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Capítulo 3 – Consolidação da Organização Industrial

A organização industrial não surgiu de um momento para outro, é fruto de uma acumulação de experiências que
ocorreram em estruturas anteriores à Revolução Industrial. Dessas, as mais significativas foram as corporações de ofício,
a manufatura e as companhias de comércio. Quando o processo de incremento industrial ocorreu, houve um período
de adaptação em que as concepções de organização anteriores entraram em choque com as novas necessidades da
industrialização. Desse modo, houve um período de amadurecimento dessas novas estruturas, industriais, e que
coincide com o período comumente denominado de primeira Revolução Industrial, sendo que a maturidade ocorreu
com a segunda Revolução Industrial. Nesse período, no interior das fábricas os trabalhadores encontraram mudanças
culturais significativas no processo produtivo. Em primeiro lugar, trabalhavam para outro que detinha a propriedade
dos meios de produção; e em segundo, as relações estabelecidas no interior da indústria eram diferentes das que
existiam fora do ambiente de trabalho, entre outras diferenças. Essa mudança cultural do significado de trabalhar
causou inúmeros problemas no interior das indústrias no período inicial da Revolução Industrial.
Gradativamente, foram surgindo propostas de se adequar a organização industrial às novas necessidades de produção,
ao mesmo tempo em que foi crescendo a resistência operária à nova cultura que emergia no interior das fábricas,
baseada principalmente na disciplina.
No final do século XIX, surgiram teorias que visavam aumentar o controle e a submissão do único fator produtivo
imprevisível, o ser humano. A busca da eliminação desse fator de imprevisibilidade do fator humano foi o cerne da
teoria da administração científica de Taylor.

3.1 Organizações económicas pré-industriais

Antes da Revolução Industrial existiam organizações económicas que constituíam estruturas que precederam as
indústrias. Entre essas, as mais importantes foram as guildas ou corporações de ofícios, as manufaturas e as grandes
companhias de comércio.

a) As corporações de ofício

As corporações de ofício, também denominadas guildas ou grémios, eram associações que reuniram artesãos ou
comerciantes e que surgiram na Europa, durante a Idade Média, a partir do século XII. Tinham caráter voluntário e seus
principais objetivos eram garantir o monopólio do exercício da profissão ou do ramo do comércio, o controle da
qualidade e da quantidade de mercadorias produzidas, o treinamento dos aprendizes e a assistência a seus membros.
As características básicas das corporações de ofício são as seguintes: Eram organizações constituídas por três categorias
de trabalhadores: o mestre, os oficiais (também chamados jornaleiros ou companheiros) e os aprendizes. O aprendiz,
que se iniciava no noviciado entre os 12 e os 15 anos de idade, passava a morar na oficina ou na residência do mestre -
que eram frequentemente juntas - e era submetido à vigilância, à disciplina e aos castigos físicos do mestre. A
corporação estabelecia a contribuição que o pai do aprendiz deveria pagar ao mestre. Os aprendizes não recebiam
qualquer pagamento pelo seu trabalho, e o tempo de seu aprendizado variava de
acordo com o ofício, podendo variar de um a 12 anos; após o seu término
tornavam-se oficiais e depois podiam ascender a mestres.

A categoria dos oficiais ou jornaleiros era formada pelos que passavam


satisfatoriamente pelo aprendizado. O oficial alugava seu trabalho através de
contrato, verbal ou escrito, e jurava bem cumprir as obrigações do ofício e
denunciar as infrações de que viesse a tomar conhecimento. Os mestres eram os
donos da oficina e acolhiam os oficiais e aprendizes. Os mestres de cada ofício eram
os que detinham as ferramentas e forneciam a matéria prima. O oficial ascendia a
mestre através de um exame julgado por membros da corporação. O acesso à
condição de mestre, quando havia o exame, exigia a apresentação de uma obra
executada pelo candidato, considerada a primeira obra ou obra-prima. O número
de mestres, que equivalia ao número de oficinas, numa cidade, era determinado
pela corporação. O tamanho da oficina e o número de oficiais e aprendizes também
eram regulados pela corporação.
No Brasil, as corporações de ofício se mantiveram, legalmente, até a promulgação
da primeira Constituição do Império, em 1824, que as aboliu. No entanto sua ativi- Guilda dos alfaiates
dade maior ocorreu até a primeira metade do século XVIII. Entre os ofícios e ocupações desse período que podem ser
citados contam-se: carcereiro, escrivão, mestre de capela, cirurgião, rendeiro dos dízimos, lacrador, mercador,
tratante, peruleiro, purgador, tanoeiro, caldeireiro, serralheiro, carreiro, barqueiro, pedreiro, calceteiro, telheiro,
tecedeira, lavandeiro, barbeiro, sapateiro, ferreiro, alfaiate e carpinteiro.
A estrutura da guilda oferecia proteção a seus membros em dois níveis: do mestre a todos aqueles que
trabalhavam com ele e da corporação ao mestre.

b) As manufaturas

A fase de produção mecanizada, que se consolida a partir da segunda metade do século XVIII e marca o início do
capitalismo industrial, foi antecedida por uma fase de produção manufatureira. A manufatura foi uma etapa importante
que sucedeu a corporação de ofícios, forma de trabalho dominante no período feudal.
A manufatura aumentou a produção de mercadorias com a introdução da divisão do trabalho e, juntamente com a
produção doméstica no campo controlada pelos mercadores, causou a decadência das corporações de ofícios.
Basicamente, na manufatura, o capitalista fornecia ao artesão a matéria-prima, as ferramentas, pagava um salário e
providenciava a venda do produto. A produção têxtil - fiação e tecelagem de lã - e a produção de couros cresceram
enormemente com essa prática.
O mercador, transformado em empresário, procedia de dois modos para aumentar a produção de mercadorias. Durante
o período de inatividade no campo, poderia entregar ao camponês, em sua casa, a matéria-prima e as ferramentas e
lhe efetuava um pagamento na forma de salário; deste modo a renda familiar aumentava. Esse sistema familiar, embora
tivesse vantagens, como o baixo custo da mão-de-obra do trabalhador rural e o fato de não se submeter às regras rígidas
das corporações de ofícios nas cidades que impediam a introdução de inovações técnicas, apresentava limitações
importantes, como a falta de padronização do produto que impedia um controle de qualidade, e a dificuldade de
fiscalização da matéria-prima entregue ao camponês.
Esta primeira forma de produção familiar foi suplantada gradativamente a partir do século XVI com a produção realizada
em oficinas urbanas, pela qual o empresário-mercador reunia em determinado local certo número de artesãos, fornecia
a matéria-prima, as ferramentas e efetuava o pagamento por tarefa ou salário, apropriando-se da produção. A produção
era realizada segundo o princípio da divisão do trabalho, onde cada artesão executava apenas parte do produto de tal
maneira que a mercadoria só ficava pronta após passar sucessivamente por vários trabalhadores, que realizavam uma
parcela da atividade que anteriormente era realizada por um único indivíduo.
Desse modo, durante o período mercantilista, de modo geral, na produção de mercadorias o empresário-mercador não
exercia, ainda, o controle direto do trabalhador, pois este dominava todas as fases do processo de produção - constituía-
se na realidade numa reunião de artesãos individuais. Com o tempo, o empresário- mercador iria aumentar o controle
sobre os trabalhadores, aumentando a disciplina e consolidando a prática do trabalho regular e sistemático.
A manufatura é uma forma de cooperação que predominou durante o período do capitalismo comercial na Europa, que
antecede a Revolução Industrial, e que de modo geral vai de meados do século XVI até o século XVIII.
De acordo com Karl Marx, a manufatura pode se originar de dois modos:

Pode surgir quando são concentrados numa mesma oficina, sob o comando de um mesmo empresário, trabalhadores
de ofícios diversos e independentes, pelos quais deverá passar o produto até o seu acabamento final. No exemplo de
Marx:

Uma carruagem, por exemplo, era o produto global dos trabalhos de numerosos artífices
independentes, como o carpinteiro de seges, o estofador, o costureiro, o serralheiro, o correeiro,
o torneiro, o passamaneiro, o vidraceiro, o pintor, o envernizador, o dourador etc.

Esses diferentes artífices eram reunidos numa oficina onde trabalhavam em colaboração. Esse é um tipo de cooperação
simples. No entanto, ocorre uma modificação substancial. Os diversos artífices que se ocupam apenas com a feitura de
carruagens perdem gradativamente, com o costume, a capacidade de exercer seus antigos ofícios em toda a sua
extensão. Ou seja, tornam-se especialistas em alguma fase da elaboração do produto final carruagem.

No início, a manufatura de carruagens era uma combinação de ofícios independentes.


Progressivamente, ela se transforma num sistema que divide a produção de carruagens em suas
diversas operações especializadas, cada operação se cristaliza em função exclusiva de um
trabalhador e a sua totalidade é executada pela união desses trabalhadores parciais.

Outra origem da manufatura, identificada por Marx, e oposta à anterior, é quando são reunidos trabalhadores que
fazem uma mesma coisa ou um mesmo tipo de trabalho, como, por exemplo, trabalhadores especializados em papel,
em tipos de imprensa ou em agulhas. Também aqui a forma de cooperação é das mais simples, com cada artífice
produzindo a mercadoria por inteiro. Em termos profissionais, continua-se a trabalhar da forma antiga. No entanto,
circunstâncias externas podem levar o empresário a utilizar de modo diferente essa concentração dos trabalhadores
num mesmo local.
Por exemplo, caso haja necessidade de fornecer uma quantidade maior de mercadorias num determinado prazo, há
uma redistribuição do trabalho; e em vez de o mesmo artífice executar as diferentes operações dentro de uma
sequência, elas são distribuídas, em diferentes espaços, para diferentes artífices e continuam a ser executadas ao
mesmo tempo. Com o tempo, essa divisão sistemática do trabalho interno, na oficina, se cristaliza, deixando a
mercadoria de ser um produto individual de um artífice independente, para se transformar num produto social de
muitos artífices, sendo que cada um deles realiza ininterruptamente uma mesma e única tarefa parcial.
Desse modo a manufatura se origina e se forma, a partir do artesanato, e foi descrita por Marx do seguinte modo:

Descendo ao pormenor, vê-se, de início, que um trabalhador que, na sua vida inteira, executa
uma única operação transforma todo o seu corpo em órgão automático especializado dessa
operação. Por isso, levará menos tempo em realizá-la que o artesão que executa toda uma série
de diferentes operações. O trabalhador coletivo que constitui o mecanismo vivo da manufatura
consiste apenas desses trabalhadores parciais, limitados. Por isso, produz-se em menos tempo ou
eleva-se a força produtiva do trabalho, em comparação com os ofícios independentes. Também
se aperfeiçoa o método do trabalho parcial, depois que este se torna função exclusiva de uma
pessoa. A repetição contínua da mesma ação limitada e a concentração nela da atenção do
trabalhador ensinam-no, conforme indica a experiência, a atingir o efeito útil desejado com um
mínimo esforço. Havendo sempre diversas gerações de trabalhadores que vivem
simultaneamente e cooperam nas mesmas manufaturas, os artifícios técnicos assim adquiridos
firmam-se, acumulam-se e se transmitem.

No entendimento de Marx, o processo manufatureiro criou as condições para a introdução das máquinas no processo
produtivo que caracterizam o período industrial. Em suas palavras: "O período manufatureiro simplifica, aperfeiçoa e
diversifica as ferramentas, adaptando-as às funções exclusivas especiais do trabalhador parcial. Com isso, cria uma das
condições materiais para a existência da maquinaria, que consiste numa combinação de instrumentos simples."

c) As companhias de comércio

As companhias por ações constituíram-se na expressão mais típica do mercantilismo do século XVII. Eram
sociedades que detinham cartas especiais outorgadas pelos Estados concedendo-lhes privilégios, em sua maior
parte monopolísticos, e tinham funções colonizadoras e administrativas nas regiões em que lhes fosse concedida
a exploração. Eram grandes corporações que apresentavam inúmeros problemas que viriam a ser enfrentados
pelas grandes organizações do período industrial, como logística, estocagem de mercadorias, gestão de pessoas,
estrutura de poder, conflitos internos e externos etc., e que merecem um maior estudo no campo das
organizações, pois desempenharam um papel importante no processo de acumulação capitalista nos séculos que
antecederam a Revolução Industrial.
Essas companhias de comércio eram constituídas por mercadores que se uniam com o objetivo de explorar
novas terras e possibilitar as expedições, instalação de feitorias etc., o que demandava enormes quantias de
dinheiro. A organização tradicional das associações que se haviam criado para explorar as velhas rotas de
comércio não se adaptava às novas condições. Nestas exigia-se um novo tipo de associação. E a sociedade por
ações foi a solução encontrada para esse tipo de empreendimento, além de ser uma forma de conceder a
particulares o privilégio de explorar regiões distantes.

