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Sobre a incerteza instrumental

Este material1 tem como objetivo principal esclarecer algumas dúvidas de como a incerteza (𝑢)
tipo B, associada à resolução de um instrumento pode ser obtida.

Deve-se ressaltar que essa componente de incerteza poderá ser posteriormente combinada com
uma componente de incerteza tipo A (associada à repetitividade ou repetibilidade da medida)
bem como a outras componentes tipo B, associadas a outras grandezas de influência que
possam afetar uma medida direta (por exemplo: paralaxe, variação da temperatura, etc...)

A incerteza de resolução associada a instrumentos analógicos

É importante deixar claro que existem diversas formas de se obter/estimar a incerteza


instrumental obtidas através da leitura de um instrumento, e associada à sua resolução, não
constituindo assim o seu valor uma verdade absoluta. Este valor de incerteza poderá variar de
acordo com diversos fatores como, por exemplo: a experiência do usuário que irá realizar a
medida, a resolução e a escala do instrumento, a “construção” do instrumento, seu material,
dentre outras grandezas de influência.

Desta forma, iremos citar algumas formas de como esta incerteza pode ser obtida a partir da
resolução do instrumento, bem como alguns exemplos que justificam a sua utilização em
determinados casos. No entanto, nenhum dos exemplos pode ser visto como definitivo,
podendo ainda outros valores de incerteza serem adotados.

Neste item, vamos utilizar como resolução de um instrumento (𝑟 = 2𝑎) como sendo a menor
indicação das marcas da escala deste instrumento. Desta forma, uma régua com escala
milimétrica possui uma resolução de (𝑟 = 1𝑚𝑚), já um paquímetro com nônio de 50 divisões,
possui uma resolução de (𝑟 = 0.02𝑚𝑚).

1- A incerteza como a menor divisão de escala


A incerteza instrumental pode ser dada pela menor divisão de escala do instrumento utilizado:

𝑢 = 𝑟 = 2𝑎

2- A incerteza como a menor divisão de escala dividida por 2


Outra forma de se obter a incerteza instrumental é através da menor divisão de escala do
instrumento dividida por 2:
𝑟
𝑢= =𝑎
2
3- A incerteza como a menor divisão de escala dividida por 2√3
Recentemente, a incerteza instrumental tem sido relacionada com a distribuição de uma
variável aleatória uniforme, de intervalo [−𝑎, 𝑎]. Desta forma, esta incerteza pode ser vista
como sendo o desvio padrão desta distribuição:
𝑟 𝑎
𝑢= =
2√3 √3

1
Material adaptado de: https://www.isobudgets.com/calculate-resolution-uncertainty/
Diante de tantas formas de se obter uma incerteza tipo B de uma medida direta, associada à
resolução do instrumento, como podemos determinar esta incerteza? Para isso, ilustramos
alguns casos onde cada uma das formas é utilizada.

Exemplo 1 – medidas com uma régua:


Medidas obtidas através de uma régua com menor divisão de escala igual a 𝑟 = 0,5𝑐𝑚 (medida
1) e 𝑟 = 0,1𝑐𝑚 (medida 2) em condições ideais, i.e., o operador possui uma boa experiência, o
mensurando é uniforme, e é possível obter um bom posicionamento do objeto com relação ao
instrumento de medida.

Figura 1- Exemplo de medidas obtidas com uma régua com resolução de 0,5 cm e outra com
resolução milimétrica (0,1 cm).

Medida 1

Medida 2

Medida 1: 3,6 ± 0,2 𝑐𝑚 – Intervalo determinado a partir da incerteza como sendo a menor
divisão de escala dividida por 2√3, arredondada para cima.

Medida 2: 3,65 ± 0,03 𝑐𝑚 – intervalo como sendo a menor divisão de escala dividida por 2√3,
arredondada para cima.

Em ambos os casos a incerteza foi obtida como sendo a menor divisão de escala dividida por
2√3, arredondada para cima. Neste caso, observe que é possível ter uma boa confiança de que
o valor verdadeiro está dentro deste intervalo. De certa forma, a baixa resolução pode ser
“compensada” pelo fato de que é possível obter uma boa visualização do resultado, da
experiência do operador e do bom posicionamento do objeto com relação ao instrumento de
medida.

No entanto, se considerarmos que essas medidas foram tomadas nas mesmas condições, mas
com um operador não tão experiente, ainda assim seria razoável adotar a incerteza da medida
1 como sendo a menor divisão de escala dividida por 2√3, arredondada para cima. Mas, para a
medida 2, talvez fosse mais interessante considerarmos uma incerteza um pouco maior, como,
por exemplo, o valor da menor divisão da escala dividida por 2.

Medida 1: 3,6 ± 0,2 𝑐𝑚 – incerteza como sendo a menor divisão de escala dividida por 2√3,
arredondada para cima.

Medida 2: 3,65 ± 0,05 𝑐𝑚– incerteza como sendo a menor divisão de escala dividida por 2,
arredondada para cima.

