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DISFUNÇÃO

sexual
FEMININA
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 2

MECANISMO 4

AVALIAÇÃO CLÍNICA 6
Condições associadas 12

DIAGNÓSTICO 16

MANEJO 21
Medidas gerais 23
Disfunção de interesse/excitação 25
Disfunção orgásmica, dor sexual e síndrome
genitourinária da menopausa 27
Disfunção sexual relacionada a inibidores
seletivos da recaptação da serotonina 27

A ARTMED 28

REFERÊNCIAS 29
DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

INTRODUÇÃO
Disfunção sexual feminina é um termo amplo,
que inclui diversas condições associadas
(e que, com frequência, se sobrepõem). Ela
é definida pela presença de problema na
função sexual que leve a sofrimento pessoal.
Ela se manifesta como ausência/redução do
desejo sexual (libido), redução da excitação,
dificuldade ou ausência de orgasmo ou,
ainda, dor com atividade sexual. Dor sexual
(dispareunia) com frequência é considerada
uma condição separada com causas e
abordagem específicas. Neste material, o
foco será a disfunção sexual relacionada à
redução do desejo e da excitação.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Apesar da variabilidade sociocultural envolvida com este


assunto, as estimativas mundiais mostram que se trata
de uma situação prevalente, com 40% das mulheres tendo
algum tipo de queixa relativa ao sexo e até 12% com
sofrimento pessoal associado. O sintoma mais comum e
que também é o que está associado com mais sofrimento
pessoal é a redução do desejo. Redução da excitação
e do orgasmo acontecem em até 25% das mulheres e
geram sofrimento em uma fração menor (por volta de
5%). Apesar disso, apenas 6% das mulheres agendam
atendimento específico para o assunto e 80% das vezes
em que o assunto é discutido é o paciente que inicia a
conversa.

Talvez o aspecto mais importante deste tópico


seja o fato que se trata de uma situação
multifatorial, frequentemente negligenciada
em consultas médicas. No entanto, a avaliação
cuidadosa e o uso dos recursos terapêuticos
disponíveis podem melhorar a função
sexual de um grande número de mulheres.
Este assunto deveria fazer parte de todas as
consultas médicas de revisão.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

MECANISMO
O ciclo de resposta sexual possui 4 fases: desejo, excitação,
orgasmo e resolução. Entretanto, deve-se estar atento ao
fato que, em um indivíduo específico, essas fases podem se
sobrepor e/ou ter sequências variadas. Mais importante, a
satisfação com a experiência sexual não necessita que se
passe por todas as fases (incluindo o orgasmo).
Esta divisão teórica é útil para compreender os distúrbios
sexuais e auxiliar no manejo das pessoas em dificuldade,
mas o mais comum é a sobreposição de situações (ou seja,
redução da libido pode estar associada com limitação do
orgasmo e com dor no ato sexual). Além disso, a versão
mais recente do Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders (DSM, 5a edição, que baliza os critérios
diagnósticos) substituiu as categorias transtornos do desejo
e da excitação por um único critério que engloba ambas
manifestações (ver sessão Diagnóstico).

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Do ponto de vista endocrinológico, tanto estrógenos quanto


andrógenos têm papel na função sexual feminina. A redução
dos estrógenos que ocorre na perimenopausa (e em outras
situações como pós-parto, ooforectomia e insuficiência
ovariana) pode induzir a uma série de alterações
vulvovaginais e no assoalho pélvico. Redução do trofismo
do epitélio pode levar a sintomas de ressecamento, irritação
e queimação, além da redução da lubrificação; todos esses
fatores podem culminar em dor e sangramento durante o
ato sexual. Incontinência, urgência e infecções urinárias
também são induzidas pelo hipoestrogenismo. Por outro
lado, os andrógenos têm um papel menos claro na função
sexual feminina. Estudos são conflitantes quanto à relação
dos níveis de testosterona (e outros andrógenos) com
disfunção sexual feminina. Apesar disso, diversos estudos
de tratamento avaliaram o uso de testosterona exógena
e identificaram aumento da libido, excitação e satisfação
em mulheres pós-menopausa. Em suma, a testosterona (e
demais andrógenos) parecem contribuir no funcionamento
sexual feminino - especialmente na libido e excitação.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

