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Capítulo 6 - O Pós-Fordismo: a Reestruturação Produtiva e as Organizações

O modelo fordista de produção foi predominante na maior parte do século XX, e somente nos anos 1970 uma série de
fatores e crises apontou para a necessidade de sua superação, pois sua base era a empresa corporativa pouco flexível e
que não conseguia responder com presteza ao ambiente dinâmico e instável que a envolvia. A flexibilidade das
estruturas organizacionais tornou-se uma necessidade, e fortaleceram-se em algumas regiões as pequenas empresas
que conseguiam atender mais rapidamente a uma demanda em constante mudança.

Nesse contexto, surgiram duas propostas, não excludentes: a que privilegiava a constituição de agrupamentos
territoriais de pequenas e médias empresas e a que defendia a adoção de mudanças nas grandes corporações, tomando-
as mais flexíveis e capazes de dar respostas mais rápidas às exigências do ambiente global.

As propostas - que tinham seu ponto comum, a flexibilidade - se alinhavam com a configuração de um modo de
produção que passou a ser conhecido como flexível ou pós-fordista, em contraste com o modelo fordista anterior,
rígido. Nesse contexto de reestruturação produtiva, destacou-se um processo conhecido como terceirização, onde as
grandes corporações passavam a privilegiar suas competências, aquilo que sabiam fazer melhor, e deixavam para outras
empresas (em geral pequenas e médias) os processos que envolviam atividades das quais não tinham o total domínio.

Embora no início tenham sido cometidos muitos erros nos processos de terceirização, adotando-o de forma equivocada
(por exemplo, com foco na redução de custos de mão-de-obra, desconsiderando o fator obtenção de qualidade como
principal), a subcontratação gradativamente afirmou-se como forma de reorganização empresarial.

6.1 A crise do fordismo

Ao mesmo tempo em que se intensificava a globalização no final do século XX, concomitantemente, ocorria (e continua
a ocorrer) um processo de reestruturação produtiva, que afeta significativamente as empresas. Considerando o aspecto
organizacional, nesse processo ocorrem grandes mudanças que apontam para a superação do modelo fordista de
acumulação, que como vimos estava baseado num padrão de organização industrial rígido e concentrador, e tinha a
grande empresa como referência tanto na produção como nos processos de inovação. O funcionamento do modelo
estava baseado na busca incessante de redução dos custos unitários através de economias de escala, que se traduzia
numa crescente produção de bens padronizados. Sua base energética principal era o petróleo, de custo relativamente
barato.

O modelo ou regime fordista se desenvolveu plenamente, pelo menos, durante uns 50 anos (1920-1970) e seu núcleo
era constituído de um conjunto de indústrias de produção massiva de bens de consumo durável, de capital, automóveis
e equipamentos industriais. Estes setores, baseados em custos baixos e decrescentes de energia, se caracterizaram por
exigir linhas de montagem, uma profunda divisão técnica do trabalho e a padronização dos produtos buscando a
exploração de economias internas de escala. O modelo também teve uma expressão e dinamismo espacial característico
ao gerar regiões industriais, com grandes áreas de alta densidade urbana.

Nos anos 70, foram surgindo alguns fatores (crise do petróleo, modificação das características da demanda, aumento
dos custos da mão-de-obra nos países desenvolvidos etc.) que levaram as grandes corporações, típicas do fordismo, a
uma perspectiva de crise profunda nos anos seguintes, levando-as a uma redefinição das características do mercado e
a buscar alternativas organizacionais para se adaptarem mais rapidamente às mudanças.

Em função das novas características do mercado (que exigia menos padronização dos produtos, por exemplo), houve a
necessidade de aumentar a diversidade de produtos em cada segmento, melhorar a qualidade e continuamente
introduzir novidades, de tal modo que se induzia o desenvolvimento de uma demanda de substituição que garantisse a
possibilidade de manter elevados os níveis de produção.

Assim, a competição assumiu aspectos bem dinâmicos que impunham às empresas a adoção de estratégias de gestão
de um conjunto de bens bastante diferenciados e em contínua renovação foi neste contexto que muitas pequenas e
médias empresas concentraram neste período suas atividades em segmentos cada vez mais limitados de setores de
baixo nível tecnológico, que não vinham tendo a adequada atenção das grandes empresas. Estes setores adotaram
estratégias de intervenção rápida nos processos para atender à diversificação da demanda, o que foi possível por terem
uma estrutura bastante flexível.

O aumento da competitividade dessas pequenas unidades produtivas apareceu com destaque nas concentrações
setoriais e geográficas de empresas, onde uma série de economias externas peculiares permitia maior flexibilidade e
uma forma de organização baseada na desverticalização do ciclo produtivo. Gradativamente, a estrutura económica
dos maiores países industrializados foi se modificando através de processos de descentralização produtiva e pelo
incremento do papel das pequenas e médias empresas.

Nos países em desenvolvimento, estes processos de reestruturação produtiva também atingiram mais tarde as grandes
corporações, principalmente as corporações transnacionais, que não mais conseguiam obter ganhos de competitividade
baseados nos fatores tradicionais (mão-de-obra e insumos baratos, por exemplo). Um exemplo paradigmático é o
consórcio modular introduzido pela Volkswagen no Brasil no final dos anos 90.

As grandes corporações fordistas, em sua essência, adaptaram aos poucos suas escalas de produção através de
processos de terceirização. Houve muitos casos em que se optou pela terceirização até de atividades estratégicas
fundamentais, como o desenvolvimento de projetos e engenharia de produtos. Como consequência, nesta fase
cresceram os processos de terceirização, dos quais as grandes empresas acabaram ficando cada vez mais dependentes.

