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ECONOMIA POLÍTICA DA SUSTENTABILIDADE:

Uma perspectiva neo-marxista


Roberto José Moreira
Introdução

A questão da sustentabilidade ambiental e sócio-ambiental, quando referenciada


à economia política ou ao ideário do desenvolvimento – econômico, político ou social –
nos remete à conformação de novos atores e forças sociais, às reflexões sobre as
políticas ambientalistas e ao papel do Estado, bem como às questões dos embates de
interesses sócio-econômicos e culturais – de classes, frações de classe, de grupos
sociais, de regiões e de nações. Refletir sobre estas questões e propor uma interpretação
teórico-analítica compõem os objetivos a serem alcançados.

Preliminarmente, gostaria de destacar o caráter parcial deste texto.1 Seu


conteúdo incorpora apenas as análises realizadas até este momento da pesquisa. O plano
original da pesquisa envolve as análises da sombra e a dívida ecológica e uma
sistematização das interpretações no campo da economia, que serão apresentadas em
outro momento.

A estrutura dos conteúdos aqui abordados, após esta introdução, inclui um


sumário de minhas elaborações anteriores nesta temática, que objetiva localizar nossos
esforços interpretativos anteriores.

A conformação de um campo de forças que inclui os novos atores e os interesses


de cunho ambientalistas nos levou a considerar que o conceito de sustentabilidade
carrega uma imprecisão, que, em outro momento (Moreira, 1993), denominei de
nebulosa ambientalista. Esta imprecisão de conceito de fato reflete o processo de
disputa político-ideológica de sedimentação e legitimação de um conceito hegemônico,
próprio de momentos históricos pré-paradigmáticos. (Cf. Kuhn, 1989).
No item o campo de disputa do conceito de sustentabilidade estarei
apresentando uma compreensão deste campo de interesses.
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A análise da sedimentação e legitimação de um conceito de sustentabilidade


hegemônico nos leva a utilização de elementos de análise da economia política de
tradição marxista para a compreensão da complexidade de questões envolvidas nesta
disputa. Acompanhando algumas críticas relevantes à esta tradição e assumindo uma
perspectiva analítica neo-marxista (Cf. Therborn, 1995; 259-260.), julgo necessário
ampliar a análise da luta de classes da ortodoxia marxista [Para incorporar os novos
movimentos sociais, dos quais os movimentos ambientalistas são exemplos.] e
ressignificar esta análise para romper com o economicismo desta tradição. Este
movimento de ressignificação expressa as rupturas com o positivismo e o determinismo
e as simplificação dualistas da realidade. Na tradição da análise marxista, o dualismo
apresenta-se na consideração de apenas duas classes – capitalistas e proletários –, na
supervalorização da instância econômica sobre as instâncias político-culturais – o
determinismo econômico –, e na separação entre concepção e ação – teoria e prática –,
que minimiza a importância da luta político-ideológica, bem como ignora as
implicações das visões culturais diferenciadas do mundo e da natureza, que fundamenta
os diferentes pressupostos teórico- interpretativos envolvidos.
Sem pretender aprofundar nenhum destes aspectos estarei apontando, no item os
fundamentos desta perspectiva analítica, que a análise da sustentabilidade requer
ressignificações conceituais dos conceitos de natureza e o ser humano. Requer, ainda, a
consideração do não-material como instância da realidade e da produção, bem como a
ressignificação de trabalho produtivo, como sendo ao mesmo tempo trabalho manual e
intelectual. Obriga-nos, também, a considerar a disputa da apropriação privada do
conhecimento, como faceta conectada à propriedade dos recursos produtivos e à
apropriação privada da produção social. Todas estas questões receberão um destaque
nesta elaboração. Neste último sub-item destes fundamentos, estarei considerando a
instância não-material da produção contemporânea, que envolve a produção do
conhecimento tecnológico, a indústria das comunicações e propaganda, bem como a
industria cultural e a esfera dos serviços financeiros.

1 In: COSTA, Luiz Flávio de Carvalho; MOREIRA, Roberto José; BRUNO, Regina (Org.). Mundo rural
e tempo presente. Rio de Janeiro: Mauad, 1999b. p. 239-266,
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É pressuposto desta elaboração, o reconhecimento de que a esfera da produção


capitalista contemporânea se ampliou, envolvendo, hoje, estas esferas não-materiais da
vida no campo de produção de valores, da geração de mais-valia e de exploração do
trabalho.
O debate entre os teóricos da sociedade da informação, do pós-fordismo e da
pós-modernidade fundamenta esta pressuposição [Cf. Kumar, 1997.]. Nestas
sociedades, cunhadas por alguns como sociedades do conhecimento e da informação, à
instância da produção material – herdadas do industrialismo e do fordismo – é
incorporada a instância de produção de signos. Esta esfera não-material envolve tanto a
produção de signos novos [como é o caso do conhecimento científico e tecnológico],
quanto a ressignificação dos signos herdados [como são os casos dos conhecimentos
culturais passados e dos conhecimentos de minorias culturais.]. Ou seja, esta esfera
inclui tanto a produção e a apropriação do conhecimento técnico-científico na ordem
competitiva capitalista, bem como a possibilidade de apropriação de conhecimentos
culturais rotineiros de culturas não hegemônicas – indígenas, camponesas, de
curandeiros, de minorias etc. –, com potencialidades de utilização em uma possível
acumulação de capital ambientalista.
Em a distribuição ecológica, estarei utilizando este aparato analítico para
visualizar a utopia da eqüidade absoluta, em eqüidade e utopia social ambientalista,
bem como o movimento que a questão ecológica e ambiental coloca à fronteira da
propriedade privada contemporânea, abordado em a fronteira não-material da
propriedade. A questão ambiental impõe novas regulações sobre as funções sociais da
propriedade privada, reconformando a dinâmica competitiva intercapitalista ao mesmo
tempo que imprime uma coloração verde ou ecológica ao capitalismo.

Finalmente, em concluindo, procuro ressaltar a importância desta perspectiva


analítica para visualizar as lutas ambientalistas como elementos componentes da luta de
classes, mesmo que não se apresentem desta forma para os movimentos sociais
ambientalistas.

Elaborações anteriores sobre a temática


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Minhas elaborações anteriores estiveram associadas ao estudo das relações entre


o pensamento científico, a consciência ecológica, a economia política, as sociedades
contemporâneas, bem como da agricultura familiar no capitalismo e no Brasil.

Em Moreira (1991), analisei as relações entre ecologia e economia política, com


ênfase nas relações entre o meio-ambiente socialmente produzido e as condições de
vida. Contrapondo as perspectivas dos pensamentos econômicos neoclássico e marxista,
procurei compreender os interesses das classes capitalistas e trabalhadoras, os interesses
de movimentos de consumidores em oposição aos interesses empresariais; bem como os
seus desdobramentos sobre as condições de vida. Apontei ainda algumas questões
ambientais associadas às condições de vida dos trabalhadores rurais e de consumidores
de alimentos, relacionando-as à modernização tecnológica da agricultura brasileira.

Em minha análise sobre as relações entre o pensamento científico, a cultura e a


Eco-82 (Moreira, 1993), procurei compreender as disputas que se colocavam para as
nações no contexto da Eco-92. Nesta perspectiva de compreensão considerei a
necessidade de ruptura, nas ciências sociais, do dualismo herdado da ciência moderna,
assim como a necessidade de consideração conjunta da economia e da cultura. Examinei
a ecologia – como disciplina científica e como campo de expressão social dos
movimentos ambientalistas –, apontando que os movimentos ecologistas
fundamentavam-se em críticas ao modo de produção industrial e ao estilo de vida destas
sociedades. Apoiado nestes processos considerei que estava em curso a conformação de
um capitalismo ecológico, que incorporava os constrangimentos ecológicos à lógica da
acumulação capitalista. Dada a natureza e a diversidade das disputas que se colocavam
na análise, expressei o campo analítico como uma nebulosa ambientalista, procurando
enfatizar os diferentes significados que a questão ambiental assumia, bem como os
diferentes interesses que se colocavam em disputa na Eco-92.

