦ f (−1) ,
| {z }
=IdA

e daí, segue-se que −1 ∈ X−1 . Também,


(3.60) (3.36−b)
f 1 ◦ g−1 = ( f 1 ◦ g−1 ) ◦ ( f −1 ◦ f ) = f ◦ (g−1 ◦ f −1 ) ◦ f 1
| {z }
=IdA
−1∈X−1 (3.60)
= ( f ◦ f −1 ) ◦ (g−1 ◦ f 1 ) = g−1 ◦ f 1 .
| {z }
=IdA

Ou seja, na verdade tem-se que {−1, 0, 1} ⊂ X−1 ̸= 0.


/ Agora, para qualquer outro x ∈ X−1 ,
tem-se que:
(3.36−b) x∈X−1
f S(x) ◦ g−1 = ( f ◦ f x ) ◦ g−1 = f 1 ◦ ( f x ◦ g−1 ) = ( f 1 ◦ g−1 ) ◦ f x
1∈X−1 (3.38−a) −1
= (g−1 ◦ f 1 ) ◦ f x = g−1 ◦ ( f ◦ f x ) = g ◦ f S(x)

e
(3.36−b) x∈X−1
f A(x) ◦ g−1 = ( f −1 ◦ f x ) ◦ g−1 = f −1 ◦ ( f x ◦ g−1 ) = ( f −1 ◦ g−1 ) ◦ f x
−1∈X−1 (3.38−b) −1
= (g−1 ◦ f −1 ) ◦ f x = g−1 ◦ ( f −1 ◦ f x ) = g ◦ f A(x) .

Logo, S(x) ∈ X−1 e A(x) ∈ X−1 , seguindo-se do princípio Z3 (equação 3.8) que X−1 = Z e
portanto, a expressão dada em (3.63) é verdadeira.

78
Enfim, iremos também usar o Princípio de Indução Inteira para justificar o item a). Fi-
xemos então x ∈ Z, escolhido de modo arbitrário, e definamos Xx = {y ∈ Z; f x ◦ gy = gy ◦ f x }.
Então, segue-se de (3.36), (3.62) e (3.63) que {−1, 0, 1} ⊂ Xx ̸= 0.
/ E, para qualquer outro
elemento y ∈ Xx , tem-se que:
(3.36−b) 1∈X y∈Xx (3.36-b) S(y)
f x ◦ gS(y) = f x ◦ (g1 ◦ gy ) = x g1 ◦ ( f x ◦ gy ) = (g1 ◦ gy ) ◦ f x = g ◦ fx

e
(3.36−b) −1∈X y∈Xx (3.36-b) A(y)
f x ◦ gA(y) = f x ◦ (g−1 ◦ gy ) = x g−1 ◦ ( f x ◦ gy ) = (g−1 ◦ gy ) ◦ f x = g ◦ f x,

mostrando que S(y) ∈ Xx e A(y) ∈ Xx . Logo, segue-se do princípio Z3 (equação 3.8), que Xx = Z,
concluindo-se assim a justificativa do item a). Quanto ao item b), tem-se também, por meio de
argumentos do Princípio de Indução Inteira, que se X = {x ∈ Z; ( f ◦ g)x = f x ◦ gx }, então
segue-se de imediato que {−1, 0, 1} ⊂ Xx ̸= 0.
/ E, para qualquer outro x ∈ X,
x∈X
(3.36−b)
( f ◦ g)S(x) ( f ◦ g) ◦ ( f ◦ g)x = f ◦ (g ◦ f x ) ◦ gx
| {z }
=
(3.62) (3.36−b)
= ( f ◦ f x ) ◦ (g ◦ gx ) = f S(x) ◦ gS(x)

e
−1, x ∈ X
(3.36−b) −1
( f ◦ g) A(x)
= ( f ◦ g) x | {z }
◦ ( f ◦ g) = f −1 ◦ (g−1 ◦ f x ) ◦ gx
(3.63) (3.36−b)
= ( f −1 ◦ f x ) ◦ (g−1 ◦ gx ) = f A(x) ◦ gA(x) ,

mostrando que S(x) ∈ X e A(x) ∈ X. Portanto, segue-se do princípio Z3 (equação 3.8), que
X = Z, concluindo-se assim a justificativa do item b) e de toda a proposição. □