6.2 O processo de produção flexível e pós-fordismo

No final dos anos 70 e ao longo dos anos 80 do século passado, a estratégia neoliberal permanecia como o paradigma
de desenvolvimento local. Nela se pressupõe que o livre jogo das forças de mercado será capaz de obter maior equilíbrio
inter-regional, diminuindo gradativamente as disparidades regionais. Em decorrência dessa visão são privilegiadas as
políticas económicas não intervencionistas, o livre jogo do mercado e a livre disposição dos fatores nos territórios
nacional e regional. Postula-se que o mercado equilibraria a distribuição nestes territórios e geraria por si só o
crescimento das regiões mais atrasadas.

No final dos anos 80 e princípio dos anos 90, surge um novo paradigma de desenvolvimento territorial mais associado
à gestão empresarial e à busca de competitividade do território. Os temas vinculados a este novo paradigma são,
basicamente: a criação e o fortalecimento das micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), o ambiente onde se
localizam essas organizações, as tendências de descentralização promovidas pelos Estados nacionais e as políticas
científico tecnológicas.

Este novo paradigma ganhou aceitação na Europa e nos Estados Unidos a partir da crise do petróleo na década de 70 e
foi teorizado por intelectuais, particularmente um grupo significativo de pensadores italianos. As ideias desse grupo
estavam baseadas na concepção de que as estruturas concentradas de MPMEs desempenhavam importante papel no
desenvolvimento localizado, e tinham como referência principal a industrialização do norte da Itália realizada por
empresas tradicionais que trabalhavam com produtos como calçados, artigos de couro, móveis, artigos de cerâmica,
entre outros. Para esses autores, a organização produtiva baseada na pequena indústria representava uma evolução do
sistema industrial que assim tendia à superação do regime fordista de produção.

Os pesquisadores norte-americanos Piore é Sabel, baseando-se no trabalho dos intelectuais italianos, publicaram um
livro denominado The Second Industrial Divide, no qual expunham a teoria da "acumulação ou especialização flexível".
Esta publicação tornou-se referência para numerosos outros trabalhos e sua importância foi bem analisada por Benko
e Lipietz ao afirmarem: "o golpe de gênio de Michael Piore e Charles Sabei (1984) consistiu em interpretar o êxito dos
distritos industriais como um caso particular de uma tendência geral".

Em resumo. Piore e Sabei afirmavam que, no novo contexto de progresso técnico contínuo e de diversificação da
demanda, a flexibilidade das empresas médias e pequenas as tomava mais eficientes que as grandes empresas para se
adaptarem às mudanças. E concluíam que a produção em massa rigidamente estruturada, fortemente hierarquizada,
característica do sistema fordista, seria seguida de um regime, ao qual denominaram pós-fordista, baseado na
especialização flexível, cuja forma espacial seria a concentração setorial e geográfica de PMES.

Esse novo modelo de organização produtiva foi denominado por Piore e Sabel, entre outros autores, de especialização
ou acumulação flexível e tem as seguintes características:

a) Tecnologias flexíveis de produção: a utilização de tecnologias flexíveis de produção permite fabricar com as mesmas
máquinas diferentes variedades de um produto em séries pequenas.

b) Predomínio de pequenas empresas: como consequência da perda da importância das economias de escala, o
tamanho deixa de ser um fator determinante na capacidade competitiva da empresa. As empresas menores têm a
vantagem de terem maior flexibilidade em relação às grandes corporações.
c) Organização em redes: o processo de produção se organiza em redes, constituídas por pequenas e médias empresas
inovadoras, dinâmicas e independentes, cada uma delas altamente especializada em uma fase concreta da cadeia de
produção.

d) Ampla cooperação interempresarial: as relações entre empresas se caracterizam por flexibilidade, confiança mútua,
ampla cooperação, sobretudo em inovação e design, e um constante intercâmbio de ideias e informação.

e) Relações flexíveis de trabalho: um novo tipo de relações de trabalho distingue também o novo modelo do anterior
fordista. A flexibilidade é de novo um fator chave, tanto do ponto de vista numérico, ou seja, para o ajuste do quadro
de pessoal, como do ponto de vista funcional, ou seja, a capacidade dos trabalhadores para realizarem múltiplas tarefas.
Por outro lado, se sob o sistema fordista a divisão ao extremo de tarefas dentro do processo de produção supunha a
desqualificação da mão-de-obra, agora se volta à exigência de trabalhadores qualificados, capazes de deslocar-se de
uma atividade para outras, desenvolvendo-as de forma menos fragmentada. Diferentemente do modelo fordista, exige-
se maior criatividade e participação dos trabalhadores no processo produtivo.

O modelo desses dois pesquisadores, na realidade, contrapõe dois tipos de organização industrial. Um, denominado
"produção em massa", caracteriza-se por máquinas especializadas em relação ao produto, por operários
semiqualificados que produzem bens padronizados e por séries produtivas de longa duração. O outro modelo, chamado
de "especialização flexível", é baseado em uma elevada diferenciação dos produtos, em uma força de trabalho
qualificada e polivalente, em máquinas pouco especializadas e séries produtivas de curta duração.

Os principais traços que caracterizam a etapa pós-fordista são:

• flexibilidade da organização industrial pela utilização da eletrônica e das novas tecnologias de informação e
comunicação (TICs);

• menor padronização dos produtos, devida à maior diversificação da demanda;

• força de trabalho mais qualificada, polivalente e flexível para rápida adaptação às mudanças contínuas;

• desintegração das empresas verticalizadas através de processos de terceirização;

• papel mais importante das MPMEs, devido a sua maior facilidade adaptativa (flexibilidade);

• as inovações nas áreas onde há concentração setorial e geográfica de MPMEs, vinculadas ao ambiente sociocultural
da região onde estão instaladas.