Em Moreira (1994), examinei algumas relações entre a formação


interdisciplinar, o desenvolvimento sustentável e a agricultura familiar. [Enfatizei a
necessidade das ciências sociais nas formações profissionais das ciências agrárias.].
Apontei que a concepção hegemônica sobre a agricultura familiar não considerava a
possibilidade de progresso social ao setor da produção familiar no campo e apoiava-se
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na noção de agricultura de subsistência. [Própria das elites brasileiras, esta noção


também apresenta-se nos estudos sociais sobre a pequena produção.]. Neste quadro
ideológico, adicionar o requisitos da sustentabilidade ambiental à concepção
hegemônica sobre agricultura familiar não rompia com esta concepção. Esta adição
significava apenas que, aos requisitos de manutenção da pequena propriedade e da
subsistência a família somava-se a necessidade de conservação dos recursos naturais,
sem perspectivas de progresso sócio-econômico para estes setores sociais.

A análise da renda da terra e do processo de territorialização do capital no


campo, realizada em Moreira (1995), envolveu a ressignificação da renda da terra como
renda da natureza, bem como do conceito de natureza herdado da economia clássica e
marxista. Associando a produção social da localização das terras em produção e o
conhecimento social sobre os usos possíveis da terra – este último impregnado na noção
de fertilidade –, entendi a renda diferencial I como resultado das disputas econômicas
de apropriação privada de processos sociais de localização das terras frente aos
mercados e de produção de conhecimentos técnicos sobre os usos das terras. [A renda
diferencial I, de localização e de fertilidade é considerada, nas análises sobre o tema,
como a renda da terra propriamente dita.]. Demonstrei que a tradição analítica da renda
da terra – e da renda diferencial I – sempre considerou a localização e a fertilidade
como dádivas da natureza. Minha análise sustentou o argumento de que os
investimentos públicos e sociais em estradas, por exemplo, valorizavam as terras
privadas beneficiadas, bem como que conhecimento técnico, socialmente gerado,
valorizava as terras – como, por exemplo, foi o caso da valorização recente do cerrado
brasileiro –. Como também ressaltei a necessidade de compreender a técnica em seu
tempo histórico, no sentido, por exemplo, de que, no passado, as terras com petróleo
não tinham valor.

Em Moreira (1996a), retomei a questão da formação profissional das ciências


agrárias defendendo a necessidade de incorporação consistente das ciências sociais nos
currículos, bem como da flexibilização destes. Apontei que estas mudanças eram
requeridas pelos mercados profissionais e por questões tecnológicas e sociais postas
pela atualidade das profissões agrárias que, além de outras, impunha a necessidade de
levar-se em conta a questão ambiental na formação profissional. Em Moreira e Berbara
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(1997), estas questões foram retomadas e postas com uma proposta de formulação de
programa de ciências agrárias no século XXI, destacando a abordagem agroecológica
dos currículos e, em Moreira (1996b), analisei as disputas paradigmáticas nos
programas de pós-graduação em economia e desenvolvimento rural. Neste texto, além
de outras, examinei algumas questões teóricas associadas à concepção do
desenvolvimento rural como desenvolvimento sustentável.

Do campo de estudos sobre a pequena produção agrícola familiar cumpre


destacar a análise que empreendi, em Moreira (1997), das relações da agricultura
familiar no contexto da competição intercapitalista e da sustentabilidade. Estes estudos
levaram-me a concluir que, no capitalismo contemporâneo, a incorporação de
tecnologias alternativas de cunho ambientalista à agricultura familiar não garante ao
agricultor familiar a apropriação dos ganhos de produtividade e de redução de custos
monetários que estão associados à este tipo de tecnologia. Esta não-garantia de
apropriação está associada ao quase nulo poder de mercado deste setor da agricultura,
bem como, é devida à sua inserção em uma ordem competitiva oligopolista, onde o
pequeno patrimônio produtivo dificilmente capta lucro ou renda da terra.

E, finalmente, em Moreira (1998b), analisei os processos sociais de apropriação


privada da biodiversidade. Ampliando as noções desenvolvidas em minha elaboração
anterior sobre a renda da natureza, a biodiversidade foi entendida como elemento
componente da cultura – do saber científico e cotidiano, neste sentido, a sua apropriação
privada é uma apropriação mercantil da cultura.

O campo de disputa do conceito de sustentabilidade

A amplitude da divulgação e a importância da Comissão Mundial sobre o Meio


Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, que produziu o relatório Nosso
Futuro Comum, em 1987, (Cmmad, 1988) imprimiram ao conceito de sustentabilidade
daí oriundo a impressão generalizada de um conceito acabado. [Popularizado como
Relatório Brundtland, este relatório divulgou a noção de que o desenvolvimento
sustentável é desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem arriscar a
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satisfação das necessidades das futuras gerações.]. A amplitude desta divulgação


produziu também a aparência que a origem do conceito está associado a este Relatório.
Brüseke (1996) ressaltou que a origem da noção de sustentabilidade é ainda
anterior à publicação dos Limites do crescimento, do Clube de Roma, de 1972, e da
Conferência de Estocolmo, sobre Human Environment, também de 1972. Os debates
sobre os riscos da degradação do meio ambiente começaram nos anos 60 e nos anos 70.
Brüseke destacou, dentre outras, a importância da publicação de Georgescu-Roegen, de
1971, [The entropy law and the economic process, que tornou-se o marco da economia
ecológica e das considerações sobre a importância da termodinâmica para o estudo do
desenvolvimento e da sustentabilidade.] e de Ignacy Sachs, de 1976, [Environment and
styles of development, que formulou o conceito de ecodesenvolvimento, hoje tido como
sinônimo de desenvolvimento sustentável.].

Cabe ressaltar, como faz Brüseke ao apresentar a contribuição de Ignacy Sachs,


os seis requisitos do ecodesenvolvimento:
a) a satisfação das necessidades básicas; b) a solidariedade com as
gerações futuras; c) a participação da população envolvida; d) a
preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e) a
elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e
respeito com outras culturas, f) programas de educação (Brüseke: 1996;
105).

Destaco ainda, com Brüseke, que o conceito de ecodesenvolvimento referia-se


inicialmente às regiões rurais da África, Ásia e América Latina, ganhando dimensões de
crítica às relações globais entre subdesenvolvidos e superdesenvolvidos, bem como de
crítica à modernização industrial como método de desenvolvimento das regiões
periféricas, propondo, para estas regiões, um desenvolvimento autônomo, independente
daquele dos países desenvolvidos.

Ressalta ainda Brüseke (1996, 105-106) duas outras contribuições– a declaração


de Cocoyok, em 1974, que foi aprofundada no relatório Dag-Hammarskjöld, de 1975 –,
ambas mais radicais do que aquela abordagem que posteriormente, em 1987, se
sedimenta no conceito de desenvolvimento sustentável do Nosso Futuro Comum, da
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Cmmad. Aquelas duas posições expressavam confiança em um desenvolvimento a


partir da mobilização das próprias forças e exigiam mudanças nas estruturas de
propriedades no campo, pelo controle dos produtores sobre os meios de produção.

Destas elaborações iniciais, questões controversas ficam impregnadas nos


debates de desenvolvimento sustentável.
As teses do crescimento zero e do congelamento do crescimento populacional,
associadas às posições do Clube de Roma e da Conferência de Estocolmo, tenderiam a
sedimentar as diferenças atuais de estilo de vida, de distribuição de riquezas e de bem
estar social de classes e grupos sociais, bem como entre nações. O crescimento
econômico e as tecnologias a ele associadas deveriam se nuclear em torno dos recursos
naturais renováveis, a curto e a médio prazo. A utilização intensiva de recursos naturais
não-renováveis, como é o caso do petróleo, colocava em cheque a matriz energética e o
aparato produtivo industrial herdado.
Nas outras teses, acima apresentadas, o mundo rural sustentável – e adequado à
crítica das sociedades e das tecnologias industriais – associava-se a uma redistribuição
do acesso aos recursos produtivos, com mudanças na distribuição da propriedade no
campo, sugerindo que políticas significativas de reforma agrária seriam necessárias para
a obtenção do desenvolvimento sustentável autônomo dos países periféricos.