Nos séculos XVI e XVII, formaram-se várias companhias, constituídas por sociedade de acionistas. A primeira
delas foi formada na Inglaterra e denominava-se Companhia dos Aventureiros Mercadores. Contava com 240
acionistas, que entraram cada um com 25 libras na sociedade. Mesmo as expedições de corsários foram
organizadas em bases de sociedades por ações. O famoso corsário inglês Francis Drake combatia os espanhóis
com navios emprestados pela própria rainha da Inglaterra que, em troca, possuía ações do empreendimento.
Numa dessas expedições de pirataria, Drake obteve um lucro de 4.700%, do qual a Rainha Elisabete recebeu 250
mil libras como sua cota. Uma das mais famosas companhias inglesas foi formada por 101 mercadores que
constituíram a Companhia Britânica das índias Orientais em 1600, concentrando recursos individuais. A Rainha
Elisabete deu-lhes carta de privilégio, concedendo-lhes exclusividade para comercializar com as índias por 15
anos, facultando-lhes manter força armada no mar e em terra, fundar feitorias e fortalezas e nomear
administradores. Consistia em uma associação de capitais, ações, que se vendiam na Bolsa. A novidade neste tipo
de sociedade é que o capital estava despersonalizado, ou seja, desvinculado de seu proprietário, que já não era
um comerciante aventureiro, mas um simples acionista. A companhia recebeu do Estado o monopólio comercial
das Índias Orientais pela rota do Cabo.
Brasão de armas da Companhia Britâ- Selo da English Moscovy Company.
nica das Índias Orientais.

Outras companhias de comércio inglesas que merecem registro são: a Levant Company; a English Moscovy Company,
que comerciava com a Rússia; a Virgínia Company, que fundou a primeira colónia inglesa no atual território dos Estados
Unidos; a Royai Africa Company, que negociava escravos; e a Hudson Bay Company, que detinha o monopólio do
comércio no Canadá situado a oeste do Ontário.
Nos mesmos moldes que a Britânica, em 1602 constituiu-se na Holanda a Companhia Holandesa das índias Orientais,
formada pela reunião de outras de menor importância. O Estado concedeu à Companhia o monopólio absoluto das
índias Orientais, subordinando todos os seus interesses aos dela; em contrapartida, a Companhia contribuía com alguns
impostos e colocou à disposição do governo toda a força de sua frota.
No ano de 1621, foi criada a Companhia Holandesa das índias Ocidentais, que obteve o privilégio do comércio no
Atlântico, abrangendo a África Ocidental, o Brasil e o restante da América. Conseguiu estabelecer-se em Curaçao
(Antilhas) e em alguns pontos do Brasil, em especial em Recife, Pernambuco. Na América do Norte fundou uma pequena
feitoria em 1626, que denominou Nova Amsterdã, a qual, ao ser conquistada pelos ingleses em 1664, teve seu nome
alterado para New York. Entre seus objetivos estava a invasão do Brasil para criar uma colónia holandesa de exploração
económica e controlar a produção de açúcar. Em 1674, vinte anos após a expulsão dos holandeses do Brasil, a
Companhia se dissolveu, pela diminuição dos lucros.

Na França, as primeiras companhias remontam ao Ministério de RicheHeu


(1642), criadas para exploração do Canadá e ilhas americanas (Antilhas).
Colbert foi grande incentivador da atividade das companhias comerciais.
Além das mencionadas incentivou a criação da Companhia do Norte (para
exploração do Mar Báltico), a do Levante (para o Mediterrâneo Oriental), a
do Senegal, das índias
Ocidentais e Orientais. Segundo Dean, "as companhias francesas, tais como
as portuguesas e as espanholas, eram mais uma tentativa do Estado que da
classe mercantil [...] as companhias foram criadas e os mercadores
receberam incentivos para operar, obtendo, porém, êxito limitado.
Na Espanha, as primeiras companhias surgiram somente no século
Mercadores da Companhia Holandesa das Índias XVIII com a criação da Companhia Guipuzcoana de Caracas (1728).
Ocidentais, que ocupou parte do nordeste do Brasil Mais tarde surgia a Companhia de La Habana (1740) e a Real Companhia
no século XVII. das Filipinas (1785), entre outras menos importantes.

No Brasil, como parte da política mercantilista, foram formadas algumas sociedades por ações que detinham o
monopólio de exploração num determinado território. São as seguintes:

As companhias de comércio no Brasil

a) Companhia Geral do Comércio do Brasil

Sociedade concessionária do monopólio do comércio de vinho, azeite, farinha e bacalhau, importados de Portugal, bem
como o da extração do pau-brasil. A Companhia deveria organizar anualmente frotas de escolta para os navios
mercantes que navegassem entre Portugal e Brasil e vice-versa, cobrando dez por cento do valor das cargas. Pelos
estatutos, a companhia obrigava-se a equipar 36 navios de guerra, armados com 20 ou 30 peças de artilharia,
guarnecidos de gente de mar-e-guerra, com tudo o mais que fosse necessário para a sua manutenção. Cabia-lhe ainda
o dever de auxiliar a defesa da costa e dos portos nacionais e de promover a restauração das praças do Brasil e de
Angola. Foi criada por inspiração do Padre Antônio Vieira, pelo alvará de 6 de fevereiro de 1647, com a participação
majoritária de comerciantes judeus, que, assim, obtinham proteção contra o Santo Ofício. Mais tarde o governo
apropriou-se de seus fundos, tornando-a uma entidade oficial administrada por uma junta de nomeação régia (1664).
Em 1720, quando não passava de uma repartição pública, foi extinta. A Companhia Geral do Comércio tinha sucursais
no Brasil, com a denominação de Administração da Junta do Comércio Geral.

b) Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão

Empresa organizada em 1755, por comerciantes portugueses, com o apoio do Marquês de Pombal, para explorar o
monopólio, concedido pela Coroa, do tráfico e comércio atacadista nas capitanias do Maranhão e Pará. O monopólio
abrangia a exportação e importação do Estado do Maranhão, que na época centralizava a comercialização de produtos
de toda a Amazónia. A única exclusão era o comércio de vinho, objeto de privilégio de outra empresa lusa. Cabia
também à Companhia organizar frotas mercantes entre a Europa e o Maranhão, para o que obteve a doação de duas
fragatas do governo português. Seu capital era de 1.200.000 cruzados e, para favorecer a sua subscrição, foram
proibidos no Reino os empréstimos particulares de mais de 300$000 (trezentos mil réis), o que forçava os poupadores
a aplicar suas economias na Companhia. A Companhia era dirigida por uma junta, sediada em Lisboa, responsável
perante centenas de acionistas, entre os quais conventos e membros da nobreza. Foi dissolvida em 5 de janeiro de 1778,
pelos problemas que causou na perseguição aos seus opositores, entre os quais os jesuítas, a confraria de comerciantes
e outros adversários.