A crise da grande empresa fordista que Piore e Sabei consideraram como inevitável, na realidade, não se concretizou
de forma tão radical, pois a nova fase de expansão do sistema económico mundial revitalizou as economias de escala e
de especialização característicos da produção em massa (sistema Toyota de produção - toyotismo). A grande empresa,
utilizando as novas tecnologias, adaptou-se e tornou-se mais flexível. A grande contribuição de Piore e Sabei foi
introduzir o debate sobre a reestruturação produtiva, que se evidenciava no novo papel assumido pelas pequenas e
médias empresas. Ocorre que as grandes empresas fordistas também vêm passando internamente por esse processo
de reestruturação, adaptando-se a novas realidades.

Em resumo, podemos afirmar que os principais eixos da ampla reestruturação ocorrida neste período foram a redução
do tamanho para centrar o foco nas principais competências das organizações; intensificação da utilização dos sistemas
de informação de gestão e de produção informatizada, que proporcionou às empresas maior flexibilidade para
enfrentarem as contínuas mudanças do mercado; desenvolvimento das alianças estratégicas e diferentes formas de
associação com outras empresas e organizações para a criação de redes extensivas de produção e desenvolvimento dos
negócios; e radical reorganização das organizações para incorporar os princípios da produção flexível.

Muitas das grandes empresas, desde o final dos anos 80, passaram por uma reorganização do ciclo produtivo,
terceirizando algumas fases intensivas em mão-de-obra para as pequenas e médias empresas, mantendo seu domínio
tecnológico e orientando tendências de demanda. Os investimentos dessas grandes empresas têm sido voltados para
atividades intangíveis, ou para a aquisição de novas tecnologias de automação flexível, e para o setor de serviços e
distribuição.
Essas medidas tornam a grande empresa mais próxima do consumidor, com mais capacidade de cobrir segmentos de
mercado e satisfazer e orientar as exigências dos clientes.
Desse modo, ao lado do processo de reestruturação das grandes corporações, podemos afirmar que nos sistemas
produtivos locais, caracterizados pela concentração de MPMEs, está em andamento um processo de reorganização
organizacional.

Assim, na realidade, tanto as grandes como as pequenas empresas estão passando por um processo comum de
transformação. Um processo baseado no aumento da cooperação entre empresas, pois a grande empresa se
reestruturou desintegrando-se, terceirizando partes do processo produtivo para empresas menores e formando uma
rede de colaboração; as micro, pequenas e médias empresas nas concentrações setoriais e geográficas, baseadas no
princípio da especialização flexível, buscam superar seus limites competitivos agrupando-se em clusters, que
conseguem reproduzir no território, com vantagem, todas as condições superiores de competitividade da grande
empresa, como capacidade de inovação e escala de produção.

De qualquer modo, entre outros efeitos, esses processos de descentralização flexível constituem formas alternativas de
organização industrial que estão provocando uma redução do tamanho médio das grandes empresas, através de
processos de terceirização, aumentando a concentração de MPMEs e a criação de redes interempresariais; ao mesmo
tempo ocorre uma difusão territorial destas atividades, contribuindo para o crescimento de cidades médias e pequenas
e mesmo de áreas rurais.

O período pós-fordista possibilita a transformação de regiões periféricas, que antes eram meras receptoras do
conhecimento, em áreas geradoras deste, além de permitir que assumam um papel mais ativo no processo-produto, e
em consequência na geração de renda e trabalho. As mudanças provocadas apresentam outras dimensões além da
econômica, incluindo os âmbitos político, social e institucional. Um exemplo é que os atores regionais e locais passam
a ter um papel mais ativo e importante do que durante o período fordista, devido à diminuição da excessiva
centralização que imperava. No novo período que se abre, onde aumenta a descentralização, as instituições locais
assumem um papel mais relevante como agentes reguladores do sistema que abrigam em seu território.
Nesse contexto é que foram se constituindo aglomerados de empresas, principalmente em áreas onde a economia
apresentava vantagens comparativas, como aquelas que dependem de recursos naturais, e a manufatura de bens de
consumo básico. Assim, muitos setores produtivos conseguiram manter-se no mercado global com o aumento da
cooperação entre empresas, permanecendo de certa forma os mesmos níveis de competição que tinham entre si. A
existência desses complexos produtivos, que se articulam em torno de uma atividade principal, é um modo de inserção
relativamente segura das MPMEs no mercado global, e constitui uma forma para o incremento do desenvolvimento
com bases locais.

Os agrupamentos de empresas, complexos produtivos em torno de uma atividade principal (clusters), constituem uma
forma nova de analisar a economia, transferindo ao poder local um papel significativo na definição dos rumos do
desenvolvimento nacional. A articulação e a interdependência não se restringem unicamente às empresas que
desenvolvem atividades similares (em relações horizontais); envolvem também os produtores, consumidores e
fornecedores (em relações verticais), órgãos governamentais, organizações não governamentais, de ensino e pesquisa
e outros atores que no seu conjunto geram uma sinergia que cria um meio propício à criatividade e à inovação.

O novo regime de acumulação flexível, baseado na grande diminuição dos custos de produção, organização,
processamento e transmissão de informação, se apoia na articulação de unidades produtivas menores (MPMEs) que
diferem claramente dos setores "fordistas" por se caracterizarem pela habilidade de mudar processos e produtos com
grande rapidez. Ao mesmo tempo, tende a terceirizar os processos produtivos tanto quanto possível e desenvolver
redes flexíveis de ligações externas e processos de trabalho. Estas mudanças são acompanhadas por intensificação da
competição, desenvolvimento de atitudes fortemente empresariais e uma grande atividade de inovação tecnológica. E,
do ponto de vista espacial, apontam para o surgimento de novos espaços de industrialização, visando à criação de
condições para facilitação de integração vertical e horizontal dos processos produtivos em áreas determinadas, onde a
competição entre os agentes económicos se mantém, porém acompanhada de cooperação permanente como uma
forma de enfrentar as grandes empresas transnacionais e atender a um mercado segmentado e cada vez mais exigente,
em termos de qualidade, preço e respeito ao meio ambiente.