Os requisitos do ecodesenvolvimento – garantia à alimentação e a satisfação das


necessidades básicas e de educação – impõem o requisito de justiça social ao
desenvolvimento sustentável. A preservação da biodiversidade e dos ecossistemas, a
diminuição do consumo de energia e o desenvolvimento de tecnologias ecologicamente
adaptadas, fazem-nos reconhecer os limites postos pela dinâmica da biosfera à vida
humana. Estes traços gerais herdados propõem uma visão tridimensional de
desenvolvimento, onde a eficiência econômica combina-se com requisitos de justiça
social e de prudência ecológica. O conceito de desenvolvimento sustentável requer,
portanto, encaminhamentos políticos que envolvem três dimensões: a dimensão do
cálculo econômico, a dimensão sócio-política e a dimensão biofísica (Brüseke: 1996;
115-119).
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Dada a natureza planetária da questão ambiental, as três dimensões acima


ressaltadas imprimem ainda ao desenvolvimento sustentável a clivagem entre interesses
nacionais e globais. O “tom diplomático” do Relatório Brundtland, quando comparado
com aquelas elaborações originárias e radicais, acima destacadas, minimiza a crítica à
sociedade industrial e aos países industrializados. Não nega o crescimento nem aos
países industrializados e nem aos não-industrializados. Faz, não entanto, a superação do
subdesenvolvimento no hemisfério sul dependente do crescimento contínuo dos países
industrializados, opondo-se à tese de desenvolvimento autônomo dos países periféricos.
Brüseke (1996, 107) ressaltou que, neste Relatório, torna-se duvidosa as adequações
destas posições com a crítica do ponto de vista ecológico.
Eu acrescentaria que, do ponto de vista da justiça e eqüidade social, há também
uma forte inadequação. O Relatório não questiona a distribuição e propriedade dos
ativos que conformam nossas sociedades capitalistas. Estes ativos produtivos são a base
da concentração de rendas e da diferenciação de estilos de vida, tanto no interior das
nações, como dentre elas. Este Relatório enfatiza as relações entre nações, que as
questões ambiental e ecológica impõem, e sugere medidas para os governos nacionais e
instituições internacionais, evitando o tratamento destas questões nos interior de cada
território nacional. Esta postura não problematiza o jogo de forças e de dominação
hegemônica e a divergências de interesses a eles associadas. Neste sentido a eqüidade
social dificilmente será alcançada e, a justiça será relativa aos interesses hegemônicos.

Refletindo sobre a dimensão ecológico-ambiental, Viola (1996) destacou os


alinhamentos socio-políticos e a formação de novas forças sociais transnacionais
associadas a esta dimensão, a saber:
globalistas-conservadores, globalistas-progressistas, globalistas-
conservadores- sustentabilistas, globalistas-progressistas-sustentabilistas,
nacionalistas-conservadores, nacionalistas-progressistas, nacionalistas-
conservadores-sustentabilistas e nacionalistas-progressistas-
sustentabilistas (Viola, 1996; 28).

Como podemos perceber, na perspectiva até aqui delineada, os diferentes


interesses econômicos e sociais que se expressam na esfera sócio-política impõem
diversas perspectivas à questão da sustentabilidade e, portanto, tendem a formular e
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defender teorias e conceitos de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável


diferenciados. Estas teorias e conceitos tendem a estar em consonância com os seus
interesses econômicos-sociais e suas concepções de mundo. Estas diferenças tornam-se
visíveis na medida em que priorizem, de forma diferenciada, as questões nacionais ou
globais, a manutenção do status quo ou as mudanças progressistas-distributivistas, bem
como levem em consideração as dimensão ecológico-ambiental ou as ignorem.

Em primeiro lugar, considerando a dimensões do cálculo econômico e da esfera


sócio-política, o campo de disputa da sustentabilidade – e do desenvolvimento
sustentável – envolve o embate de forças e interesses conservadores e progressistas,
sejam eles globalistas ou nacionalistas e ambientalistas ou não-ambientalistas. Em
segundo lugar, a sensibilidade à dimensão biofísica aglutina o embate entre não-
ambientalistas e ambientalistas, sejam eles globalistas ou nacionalistas e conservadores
ou progressistas. E, finalmente, levando em conta a dimensão territorial e cultural
teremos ainda o embate de forças e interesses nacionalistas e globalistas, sejam eles
conservadores ou progressistas e ambientalistas ou não-ambientalistas.
A ação diferenciadas destas diferentes perspectivas cria uma nebulosa
ambientalista, que parece apresentar uma consenso sobre o que se entende por
sustentabilidade mas, no entanto, esconde os diferentes interesses e visões de mundo
que estão por detrás destas correntes político-sociais.

Portanto, esperar em nossa contemporaneidade a conformação de um só conceito


de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável é não reconhecer os diferentes
interesses e forças sociais que conformam a dinâmica das sociedades contemporâneas.
Isto não significa que, no futuro, um destes conceitos não venha, no futuro, a se afirmar
como o conceito hegemônico.

A nosso ver, a questão da ressignificação de idéias, noções, conceitos e teorias é


parte do processo de disputa de apropriação de conceitos e teorias, um processo de
disputa que envolve a apropriação do conhecimento.
Neste contexto interpretativo, estes processos de disputa teórica e conceitual
envolvem a disputa pela consolidação e sedimentação de significados.
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No campo científico, a institucionalização de determinadas significações


conceituais está associada ao processo de consolidação e hegemonia de um determinado
paradigma científico.
No campo social, envolve a conformação, a consolidação e a hegemonia de uma
concepção da vida social, bem como da hegemonia dos interesses econômicos e sociais
a ela associados.
O embate sobre o significado da sustentabilidade nas sociedades
contemporâneas é, neste sentido, parte componente do embates político-ideológico e
econômico-sociais de apropriação dos conhecimentos científicos e culturais sobre a
natureza e o mundo natural.

As diferenciações possíveis acima delineadas estão associadas também aos


diferentes conceitos de natureza e de ser humano e de trabalho produtivo, bem como aos
processos de apropriação privada do conhecimento socialmente produzido, que serão
tratados a seguir.

Os fundamentos desta perspectiva analítica.

A base desta perspectiva analítica envolve as ressignificações de natureza, que já


elaboramos em outros trabalhos [Cf. Moreira, (1995), (1996b) e (1998b)], e que
estaremos utilizando para repensar o ser humano e visualizar a produção e apropriação
do conhecimento.

A natureza e o ser humano

Entendemos que a questão ambiental está relacionada aos processos econômicos


e culturais da globalização, à valorização da questão ecológica e à construção de um
novo patamar competitivo da ordem capitalista, que apresenta-se com elementos de um
capitalismo ecológico.

Estes movimentos e mutações tendem a recolocar a questão do uso e da


propriedade da terra e do meio ambiente natural no capitalismo. De um lado, requer um
novo entendimento da especificidade do patrimônio em terras e uma ressignificação e
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revalorização da teoria da renda da terra na análise da dinâmica capitalista – que em


outro ensaio denominei de renda da natureza (Moreira, 1995) – e, portanto, da
apropriação privada da biodiversidade [Cf. Moreira (1998b).]. De outro lado, requer que
coloquemos em questão o próprio conceito de natureza que está associado ao
pensamento científico e aos campos disciplinares da economia e da economia política,
em geral, e da economia rural e do desenvolvimento rural, em particular.

A tradição da economia política marxista trata a natureza como um dado.


Apoiada no positivismo e no essencialismo (Castoriadis, 1982; 26-70), esta tradição
concebe o mundo natural e suas leis biofísicas como eternas, bem como pressupõe que o
conhecimento científico revela estas leis imutáveis. Esta valoração da ciência e da
técnica obscurece a historicidade e a própria dinâmica do conhecimento científico,
assim como as diferentes realidades que emergem dos diferentes paradigmas científicos
[Cf. Kuhn (1989) e Capra (1982).]. Resulta na supervalorização do conhecimento
científico frente às outras dimensões culturais da construção social da realidade, tais
como as concepções religiosas, políticas e cotidianas da realidade. Neste sentido, a
apropriação social do conhecimento científico pode configurar-se como ideologia de
legitimação de forças hegemônicas (Habermas, 1987) ou como instrumento ideológico
da própria compreensão da realidade social e da construção das identidades de classes
no capitalismo (Heilbroner, 1988). Para o autor
as ideologias são sistemas de pensamento e de crença por meio dos
quais as classes dominantes explicam “a si mesmas” como funciona seu
sistema social e que princípios ele subentende. Por conseguinte, os sistemas
ideológicos existem não como ficções, mas como “verdades” – e não como
verdades probatórias mas verdades morais.( Heilbroner, 1988; 78).
De uma forma ou de outra, torna-se, portanto, necessário reconhecer o
relativismo do conhecimento científico e a realidade do imaginário social como
elementos componentes das ações políticas e produtivas dos seres humanos.