c) Companhia do Comércio do Estado do Maranhão

Em 1682, criou-se o segundo empreendimento destinado a fomentar o progresso do Norte à Amazónia, região que
tinha ficado de fora da área abrangida pela primeira companhia. O objetivo principal desta companhia era a introdução
de mão-de-obra africana no Estado do Maranhão, pois os jesuítas se opunham à escravização dos índios. A cláusula
primeira do estatuto era explícita neste ponto: afirmava que "durante o prazo de vinte anos, que durará o estanco
meterão no sobredito Estado dez mil negros, a ração de quinhentos por ano". O monopólio concedido à Companhia foi
mais abrangente, como se observa pela cláusula 6 do mesmo estatuto, onde se proíbe aos habitantes do Estado do
Maranhão durante vinte anos "levar ou mandar ao mesmo Estado navios e negros nem fazenda ou géneros algum
ficando todo o suprimento a cargo dos assentistas somente". Estipulava o estatuto nas obrigações da Companhia o
auxílio às culturas de cacau, baunilha e pau-cravo. Toda uma série de procedimentos de má administração arruinou o
empreendimento. O regime de arrocho que se estabeleceu levou os maranhenses ao desespero. Na semana santa de
1684 revoltaram-se e, chefiados pelo senhor de engenho Manuel Beckman, prenderam o capitão-mor de São Luís,
expulsaram os jesuítas que chamavam de partidários do monopólio e declararam extinta a Companhia. A revolta,
porém, não encontrou justificativa em Lisboa, que resolveu despachar o novo governador Gomes Freire de Andrade,
com ordens severas de enforcar os amotinados. Beckman foi preso e enforcado juntamente com seu companheiro Jorge
Sampaio.

d) Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba

Em 1759, ainda por iniciativa do Marquês de Pombal, fundou-se a Companhia de Pernambuco e Paraíba, com o
propósito de auxiliar o desenvolvimento dessa região. Tinha um capital de 2.000.000 de cruzados, mas, já em 23 de
julho de 1761, outro alvará autorizava vultoso empréstimo do tesouro português a essa companhia. Ela tinha o
monopólio do comércio nas duas capitanias e também do tráfico delas para a costa da África, pelo prazo de vinte anos.
Em 1778, a Câmara do Recife protestou contra o "insuportável jugo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba". A
Companhia foi extinta em 1779, e durante sua existência conseguiu aumentar substancialmente a quantidade de mão-
de-obra introduzida, canalizou uma vultosa quantia de capitais para essas regiões, promoveu a cultura do arroz e do
algodão e conseguiu um aumento da exportação do açúcar.

3.2 A Revolução Industrial

A industrialização iniciada na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, transformou sociedades baseadas na
produção agrícola em outras de novo tipo, em que as organizações económicas - inicialmente a organização industrial
– tiveram uma importância decisiva no estabelecimento de novas formas de relacionamento entre os indivíduos.
Podemos afirmar que as mudanças iniciadas naquele período constituem o início de um processo histórico, marcado
pela expansão dessas novas formas de organização. O que convencionamos chamar de Revolução Industrial se inicia na
Inglaterra no final do século XVIII e se espalha gradativamente para outros países, inaugurando uma nova fase, muito
diferente das anteriores da história da humanidade. Consistiu em substituir a base agrária das sociedades tradicionais
por outra nova, industrial. E estava baseada, inicialmente, nos setores algodoeiro e siderúrgico com energia fornecida
pela utilização do carvão de pedra. Teve como característica mais significativa o aparecimento de fábricas em vários
ramos de produção, ou seja, um aumento extensivo da produção industrial. Com a aplicação de novas técnicas e
métodos de organização, há um aumento da produção, possibilitando o atendimento de mercados cada vez mais
distantes. Ocorre um aumento da produtividade substancial do trabalho humano. Estas profundas mudanças na base
económica geram uma grande desordem social, em vários aspectos da vida das pessoas, o que provoca uma necessidade
de busca da ordem social por parte de numerosos intelectuais da época. Os principais fatos novos que surgiram e que
contribuíram para caracterizar uma desordem social (provocada pela modernidade, trazida pela indústria) contrapondo-
se à ordem tradicional anteriormente estável foram:

a) O crescente aumento da importância do trabalho na vida do homem.


b) Valorização inicial do operário, não como pessoa, mas como extensão de uma máquina.
c) Dificuldade de adaptação dos trabalhadores às novas condições impostas pela organização industrial (disciplina).
d) Crescente miséria social entre os operários, com o avanço das inovações tecnológicas.
e) Desarticulação da sociedade estamental, e o surgimento de uma sociedade de classes.
f) Aumento crescente da oposição entre classes sociais.
g) Desarticulação do sistema hierárquico tradicional, tanto ao nível de ofícios, como ao nível de organização familiar.
h) Perda da identidade social (o trabalhador perde seus laços comunitários tradicionais e não consegue estabelecer
outros no novo ambiente).

Primeiras imagens da Revolução Industrial destacavam as chaminés e


a fumaça produzida.

Desse modo, o início do processo de industrialização foi marcado por uma profunda desordem social, fruto da
desarticulação das instituições do antigo sistema tradicional. Do ponto de vista da organização industrial, podemos
denominar esta fase de Primeira Revolução Industrial. O processo de aceleração da Revolução Industrial objetivará
ordenar o processo produtivo, buscando um aumento da racionalização, e se distinguirá da primeira fase por um
aumento intensivo da produção industrial. Esta fase, que ocorreu do fim do século XIX, nos Estados Unidos da América
e na Europa, até os primeiros anos do século XX, denominamos de Segunda Revolução Industrial, pois embora seja uma
continuidade do que ocorreu na Inglaterra do século XVIII apresenta particularidades bastante distintas do ponto de
vista da organização industrial. Desse modo o processo histórico que denominamos "Revolução Industrial" pode ser
dividido em duas fases distintas e com características próprias: a Primeira e a Segunda Revolução Industrial:

A. A PRIMEIRA REVOLUÇÃO INDUSTIUAL

O início do processo de industrialização foi caracterizado pela utilização da máquina a vapor. Seu marco inicial ocorre
na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, e gradativamente vai se espalhando para os demais países. Consistia
à essencialmente na substituição da base agrícola na qual se sustentavam as sociedades tradicionais por outra nova,
denominada industrial. No seu início, nesse período, estava baseada nos setores algodoeiro e siderúrgico e a energia
era fornecida pelo carvão mineral. A característica económica mais importante dessa fase é o surgimento de
organizações empresariais - as fábricas que progressivamente se estendem a todos os ramos de produção e um
aumento extensivo da produção industrial com a ampla difusão dessa nova atividade.
A Primeira Revolução Industrial causou profundas alterações em todos os aspectos da vida social. Entre as mais
significativas podemos apontar:

1. A transformação da sociedade estamental ou de castas em uma sociedade de classes. Isto significa passar de um
sistema de estratificação rígido, fechado ou quase fechado, para um sistema formalmente aberto ou pelo menos
semiaberto.
2. Ruptura das hierarquias tradicionais. Que no campo político leva à ascensão da burguesia como classe dirigente, e no
mundo do trabalho adquire uma importância especial, pois o maquinismo iguala os mestres, oficiais e aprendizes em
uma massa social indiferenciada.

3. Criação de situações em que os trabalhadores não se adaptam ou se alienam. Em primeiro lugar, porque as
transferências massivas de população buscando trabalho e residência nos centros urbanos produzem uma situação
inicial de falta de amparo familiar, que caracterizava o tipo de família extensa tradicional. Em segundo lugar, a venda
de trabalho pessoal se transforma no cordão umbilical de relação com a produção da sociedade.

4. Surgem situações crescentes de miséria social entre os trabalhadores industriais, pois predominam os baixos salários
e habitações de péssima qualidade. Não há seguridade social no trabalho das mulheres e crianças. E as jornadas de
trabalho têm como limite a capacidade física dos trabalhadores.

5. O aumento da importância do trabalho na vida do homem, pela impossibilidade de satisfazer de outro modo às
necessidades de sobrevivência e pela existência de um tipo de mística do trabalho. Este (o trabalho) é visto como a
principal forma de contribuição do esforço pessoal para a construção da nova ordem social. Pode-se afirmar, diante da
visão negativa que existia na Idade Média sobre o trabalho (ao vê-lo como um castigo), em que todos que podiam
(nobreza, fidalgos etc.) evitavam inserir-se no processo produtivo, que a industrialização produziu um aumento da
motivação para participar desse processo.

6. A oposição crescente das classes sociais. Pois quase todas as manifestações anteriores conduzem a antagonismos
entre os que possuem os meios de produção (capitalistas) e os trabalhadores assalariados que vivem exclusivamente
da força de trabalho. O aumento da industrialização faz com que se generalizem as formas de vida diferentes, baseadas
neste antagonismo de interesses, e que se formem associações de organização da luta dos trabalhadores.

Crianças trabalhando em minas de carvão (século XIX).

Essa desordem inicial é a característica mais marcante do início do processo de industrialização, que foi denominado de
Primeira Revolução Industrial. A evolução histórica, acompanhada da busca de alguma ordem e de institucionalização
dos processos, é que foi denominada de Segunda Revolução Industrial.

B. A SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Este período é marcado pela ampliação dos mercados e por um intenso desenvolvimento técnico
e organizacional. Quanto ao aspecto técnico, ocorre a utilização de novos tipos de combustível -
líquidos e gasosos -, que se juntam ao uso do carvão como fonte de energia, e o aparecimento
da energia elétrica. Quanto ao aspecto organizacional, a Segunda Revolução Industrial se
caracteriza pelo aumento da concentração da indústria - importância crescente da grande
empresa -, aproveitamento intensivo da mão-de-obra - adoção de métodos científicos de
racionalização do trabalho -, racionalização e economia dos meios existentes.
No âmbito social, a Segunda Revolução Industrial caracterizou-se por institucionalizar e
consolidar a sociedade industrial, organizando-a e estabelecendo-a como dominante (inclusive
a estrutura de classes que lhe corresponde). A característica mais marcante dessa fase foi a
necessidade de organizar e institucionalizar os novos processos e a vida social dentro das
organizações. Lâmpada elétrica
apresentada por
Thomas Alva Edison
em 1877.
Essa fase ocorreu no final do século XIX na América do Norte e nos países europeus continentais, estende-se até o início
do século XX. Houve um grande incremento económico em consequência da ampliação dos mercados e do
desenvolvimento técnico e organizacional que ocorreu no interior das empresas.
Quanto ao âmbito organizacional, a Segunda Revolução Industrial baseia-se na organização científica do trabalho,
principalmente na forma que foi expressa pelo fordismo-taylorismo. Entre suas principais características destaca-se um
aumento da concentração espacial, com o maior aproveitamento dos locais de produção, evitando-se a dispersão
geográfica; e há um aumento crescente da importância das grandes empresas.
Em termos sociais, como consequência da Segunda Revolução Industrial, temos:

1. Institucionaliza-se a mobilidade social, principalmente através de um sistema de instrução, formando-se uma nova
estrutura diferenciada de camadas sociais.

2. Nas empresas, surgem, também, novas linhas de estratificação entre os trabalhadores.

3. Gradativamente, manifestam-se novas formas de vida especificamente industriais.

4. Ocorre um reconhecimento progressivo de um direito social à proteção contra a pobreza até a sua concretização no
Estado do Bem-Estar Social.

5. Institucionaliza-se a oposição de classes sociais, os trabalhadores convertem- se de assalariados necessitados em


portadores industriais de uma função. Surgem os sindicatos e os partidos políticos classistas. Há uma nova distribuição
do poder nas organizações empresariais.

Outro aspecto que deve ser destacado é o aumento da burocratização, entendida como funções determinadas,
existência de uma estrutura formal e regras claras, impessoalidade e qualificação das pessoas. A burocratização se
acentua nas organizações durante a Segunda Revolução Industrial, tornando-se um processo crescente de racionalidade
da vida social que leva a organizar a administração nas grandes empresas, e que se torna aplicável no aparelho estatal,
nas organizações religiosas, no exército e em outros setores que a utilizam como um
sistema mais eficaz.
Ainda como decorrência da Segunda Revolução Industrial, cabe destacar o surgimento de novas linhas de estratificação
entre os trabalhadores da indústria, devido à necessidade de aumento da capacitação de operários nas diversas
operações realizadas no âmbito da produção, bem como a montagem e reparação de máquinas semiautomáticas, que
exigiam mais qualificação. Esses trabalhadores mais qualificados também recebiam salários maiores, o que causava uma
diferenciação mais nítida entre as categorias.
Ao mesmo tempo, com o processo de racionalização da produção e de sua combinação em grandes empresas, surgem
novas funções profissionais para empregados em escritórios de planejamento, venda, contabilidade e estatística, entre
outros. Com a produção de bens em massa, amplia-se também o caminho do produtor ao consumidor. Surgem
organizações intermediárias de comércio, que por sua vez formam novas estruturas ocupacionais. E a combinação cada
vez mais acentuada da produção contribui para a criação de uma burocracia estatal.