AVALIAÇÃO CLÍNICA
A avaliação da função sexual
feminina é frequentemente
negligenciada em consultas
médicas; acredita-se que seja
relacionada à sensação de falta
de tempo e conhecimento por
parte dos médicos. Dessa forma,
é necessário aprender como
abordar essas questões dentro
de uma consulta de rotina,
avaliando cuidados com sexo
seguro, uso de contracepção
e atenção a história de abuso.
A saúde sexual deveria fazer
parte de todas as consultas
médicas de revisão. É comum
as pacientes se sentirem
gratas apenas pelo assunto ser
abordado. Na Tabela 1, temos
alguns exemplos de perguntas
que podem auxiliar para iniciar o
assunto.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Tabela 1. Sugestões de perguntas para iniciar conversa sobre função sexual com mulheres.
Adaptado da referência (1).

Você é ou foi sexualmente ativa?


Você deseja ou precisa de
aconselhamento de contracepção?
Você tem realizado sexo seguro? Tem
dúvidas quanto a isso?
Você deseja realizar avaliação para
infecções sexualmente transmissíveis?
Você se sente segura em seu(s)
relacionamento(s)?
Você está exposta ou já foi exposta a
abuso sexual?
Você tem alguma preocupação/
apreensão sexual?

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Uma proposta de abordagem é introduzir e Na consulta específica, deve-se investigar queixas e desconfortos
iniciar a conversa em uma consulta geral e, se relacionados à saúde sexual. É central compreender se a
forem identificadas questões que necessitem queixa gera desconforto para a paciente. Questões sexuais
de aprofundamento, marcar uma avaliação são tipicamente multifatoriais e aspectos de relacionamento e
específica para este assunto. Entretanto, familiares têm um papel importante, bem como outras fontes
quando surgirem afirmações como práticas de estresse. Aspectos de imagem corporal também têm um
de sexo inseguras ou risco de abuso, elas grande impacto. Lembrar de explorar a cronologia (o sintoma é
devem ser abordadas imediatamente - novo, crônico, intermitente?), os efeitos pessoais (se ele causa
especialmente quanto a abuso para não sofrimento pessoal ou nos relacionamentos) e o contexto (se
perder a oportunidade de identificação. acontece em situação ou com parceria específica).

!
Além disso, lembrar-se de

utilizar perguntas abertas,


sem julgamento e a priori
sem realizar inferências
sobre o gênero, número de
parcerias sexuais ou o que se entende
por atividade sexual.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

São úteis perguntas como:

Qual a sua principal


apreensão sexual? Baixo
desejo? Dor? Dificuldade Quando você se sentiu satisfeita pela
com orgasmo? última vez com a vida sexual? Como
isso se compara com a situação atual
em termos de libido, excitação?

Quando você notou mudanças sexuais


que começaram a gerar desconforto?
Você notou algum desencandeante
(como gestação, depressão,
medicamento novo, algum diagnóstico, Você e sua parceria já
problema com a parceria)? tentaram alguma mudança,
como viagens, livros,
equipamentos, tratamento?

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Avaliação da(s) parceria(s) também é


importante: sejam aspectos sexuais
(disfunção sexual, libido...), seja a saúde geral
(idade, doenças), seja o efeito que a queixa
sexual tem na dinâmica do relacionamento.
Como fatores do relacionamento são grandes
determinantes da satisfação das pacientes, a
situação geral do relacionamento (tempo para
o casal, atividades em comum, viagens) deve
ser especificamente investigada. Em idosas,
a investigação do companheiro é ainda mais Investigar causas é central na avaliação
importante, uma vez que disfunção erétil e (vide Condições Associadas a seguir),
doenças da parceria aumentam de prevalência. assim é possível realizar intervenções
específicas. Perimenopausa (sintomas
relacionados ao trofismo do epitélio
vulvovaginal), depressão/ansiedade, uso
de inibidores seletivos da recaptação da
serotonina e diagnósticos e tratamentos
(como neoplasias) são desencadeantes
frequentes.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Além dos aspectos


específicos da Menopausa (presença de sintomas, se foi natural ou por
sexualidade, também procedimentos médicos)
deve-se revisar a história
médica geral atrás de
doenças, medicações, Fertilidade, gravidez
hábitos de vida e consumo
de substâncias, pois
todos podem impactar na História de lesões ou doenças pélvicas e vulvovaginais
saúde sexual. Aspectos
relevantes da história
ginecológica incluem: Dor, prurido, ressecamento ou secreção vulvovaginal