Mesmo aceitando-se a pressuposição de que o mundo natural – de natureza


cósmica –, é regido por leis biofísicas imutáveis, [inalcançáveis ao pensamento
humano], o mundo natural apropriado pela cultura humana e pela linguagem é relativo a
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esta cultura. Nossa percepção da realidade biofísica é relativa à cultura que nos
socializou, portanto, é diferenciada e relativizada por estes valores culturais.
Temos por pressuposto que a realidade humana é uma realidade culturalmente
construída. [Ela se apresenta, ao mesmo tempo, como realidade objetiva e subjetiva
(Berger e Luckmann, 1985), conforma-se como uma historia reificada e uma história
incorporada (Bourdieu, 1989), bem como é construída em um processo de instituição
imaginária da sociedade (Castoriadis, 1982).]. Na medida em que estes pressupostos são
aceitos, torna-se necessário reconhecer, como parte da desta realidade socialmente
construída, a vivência de processos sociais de construção do mundo natural e da
natureza, que, por sua vez, englobam a própria ressignificação da natureza humana.2

No contexto desta problematização, reconhece-se que a dinâmica das estruturas


biofísicas é interpretada culturalmente, seja pela ciência, seja por outras instâncias da
cultura. As idéias de natureza e o mundo natural, neste sentido, tornam-se pressupostos
de teorias e ações políticas e técnicas. Em resumo: seja na tradição marxista ou em
outras tradições das ciências sociais e naturais, a natureza e o mundo natural não podem
ser tomados como dados. Romper com esta tradição positivista e essencialista requer
que estes conceitos sejam reconhecidos como passíveis de ressignificação em um
processo de construção social da realidade natural, sendo, portanto, um produto do
trabalho e do conhecimento humano.

Estas considerações metodológicas e estes pressupostos analíticos, naquilo que


se refere à análise da sustentabilidade, permitem entender: os embates sobre a
apropriação privada da natureza, dos frutos da terra, e da biotecnologia; as noções de
capital natural, a concepção de serviços do ecossistema e de valoração da natureza;
bem como as proposições relativas à prioridade da dinâmica da bioesfera frente à
dinâmica do sistema sócio-econômico da humanidade. [Estas questões são colocadas
pelos analistas da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável.]. Permitem
também entender os embates entre as perspectivas teórico-analíticas da economia do
meio ambiente e dos recursos naturais (de cunho neoclássico), da economia ecológica e

2 Para outras compreensões destes processos ver: a fenomelogia da percepção em Castoriadis (1987; 135-
157); o homem e o mundo natural, em Thomas (1988); as idéias da natureza em uma perspectiva
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da ambienomia (com base nas leis da termodinâmica), da economia institucionalista


(que procura entender a busca de uma determinada qualidade ambiental em termos de
custos de transação incorridos pelos elementos do ecossistema), da economia
evolucionária (de inspiração schumpeteriana e aplicada à questão da busca e
incorporação de tecnologias), da ecologia política e, finalmente, da economia política da
sustentabilidade, (ambas de elaboração neo-marxistas). Esta última, por nós aqui
apresentada. [Como já ressaltei na introdução, estas diferentes perspectivas analíticas
serão analisadas em outra oportunidade.].

O não-material

A compreensão das sociedades contemporâneas impõe a necessidade de


consideração da produção imaterial, esteja este imaterial associado à produção do
conhecimento científico e tecnológico ou à produção da imagem cultural, própria da
indústria das comunicações e da indústria cultural.
Os esforços analíticos de compreensão destes fenômenos se consubstanciaram
em interpretações e teorias de sociedades tidas como pós-industriais, sociedade de
informação, pós-fordistas, pós-modernas e globalizadas. [Cf. Kumar (1997), Connor,
(1993), Jamenson (1996), Galvão (1998a e 1998b), dentre outros.].
A meu ver, um dos elementos conformadores destas interpretações esteve
associado à compreensão do próprio ser humano em nossa contemporaneidade como
uma unidade corpo & mente e como uma unidade relacional – seja biofisicamente seja
psíquica e culturalmente – de duas instância tidas, pela tradições científica e cultural do
ocidente, como separadas em corpo e mente. [Doravante o símbolo & representará a
unidade inseparável entre dois elementos tidos como separáveis em nossa herança
cultura. Sua utilização é distinta da utilização da preposição e que pressupõe a união de
duas instâncias préviamente separadas.].
A perspectiva da tradição da ciência moderna cartesiana-newtoniana separa a
realidade do ser humano em uma realidade objetiva (corpo, biologia humana, estruturas
biológicas) e outra subjetiva (mente, psique, valores, cultura), além de conceber

histórica, em Lenoble ( 1990); a ideologia e a produção da natureza, em Smith (1984: 27-108); a natureza
dos homens, em Acot (1990: 97-194); e, o homem renaturalizado, em Carvalho (1995).
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analiticamente o ser humano como uma unidade autônoma, com existência biológica e
social independente do mundo natural e do mundo social.
A ruptura com estas tradições impõe reconhecer a incerteza e a indeterminação
como elementos da realidade humana, bem como, a vivência de uma autonomia
relativa, na qual o todo não pode ser convincentemente separado das partes que o
compõem.
Na busca desta nova compreensão humana alguns autores elaboram sobre a
esfera da libido, a esfera da cultura e dos símbolos. como elementos das disputas e
conformações de classes e identidades sociais.3 Outros autores, visualizam a
presentificação da esfera imaterial e cultural como o fim da sociedade do trabalho ou
das sociedades industriais, substituídas pela vivência de sociedades do lazer e do
consumo [Cf. Gorz (1982), Chevavier (1998) e Baudrillard (1995a).].

Neste contexto de visualização da instância não-material da cultura e da vida


humana, e a compreensão de que esta instância está cada vez mais submetida à
processos de produção e mercantilização realizados por capitais privados. Torna-se,
assim, necessário repensar a própria noção de trabalho produtivo como produtor, ao
mesmo tempo de bens materiais & de signos, dentre os quais a cultura e os
conhecimentos técnicos científicos.

O trabalho produtivo

A meu ver, estes movimentos interpretativos sobre nossa contemporaneidade


requerem, de uma perspectiva neo-marxista, uma reinterpretação do trabalho produtivo
não apenas como trabalho produtor de bens materiais – próprio da concepção do
capitalismo industrial – mas também como trabalho produtor de bens imateriais – como,
por exemplo, as imagens na propaganda, os valores culturais na indústria cultural.
Esta noção de trabalho humano como trabalho produtor de bens materiais &
culturais é compatível com a concepção da unidade corpo & mente do ser humano,
acima destacada.

3 Cf. Autonomia e alienação, em Castoriadis (1982; 122-137). Concepção sistêmica da vida, em Capra
(1982). Economia libidinal, em Lyotard (1990). Economia política do signo, em Baudrillard (1995b). E, o
poder simbólico, em Bourdieu (1989).
16

Esta ressignificação do trabalho humano quando associada à noção de que o ser


humano ao produzir as condições de sua existência [biofísica & social] produz a si
mesmo [em uma unidade de corpo & mente], de base marxiana, nos dará elementos
consistentes para a compreensão da produção da existência humana como um processo
de produção material & imaterial que envolvem capacidades de trabalho biofísicas &
intelectuais e de trabalho individual & coletivo.4

Alguns autores ao incorporarem em suas análises a produção imaterial – teorias


da sociedade da informação e algumas vertentes teóricas das sociedades pós-modernas e
da globalização – associam estas sociedades à própria superação do capitalismo. Outros
autores insistem na consideração destas sociedades como sociedades capitalistas nas
quais desaparece a disjunção entre a esfera econômica e a esfera cultural – teorias do
capitalismo tardio, do pós-fordismo e algumas vertentes das teorias da pós-modernidade
e da globalização.5 Minha interpretação associa-se àquelas que não vêem uma
superação do capitalismo nas sociedades contemporâneas.