Assim surge uma nova camada média de empregados dependentes, que se situam entre os empresários e os operários.
Ao mesmo tempo, com a separação da propriedade e o controle, a camada de empresários muda de fase, dividindo-se
em acionistas e gerentes, constituindo uma poderosa camada administrativa superior. A formação de novas linhas de
estratificação conduz a novas formas de estabilidade. O ascenso e o descenso social continuam sendo possíveis, mas
agora os mecanismos vão se formalizando e são controlados através de um ramificado sistema de instrução (escolas
superiores, escolas técnicas, escolas profissionais etc.). As novas camadas sociais não possuem a estabilidade das
classes, nem das castas, mas determinam o pertencimento, o prestígio, a influência e os novos tipos de comportamento
e modo de vida dos indivíduos.

3.3 A evolução do trabalho nas organizações industriais

No início da organização industrial, os camponeses, pequenos produtores, fazendeiros, artífices e artesãos foram
gradualmente separados do acesso à propriedade produtiva e independente dos meios de subsistência e forçados a se
submeterem a um mercado de trabalho, vender a sua força de trabalho mediante o recebimento de um salário. Embora
esta forma de organização seja uma fase essencial na evolução do capitalismo, não aconteceu de uma só vez e de forma
generalizada. Ao se separarem da propriedade produtiva, os indivíduos não aceitaram automaticamente as relações de
trabalho assalariadas. Houve uma intensa resistência, oposição e conflito contra a emergente organização da produção.
Para contornar a resistência, os capitalistas tiveram que instituir estratégias organizacionais que foram arquitetadas
para disciplinar o trabalho e extrair deste, mais produtividade. Foram os primeiros esforços para subordinar os
insubordináveis recursos humanos.
Entre as muitas descrições da transição para o capitalismo industrial, a mais comum é a que descreve a natureza
modificada do trabalho sob o capitalismo, envolvendo o contraste entre os artesãos pré-capitalistas - que possuíam
habilidades raras e exerciam total controle sobre o processo de trabalho - e o trabalhador da indústria - que não possuía
habilidades especiais e que poderia ser caracterizado como uma mera peça de máquina. Embora essa imagem nos seja
útil para caracterizar em linhas gerais a diferença essencial do trabalho desenvolvido na sociedade pré-capitalista e na
capitalista, devemos ressaltar que anteriormente ao capitalismo nem todo trabalho era do tipo artesanal. Da mesma
forma, sob o capitalismo moderno, nem todo indivíduo trabalha em uma linha produtiva. O que deve ficar claro é que
a ascensão do capitalismo destruiu um modo estabelecido de vida, particularmente a sua relação de trabalho. E o novo
modo de vida ameaçou segmentos da população que reagiram à escalada do capitalismo de mercado e se agarraram a
culturas alternativas, onde predominava a visão comunitária própria da vida rural, a indisciplina para o trabalho coletivo,
necessidade de lazer e a autonomia de decisão.

É importante destacar que o recurso humano então necessário ao sistema de fábrica emergente não poderia
simplesmente ser comprado, coletado ou controlado como outros fatores de produção. Uma explicação para isso é que
seres humanos desenvolvem tradições, identidades, laços de solidariedade e rotinas que não podem ser abandonadas
facilmente e substituídas. Estas tradições alimentaram a base para a luta política coletiva nos primórdios da
industrialização e forçaram os proprietários das indústrias a criar estratégias para o recrutamento de trabalhadores,
procurando controlar os vários aspectos sociais da existência humana.
A resistência operária estava baseada na manutenção das tradições culturais rompidas com a ascensão do novo modo
de produção. Em essência, nos fins do século XVIII e no XIX as reclamações diziam respeito principalmente à ascensão
de mestres de ofício sem a autoridade tradicional ou as obrigações, à perda do status e independência do trabalhador,
sua redução para total dependência em relação aos proprietários dos instrumentos de produção, ao rompimento da
economia familiar tradicional, à disciplina, à monotonia da rotina, à falta de liberdade de horário e condições de
trabalho, à perda de horas de lazer e à redução do homem para o status de um "instrumento". Os artesãos, em
particular, reagiram com mais intensidade e radicalização a esse processo de mudança no modo de produção, pois
percebiam que seu status e padrão de vida estavam sob ameaça ou se deteriorando, uma vez que sentiam a perda de
prestígio, a degradação económica, a perda do orgulho de possuir habilidade, a quebra de aspiração para ascensão a
mestre etc.
Em relação ao controle operário, o capitalismo criou, no âmbito da organização industrial, a divisão do trabalho na
produção onde cada atividade, ofício ou tarefa foi parcelado de tal modo que tornou o trabalhador incapaz de
acompanhar qualquer processo completo de produção. A divisão de trabalho na fábrica é diferente da divisão social do
trabalho que é característica de toda sociedade humana e condição de sua sobrevivência, como bem ilustra Braverman:

"A aranha tece, o urso pesca, o castor constrói diques e casas, mas o homem é simultaneamente
tecelão, pescador, construtor e mil outras coisas combinadas...”

Desse modo, cada homem desenvolve um trabalho que é social na medida em que pertence a uma divisão estabelecida
pela sociedade na qual cada um realiza um tipo de atividade. Somadas, as atividades tornam a espécie humana mais
capaz de sobreviver que outras espécies, que são incapazes de realizar trabalho
através de uma divisão social de ocupações ou ofícios. Ocorre que o capital, ao realizar a divisão do trabalho nas fábricas,
parcelou a ocupação ou ofício que pertence à divisão do trabalho na sociedade. Por exemplo, o ofício de tecelão
pertence à divisão social de trabalho na medida em que existem pessoas
que desenvolvem essa ocupação e possuem o conhecimento necessário
para a produção do tecido. Na sociedade industrial, o ofício deixa de existir,
substituído pela indústria têxtil, na qual o conhecimento de produção do
tecido é exclusivo do capitalista proprietário da fábrica; os trabalhadores
perdem esse conhecimento e realizam apenas uma parcela da atividade
necessária à produção do tecido.