Outro aspecto importante desse processo é que atividades que eram fortemente baseadas em MPMEs e que durante a
fase fordista tinham um crescimento dependente dos setores tradicionais (metalúrgico, químico, petróleo etc.) passam
a assumir posições de vanguarda no processo económico, invertendo a lógica anterior. Uma dessas atividades é o
turismo, que durante a fase de acumulação fordista tinha como função principal auxiliar no processo de recomposição
da força de trabalho, situando-se como uma atividade de lazer subordinada às necessidades e tempo dos setores
tradicionais. Hoje, o turismo assume cada vez mais o papel de ponta no processo, ultrapassando em termos globais a
importância das atividades tradicionais (como a indústria automobilística, a eletrônica e a petrolífera).

Na realidade, muitos setores dos quais a atividade turística dependia são hoje dependentes do consumo turístico. O
turismo, como atividade económica fortemente baseada nas MPMEs, encontra as condições ideais de desenvolvimento
no pós-fordismo, e pelo seu dinamismo e possibilidades de utilização dos recursos naturais e culturais está se tornando
a principal atividade económica mundial, um dos principais mecanismos de promoção do desenvolvimento de
localidades médias e pequenas.

Outras atividades, como o artesanato, onde predominam as microempresas, formais e informais, têm retomado
importância em função também do aumento da demanda por produtos não padronizados, mais personalizados e
portadores de singularidades, e que têm encontrado no turismo um meio de difusão que extrapola a comercialização a
nível local.

De fato, a acumulação flexível abriu um amplo leque de oportunidades para o desenvolvimento produtivo. Das
produções massivas de bens padronizados dirigidos a mercados homogéneos passou-se à manufatura com tiragens
pequenas de produtos feitos sob medida para o cliente; de tecnologias baseadas em máquinas de propósito único,
operadas por trabalhadores semiqualificados, às tecnologias e máquinas de propósito múltiplo, que exigem operários
qualificados. As grandes empresas monopolistas, integradas verticalmente, cedem lugar às PMEs, vinculadas entre si
através de relações de cooperação.

Essa possibilidade aberta pela concentração setorial e geográfica de pequenas unidades produtivas, que baseiam sua
competitividade nos recursos produtivos e sociais locais, introduz novas perspectivas para impulsionar o
desenvolvimento local com o envolvimento de inúmeros atores que passam a assumir um importante papel no aumento
da produtividade e competitividade das empresas; isso nos leva a considerar cada vez mais a competitividade como
consequência também de um ambiente inovador gerado pelo território, juntamente com o ambiente interno das
organizações.

O local, portanto, revalorizado no contexto da crescente globalização adquire uma nova dimensão, pois se constitui
como um âmbito geográfico com maior autonomia, considerando a diminuição relativa do poder centralizador do
Estado nacional, e compete no mercado, global ou nacional, pela atração de investimentos e pela geração de condições
de desenvolvimento económico. As organizações nesse contexto se beneficiam do compartilhamento territorial de
inúmeros recursos tanto materiais, como imateriais.

Pensado o local numa escala municipal, ao oferecer condições de concentração setorial de MPMEs, ele cria um
ambiente favorável propício para que se gerem inovações, que são a condição necessária para a competitividade.

A competitividade neste enfoque, como já vimos, não está relacionada exclusivamente às empresas, mas trata-se do
sistema local como um todo, envolvendo inúmeras organizações, entre as quais as empresas, os órgãos públicos,
associações empresariais, instituições de ensino superior, organizações não governamentais e outros atores locais; é
neste sentido que se utiliza a expressão competitividade sistêmica.

6.3 A teoria dos clusters

Uma das manifestações mais concretas do novo paradigma de produção flexível, os clusters, também denominados
Sistemas Produtivos Locais (SPLs) ou Arranjos Produtivos Locais (APLs), apresentam uma nova forma de organização das
empresas que passam a se agrupar em um determinado território em função de seu vínculo a um determinado setor
produtivo, com o objetivo de tornar mais competitivo o produto ou serviço no mercado global. Nos clusters, processos
que antes ocorriam nas grandes corporações, como a geração de conhecimento ou a inovação, entre outros, passam a
ocorrer no contexto territorial, submetido à influência das organizações e ao mesmo tempo as influenciando de forma
decisiva. Nos clusters ocorre uma série de externalidades positivas para as empresas e demais organizações (ver o
Quadro 6.1).

Quadro 6.1 As externalidades.


O vocábulo externalidade tem origem na economia, e designa todas as consequências (custos e
benefícios) para um agente que resultam das ações de outro agente. Por exemplo, a contaminação do
ar tem um custo para a comunidade, constitui uma externalidade que é negativa para este agente e foi
causada por uma empresa. A geração de empregos na região onde está instalada constitui para a
comunidade uma externalidade positiva causada pela empresa.
Em resumo, o agente que recebe a consequência da ação entende esta como uma externalidade
(positiva ou negativa).

No estudo de clusters, arranjos produtivos locais é uma expressão muito utilizada, pois as empresas
recebem muitos benefícios (externalidades positivas) pela aglomeração num determinado território,
como, por exemplo: facilidade de acesso a inovações; existência de mão-de-obra especializada;
facilidade de acesso a mercados externos etc.

O conceito de competitividade do território se refere na realidade à competitividade das empresas que ali se localizam
e que conferem ao local uma condição competitiva superior que tem origem nos seus processos produtivos internos e
na sua capacidade de colocação de seus produtos e serviços no mercado internacional.