Nestas sociedades os processos de mercantilização englobam também as esferas


da cultura, da imagem e dos signos.6 As sociedades capitalistas, neste contexto
analítico, necessitam ser interpretadas como conformadoras de processos sociais onde a
dinâmica de valorização do capital envolve ao mesmo tempo processos de valorização e
desvalorização econômica & cultural das técnicas.7
Na dinâmica econômica do capitalismo contemporâneo, a acumulação
financeira, quando comparada à esfera produtiva, parece ganhar autonomia. A esfera
financeira está associada às noções de esfera imaterial, fictícia e virtual do capital. Ao
mesmo tempo, a onda da revolução da tecnologia das comunicações – telemática –
imprime uma dinâmica de acumulação acelerada às indústrias das comunicações e
culturais – produtoras de imagens, signos, visões de mundo, estilos de vida etc. –, assim

4 Para uma introdução na temática, veja as interpretações das posições de Gorz e Negt, em Maar (1995).
5 Para uma boa sistematização destas teorias, indico Kumar (1997) e Galvão(1998a e b).
6 Em análises anteriores, tenho denominado estes processos como de mercantilização da psique. (Cf.
Moreira, 1993, 1995 e 1996b).
17

como, impõe processos de automação às indústrias já anteriormente sedimentadas,


tornando aparente a importância cada vez maior do trabalho intelectual e da produção,
também imaterial, de conhecimentos técnicos e culturais. O conhecimento científico e
técnico aplicado ao código e à engenharia genética abrem, ainda, um novo leque de
interesses à acumulação capitalista, conformando o que podemos denominar de
indústria da vida, na qual o direito e a propriedade sobre o conhecimento do código
genético, patentes bioquímicas e sobre os recursos da biodiversidade. Estes processos
intensificam e ampliam as disputas de apropriação de conhecimentos sobre o mundo
natural e sobre a dinâmica da vida.

No sentido em que estamos aqui elaborando e que agora procuramos resumir,


falar sobre o fim da sociedade industrial e do trabalho produtivo a ela associado, implica
em reconhecer um novo momento da exploração do trabalho manual & intelectual nas
sociedades capitalistas contemporâneas. Esta exploração articula a produção material &
imaterial nas novas e antigas esferas produtivas imprimindo novas configurações às
relações de trabalho e um enfraquecimento relativo daquelas relações de trabalho
herdadas8, pensadas por alguns como desaparecimento da produção de valor pelo
trabalho humano.
A meu ver, há, no entanto, indicações do aumento da exploração da força de
trabalho devido a uma série de processos que estão em curso, dentre os quais: o
aumento do desemprego e a conseqüente redução de salários; o aumento da
produtividade de trabalho associado à da utilização de força de trabalho nas novas
esferas produtivas da telemática, da industria das comunicações e de propaganda; bem
como da industria cultural e da industria da vida; a automação e informatização das
antigas esferas industriais; e, o aumento do campo de exploração da força de trabalho
manual & intelectual. Estes processos são acompanhados por uma ampliação da
informalização das relações de trabalho e a colocação do requisito de propriedade de
alguns equipamento para poder exercer o trabalho, nos setores de trabalhadores
autônomos. As relações de trabalho que apresentam estas características de trabalho

7 Para uma aplicação deste exercício analítico ao estudo da agricultura familiar e sustentabilidade, veja
Moreira (1997).
8 Para uma introdução à temática da flexibilização e informalização do trabalho nestas sociedades, ver
Altvater (1995), Alves (1996), Offe (1989), Gorz (1982 e 1989) e Anderson e Outros (1995), dentre
outros.
18

autônomo, trabalho informalizado, trabalhador por conta própria e pequena produção


familiar – nos setores rurais e urbanos – não podem ser visualizados pela teorias da mais
valia absoluta e relativa – ambas incluídas na noção de subordinação direta do trabalho
ao capital. Ambas estas teorias, respectivamente consideradas como subsunção forma e
real do trabalho ao capital, referem-se, em Marx, às formas assalariadas e proletarizadas
do capital. Para entender a exploração das formas não assalariadas acima identificadas,
há a necessidade de se reconhecer, como fiz em Moreira (1981, 1997 e 1998a), uma
subordinação indireta do trabalho ao capital, que inclui uma subordinação aos mercados
e uma subsunção idealizada. Todas estas formas podem ser entendidas como formas de
trabalhadores por conta própria, e envolvem, regra geral, a propriedade de ferramentas
e/ou instalações de própria responsabilidade e/ou propriedade, que não lhe capacitam a
disputar excedentes econômicas sobre a forma de lucro ou renda da terra.

A apropriação privada do conhecimento

Tudo o que discutimos anteriormente mostra a relevância da análise dos


processos sociais de geração, transmissão e distribuição do conhecimento nas
sociedades contemporâneas. Esta relevância, para alguns autores, é de tal ordem que
estas sociedade têm sido denominadas de sociedades do conhecimento. Neste momento
do capitalismo, analisar os interesses econômicos sociais relevantes, significa também
analisar os processos de apropriação privada do conhecimento, seja do conhecimento
técnico-científico seja dos conhecimentos culturais rotineiros de culturas não-
hegemômicas [como são os casos de culturas indígenas, não ocidentais, camponesas, de
curandeiros, de minorias etc..] que possam ser apropriados pela esfera da acumulação.

Do ponto de vista dos processos econômicos, a institucionalização da ciência e


da técnica significa investimentos sociais, públicos e privados, em educação e pesquisa,
que são conformados e conformam a expressão dos interesses hegemônicos nas
políticas educacional, científica e tecnológica. A própria produção social do
conhecimento torna-se campo de disputa capitalista e a tecnologia não pode mais ser
considerada como variável independente, como tem sido o procedimento da tradição
analítica da economia e da economia política. Parte significativa da pesquisa aplicada
passa a ser incorporada como atividades das empresas.
19

Em texto anterior, Moreira (1996b) ressaltei que os fundamentos do progresso


técnico no capitalismo têm sido tradicionalmente associados ao processo de lutas de
classes e ao processo de competição intercapitalista. [Seja na vertente marxista e
clássica da economia política, seja na vertente neoclássica da economia.]. No primeiro
nível de análise, o que conta é a diferenciação fundamental entre proprietários e não-
proprietários dos meios de produção que estão em uso ou que podem ter potencialidades
de uso futuro. [Na perspectiva marxista este é o campo de operação das leis de
movimento do capital e da operação analítica da teoria do valor.] Este nível analítico vai
tornar visível que o progresso técnico, a longo prazo, pode ser visto como a forma de o
capital – as relações sociais do capital – contrapor-se à tendência decrescente da taxa de
lucro e como meio de aprofundar a submissão do trabalho ao capital, mantendo e
reproduzindo os elementos fundamentais do modo de produção capitalista, dentre os
quais, a propriedade privada e o “trabalho livre”. Em nossa contemporaneidade,
[Marcada pela hegemonia das políticas neo-liberais, pela vivência da terceira onda de
revolução tecnológica e pela aceleração da produção capitalista do mundo não-
material.], esta questão torna-se aparente nos processos estruturais de exclusão de
massas significativas da força de trabalho do emprego e do acesso a rendas que levam a
quedas nos salários reais e nos rendimentos destes setores sociais, bem como enfraquece
a ações das instituições da classe trabalhadora no jogo político, como é o caso do
enfraquecimento dos sindicatos e das políticas sociais.9 No segundo nível de análise, o
que conta é a diferenciação entre os capitais privados e suas formas sociais de
organizações empresariais ou privadas não-empresariais, como são os casos dos
trabalhadores por conta própria no mundo urbano e no mundo rural. [Para a analise da
agricultura familiar e competitividade, veja Moreira (1998a).]. Este é o campo analítico
que deixa visível a competição intercapitalista e a operação das forças dos mercados.
[Na perspectiva marxista este é o campo de operação das leis de mercado, o campo da
dinâmica do capital e da operação analítica da teoria dos preços.]. Neste nível, o
progresso técnico é visto como arma da concorrência intercapitalista e como meio de
aumentar a eficiência produtiva do trabalho associado a um determinado capital
privado. Este é também o campo analítico dos processos de inovação, adoção e difusão

9 Ver Rifkin (1995), Forrester (1977) e Anderson e Outros (1995).


20

tecnológica. Aqui, a lógica tecnológica do processo competitivo garantiria ao


empresário inovador um vantagem relativa frente aos competidores. [Cf. Romeiro e
Salles (1966), para uma aplicação desta perspectiva na análise das inovações sobre
restrição ambiental.]. Com o barateando relativo de seus custos de produção sua taxa de
lucro se amplia, aumentando seu poder de competição e de investimento.