É claro que essa transição não foi fácil. Como vimos, houve resistência e o
surgimento de uma identidade de interesses entre os diferentes ofícios que
anteriormente ao capitalismo não existiam. No início da Revolução
Industrial, havia ações de destruição de máquinas e equipamentos, os quais
eram tidos como responsáveis pela destruição de postos de trabalho. Um Trabalhadores luditas em ação promovendo a
desses movimentos radicais, o ludismo, ocorreu no início do século XIX na quebra de máquinas.
Inglaterra.
Do ponto de vista social, o fato que se sobressai do período entre 1790 e 1830, na Inglaterra, é a formação da "classe
operária". Esse fato nos é revelado pelo crescimento da consciência de classe, ou seja, da consciência de uma identidade
de interesses entre todos os diversos grupos de trabalhadores que se manifestavam contra os interesses de outras
classes. E, por outro lado, pelo crescimento de formas correspondentes de organização tanto ao nível político, quanto
ao nível da indústria.
A formação da classe operária é um fato político, cultural, económico e histórico. Ela não surgiu espontaneamente e
nem concomitantemente ao estabelecimento do sistema fabril. Os trabalhadores foram se conscientizando
gradativamente das novas relações produtivas, das novas condições de trabalho, e foram desenvolvendo novos hábitos,
costumes, novas rotinas que foram constituindo uma nova cultura, que pouco tinha a ver com a cultura tradicional
baseada em outras condições de trabalho. As relações produtivas modificadas pela Revolução Industrial fizeram surgir
novas condições de trabalho que foram impostas ao povo inglês (e posteriormente a outros povos). A classe operária
que surgiu foi se formando ao mesmo tempo em que se consolidava essa imposição.

Os trabalhadores de fábrica aos poucos formavam comunidades baseadas na capacidade humana para desenvolver
laços de solidariedade, novas rotinas e padrões comuns de interação. Essas relações sociais que se desenvolviam na
nascente organização industrial proporcionavam para o trabalhador uma fonte potencial de poder. A existência dessas
características proporcionou as primeiras lutas e movimentos sociais do período industrial. Essa característica do fator
humano na produção que, diferentemente de outros fatores de produção, não poderia ser dirigido ou controlado como
objeto, trouxe o problema da imprevisibilidade para a administração fabril.

É a organização social que distingue o trabalho dos outros fatores de produção. Os primeiros movimentos de resistência
dos trabalhadores, que eclodiram nos fins do século XVIII e XIX, estavam baseados na organização tradicional das
comunidades de origem dos operários e lutavam contra a ameaça do sistema capitalista ao seu modo de vida tradicional.
Portanto, os primeiros movimentos de trabalhadores visaram construir laços comunais de solidariedade que
procuravam reproduzir aqueles que existiam na sua comunidade de origem. Quanto ao aspecto administrativo era
necessário para o empresário capitalista criar um sistema burocrático que fosse imposto para controlar o conflito e
impor limites à solidariedade dos trabalhadores. O desafio de coordenar e controlar grandes contingentes de
trabalhadores dentro de uma única fábrica nunca tinha sido enfrentado em tal escala, e nesse sentido, podemos afirmar
que a administração racional e metodológica do trabalho era o problema central da administração no período da
Revolução Industrial e exigiu uma Juta profunda contra as
práticas tradicionais.

Um dos grandes problemas a serem enfrentados era que o trabalhador resistia a aceitar o conceito de "emprego
contínuo" e um tipo de emprego onde os empregadores estavam pouco dispostos a tolerar hábitos antigos de trabalho.
A necessidade de domesticar o fator humano era um desafio tão importante quanto os obstáculos técnicos que surgiam
e que deviam ser enfrentados. As tradições culturais e hábitos tradicionais dos trabalhadores eram obstáculos sociais
que exigiam uma ação social de controle significativa, pois para eles o conceito de disciplina industrial era novo e este
era um problema administrativo para o qual não existia um remédio fácil. Era necessária inovação. As rotinas e os modos
de vida do passado não puderam ser apagados facilmente das mentes dos indivíduos. O sistema de fábrica emergente
contrastou enormemente com os antigos modos da atividade económica, que permitiam grande liberdade e autonomia
para muitos trabalhadores. Para esses que cresceram sob o sistema pré-industrial, a adaptação à disciplina do novo
sistema não foi fácil; esta é uma razão por que o trabalho infantil oferecia uma solução parcial para os empresários.
Trabalhadores jovens eram mais fáceis de coagir e controlar, eles não tinham desenvolvido ainda uma tradição de
trabalho e por isso não sentiam a afronta ao seu modo de vida, como acontecia com os trabalhadores estabelecidos e
mais velhos.

Dessa forma, a segunda geração de trabalhadores não "contaminados" por hábitos pré-industriais de trabalho e lazer
apresentava uma situação diferente de problemas para a administração. Um aspecto paradoxal do problema era que a
primeira geração de capitalistas teve dificuldades com a geração existente de trabalhadores que eram. os mais capazes
e qualificados, porém, não os mais dispostos a aceitar a cultura fabril baseada na disciplina industrial. O tradicionalismo,
a cultura tradicional baseada nos costumes pré-capitalistas, foi o obstáculo principal à execução da disciplina dentro da
fábrica.

Nos Estados Unidos da América, a heterogeneidade do fator trabalho, acrescida pelo fluxo constante de imigrantes,
resultou em uma variedade de problemas culturais e normas que não se ajustaram suavemente à máquina industrial
emergente. Houve um duplo desafio para a administração: a necessidade de transformar os hábitos de trabalho
tradicionais e superar os obstáculos culturais nacionais particulares para uniformizar o controle administrativo. A
dinâmica histórica da industrialização americana envolve a interação entre o sistema de fábrica emergente e os hábitos
de trabalho tradicionais e a tendência em se ignorar a disciplina. Envolvem de outro modo as estratégias administrativas
para quebrar as tradições e aumentar a disciplina, assim como a oposição e resistência do trabalho em relação a este
sistema de controle. Esta situação ocorre pela natureza sem igual do trabalho, pois entre os fatores de produção só os
humanos trazem a bagagem cultural.

Os homens e mulheres que vendem a sua força de trabalho a um empregador trazem mais para as novas relações de
trabalho do que a sua mera presença física; introduzem e provocam modificações culturais importantes na nova
organização industrial. Os operários, seja sua origem de extração rural ou imigrante europeu, trouxeram hábitos de
trabalho pré-industriais que condicionaram suas respostas para o ambiente que encontraram na nova sociedade
industrial. Além das normas culturais trazidas do ambiente rural ou de outras comunidades pré-capitalistas, havia-
outras que se desenvolveram dentro das fábricas e que não serviam ao desenvolvimento da produção capitalista. No
início, foram adquiridos hábitos de trabalho que dificultavam a submissão dos trabalhadores às regras e regulamentos
(por exemplo, a executarem um número fixo de horas). Esta situação restringia a produção e as cotas informais
estabelecidas pelos empresários.