Incontinência fecal, urinária, prolapso urovaginal e dor pélvica

Endometriose

O exame pélvico é parte necessária para mulheres com dispareunia, mas deve ser considerado em
todas as mulheres com queixas sexuais para avaliação de locais de sensibilidade, lesões tróficas,
prolapsos, hipertonia e atrofia vulvovaginal. Além disso, corrimentos e sangramentos vaginais
devem ser investigados sempre que identificados. Quanto a exames laboratoriais, não existe
recomendação de dosagem rotineira de andrógenos, uma vez que o manejo não é baseado nesses
resultados. Da mesma forma, o diagnóstico de perimenopausa/climatério é melhor realizado
clinicamente do que com a dosagem de FSH. Demais investigações dependem da suspeita clínica
de condições associadas.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

CONDIÇÕES ASSOCIADAS

Como já discutido, disfunção


sexual pode estar associada
com diversos fatores. É
comum que mais de um
esteja presente em um
mesmo paciente. Além
disso, a presença de
condições clínicas parece
ser o principal preditor de
disfunção sexual em idosas,
mais importante que a idade
isoladamente. A seguir, há
uma lista comentada dos
principais fatores.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Fatores do Fadiga e Idade e


relacionamento estresse climatério

A relação com um companheiro/ Apesar de serem fatores pouco A relação entre idade, climatério
companheira é um dos principais estudados, eles têm elevado e função sexual é complexa.
determinantes de satisfação sexual. impacto no desejo das mulheres. Apesar de os sintomas de
A duração do relacionamento Crises do ciclo vital, carga no disfunção sexual aumentarem
também é relevante, uma vez que trabalho (doméstico e profissional) progressivamente com a idade,
a atividade sexual e a satisfação e eventos de saúde na família a presença de desconforto
reduzem com o tempo de são fatores que impactam pessoal/interpessoal tende a
relacionamento. Problemas de saúde negativamente a função sexual. reduzir após os 65 anos. Estima-
física e sexual dos companheiros se que 40% das mulheres entre
também têm influência. Da mesma 65 e 74 anos sejam sexualmente
forma, presença de abuso é um fator ativas e 15% após os 75 anos. A
de risco maior para disfunção sexual. menopausa aumenta a chance
de sintomas de ressecamento,
dispareunia e redução da
excitação. Menopausa
cirúrgica parece ter efeito
mais marcado, em especial no
orgasmo (sugerindo um papel
dos andrógenos ovarianos).
Apesar disso, nem todos os
sintomas podem ser atribuíveis
a questões hormonais diretas na
menopausa.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Transtornos psiquiátricos e Questões


medicações ginecológicas

Diversas condições psiquiátricas estão Gestação e nascimento,


associadas com redução da função sexual, prolapso genital e incontinência,
em especial se descompensadas. Deve-se endometriose, miomatose, além
destacar que o inverso não é verdadeiro: a de sintomas genitourinários da
maioria das mulheres com disfunção sexual menopausa são fatores que
não tem doença psiquiátrica associada. Pela podem contribuir ou desencadear
sua alta prevalência, depressão, ansiedade disfunção sexual. Cada um
e psicose são os principais determinantes. desses fatores tem abordagens
Além disso, a farmacoterapia tem efeitos específicas. É digno de nota
diretos na função sexual. Inibidores que, após 3-6 meses do parto,
seletivos da recaptação da serotonina a taxa de disfunção sexual
induzem redução da libido e do parece semelhante em mulheres
orgasmo; antipsicóticos levam à inibição nulíparas e com filhos. Além disso,
dopaminérgica com inibição da função os sintomas genitourinários da
sexual central, bem como hipogonadismo menopausa estão associados a
induzido pela hiperprolactinemia; e dispareunia e redução da libido e
benzodiazepínicos reduzem a libido. excitação.