3.8 Multiplicação Inteira


Nossa referência para definir-se a operação de multiplicação, nos números inteiros, conti-
nua tendo por base os mesmos procedimentos feito para os números naturais, através da função
sucessora. O processo espelha-se no procedimento de se somar lotes de uma certa quantidade.
Mais precisamente, a definição utiliza-se da recursividade inerente do Princípio de Indução
Inteira, da seguinte maneira:
not
Definição 3.8.1 Dados x, y ∈ Z, a sua Multiplicação (ou Produto), x · y = xy, é definido re-
cursivamente por:
def
(
a) x · 0 = 0;
def def (3.64)
b) Definido x · y =⇒ x · S(y) = x · y + x e x · A(y) = x · y − x.

79
O resultado que segue, também poderia ser adotado na definição da multiplicação, por ser equi-
valente a definição dada. Ele contempla de modo mais explícito a ideia da soma em blocos
(lotes) de uma mesma quantidade, já observada. Também, fica destacado um fato que, en-
quanto a definição da soma tem a ver com a operação de composições da função sucessora
(conforme mostra a equação 3.44), a definição do produto tem a ver com as suas potências.
Mais precisamente:

Proposição 3.25 Para quaisquer x,y ∈ Z, tem-se que:


y
xy = Sx (0). (3.65)

Demonstração: Buscando-se aplicar o Princípio de Indução Inteira, vamos fixar x ∈ Z, to-


y
mado arbitrário, e definir Xx = {y ∈ Z; xy = Sx (0)}. Então, segue-se por (3.64-a) e (3.36-a)
que 0 ∈ Xx ̸= 0.
/ E, para qualquer outro elemento y ∈ Xx , tem-se que:
(3.64−b) (3.43) y  (3.36−b) x S(y)
y∈Xx y 
x · S(y) = xy + x = Sx (0) + x = Sx ◦ Sx (0) = S (0) ⇒ S(y) ∈ Xx

e
(3.64−b) y∈Xx y (3.43) y 
x · A(y) = xy − x = Sx (0) + (−x) = S−x ◦ Sx (0)
(3.60−b) y  (3.36−b) x A(y)
 
−1
= Sx ◦ Sx (0) = S (0) ⇒ A(y) ∈ Xx .

Portanto, tem-se do princípio Z3 (equação 3.8), que Xx = Z, concluindo-se assim a demonstra-


ção. □

Uma outra equivalência usada por alguns autores para definir a multiplicação nos números
naturais é (cf. [19], página 29):

Corolário 3.26
A(y)
xy = Sx (x). (3.66)

Demonstração: De fato, basta observar que:



(3.65) A=S−1 (3.36−b)
  
x y x S A(y) x x A(y)
 
xy = S (0) = S (0) = S ◦ S (0)
(3.38−b) A(y)  (3.41) A(y)
= Sx Sx (0) = Sx (x).

O próximo resultado será útil na demonstração de algumas propriedades da multiplição.

80
Proposição 3.27 Para quaisquer inteiros x, y ∈ Z, tem-se que:
(
a) S(x) · y = x · y + y;
(3.67)
b) A(x) · y = x · y − y.

Demonstração: Observamos que, naturalmente, o resultado acima seria uma simples observa-
ção decorrente da propriedade distributiva, entretanto, tal resultado ainda não foi demonstrado e
também, estaremos utilizando esse resultado para demonstrar a distributividade. Não obstante,
a justificativa de a) segue-se com facilidade de:
(3.65) y (3.36-b) y (3.61-b)  (3.43)
S(x) · y = SS(x) (0) = S ◦ Sx (0) = Sy (Sx )y (0) = x · y + y
| {z }
=x·y

e a justificativa de b) é:
(3.65) y (3.36-b) y
A(x) · y = SA(x) (0) = S−1 ◦ Sx (0)
(3.61-b) y  (3.60-b) −y (3.43) (3.57)
= S−1 (Sx )y (0) = S (x · y) = x · y + (−y) = x · y − y.
| {z }
=x·y

O próximo resultado é uma extensão das propriedades da potência inteira de uma per-
mutação, para o caso de potências do produto. Ele será útil na demonstração da propriedade
associativa do produto e, de uma certa forma, generaliza e justifica a fórmula do produto dada
pela equação (3.65).