Gostaria de ressaltar que, regra geral, por detrás das elaborações analíticas
relativas à importância do progresso técnico na competição intercapitalista estão dois
pressupostos, não explicitados. O primeiro é o de que o modelo de operação capitalista
é o modelo de operação do capital industrial e que a mercadoria é necessariamente um
bem material. [No item anterior procurei demonstrar a necessidade de superação desta
perspectiva.]. O segundo é o de que o controle da tecnologia está objetivado no controle
dos meios de trabalho socialmente produzidos (os instrumentos industrializados da
produção). [No item anterior argumentei sobre a necessidade de considerar-se os
direitos e a apropriação privada do conhecimento técnico e cultural.]. Procurei
demonstrar, em elaborações anteriores (Moreira 1995, 1996b e 1998b), que estes
pressupostos minimizam a questão do controle sobre a terra e sobre a natureza na
explicação do processo competitivo. Na hegemonia destes pressupostos a teoria da
renda da terra torna-se um apêndice da teoria geral e é vista apenas como um elemento
da distribuição do excedente econômico. [Cumpre notar que, em muitos programas de
pós-graduação em economia e desenvolvimento rural, a teoria da renda da terra não
aparece como elemento dos conteúdos disciplinares.].

Uma análise consistente da sustentabilidade ambiental requer, portanto, que


críticas destes pressupostos sejam elaboradas. A elaboração analítica que aqui
apresentamos é uma delas.

Uma outra tradição herdada, que está presente nos economistas clássicos,
neoclássicos e marxistas e na sociologia marxista e schumpeteriana, é a de
desconsiderar os processos sociais de produção de conhecimento tecnológico como
parte componente da lógica de operação da dinâmica capitalista. O raciocínio analítico
que incorpora o “capitalista inovador”, de Schumpeter e “aquele capitalista que
incorpora a tecnologia”, de Marx, está calcado em um modelo onde os processos sociais
21

de produção e apropriação privada da tecnologia estão fora do modelo. A tecnologia é


considerada como variável independente, a inovação tecnológica é tomada como um
dado, sem necessidade de explicação, ou mesmo de análise.

Diversos autores, [Dentre eles, Habermas (1968), Bell (1973:415-448).], vão


argumentar sobre a importância de se considerar a institucionalização da ciência e da
técnica nas sociedades contemporâneas. Nestas sociedades, a ciência e técnica são
consideradas como força produtiva, bem como a institucionalização da ciência e da
técnica são politicamente conformado. Estamos argumentando de que além de
politicamente conformado, o campo da ciência e da técnica articula capitais econômicos
e simbólicos e expressa interesses econômicos e sociais; é, portanto, um campo de
disputa e competição da acumulação capitalista.

Esta elaboração interpretativa, ao incorporar a questão da produção e a


apropriação privada do conhecimento aplicado, incorpora também a produção imaterial
na lógica competitiva, e reconhece a necessidade de se analisar os processos político-
ideológicos que legitimam a apropriação privada do conhecimento socialmente
produzido. O debate e a legislação sobre patentes – os direitos sobre o conhecimento
tecnológico – são um dos aspectos desta compreensão. Na medida em que a terra e os
recursos naturais são elementos da produção social, os direitos de propriedade sobre
estes recursos significa que seus proprietários podem disputar a apropriação do
conhecimento que se tem sobre o seus usos, no presente e no futuro, mesmo que não
tenham feito nenhum investimento de capital ou de trabalho próprio na produção deste
conhecimento. [A ênfase que aqui damos à produção e à apropriação do conhecimento
não significa que desconsideramos a importância do poder de mercado dos grandes
capitais monopolistas, oligopolistas e transnacionais que, no capitalismo
contemporâneo, operam em mercados imperfeitos.]. Nestas situações os grandes
capitais manipulam um poder de mercado que lhes capacitam a apropriação privada de
um sobre-lucro significativo. [Cf. Moreira (1981), (1995) e (1998b).].

Os mesmos processos de apropriação privada do conhecimento podem


incorporar à lógica competitiva capitalistas conhecimentos culturais produzidos
socialmente por culturas não- hegemônicas e por culturas locais, o que também implica
22

em reconhecer os direitos sobre a produção cultural e as formas legitimadas de


apropriação, o que não significa que apropriações usurpadoras não possam ocorrer.

Mais do que avançar no esforço interpretativo que aqui me proponho, no


próximo item pretendo fazer um apanhado de algumas questões distributivas que
aparecem nas diversas interpretações e ênfases teórico-analíticas da sustentabilidade.

A distribuição ecológica

Inicialmente, retomo a apresentação, elaborada no item O campo de disputa do


conceito de sustentabilidade, onde destaquei do ideário herdado sobre a sustentabilidade
a proposição tridimensional do desenvolvimento (Brüseke, 1996; 111). Nesta
proposição, a eficiência econômica, combina-se com a prudência ecológica e com a
idéia da realização de uma sociedade solidária e justa. O autor ressaltou que a proposta
de desenvolvimento exige clareza na compreensão das causas da crise da sociedade
moderna e das formas como ela se manifesta na crise da razão. Enfatizou que,
O desenvolvimento sustentável quer um desenvolvimento com
eficiência econômica, prudência ecológica e justiça social”. (Brüseke,
1996; 115).
Estas três qualidades do desenvolvimento referem-se à dimensões econômica, à
dimensão biofísica e à dimensão sócio-política, e requerem, portanto, a compreensão de
que as inter-relações e interdependências entre essas dimensões conformam a questão
central do desenvolvimento sustentável.

No capitalismo estas inter-relações e interdependências impõem, em princípio,


uma contradição de fundo entre as formas de organização do econômico – e, portanto,
do cálculo econômico – e as elaborações políticas que buscam a eqüidade social como
forma de justiça social.
A base fundadora da distribuição do produto social, nestas sociedades, radica-se
nos direitos que legitimam a propriedade privada dos recursos produtivos, sejam
aqueles produzidos pela ação humana – capital constante (instalações, ferramentas e
insumos) – ou aqueles apropriados da esfera biofísica – os recursos naturais (terra, fonte
naturais de energia, insumos naturais como a água, o ar e a biodiversidade) – e a
23

utilização da força de trabalho humano manual & intelectual – os direitos sociais e


trabalhistas.
A migração da noção de sustentabilidade da disciplina ecologia para os campos
da economia política e do desenvolvimento também implica em considerações sobre os
direitos de propriedade e de uso estabelecidos nas sociedades capitalistas. [Em ecologia,
a capacidade de sustentabilidade está associada à máxima população de uma espécie
que pode manter-se indefinitivamente em um território sem provocar uma degradação
na base de recursos que possa fazer diminuir essa mesma população no futuro.]. Na
medida em que aceitemos que as sociedades humanas contemporâneas são,
majoritariamente, sociedades capitalistas, torna-se, do ponto de vista da economia
política, também necessário examinar as possíveis tensões que a utilização dos recursos
– produzidos pela ação humana e naturais, bem como os direitos de propriedade à eles
associados –, impõem aos direitos sociais e trabalhistas herdados e à justiça social.
As considerações de justiça e eqüidade social impõem, por sua vez, a análise dos
elementos conformadores das relações entre ricos e pobres nestas sociedades, ou seja os
fundamentos da questão distributiva.

No que concerne ao conjunto das sociedades contemporâneas, estas sociedades


são fundamentalmente baseadas nas desigualdades da distribuição destes recursos
produtivos que geram as desigualdades de distribuição do produto social, das rendas, de
estilos de vida e, como estamos destacando, do meio ambiente.
A impossibilidade de conformar o tempo de circulação do capital aos tempos da
dinâmica da biodiversidade (Brüseke, 1997: 121) e da biosfera realça as contradições
entre as dimensões econômica e biofísica. A noção de prudência ecológica nos obriga a
considerar a dimensão do tempo e, portanto, os interesses das gerações futuras e da
própria espécie humana.
Esta consideração é a de mais difícil consideração analítica. As significações e
os interesses das gerações futuras não têm como se fazerem representar nos atores dos
processos políticos e sociais do presente, a não ser como intuição e projeção feitas por
esta geração, com base na realidade distributiva do presente. Os interesses das gerações
futuras estão sujeitos a altas taxas de indeterminação e de incerteza, com implicações
profundas sobre a possibilidade de aceitação e legitimação das projeções alcançadas por
24

qualquer método, técnica, ou vertente teórica, que se proponha a valorizá-los (Norgaard,


1997).