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Outras doenças
sistêmicas Medicamentos

Hipertireoidismo, diabetes mellitus, Além dos inibidores seletivos


obesidade e hiperprolactinemia podem da captação da serotonina e
contribuir para disfunção sexual feminina. antipsicóticos, anticoncepcionais
Hipertensão também está associada hormonais, antihipertensivos e
à condição, porém não se sabe se é abuso de substâncias (álcool,
relacionado à própria hipertensão, fatores nicotina, opioides) impactam na
associados ou ao tratamento; entre os função sexual.
antihpertensivos, os beta-bloqueadores
parecem ter mais efeito na função sexual.
Outras doenças associadas com redução
da libido são aquelas associadas com
dor crônica (com especial atenção a
cistite intersticial), doença renal crônica,
esclerose múltipla e Parkinson. Pacientes
com câncer têm vários potenciais
mecanismos para disfunção sexual, como
insuficiência ovariana induzida por cirurgia,
quimioterapia ou irradiação pélvica, redução
da lubrificação e comprometimento da
imagem corporal relacionado a doença ou
tratamento.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de disfunção sexual feminina é baseado em critérios da história clínica. Ou seja, deve-se explorar os sintomas da
paciente e condições associadas de forma cuidadosa. Desenvolvimentos neste campo demonstraram a diferença da função
sexual feminina e masculina e que desejo espontâneo em mulheres é incomum e, exceto em novos relacionamentos, sua
ausência não é indicador de transtorno. Esse fato também reforça que é critério necessário para o diagnóstico a presença de
sofrimento ou dificuldade induzida pela disfunção sexual.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Para fins de classificação, costuma-se utilizar os critérios Além do transtorno do interesse/


do DSM-5. É critério central para o diagnóstico a presença excitação sexual feminina, o DSM-5 prevê
de sofrimento pessoal ou interpessoal. Adicionalmente, o transtorno orgásmico femino, transtorno
o sintoma deve ser recorrente ou persistente (pelo da dor/penetração genitopélvica,
menos 6 meses de duração) e não pode ser atribuível disfunção sexual induzida por drogas ou
exclusivamente a outro diagnóstico (p.ex. depressão). substâncias, outras disfunções sexuais
Em um paciente é incomum haver uma fase única do ciclo especificadas e a disfunção sexual
sexual acometida, mas sim uma combinação delas. Ou não especificada. As Tabelas 2 até 7
seja, não se deve ficar fixo em um diagnóstico, mas ele apresentam os critérios diagnósticos para
pode auxiliar para definir a estratégia terapêutica mais essas diferentes categorias.
eficaz para a paciente. Além disso, há dificuldades de se Apesar da utilidade para fins de
diferenciar clinicamente excitação e desejo (libido). Dessa comunicação, orientação e estudo, não se
forma, categorias foram combinadas e agregadas. deve considerar que não há necessidade
A manifestação mais comum é o transtorno do interesse/ de intervenção quando a mulher não
excitação sexual feminina. Essa categoria agora engloba preenche critérios diagnósticos. Ou seja,
duas condições que antes estavam separadas em não se deve deixar de ofertar tratamento
“transtorno do desejo sexual hipoativo” e “transtorno da para pacientes com sintomas sexuais que
excitação sexual feminina”. Deve-se estar atento a isso, geram desconforto - independentemente
pois muitos dos ensaios clínicos que balizam tratamentos se eles encaixam em uma categoria
atuais foram realizados com a classificação antiga. específica ou não.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Tabela 2. Critérios diagnósticos para transtorno do interesse/excitação sexual feminina. Adaptado de (2).

Ausência ou redução do interesse em atividades sexuais


Ausência ou redução de pensamentos ou fantasias eróticas/sexuais
Ausência ou redução no início de atividades sexuais e tipicamente não responsiva
às iniciativas das parcerias
Ausência ou redução da excitação ou prazer sexual durante atividade sexual na
marioria (75-100%) dos encontros
Ausência ou redução do interesse ou excitação sexual em resposta a estimulos
sexuais ou eróticos internos ou externos
Ausência ou redução de sensações genitais ou não genitais durante atividade
sexual na marioria (75-100%) dos encontros

Tabela 3. Critérios diagnósticos para transtorno orgásmico feminino. Adaptado de (2).

Ausência, atraso ou redução da frequência de orgasmo


Ausência, atraso ou redução da frequência de sensasões orgásmicas

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Tabela 4. Critérios diagnósticos para transtorno da dor/penetração genitopélvica. Adaptado de (2).