Os problemas iniciais, que indicavam uma dificuldade de submissão dos trabalhadores às regras capitalistas emergentes,
é que induziram ao desenvolvimento dos sistemas de controle de administração científicos. As primeiras medidas foram
projetadas para mudar as atitudes e hábitos de trabalho associados com a cultura tradicional. Foram estratégias que
descambaram para uma orientação paternalista do trabalho, que ditou certas formas de organização que resultaram
em um sistema personalizado de emprego, recrutamento e controle operário. Aceitou-se um sistema familiar que
poderia aliviar a transição para o sistema fabril e evitar a oposição ao novo modo de vida. O sistema de controle
paternalista deu origem a um sistema de subcontratação, que mantinha as relações familiares entre os trabalhadores,
recrutados por um intermediário. Esta estratégia foi útil também, porque aos proprietários faltava conhecimento
suficiente sobre as técnicas de produção e o processo de trabalho. Desse modo, o subcontratante (intermediário)
passou a assumir, na prática, as tarefas administrativas de organização e motivação para o trabalho.

O sistema de subcontratação pode ser visto como uma fase transitória para um sistema contratual mais burocrático de
controle de trabalho. Outros métodos, não paternalistas, foram sendo criados para superar os problemas de disciplina
na fábrica. Os empresários utilizaram várias punições contra os trabalhadores, como o castigo físico de crianças,
demissão ou ameaça de demissão, multas por atraso, por ausência do trabalho ou por insubordinação. Incentivos, como
pagamento por resultados, também foram utilizados como meio para atrair os trabalhadores e maximizar os esforços
de trabalho. Para os capitalistas o problema central persistia, ou seja, a disposição dos trabalhadores para hábitos de
trabalho irregulares, motivados por uma concepção de vida para a qual a renda de subsistência era suficiente. A lógica
motivacional que dirige o sistema de trabalho assalariado não podia se basear nessa concepção de vida. Havia a
necessidade de alimentar a possibilidade de aumentar o ganho individual, baseado numa visão particular do
comportamento humano. Ou seja, até mesmo quando certo nível de subsistência fosse alcançado, as pessoas haveriam
de querer ganhar mais dinheiro e consumir mais artigos e, então, teriam um incentivo para continuar trabalhando. Esta
é a base motivacional do trabalho assalariado, baseado na insatisfação permanente das condições de vida individual.

As pessoas foram convencidas, no novo sistema, de que a satisfação de seus interesses pessoais se realizaria na
perseguição do lucro económico, e não em metas não económicas, como era crença em períodos anteriores. Do ponto
de vista administrativo a natureza não programável do recurso humano fazia do controle previsível algo completamente
impossível. Os fatores de produção, como as máquinas e ferramentas, se estivessem desajustados poderiam ser
adaptados a qualquer nova situação, pois, ao contrário do fator humano de produção, aqueles não opõem resistência,
nunca estão desestimulados, e estão sempre disponíveis. A princípio, a utopia do pessoal dos quadros de administração
das empresas era a expectativa de que a máquina humana
pudesse ser controlada pelas mesmas regras que governavam a
operação das máquinas. E foi Frederick Taylor o principal teórico
que desenvolveu os conceitos da administração científica,
idealizada com o objetivo de tentar criar uma verdadeira
máquina humana através da combinação dos princípios da
engenharia com o método científico.

Manifestações de trabalhadores se tornaram comuns ao


longo de todo o século XX.
Resumo

Ao longo do capítulo, vimos que anteriormente à revolução ocasionada pelas fábricas existiam organizações pré-
industriais que tiveram um papel preponderante em sua época, destacando-se: as corporações de ofício, as
manufaturas e as companhias de comércio. As corporações de oficio constituíram uma forma de organização
importante em toda a Idade Média europeia, e sua forma de organização privilegiava a qualidade do produto, que só
era produzida por um grupo maduro de companheiros liderados por um mestre de oficio. Estas guildas, como eram
também conhecidas, perduraram no Brasil até o século XIX, envolvendo numerosos ofícios e ocupações.
A manufatura permitiu a experimentação de certa divisão de trabalho na qual a alienação do trabalhador não era tão
evidente, constituindo-se numa forma de cooperação simples, como bem o demonstrou Marx.

As companhias de comércio constituíram organizações de maior porte, com alto grau de agressividade comercial e que
visavam a curto ou médio prazo ao maior retorno possível de capital empregado pelos acionistas. Envolveram-se em
guerras de conquista, ocupação de territórios e durante certo tempo, principalmente entre os séculos XVI e XVII, em
companhias que atuavam em determinados espaços do planeta, antecipando-se às multinacionais como empresas que
atuavam fora do seu âmbito territorial nativo. No Brasil, estas companhias foram constituídas como empreendimentos
comerciais pelos portugueses visando à exploração económica de determinadas regiões. O Nordeste, por exemplo, foi
palco de ocupação durante alguns anos pela Companhia Holandesa das índias Ocidentais. A Revolução Industrial trouxe
em seu bojo uma nova forma de organização, a indústria, que sofreu durante o século XIX mudanças no sentido de sua
adaptação às novas formas em que se organizava a sociedade, sofrendo influências para se manter como principal
organização fornecedora de utilidades para a população.

Seu sucesso, como organização, é decorrência das mudanças culturais ocorridas em seu interior, com a adequação da
mão-de-obra às novas exigências de produtividade. Vimos que a Revolução Industrial ocorreu em dois tempos. A
Primeira Revolução Industrial, que introduziu as mudanças que provocariam a derrocada do antigo modo de vida,
caracterizou-se pela utilização da máquina a vapor e baseou-se nos setores algodoeiro e siderúrgico, sendo a principal
fonte de energia carvão mineral.

Num segundo momento, ocorre a Segunda Revolução Industrial, que viria a organizar a desordem inicial. Esse período
foi marcado pela ampliação dos mercados e um intenso desenvolvimento técnico e organizacional. Novos tipos de
combustíveis são utilizados, tanto líquidos quanto gasosos, e surge uma nova fonte de energia: a elétrica. Quanto à
gestão organizacional, é o período em que se adotam métodos científicos de racionalização do trabalho.

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