O conceito de competitividade aplicado a uma área geográfica, no caso especificamente em escala nacional, surgiu em
meados dos anos 80 nos Estados Unidos da América como uma questão focada no vínculo entre o avanço económico
dos países e sua participação nos mercados internacionais. Havia uma preocupação com a queda de desempenho do
setor industrial norte-americano, e em consequência foram realizados inúmeros trabalhos para analisar o problema e
elevar a competitividade desse país no século XXI. Grupos de trabalho de alto nível foram constituídos, como a Comissão
Presidencial sobre Competitividade Industrial, de 1985, e a Comissão do MIT sobre Produtividade Industrial, de 1986,
que tinham como objetivo gerar recomendações ao governo. A Comissão de 1985, que tinha como presidente Michel
E. Porter, elaborou uma conhecida definição sobre a competitividade nacional, que seria: "a capacidade de um país para
manter e expandir sua participação nos mercados internacionais e elevar simultaneamente o nível de vida da
população".

Em 1990, Michel E. Porter lançou o livro A vantagem competitiva das nações, aprofundando as conclusões do grupo de
estudo e procurando elaborar uma teoria para explicá-las.

Considerando a dimensão local, como o próprio Porter reconhece, o conceito de competitividade pode ser aplicado a
áreas geográficas menores do que um país, e o autor cita explicitamente as cidades. Nesse sentido, poderíamos afirmar
que a competitividade da localidade é a sua capacidade em manter e expandir sua participação no mercado nacional e
internacional e melhorar ao mesmo tempo o nível de vida da população.

O grande mérito da expressão vantagem competitiva, desenvolvida por Michael Porter em seus trabalhos, foi marcar a
separação dos enfoques tradicionais baseados no conceito de vantagens comparativas. Numa descrição sucinta das
diferenças entre as duas abordagens, podemos afirmar que as vantagens comparativas são herdadas e as vantagens
competitivas se criam. No Quadro 6.2, apresenta-se uma distinção mais clara dessas abordagens.

Quadro 6.2 As vantagens comparativas e competitivas.


Vantagens Comparativas Vantagens Competitivas
São resultado de fatores físico-ambientais e/ou São resultado de habilidades, conhecimento,
socioeconômicos. capacidade de gestão e qualidade
Relacionam-se com as destrezas, habilidades e
Estão relacionadas com a disponibilidade dos
conhecimentos criados para o aproveitamento
recursos naturais
dos recursos
Podem incluir temas como a localização São construídas por um ou vários atores do
geográfica, clima ou o saber-fazer local sistema empresarial ou território
Estão relacionadas com a localização geográfica, Estão relacionadas com o grau de eficiência do
distribuição de produtos, recursos sistema produtivo, custos, disponibilidade,
naturais, mão-de-obra e outros fatores abertura de mercados, tecnologia

O conceito de cluster se popularizou pelos trabalhos e recomendações de Michael Porter, da Harvard University, em
particular a partir da publicação de seu livro A vantagem competitiva das Nações. Em seus trabalhos, Porter utilizou o
termo cluster para designar concentrações geográficas de empresas especializadas, que apresentam uma dinâmica de
interação que explica o aumento da produtividade e da eficiência, a redução dos custos de comercialização, a aceleração
do processo de aprendizagem e a difusão do conhecimento. Na definição apresentada por Porter,

"um cluster é um agrupamento geograficamente concentrado de empresas inter-relacionadas e


instituições correlatas numa determinada área, vinculadas por elementos comuns e
complementares. O escopo geográfico varia de uma única cidade ou estado para todo um país
ou mesmo uma rede de países vizinhos".

Segundo Porter, os clusters podem assumir diversas formas, mas a maioria inclui empresas de produtos ou serviços
finais, fornecedores de insumos especializados, componentes, equipamentos e serviços, instituições financeiras e
empresas de setores correlatos. Os clusters também incluem distribuidores e clientes, bem como fabricantes de
produtos complementares, fornecedores de infraestrutura especializada, instituições governamentais e outras,
dedicadas ao treinamento especializado, educação, informação, pesquisa e suporte técnico (como instituições de
ensino superior, centros de pesquisa e prestadores de serviços de treinamento). Os órgãos governamentais diretamente
relacionados com as atividades do cluster também devem ser incluídos, além de muitas associações comerciais e outras
entidades representativas do setor privado. Um cluster, na realidade, é constituído de um aglomerado de organizações
dos setores público-estatal, privado e do terceiro setor.

Constitui-se assim o cluster num complexo produtivo onde as empresas que o conformam e o território onde se localiza
geram grandes ganhos de produtividade que beneficiam as organizações de um mesmo setor económico e as empresas
relacionadas. A fonte desses ganhos de produtividade são as economias de escala e as externalidades positivas. Estas
economias externas são obtidas pelas empresas porque se especializam em diversas fases da produção graças à rede
de relações interempresariais que se estabelecem no seio dos clusters. Além disso, existe um mercado de trabalho com
trabalhadores qualificados, forma-se um clima no território propício à inovação e ao caráter empreendedor, além de
existir uma constante troca de informações de todo tipo entre as empresas. Isto num ambiente que combina
concorrência e colaboração entre as empresas que formam o cluster.

Os clusters constituem o exemplo mais concreto da importância dos fatores e condições vinculadas ao território como
forma de desenvolvimento local diante do crescente movimento de globalização. Ao se agruparem com êxito, as
empresas de um mesmo setor se convertem em elemento dinamizador do próprio território onde se localizam e da
economia regional e nacional, o que permite cada vez mais estruturar a economia local e sua especialização produtiva
através de um projeto de organização social superior, onde se fortalece o capital social e a geração de conhecimento
através da inovação contínua.