Proposição 3.28 Seja f : A → A uma permutação. Então, para quaisquer inteiros, x, y ∈ Z,


tem-se que:
y
fx = f xy . (3.68)

Demonstração: Buscando-se utilizar o Princípio de Indução Inteira (eq. 3.8), seja x ∈ Z,


y
escolhido arbitrariamente, e fixe Xx = {y ∈ Z; f x = f xy }. Então, segue-se de (3.36-a) e
(3.64-a) que 0 ∈ Xx ̸= 0.
/ Considerando-se agora y ∈ Xx qualquer, tem-se que:
S(y) (3.36-b) y y∈Xx x xy (3.60-a) x+xy
fx = fx◦ fx = f ◦f = f
3.48 (3.64-b)
= f xy+x = f x·S(y) ⇒ S(y) ∈ Xx

e analogamente,
(3.60-b) e y ∈ Xx
x A(y) (3.36-b) x −1 x y (3.60-a)
f −x ◦ f xy f (−x+xy)
   | {z }
f = f ◦ f = =
3.48 (3.64-b)
= f xy−x = f x·A(y) ⇒ A(y) ∈ Xx .

81
Portanto, tem-se do princípio Z3 (equação 3.8), que Xx = Z, concluindo-se assim a demonstra-
ção. □

Dentre muitas outras importantes propriedades que a operação produto satisfaz, destaca-
mos as propriedades algébricas mais conhecidas:

1. Produto por Zero:


x · 0 = 0 · x = 0, ∀x ∈ Z. (3.69)
Demonstração: Basta observar que:
(3.64-a) (3.37) x (3.36-a) x (3.65)
x·0 = 0 = IdZ (0) = S0 (0) = 0 · x.

2. Existência de Elemento Neutro Multiplicativo:

x · 1 = 1 · x = x, ∀x ∈ Z. (3.70)

Demonstração: De fato:
Z2 (3.64-b) (3.69) (3.47)
x·1 = x · S(0) = x·0+x = 0+x = x
(3.47) (3.69) (3.67-a) Z
= 0+x = 0·x+x = S(0) · x =2 1 · x.

3. Comutatividade:
x · y = y · x, ∀x, y ∈ Z. (3.71)
Demonstração:
Buscando-se utilizar o Princípio de Indução Inteira, seja y ∈ Z, escolhido arbitrariamente,
e fixe Xy = {x ∈ Z; x · y = y · x}. Tem-se por (3.69) e (3.70) que {0, 1} ⊂ Xy ̸= 0.
/ Agora,
se x ∈ Xy é outro elemento qualquer, então:
(3.67-a) x∈Xy (3.64-b)
S(x) · y = x·y+y = y·x+y = y · S(x) ⇒ S(x) ∈ Xy

e
(3.67-b) x∈Xy (3.64-b)
A(x) · y = x·y−y = y·x−y = y · A(x) ⇒ A(x) ∈ Xy .
Portanto, conclui-se que S(x) ∈ Xy e A(x) ∈ Xy e o princípio Z3 (equação 3.8) nos assegura
que Xy = Z, finalizando a demonstração. □

82
4. Distributividade: (
a) x · (y + z) = x · y + x · z
; ∀x, y, z ∈ Z. (3.72)
b) (x + y) · z = x · z + y · z
Demonstração: O item b) segue-se do item a) e da propriedade comutativa. Quanto ao
item a), segue-se de:
(3.65) (y+z) (3.61-b)  (3.68)  (3.44)
x · (y + z) = Sx (0) = (Sx )y ◦ (Sx )z (0) = Sxy ◦ Sxz (0) = x · y + x · z.