Penetração vaginal durante relações sexuais


Marcada dor vulvovaginal ou pélvica durante relações sexuais ou tentativas de
penetração vaginal
Marcado medo ou ansiedade em função de dor vulvovaginal ou pélvica em
antecitação, durante ou em consequência de penetração vaginal
Marcado tensionamento ou contração da musculatura do assoalho pélvico durante
tentativa de penetração vaginal

Tabela 5. Critérios diagnósticos para disfunção sexual induzida por drogas ou substâncias. Adaptado de (2).

Distúrbio significativo que se desenvolveu durante ou logo após abuso, intoxicação


ou abstinência de substância ou após exposição a medicamento
A substância pode causar o sintoma referido
O distúrbio não é melhor explicado por um distúrbio sexual que não foi induzido por substâncias

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Tabela 6. Critérios diagnósticos para outras disfunções sexuais especificadas. Adaptado de (2).

Esta categoria se aplica a apresentações clínicas em que há


sintomas característicos de disfunção sexual que causam
desconforto significativo, mas que não preenchem critérios
para outras disfunções sexuais.

Tabela 7. Critérios diagnósticos para disfunção sexual não especificada. Adaptado da referência (2).

Esta categoria se aplica a apresentações clínicas em que há


sintomas característicos de disfunção sexual que causam
desconforto significativo, mas que não preenchem critérios
para outras disfunções sexuais e nas quais não há informação
suficiente para fazer um diagnóstico mais específico.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

MANEJO

O primeiro passo do tratamento é definir o(s) alvo(s) terapêutico. Isso não significa escolher uma classificação para a paciente
e oferecer o tratamento para aquele diagnóstico, mas sim identificar conjuntamente quais os objetivos do tratamento e quais
os objetivos realísticos a serem atingidos. Expectativas de um “ideal” baseado em contruções sociais, culturais/midiáticas ou
mesmo nas suas experiências prévias podem não ser atingidas e este aspecto deve ser discutido. É papel do médico identificar
os problemas sexuais presentes, definir prioridades e coordenar o tratamento. Por exemplo, pode ser necessário primeiro
manejar sintomas vulvovaginais climatéricos, que, por si só, podem melhorar significativamente o grau de interesse e libido.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

É importante destacar que as recomendações a


seguir se aplicam principalmente para mulheres
cisgênero, uma vez que, infelizmente, as pesquisas
sobre disfunção sexual com mulheres transgênero
ou pessoas não binárias são limitadas. Além disso,
também não existem abordagens específicas para
Na fase de preparação para o tratamento, pode pessoas com múltiplas parcerias, sendo utilizadas
surgir ansiedade e mesmo timidez e vergonha. recomendações a seguir para ambas as situações.
Deve-se reforçar que disfunção sexual é um As causas para disfunção sexual são semelhantes
evento frequente (e, portanto, a paciente não está para mulheres que fazem sexo com mulheres ou
“sozinha”) e que existem opções de tratamento homens.
efetivas. Também é importante expor para a A seguir, apresentaremos algumas medidas gerais
paciente a característica crônica, multifatorial e e, após para alguns sintomas/situações específicos.
complexa do tratamento. Períodos de tentativa e Em função de sua eficácica limitada e efeitos
erro fazem parte do processo. Um dos principais adversos, na maioria das situações medicamentos
alvos do tratamento é melhorar a qualidade de vida são considerados apenas após a falha de
e dos relacionamentos e, assim, a função sexual. intervenções não farmacológicas. O alvo deve ser a
Questões de companheiros/as também devem melhora da qualidade de vida, da saúde em geral e
ser avaliadas, sejam elas sexuais ou de conflito do da qualidade dos relacionamentos - todos estes são
casal. Pode ser necessária terapia específica para os principais preditores de satisfação sexual.
melhorar o relacionamento em casos de conflito.
Além disso, é frequente a situação de a paciente
estar satisfeita com o grau atual, mas haver
tensão no relacionamento por divergências de
interesse sexual. Nessas situações, é fundamental
esclarecer que se trata de um problema do
relacionamento, e estimular terapia de casal ou
sexual (e não apenas da paciente em questão).