Este aspecto da inovação contínua em clusters é fundamental como forma de enfrentar as mudanças globais
determinadas pelos avanços tecnológicos e a concorrência internacional. A inovação aqui deve ser entendida como
compreendendo novos métodos de produção, novas tecnologias, novas mercadorias, novas formas de organização,
novas fontes de fornecimento, novas rotas comerciais e novos mercados-alvo. Estas inovações dão origem não somente
a melhores formas de fazer as coisas, mas também a formas novas de fazer coisas até então inimagináveis.

Para Porter, a inovação em termos estratégicos deve ser definida

"no mais amplo sentido. Inclui não só novas tecnologias, mas, também, novos métodos ou
maneiras de fazer as coisas que, por vezes, parecem lugares-comuns. A inovação pode
manifestar-se no projeto de novos produtos, em novo processo de produção, nova abordagem de
marketing ou nova maneira de treinar ou organizar. Pode envolver, praticamente, qualquer
atividade na cadeia de valores"

De um modo geral, a difusão de uma inovação segue dois mecanismos: a substituição do produto ou processo por um
novo e a imitação por outras empresas. Neste sentido, os processos de geração e difusão de inovações são influenciados
tanto pela lógica interna dos processos que ocorrem num território ou organização, como pela pressão da demanda
externa.

Um cluster, para se consolidar e manter seu dinamismo, deve apresentar os seguintes requisitos:

• iniciativa empresarial: dos empresários se exige uma atitude empreendedora, juntamente com a percepção de
oportunidades, habilidades e conhecimentos e a motivação necessária para manter os empreendimentos que criam
com êxito;

• flexibilidade e criatividade (social e organizacional) das empresas: a estrutura social e organizacional das empresas
deve ser flexível, permitindo a criatividade individual e em grupos;

• capacidade de inovação empresarial: inovação em todos os âmbitos: organizacional, tecnológico, de mercado e social;
• consenso social: é necessário que as estruturas básicas da sociedade local, como a organização jurídica, política e
económica, capacidade social de organização e de integração e a capacidade dos principais atores, estejam envolvidas
e voltadas para a integração de atividades estratégicas que permitam e facilitem a formação do cluster;

• a existência de capital humano, pessoal bastante capacitado e qualificado, preferencialmente atualizado e


acompanhado pelas instituições de ensino superior e centros de pesquisa locais;

• a existência de vantagens baseadas no conhecimento e no saber-fazer (know-how), produto da experiência acumulada


na produção do setor ou setores que compõem o cluster;

• predomínio de micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) no cluster: embora este elemento seja fundamental na
caracterização de um cluster, podem-se incluir outros tipos de concentrações em que uma grande empresa delega
segmentos da produção ou prestação de serviços a MPMEs fornecedoras;

• existência de uma relação complexa entre os empresários pautada pela concorrência e colaboração;

• existência de um clima empreendedor: a importância de fatores socioculturais para o êxito econômico, que permitem
a vigência de capacidade para ver e assumir riscos nos negócios. Diz respeito à existência de normas e valores que
incentivam ações individuais que podem levar a uma nova maneira de conduzir os negócios;

• papel destacado do governo local. Relações de cooperação entre o Estado e o mercado.

Nem toda concentração geográfica de MPMEs em uma determinada área geográfica pode converter-se num curto
período de tempo em um cluster. Para que isto ocorra devem ser dadas certas condições, como a existência de um
vínculo dessas organizações com a história, com a cultura, com as instituições e com a economia do território. Deve
existir uma alta iniciativa empresarial e um ambiente sociocultural que permita a criação de redes sociais e
organizacionais com visão estratégica, que possibilite mudanças contínuas num contexto em que a confiança assume
importância crucial (existência de capital social). É a confiança que mantém e consolida as relações interempresariais,
e entre as empresas e outras organizações da sociedade local, como administração pública, ONGs, associações
representativas etc.

Os clusters geram diversos benefícios para o território, entre outros: reduzem os custos de comercialização, criam
mercados com maior nível de transações, promovem a troca de conhecimentos e favorecem a inovação, aumentam a
rapidez dos fluxos de informação e atraem para a localidade pessoas com maior grau de instrução e outros fatores de
produção.

Os clusters constituem opções de desenvolvimento local. Neste sentido podem- se adotar políticas públicas de incentivo
à formação destes agrupamentos baseadas numa análise das condições locais, sua história e sua cultura. Essas políticas
poderão destinar-se à promoção de articulação empresarial e produtiva visando ao aumento da competitividade de
determinado setor e do território como um todo.

6.4 A competitividade sistémica

Antes de discutirmos competitividade sistémica é necessário um esclarecimento sobre o conceito de competitividade e


a diferença básica entre a organizacional e a sistêmica. Basicamente, competitividade organizacional deve ser entendida
como a produtividade em termos de eficiência no nível da empresa. Ao passo que competitividade sistémica está
relacionada com os fatores do entorno, como: infraestrutura, instituições, governo, tecnologia etc.

O conceito de competitividade sistémica se refere ao processo de geração e difusão de competências (a experiência


acumulada, o saber-fazer) no qual cumprem um papel destacado tanto os fatores internos às empresas, como a cultura
organizacional, os ativos tangíveis (máquinas, instalações, edifícios, matéria-prima, bens produzidos) e intangíveis
(marcas e patentes, sistema organizacional, conhecimento acumulado), como aqueles relacionados com o ambiente
externo local no qual se desenvolvem essas mesmas empresas. De acordo com a CEPAL, no enfoque sistémico da
competitividade existem quatro esferas que condicionam e modelam o desempenho competitivo das PMEs:

1. Em primeiro lugar, o nível microeconômico, localizado na instalação industrial e dentro das empresas, para criar
vantagens competitivas. Constituído pela capacidade individual de desenvolver processos de melhoria contínua e
associações e redes de empresas com fortes externalidades.
2. Em segundo lugar, o nível mesoeconômico, onde se inclui a eficiência do entorno, mercados de fatores, infraestrutura
física e institucional e, em geral, as políticas específicas para a criação de vantagens competitivas (institutos
tecnológicos, centros de formação e capacitação profissional, instituições financeiras especializadas, instituições de
fomento às exportações, câmaras empresariais etc.) . Constitui-se em apoio aos esforços empresariais.