Considerando o biossistema, podemos visualizar, com Alier (1997) uma


“distribuição ecológica” entendida como:
as assimetrias ou desigualdades sociais, espaciais e temporais na
utilização pelos humanos dos recursos e serviços ambientais, objeto ou não
de trocas comerciais, isto é, [na utilização relacionada]10 ao esgotamento
dos recursos naturais (incluindo a perda da diversidade), bem como às
cargas de poluição”. (Alier, 1997; 216).
A compreensão da “distribuição ecológica” implica reconhecer, nesta
perspectiva que delineamos como economia política da sustentabilidade, que à qualquer
tempo e espaço históricos do capitalismo está, esteve e estará associada uma
“distribuição ecológica” relativa e este tempo e espaço. Mesmo onde e quando o
esgotamento dos recursos naturais e as cargas de poluição não assumirem visibilidade e
significado social – não podendo, portanto, serem valoradas –, podemos visualizar
interpretativamente a existência de uma distribuição ecológica legitimada. Em termos
mais gerais, podemos dizer que a toda utilização dos recursos produtivos – artificiais e
naturais – corresponde uma distribuição da propriedade dos recursos naturais. Neste
sentido e, visualizando com a economia política, as relações de classes, a distribuição
ecológica esta associada à distribuição da propriedade dos recursos produtivos e,
portanto, das relações fundamentais entre proprietários e não-proprietários, entre
capitalistas, proprietários de terras e de recursos produtivos naturais e os trabalhadores,
não-proprietários.

Esta questão da “distribuição ecológica” também só pode ser visualizada


teoricamente se o conceito de natureza – e de recursos naturais – que serve de
pressuposto a esta teoria permitir esta visualização, como é o caso do conceito de
natureza da economia ecológica.

10 Adendos meus.
25

A tradição da economia clássica, marxista e neoclássica não foram capazes de


considerações de cunho ambientalista, seja porque as questões de poluição e de
degradação do meio ambiente eram apenas parciais e pontuais, seja porque o conceito
de natureza impedia esta visualização. Para estas tradições o sistema da sociedade e da
economia humana, em uma visão antropocêntrica, submetia ao seu designo o sistema
biofísico. No contexto destas tradições, o desenvolvimento e progresso eram pensados
como não tendo limites biofísicos e a dimensão biofísica era considerada como
subsistema do sistema econômico e social. As considerações ambientalistas atuais
requerem que a sociedade e a economia seja concebidas como um subsistema do
sistema da biosfera, como a noção do planeta Gaia – e a teoria de conhecimento a ela
associada [Cf. Thompson (1990).] – e as leis da termodinâmica procuram revelar.

Eqüidade e utopia social

Almejar eqüidade social, no sentido de igualdade de estilos de vida, de


distribuição de rendas e de acesso ao produto social requer processos políticos radicais
de constituição de uma nova ordem social, como aqueles postas pela utopia comunista
marxiana e pela ideologias políticas revolucionárias.
Na medida em que reconhecemos que os processos sociais em curso não
apontam para mudanças negadoras da ordem capitalista, a eqüidade social possível de
ser por nós visualizada – com algum grau de certeza, no curto e no médio prazo – é
aquela relativa à esta natureza desigual intrínseca a estas sociedades, ou seja, será
sempre, paradoxalmente, uma eqüidade portadora de graus de desigualdade.
Qualquer avanço na direção de justiça e eqüidade social no capitalismo
significará apenas uma menor concentração na distribuição dos recursos produtivos, que
pela sua natureza – reformista e não-revolucionária – não elimina as distinções relativas
aos proprietários e não-proprietários dos recursos produtivos e entre ricos e pobres, seja
entre camadas e classes sociais, seja entre nações.

Neste contexto distributivo, a sustentabilidade pode assumir diferentes


significados que, polar e heuristicamente, podemos visualizar como uma
sustentabilidade ambiental – não-material, pós-industrial, pós-moderna, estética etc.. – e
uma sustentabilidade sócio-ambiental – impedidora de explosões e desordens sociais,
26

bem como redutora de injustiças e desigualdades sociais. [Não consideraremos aqui o


leque de graduações e combinações possíveis entre os elementos componentes destes
dois pólos heurísticos.]. O primeiro significado está associado às sociedades avançadas
e afluentes e o segundo às sociedade subdesenvolvidas, bem como estão também
relacionados, respectivamente, às camadas e classes sociais ricas e pobres de uma
mesma sociedade.
Na órbita da questão ambiental, a eqüidade social assume – além da questão da
eqüidade entre nações e camadas sociais de uma mesma geração humana, a eqüidade
intrageração, – uma dimensão temporal de eqüidade entre gerações, difícil de ser
captada pelas técnicas de valoração das principais vertentes teóricas que lidam com a
questão.
Nogaard (1997) aponta que a técnicas de valoração atuais pressupõem o status
quo distributivo como dado – tanto nos cálculos intrageração quanto naqueles entre
gerações –. Este pressuposto por si só já carrega uma inconsistência se entendermos a
acumulação econômica e a distribuição ecológica como processos dinâmicos, portanto,
sujeitos à incerteza e à indeterminação, seja em cortes sincrônicos intrageracionais ou
diacrônicos entre gerações.
Na vertente da sustentabilidade ambientalista, este mínimo tende a ser pensado
como o mínimo já alcançado pelas sociedades avançadas. Na vertente sócio-ambiental
este mínimo tende a significar a superação da pobreza, da miséria e da exclusão social.
Uma sociedade sustentável que elimine totalmente as desigualdades sociais é
neste contexto uma utopia. Uma sociedade sustentável que se submeta integralmente à
dinâmica biossistêmica da natureza torna-se também uma utopia.

Na busca de uma postulação de um desenvolvimento autêntico, sustentável,


Goulet (1997) aponta que o desenvolvimento gera três conflitos de valor sobre o que
constitui o bom viver. O primeiro conflito de valor está sediado na oposição entre o
modelo que valoriza a colaboração, a amizade, saúde e alto grau de igualdade
econômica e o modelo que preza luxos materiais, egoísmo individual e competição
econômica. Esta oposição nos remete à consideração do valor que a igualdade ou
eqüidade assume para uma sociedade. O segundo leva-nos a considerar os fundamentos
de justiça. Estão eles apoiados em uma autoridade herdada, um governo da maioria ou
um contrato social? Em que grau os direitos políticos e liberdades individuais têm
27

prioridade sobre os direitos coletivos sociais e econômicos? E, finalmente, o terceiro


refere-se à postura frente a natureza. É esta vista como um estoque de matéria-prima
para exploração humana ou é o útero maior da vida? Para o autor,
uma sociedade autenticamente desenvolvida é a que proporciona
respostas normativas e institucionais satisfatórias para essas questões de
valor. (Goulet, 1997; 77).
No meu entender esta postulação requer que entendamos “respostas
satisfatórias” como respostas políticas e socialmente legitimadas.

A fronteira não-material da propriedade

Não é incomum, no tratamento da questão do desenvolvimento sustentável, a


formulação de um paradoxo – ou contradição – entre os dois termos (Rodrigues, 1998).
A noção de desenvolvimento herdada está associada à idéia de progresso da razão
iluminista. Com base na iluminação do conhecimento científico, o progresso das
civilizações foi pensado como ilimitado. A idéia de progresso, por sua vez, amalgamou-
se com a idéia de crescimento econômico, que na ótica da acumulação capitalista,
significou sempre um crescimento material. Neste ideário da modernidade, postular
limites – biossistêmicos - a este crescimento e, mais radicalmente, crescimento zero,
torna-se, portanto, uma contradição de termos.