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

MEDIDAS GERAIS

Talvez um dos primeiros passos da


abordagem terapêutica seja o ajuste
de condições de saúde. Ajustes na
farmacoterapia (por exemplo, evitar
beta-bloqueadores e inibidores sele-
tivos da recaptação da serotonina),
controle de dor, incontinência uri-
nária e prolapsos genitais, anemia,
bem como doenças de saúde men-
tal fazem parte da primeira linha de
manejo.
Terapia de casal ou com sexólogo é
parte do tratamento geral, uma vez
que é capaz de melhorar múltiplos
sintomas de forma associada. Por
vezes, pode haver dúvida quanto
a priorização do sexólogo ou da
terapia de casal. Quando questões
de comunicação e conflito dominam
o quadro do relacionamento, prefe-
re-se a terapia de casal; para demais
situações, tende-se a dar preferência
para sexólogo (terapia sexual). É im-
portante destacar que tais tratamen-
tos não costumam ser cobertos por
convênios de saúde e a oferta pela
rede pública é pequena e variável.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Terapia sexual costuma envolver educação das pacientes


e companheiros/as, discussões sobre sexualidade
e preferências. Quando necessário, também é parte
do tratamento aceitação e pactuação de frequência/
grau de interesse mútuo. Exercícios e descoberta de
equipamentos ou formas de relação sexual fazem parte do
tratamento. O foco é aumentar o prazer mútuo e minimizar
a importância do ato sexual com orgasmo. Até 65% dos
casais que realizam esse tipo de tratamento descrevem-no
como bem-sucedido.

Ajustes de estilo de vida também podem contribuir para


a melhora da função sexual. Melhora da qualidade do
sono, ajuste da carga horária de trabalho, busca de apoio
para cuidados domésticos e com crianças, programa de
exercícios ou alongamentos e melhora da privacidade do
casal são intervenções que podem ser úteis em algumas
pacientes. Da mesma forma, criar hábitos saudáveis no
relacionamento, com momentos “de casal” e a busca
conjunta de novidades (sexuais ou não) são interessantes
para a melhora de sintomas.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

DISFUNÇÃO DE INTERESSE/EXCITAÇÃO

Redução da libido e excitação são as mani-


festações mais comum de disfunção sexual
feminina. Com isso, essa é a condição mais
estudada e com mais opções de tratamento
farmacológico - que só devem ser conside-
radas após uso das intervenções discutidas
acima. Destas, a mais estudada é a utiliza-
ção de testosterona exógena, com alvo de
atingir níveis fisiológicos femininos (aproxi-
madamente 10% dos níveis masculinos).

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Existem algumas divergências nos estudos primários: o conjunto dos ensaios clínicos randomizados indicam que há aumento
do desejo, responsividade, orgasmo e satisfação; numericamente, há aumento de aproximadamente 1 relação sexual satisfatória
a cada 4 semanas. Quando se optar pelo uso, a eficácia clínica deve ser avaliada em 3-6 meses e o tratamento suspenso se
não houver resposta adequada. Apesar dos potenciais benefícios, uma série de questões devem ser apontadas quando se está
considerando este tratamento:

Não existem estudos que comprovem segurança do Os dados de segurança são restritos a mulheres saudáveis,
tratamento em longo prazo. O estudo com maior seguimento sem comorbidades ou uso de medicações associadas. Ou
tem 24 meses e a maioria deles não ultrapassam 1 ano. seja, a população elegível se torna bastante restrita na prática
Em curto prazo, é um tratamento seguro, especialmente se clínica diária.
realizado acompanhamento médico adequado. Entretanto,
pela curta duração dos estudos, existe apreensão com risco de
câncer de mama, endométrio e saúde cardiovascular em longo A apresentação mais testada (e com melhores resultados) é
prazo. Além desses potenciais efeitos, pode ocorrer virilização de 300 mcg de testosterona de absorção transdérmica. Apesar
(hirsutismo, clitoromegalia, acne). disso, essa apresentação não está disponível (nem no mercado
nacional, nem mediante importação). Em função disso,
utilizam-se apresentações alternativas (para homens) com
A maioria dos estudos utilizou estrógenos e progestágenos
10% da dose e buscando atingir níveis séricos de testosterona
além da testosterona. Considerando as recomendações atuais
a 10% dos valores masculinos. A Endocrine Society propõe
quanto à terapia de reposição hormonal, essa é mais uma
que essas apresentações sejam utilizadas de forma cuidadosa
limitação ao uso.
e com monitorização dos níveis de testosterona (evitar
níveis suprafisiológicos) e com consentimento, orientação
e discussão com as pacientes. Medicamentos manipulados
devem ser evitados se houver apresentações comerciais,
mesmo que apenas em formulações masculinas.