3. Em terceiro lugar, o nível macroeconómico, onde se encontram a política fiscal, monetária, comercial, cambial e
orçamentária.

4. Em quarto lugar, o nível metaeconômico ou estratégico, que abrange a estrutura política e económica orientada para
o desenvolvimento, estrutura competitiva da economia, visões estratégicas e planos nacionais de desenvolvimento.

O conceito de competitividade sistémica se caracteriza, principalmente, por reconhecer que o desenvolvimento


industrial bem-sucedido não se obtém somente através de uma função de produção determinada no nível micro, ou de
condições macroeconómicas estáveis no nível macro, mas contribui significativamente à existência de medidas
específicas do governo e de organizações privadas de desenvolvimento orientadas para fortalecer a competitividade
empresarial no nível intermediário (meso), condicionadas à capacidade de atuação das estruturas, fatores e padrões
básicos de organização.
À medida que aumenta a complexidade das novas formas de organização industrial, a natureza sistémica da
competitividade adquire mais importância, principalmente para as MPMEs, por pelo menos três razões:

a) Uma empresa em geral não é competitiva por si mesma, especialmente se não conta com um entorno de apoio a
fornecedores, ou serviços orientados para a produção, ou uma pressão competitiva de competidores locais. A
competitividade no nível micro é baseada na interação. A aprendizagem por interação é chave no processo de inovação,
especialmente quando se constituem vantagens competitivas dinâmicas.

b) O entorno que favorece a competitividade se encontra enraizado em um sistema nacional de normas, regras, valores
e instituições que definem os incentivos que moldam o comportamento das empresas.

c) O Estado tem um papel decisivo no momento de definir o desenvolvimento industrial e a reestruturação produtiva
de um país, especialmente sob as novas formas de governabilidade.

6.5 A reestruturação produtiva

Após a eclosão da crise mundial dos anos 70, começa um intenso processo de reestruturação econômica que se traduz
em importantes transformações no campo da organização industrial. A melhor resposta à crise é dada pelas
aglomerações de empresas num mesmo território (clusters) e pelo processo de terceirização que ocorre nas grandes
corporações, ambos se caracterizando pela adoção do modelo de produção flexível. Com a crise que se inicia nos anos
70, encerra-se um período de crescimento econômico contínuo que teve início após a Segunda Guerra Mundial, que se
caracterizava pela hegemonia do modelo fordista de produção. A reestruturação produtiva que se inicia é um fenómeno
que se manifesta claramente em várias áreas: consumo, organização da produção, organização empresarial, entre
outras.

Surgem novos padrões de consumo, caracterizados pela fragmentação dos mercados, diferenciação das demandas de
cada grupo consumidor e volatilização dessa mesma demanda. A capacidade para introduzir rapidamente novos
produtos no mercado torna-se um fator competitivo estratégico.
Em resposta à saturação dos mercados e ao endurecimento da concorrência, os fabricantes reagem criando
constantemente novas e diferentes linhas de produtos adaptadas aos gostos e necessidades de diferentes segmentos
do mercado.
Com o objetivo de estimular os consumidores e assegurar a continuidade das vendas, o produto é constantemente
modificado, incorporando novas características. Desse modo se diminui o ciclo de vida do produto, com a criação de
novas demandas em novos mercados.

Também surgem novos sistemas de produção, como o toyotismo ou produção enxuta (lean production) que surgiu no
Japão no setor automobilístico, com práticas como o just-in-time, que permite eliminar os estoques, promove o trabalho
em equipes, melhora continuamente a qualidade, reduz custos etc. Ao longo dos anos 80 se espalhou a outros setores
produtivos e a novos países. Quanto à organização da produção, os processos de reestruturação se traduzem em novas
práticas, destacando-se a desintegração vertical e a externalização de atividades, via terceirização.
A empresa fordista era verticalmente integrada e organizada hierarquicamente, e dentro dela se realizavam todas as
atividades da cadeia de produção. Via reestruturação produtiva, a grande empresa passa a concentrar-se nas atividades
estratégicas ou de maior valor agregado, deixando o restante nas mãos dos fornecedores externos ou empresas
subcontratadas. Essa externalização das diferentes atividades da cadeia de produção, em geral, é feita entre as
pequenas e médias empresas.
A terceirização (outsourcing) tem como objetivo alcançar maior grau de flexibilidade, para responder com mais agilidade
às flutuações do mercado, sem ter que aumentar os custos com ajustes na capacidade produtiva. A externalização de
atividades é vantajosa, entre outros motivos, por: reduzir o volume de capital comprometido, transferindo parte do
risco para as empresas fornecedoras; permitir reduzir os investimentos relacionados a pesquisa e desenvolvimento,
pois os produtos podem ser desenvolvidos conjuntamente com os fornecedores; serem as pequenas e médias empresas
mais flexíveis que as grandes no momento de realizar ajustes trabalhistas e salariais nos momentos de contração da
demanda; e ainda tornar possível reduzir os custos de produção.
A reestruturação produtiva também modificou as relações entre as empresas. Há um vínculo maior, generalizando-se
práticas como a de um único fornecedor, a colaboração, o desenvolvimento conjunto de produtos, vínculos de longo
prazo, entre outras. Essa nova divisão do trabalho e os novos padrões de relações entre empresas introduzem uma nova
forma de organização da produção, em rede, que engloba o conjunto de agentes que participam de uma mesma cadeia
de produção. Essas transformações na organização da produção vão modificar a organização espacial da atividade
produtiva, promovendo a concentração de empresas (clustering) em determinadas regiões.