A ilusão de um mundo sem limites postou-se assim como uma verdade


científica, pela qual a razão humana controlaria e dominaria as forças da natureza.
Apontar limites biossistêmicos a este crescimento [como fazem os movimentos
ambientalistas e ecológicos, bem como, a economia ecológica baseada nas leis da
termodinâmica], torna-se contraditório à noção de crescimento material ilimitado. A
utilização da noção de desenvolvimento, quando associada à noção de sustentabilidade,
requer, portanto uma ressignificação – que já está em curso. A direção desta
ressignificação aponta para a noção de desenvolvimento como progresso espiritual,
interior e não-material, passível de ser alcançado após a atendimento mínimo das
condições de subsistência biofísicas e sociais.
28

O entendimento do que significa este mínimo de subsistência biofísica e social é


também um elemento diferenciador dos significados e concepções de sustentabilidade.

Não é de todo improvável que nas sociedades desenvolvidas da Europa e da


América do Norte a questão do desenvolvimento sustentável assuma um significado de
sustentabilidade ambiental no sentido de sustentabilidade do ambiente natural e da
biodiversidade. Os níveis de pobreza e os suportes sociais às populações de baixa renda
nestes países não colocam as questões sociais de eqüidade e justiça sociais, mesmo que
relativas, nos níveis que são colocadas nas sociedades capitalistas subdesenvolvidas. Na
América Latina e no Caribe, além dos países africanos e alguns asiáticos, a questão do
desenvolvimento sustentável certamente não poderá ser legitimamente encaminhada se
não apresentar um significado de sustentabilidade sócio-ambiental. As faces políticas
destes movimentos podem envolver questões de consolidação da democracia, da
cidadania e até o direito a postos de trabalho, a terra de trabalho, saúde e habitação.

No primeiro sentido, de sustentabilidade ambiental, a defesa do meio ambiente e


os movimentos ecologistas podem, e de fato o são, interpretados como movimentos
radicados nas sociedades e setores sociais abastados, como “coisa de rico”. Alier (1997)
procura demonstrar a existência de movimentos ambientais dos pobres, tanto em sua
manifestações locais como globais. Associados ao significado de sustentabilidade sócio-
ambiental, estes movimentos tendem a rejeitar a alcunha de ecologistas. Para o autor
eles são ambientalistas na medida em que, ao defender as condições de subsistência
social, defendem a dinâmica da biodiversidade que é básica a esta subsistência. Por
exemplo, a luta de povoações e populações contra a poluição de suas águas provocada
pela mineração, no Peru, a luta dos seringueiros e de Chico Mendes, na Amazônia, e das
“quebradeiras de coco”, no Nordeste brasileiro.

A sistematização elaborada por Alier (1997, 223), procura apresentar as


variedades de ambientalismo em “países afluentes” e em “países pobres”, demonstrado
que tanto nos países afluentes, quanto nos pobres podem ser observadas as vertentes
materialistas e não-materialistas. Nos países desenvolvidos, os ambientalistas
materialistas reagem contra o crescente impacto dos “efluentes da afluência”, como, por
exemplo, o movimento Justiça ambiental, nos Estados Unidos, e o movimento
29

antinuclear. Os ambientalistas não-materialistas lutam por mudanças culturais voltadas


para valores da “qualidade de vida” pós-material e crescente apreço pelas amenidades
naturais devido ao progressivo declínio da utilidade marginal dos bens materiais de
consumo de massa.
Nos países pobres, a vertente materialista dos ambientalistas lutam pela defesa
da subsistência e acesso comunitário aos recursos naturais ameaçados pelo Estado e
pelo Mercado, bem como contra a degradação causada pelo intercâmbio desigual, a
pobreza e o crescimento material. Eu registro, ainda, as lutas contra a decadência das
condições de trabalho, de saúde e de vida (Moreira, 1991), como são, por exemplo, as
reivindicações de melhores condições de trabalho e os movimentos dos sem terra e sem-
teto. Nestes países, os ambientalistas não-materialistas podem ser visualizados nas
religiões biocêntricas, distintas das religiões antropocêntricas do “Ocidente”, que
certamente não poderão ser denominadas de pós-industriais e de pós-modernas.

Este movimentos ambientalistas – materialistas e não-materialistas - impõem, no


interior das nações, tensões que requerem novos controles sociais sobre o uso dos
recursos naturais. A legitimação destas demandas significa, a legitimação de mudanças
dos limites e das fronteiras – territoriais ou institucionais – dos direitos de propriedade.
Refletem portanto nas relações entre proprietários e não proprietários, mesmo que estas
não sejam as metas prioritárias ou visíveis dos movimentos ambientalistas.
Neste – e em outros sentidos – a questão ecológica mostra-se maior do que as
dimensões físicas e institucionais da propriedade privada herdada. Afeta tanto as
relações de propriedade e uso dos recursos – materiais socialmente produzidos e
naturais –, como aquelas relações associadas às condições dos direitos sociais e
trabalhistas da classe trabalhadora. A luta ambiental tem reflexos evidentes sobre as
condições de vida e trabalho dos não-proprietários, bem como, seus estilos de vida.

A incorporação dos constrangimentos ecológicos à lógica capitalista requer,


portando, processos de redimensionamentos dos direitos de propriedade e de usos dos
recursos. Requer processos de mudanças e legitimações de leis e regulamentações. Estes
processos não são incompatíveis com a ordem capitalista, e é um processo que já está
em curso. [Cf. Dupuy (1980), Silverstein (1993) e Moreira (1993), dentre outros]. Este
processo de institucionalização – leis e regulamentações – emergem no contexto de
30

práticas e ações sociais que consigam impor reformas no status quo existente, o que, por
sua vez, requer que estas reformas sejam legitimadas.
Neste sentido, de um modo ou de outro, os processos legitimados representam
processos de redistribuição ecológica que, apesar de não questionarem a natureza
fundamental da propriedade privada destas sociedades, impõem movimentos das
fronteiras de propriedade herdadas, redimensionando os direitos herdados e,
reconformando em alguns grau os parâmetros da competição intercapitalista. [Cf.
Moreira (1997 e 1998a).].

Finalmente, cumpre concluir que, nestes processos, uma mesma propriedade


territorial, com limites físicos definidos, pode ter seu espaço de ação social e econômica
aumentado ou diminuído. Isto vai depender da forma e da eficácia que estiverem
associadas às leis e regulamentações de cunho ambientalista. Em outros termos isto
significa que novas formas de regulação – agora sócio-ambiental – do uso social da
propriedade privada estão sendo criadas. [A função social da terra na legislação
brasileira, por exemplo legitima, hoje, a luta dos sem terra e pela reforma agrária, que
no passado era considerada ilegal e subversiva à ordem social.]. As disputas
ambientalistas trazem, portanto, a possibilidade de mudanças nas fronteiras não-
materiais da regulação social da propriedade privada que, neste sentido vai afetar os
parâmetros legitimadores da competição intercapitalista, das tecnologias utilizáveis e
dos direitos sócio-ambientais de trabalhadores e consumidores.

Concluindo

Apesar de originalmente a crítica ecológica e ambientalista radical visualizar a


ruptura da produção e a negação da ordem social das sociedades industriais, o que está
em curso é a construção de um capitalismo ecológico.
Nesta construção social, os limites do uso dos recursos naturais – e do
conhecimento tecnológico – vão sendo gradativamente modificados sem, no entanto,
romper com a existência da propriedade privada, ou seja, sem romper com a ordem
capitalista. [Cf. Silverstein (1993), para o esverdeamento do capitalismo americano.]. O
movimento da fronteira sócio-política dos usos da propriedade privada pode apontar
para melhores condições de vida para a classe trabalhadora, bem como, para piores
31

condições. Neste sentido, mesmo que não seja aparente, os resultados das lutas
ambientalistas podem carregar um viés de classe na medida em que beneficiarem mais
determinados estratos, espaços sociais ou nações. As lutas ambientalistas podem
também, por sua vez, carregar um sentido de classe e de alinhamentos sócio-políticos
como demonstrou Alier (1997), ao analisar o ambientalismo dos ricos e dos pobres.

Nossa perspectiva analítica, aqui apresentada, permite visualizar a presença de


um caráter de classe nos movimentos ambientalistas, difícil, ou impossível de ser
identificado em outras vertentes interpretativas da sustentabilidade. Neste sentido estes
movimentos podem representar elementos conservadores e progressistas, nacionalistas e
globalistas, democráticos ou autoritários, integradores e excludentes.

Espero retomar estas considerações em análises futuras.

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