5. Associatividade:
(x · y) · z = x · (y · z), ∀x, y, z ∈ Z. (3.73)

Demonstração:
Fixando-se arbitrariamente y, z ∈ Z, seja Xyz = {x ∈ Z; (x · y) · z = x · (y · z)}. Então, tem-
se por (3.69) e (3.70) que {0, 1} ⊂ Xyz ̸= 0.
/ Agora, considerando-se x ∈ Xyz um outro
elemento qualquer, tem-se:
(3.67-a) (3.72) x∈Xyz (3.64-b)
(S(x) · y) · z = (x · y + y) · z = (x · y) · z + y · z = x · (y · z) + y · z = S(x) · (y · z)

e
(3.67-b) (3.72) x∈Xyz (3.64-b)
(A(x) · y) · z = (x · y − y) · z = (x · y) · z − y · z = x · (y · z) − y · z = A(x) · (y · z).

Na segunda identidade acima, tem-se uma pequena sutileza a ser justificada que é o fato
de (−y) · x = −(y · x). Mas isso, é um fato simples que decorre de imediato da propriedade
distributiva. De fato,
(3.72−b)  (3.47) (3.69)
y · x + (−y) · x = y + (−y) · x = 0 · y = 0 ⇒ −(y · x) = (−y) · x.

Enfim, como S(x) ∈ Xyz e A(x) ∈ Xyz , segue-se que Xyz = Z, conforme assegura o princípio
Z3 (equação 3.8), e a associatividade fica então demonstração. □

Uma demonstração bem mais direta da propriedade associativa, decorre de (3.68), levan-
do-se em consideração que a potência de uma permutação é também uma permutação.
De fato,
(3.65) yz (3.68)
 y z (3.68) z (3.65)
x(yz) = Sx (0) = Sx (0) = Sxy (0) = (xy)z.

83
6. Lei do Cancelamento: Dados x, y, z ∈ Z com x ̸= 0, então

x · y = x · z ⇐⇒ y = z. (3.74)

Demonstração: A demonstração pode ser obtida através do Princípio de Indução In-


teira, pois definindo-se X = {x ∈ Z∗ ; x · y = x · z ⇐⇒ y = z} ∪ {0}, tem-se naturalmente
que {−1, 0, 1} ⊂ X ̸= 0/ e, para qualquer outro elemento x ∈ X − {0}, tem-se que:
(3.67 − a) 0 ̸= x ∈ X e (3.52)
| {z } | {z }
S(x) · y = S(x) · z ⇐⇒ x · y + x = x · z + x ⇐⇒ y = z =⇒ S(x) ∈ X

e
(3.67 − b) 0 ̸= x ∈ X e (3.52)
| {z } | {z }
A(x) · y = A(x) · z ⇐⇒ x · y − x = x · z − x ⇐⇒ y = z =⇒ A(x) ∈ X.
Então, por (3.8) segue-se que X = Z, o que mostra, em particular, a veracidade de (3.74).

Um resultado particular, que se obtém como consequência da Lei do Cancelamento do


produto, é:
x · w = 0, x ̸= 0 ⇔ w = 0. (3.75)

3.9 Potência Inteira


Embora não seja possível definir-se a potência inteira para qualquer número inteiro, pois
seria necessário que o produto satisfizesse a propriedade da existência do elemento inverso
multiplicativo (o que é verdade apenas para os elementos 1 e -1), a definição é possível para
a potência natural de quaisquer número inteiro não nulo, através do seguinte procedimento de
indução nos naturais:
def
Definição 3.9.1 Dado x ∈ Z∗ = Z − {0},
def
(
a) x0 = 1;
def def (3.76)
b) Se xn é definida para n ∈ N = Z+ =⇒ xS(n) = xn · x = x · xn .
Naturalmente, como a função sucessora restrita aos naturais satisfaz ao axioma de Peano (Co-
rolário 3.13), o procedimento acima garante que a potência de inteiro fica bem definida para
todos os inteiros não negativos. Além disso, vale as seguintes propriedades:
def
Proposição 3.29 Dado x, y ∈ Z∗ = Z − {0} e m, n ∈ N, então:


 a) x1 = x;

 b) xm+n = xm · xn ;

(3.77)


 c) (x · y)n = xn · yn ;

d) (xm )n = xmn .