6.6 O toyotismo

Uma forma de organização adotada pelas grandes empresas para fazer frente à necessidade de aumentar sua
flexibilidade é o toyotismo ou "produção enxuta". Num livro de referência obrigatória, A máquina que mudou o mundo,
os autores Womack, Jones e Roos apresentam esses novos princípios de organização da produção comparando-os com
a produção em massa. Para eles, aqueles que adotam a produção enxuta "almejam abertamente a perfeição: custos
sempre declinantes, ausência de itens defeituosos, nenhum estoque e uma miríade de novos produtos". E concluem
afirmando que "nenhum produtor enxuto jamais atingiu esta terra prometida - e certamente nenhum o fará - mas o
incessável afã pela perfeição continua gerando surpreendentes efeitos"

A produção enxuta apresenta, entre suas principais características:

a) Um sistema piramidal de relações interempresariais, no qual um pequeno número de empresas subcontratadas (de
primeiro nível) fornece a uma grande empresa os componentes que serão utilizados na montagem de um produto final.
Estas fornecedoras, por sua vez, possuem relações com outras empresas (de segundo nível) que lhes fornecem
componentes e que não mantêm contato com a grande empresa que está no topo da pirâmide, e assim sucessivamente.
Os fornecedores de primeiro nível mantêm um estreito contato com a grande empresa que produz o produto final,
desenvolvendo conjuntamente os produtos, mantendo uma grande integração e coordenação entre seus processos
produtivos.

b) Um sistema denominado just-in-time de gestão de estoques, que consiste em que o fornecedor tem que enviar os
componentes ao produtor final no momento certo em que este os irá incorporar ao seu processo produtivo. Deste
modo não é necessário um alto investimento em manutenção de estoques.

c) Os trabalhadores têm que ser multifuncionais, ou seja, têm que ser capazes de realizar diferentes tarefas, desse modo
se aumenta a produtividade através da flexibilidade.

Esta forma de organização também facilita a formação de aglomerações de empresas de um mesmo setor produtivo,
pois há necessidade de uma interação constante entre fornecedor e cliente para poderem desenvolver conjuntamente
o produto, além de possibilitar o funcionamento eficiente do sistema just-in-time. Para aqueles que trabalham nas
organizações que adotam a produção enxuta, Woomack, Jones e Roos consideram que:

"a maioria das pessoas, inclusive os denominados operários de linha – achará seu trabalho bem
mais estimulante, conforme a produção enxuta vá se disseminando, e sua produtividade
certamente aumentará. Ao mesmo tempo, porém, poderão achar suas tarefas mais estressantes,
pois um dos objetivos-chave da produção enxuta é trazer a responsabilidade para a base da
pirâmide organizacional. Responsabilidade significa liberdade para controlar o próprio trabalho
- uma grande vantagem - mas também aumenta o medo de cometer erros que tragam prejuízos".

No Quadro 6.3, são apresentadas algumas diferenças entre o sistema fordista e o toyotismo.
Quadro 6.3 Principais diferenças entre o fordismo e o toyotismo.
Fordismo Taylorismo
Produção em massa Produção flexível
Economias de escala Escalas menores
Produtos homogêneos Produtos diferenciados
Fragmentação e divisão de funções Integração de funções e formação de equipes de trabalho
Produção rígida Produção flexível
Concentração da produção em grandes unidades Descontração
Trabalhador uni funcional Trabalhador multifuncional
Trabalho simples, repetitivo Aumento da complexidade dos postos de trabalho
Integração vertical (pouca dependência de fornecedores Integração horizontalizada. Aumento da dependência de
externos) fornecedores externos (terceirização)
Estrutura hierárquica Estrutura participativa
A qualidade como função (controle de qualidade) A qualidade como filosofia

Resumo

Neste capítulo, destaca-se o processo de reestruturação produtiva que envolveu as organizações no final do século XX.
Baseada na crise do sistema fordista de produção, a reestruturação produtiva deu destaque às micro, pequenas e
médias empresas como alternativas e modelos de superação da rigidez estrutural das organizações corporativas
tradicionais. A proposta inicial de que se estava constituindo um novo modelo de produção foi feita na década de 1990
por Piore e Sobel, que o denominaram de "acumulação ou especialização flexível". Baseando-se nas pequenas e médias
empresas do norte da Itália, sua teoria era de que, no novo contexto de progresso técnico contínuo e de diversificação
da demanda, a flexibilidade das empresas médias e pequenas as tornava mais eficientes que as grandes empresas para
se adaptarem às mudanças. O modelo desses dois pesquisadores contrapunha dois tipos de organização industrial. Um
denominado "produção em massa" e o outro, "especialização flexível". O modelo flexível, segundo os autores, seria
dominante num período denominado de pós-fordista. Acompanhando a ideia dos agrupamentos de pequenas e médias
empresas desses autores, Michael Porter desenvolveu a teoria dos clusters, onde discorre sobre as vantagens
competitivas obtidas pelas organizações que formam aglomerados geograficamente concentrados. Ao mesmo tempo,
outros centros de pesquisa, com destaque para a CEPAL, preconizaram algo semelhante com o enfoque sistémico da
competitividade, identificando esferas que condicionam e modelam o desempenho competitivo das pequenas e médias
empresas, destacando o papel do Estado. No processo de reestruturação produtiva, a reação das grandes corporações
deu-se com o toyotismo ou "modelo de produção enxuta", destacando-se a adoção do sistema just-in-time, a
multifuncionalidade dos trabalhadores e a relação piramidal de relações interempresariais entre empresas
subcontratadas.

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