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

Estradiol (tópico ou sistêmico,


com ou sem progesterona) DISFUNÇÃO ORGÁSMICA, DOR SEXUAL E
pode ser considerado em SÍNDROME GENITOURINÁRIA DA MENOPAUSA
mulheres selecionadas para
tratamento de sintomas Para a disfunção orgásmica, as intervenções efetivas são educação, terapia
climatéricos que possam estar sexual e masturbação. Dor sexual deve ser manejada conforme a etiologia; as
induzindo a disfunção sexual causas de dispareunia são variadas e exigem investigação específica e manejo.
(fogachos e insônia, sintomas Entretanto, a causa mais comum é hipoestrogenismo e a síndrome genitourinária
vulvovaginais). Flibasterina da menopausa. Para mulheres com sintomas de ressecamento, ardência,
é um agonista/antagonista queimação, redução da lubrificação, entre outros, deve-se considerar esta
do sistema serotoninérgico possibilidade. O manejo inclui lubrificantes e estrógeno vaginal em baixa dose.
aprovado para uso em mulheres
pré-menopausa; efeitos
DISFUNÇÃO SEXUAL RELACIONADA A INIBIDORES
adversos, custo, uso diário e
SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO DA SEROTONINA
indisponibilidade no mercado
nacional são limitações ao seu
uso. Além destes, bupropiona Disfunção sexual induzida pelos inibidores seletivos da recaptação da
é frequentemente considerada serotonina é um evento comum e um desafio terapêutico. De um lado, há
pela sua segurança, baixo custo depressão (ou ansiedade), que necessita de abordagem e pode exacerbar
e experiência de uso. Há um inclusive os sintomas sexuais; por outro, este é um evento esperado do
ensaio clínico randomizado medicamento. Ela pode se manifestar de diversas formas, com redução
que sugere que haja melhora do desejo, excitação e do orgasmo. O primeiro passo da abordagem é
do prazer, excitação e orgasmo observação dos sintomas por 2-8 semanas e, se persistentes, redução para
com o seu uso. Destaca-se que dose minimamente efetiva para controle da doença psiquiátrica. Na falha
todas as medicações acima dessa estratégia ou recorrência dos sintomas depressivos, tende-se a trocar
são consideradas off-label o tratamento para bupropiona ou, menos comumente, mirtazapina. Em
no Brasil para tratamento de pacientes com sintomas orgásmicos, pode-se considerar uso de inibidores da
disfunção sexual feminina. 5-fosfodiesterase (sildenafil).

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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

A ARTMED
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DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA

REFERÊNCIAS
1. Overview of sexual dysfunction in females: Epidemiology, risk factors, and evaluation. De Uptodate,
disponível em: https://www.uptodate.com/contents/overview-of-sexual-dysfunction-in-females-
epidemiology-risk-factors-and-evaluation. Acesso em 29/04/2023.
2. Sexual dysfunctions. Em: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th ed.
3. Global Consensus Position Statement on the Use of Testosterone Therapy for Women. J Clin Endocrinol
Metab 104: 4660–4666, 2019.
4. Safety and efficacy of testosterone for women: a systematic review and meta-analysis of randomised
controlled trial data. Lancet Diabetes Endocrinol. 2019 Oct;7(10):754-766.
5. Overview of sexual dysfunction in females: Management. De Uptodate, disponível em: https://www.
uptodate.com/contents/overview-of-sexual-dysfunction-in-females-management. Acesso em 29/04/2023.
6. Bupropion sustained release for the treatment of hypoactive sexual desire disorder in premenopausal
women. J Clin Psychopharmacol 2004; 24:339.
7. Sexual dysfunction caused by selective serotonin reuptake inhibitors (SSRIs): Management. De Uptodate,
disponível em: https://www.uptodate.com/contents/sexual-dysfunction-caused-by-selective-serotonin-
reuptake-inhibitors-ssris-management. Acesso em 30/04/2023.

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