84
Demonstração: De fato, a) segue-se direto de (3.76), considerando que 1 = S(0). Para justifi-
car b), tem-se fixando-se n ∈ N arbitrário e definindo-se Xn = {m ∈ N; xm+n = xm · xn }, então é
imediato concluir-se que 0 ∈ Xn ̸= 0/ e também, se m ∈ Xn é qualquer outro elemento, segue-se
que:
(3.73) e (3.71)
S(m)+n (3.49) S(m+n) (3.76-b) (m+n) 1 m∈Xn 1|
m n
(xm · x1 ) · xn = xS(m) · xn .
{z }
x = x = x ·x = (x · x ) · x =

Então, S(m) ∈ Xn e, segue-se do Princípio de Indução Natural (eq. 3.35) que, Xn = N, fi-
nalizando a demonstração de b). Para justificar c), tem-se também por argumentos de indução
natural que, se X = {n ∈ N; (x·y)n = xn ·yn }, então segue-se direto de (3.76) que {0, 1} ⊂ X ̸= 0/
e, para quaisquer outro elemento n ∈ X,
n ∈ X e (3.71)
S(n) (3.76-b) n (3.76-b) S(n)
(xn · x) · (yn · y) · yS(n)
| {z }
(x · y) = (x · y) · (x · y) = = x

ou seja, S(n) ∈ X e assim, X = N por (3.35), o que conclui a justificativa de c). Por fim,
para justificar d), tem-se, por raciocínio semelhante de indução natural, que fixando-se n ∈ N
arbitrário e definindo-se Xn = {m ∈ N; (xm )n = xmn }, então é imediato se concluir que {0, 1} ⊂
Xn ̸= 0/ e que também, se m ∈ Xn é qualquer outro elemento, então:

1, m ∈ Xn e (3.70)
S(m) n (3.76-b) m 1 n c) m n 1 n| b) (3.67-a) S(m)·n
xmn · xn = xmn+n
{z }
(x ) = (x · x ) = (x ) · (x ) = = x .

Portanto, S(m) ∈ Xn e, pelo Princípio de Indução Natural, segue-se que Xn = N, o que conclui
a demonstração de d) e de toda a proposição. □

3.10 Resultados Gerais


Para finalizar o capítulo, vamos elencar algumas das conhecidas propriedades que ocor-
rem com os inteiros, em relação as operações apresentadas, muitas já enunciadas no capítulo
anterior, mas algumas das justificativas serão deixadas como exercícios incentivando o leitor ao
uso das técnicas de indução inteira.

Proposição 3.30 ∀x, y ∈ Z,



 a) (−1) · x = −x;


b) (−x) · y = x · (−y) = −(x · y); (3.78)

 c) (−x) · (−y) = x · y.

85
Demonstração: De fato, a) segue-se de,
(3.65) x (3.60-b) x (3.60-b) (3.41)
(−1) · x = S(−1) (0) = S−1 (0) = S(−x) (0) = −x;

b) segue-se de,
(3.65) y (3.60-b) y (3.39)
(−x) · y = S−x (0) = (Sx )−1 (0) = (Sx )−y (0) = x · (−y)
(3.65) y (3.39) y (3.68) a)
= S−x (0) = (S−1 )x (0) = (S−1 )xy (0) = (−1) · (x · y) = −(x · y);

e c) segue-se de,
b)  (3.59-a)
(−x) · (−y) = x · − (−y) = x · y.

Proposição 3.31 Os números inteiros satisfazem as seguintes propriedades:

1. (Monotonicidade da Adição) Dados x, y, z ∈ Z, então:

x < y ⇐⇒ x + z < y + z; (3.79)

2. (Monotonicidade da Multiplicação) Dados x, y ∈ Z e z ∈ Z∗ , então:


z ∈ Z+ z ∈ Z−
| {z ∗} | {z ∗}
zx < zy ⇐⇒ x < y ⇐⇒ zy < zx; (3.80)

3. (Adição de Desigualdades) Dados x, y, z, w ∈ Z, então:

x < y, z ≤ w =⇒ x + z < y + w; (3.81)

4. Para qualquer x ∈ Z,
̸ ∃ z ∈ Z, x < z < S(x); (3.82)

5. Dados x, y ∈ Z,
x < y ⇐⇒ x + 1 ≤ y. (3.83)

Demonstração: Exercícios de uso do PIZ. □

86
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