Observe que, dependendo da acuidade visual do operador, talvez até mesmo a incerteza da
medida 1 pudesse ser dada pela menor divisão da escala dividida por 2.
Exemplo 2 – medidas com um paquímetro:
O paquímetro (Figura 2) permite obter medições externas, internas e de profundidade de uma
peça (Figura 3), com resolução de décimos ou centésimos de mm. O paquímetro tem um cursor
móvel (que desliza sobre uma haste) no qual se encontram: parte da orelha, o encosto móvel e
a gravação da escala especial (nônio ou vernier), que permite efetuar leituras de frações da
menor divisão da escala. O procedimento para leitura de um paquímetro exige conhecimento e
atenção.

A escala do nônio pode estar dividida em 10, 20 ou 50 partes iguais. O paquímetro está
construído de tal forma que a resolução da medida será o menor valor da escala fixa (régua) (em
geral igual a 1mm) dividida pelo número de divisões da escala móvel (nônio), ou seja,
respectivamente:

Nônio com 10 divisões: 1/10 = 0,1mm

Nônio com 20 divisões:1/20 = 0,05mm

Nônio com 50 divisões:1/50 = 0,02mm

A incerteza associada à resolução pode ser considerada como: (menor divisão do nônio / 2√3 );
ou a metade da menor divisão do nônio, ou apenas como a menor divisão do nônio (no caso de
nônio com 50 divisões, em que as divisões são muito pequenas, é comum considerar a incerteza
como sendo a menor divisão do nônio). Na Figura 4 está representado um paquímetro com
nônio de 10 divisões (resolução de 0,1 mm e incerteza “instrumental” de medida igual a 0,03
mm ou 0,05 mm ou 0,1 mm, dependendo da experiência e da acuidade visual do operador).

Para se fazer a medida com o paquímetro, deve-se fazer primeiramente a leitura na régua
(escala fixa) do valor (com resolução em mm) onde está posicionado o zero do nônio. Em
seguida, deve-se observar qual o traço do nônio que coincide exatamente com um traço da
escala fixa. A leitura do traço coincidente do nônio fornecerá os décimos ou centésimos de
milímetros da medida. Um exemplo de medida está apresentado na Figura 4, com um
paquímetro de nônio com 10 divisões (resolução de 0,1mm).

Em todas as medidas com paquímetro, deve-se estar atento com os seguintes cuidados:

• Garantir um contato suave com as superfícies da peça a ser medida, para não a danificar,
nem resultar em medidas falsas.

• Manter a posição correta do paquímetro em relação à peça, pois inclinações do


instrumento alteram as medidas.

• Limpar as superfícies de encosto antes de realizar as medidas, e posicionar a peça a ser


medida entre os encostos (e não entre os bicos).

• Manter o instrumento em posição perpendicular aos olhos para reduzir a incerteza da


leitura ligada à paralaxe.

Figura 2 - Componentes do paquímetro.


Fonte: https://hennings.com.br/paquimetro-universal-detalhamento-e-utilizacao/

Figura 3 - Tipos de Medidas com o paquímetro.

Fonte: https://hennings.com.br/paquimetro-universal-detalhamento-e-utilizacao/
Figura 4 - Exemplo de medida com paquímetro, com nônio de 10 divisões.

Medida: 12,40 ± 0,03 𝑚𝑚 – incerteza como sendo a menor divisão de escala dividida por 2√3,
arredondada para cima.

Exemplo 3 – medidas com um micrômetro:

A ideia do micrômetro (Figura 5) é fazer um “zoom” entre as menores divisões de uma régua,
como se fosse uma lente de aumento, através da ação de um parafuso. Cada volta completa da
peça denominada tambor (escala móvel) equivale à volta de um parafuso, e corresponde a um
passo, que é a distância entre dois filetes do parafuso. Assim, se um passo mede 0,5mm e o
tambor tem 50 divisões, cada divisão corresponde a 0,5 mm/50 = 0,01mm. O estribo (ou arco),
a catraca (parafuso micrométrico) e as pontas de medição (esperas) são feitas de material
especial de forma a evitar tensões e dilatação devido ao calor, fornecendo a dureza necessária
para evitar desgaste devido ao atrito. O procedimento para leitura de um micrômetro deve ter
as etapas:

• Colocar o objeto a ser medido entre as faces das esperas.

• Girar o tambor até que as faces encostem suavemente no objeto.

• Em seguida, utilizar a catraca, que está devidamente regulada para oferecer a pressão
necessária para realizar a medida. Tentar utilizar sempre o mesmo número de estalos em todas
as medidas.

• Não usar força para fazer a medida.

Figura 5 - Componentes do micrômetro.


Fonte: Toginho Filho, D. O., Zapparoli, F. V. D., Pantoja, J. C. S., Catálogo de Experimentos do
Laboratório Integrado de Física Geral, Departamento de Física, Universidade Estadual de
Londrina, Junho de 2010, disponível em:
http://www.uel.br/pessoal/renatoikeoka/pages/arquivos/Modelos%20e%20textos/Uso_do_m
icrometro.pdf

Nota: nunca aplicar pressão à peça, a não ser por meio da catraca que aplica uma pressão
padronizada. A ideia deste procedimento é que a medição realizada possa ser repetida por outro
operador, sem que a força tenha efeito extra, além da especificada no manual do equipamento,
sobre a incerteza da medição.

• Não ultrapassar o limite máximo de medida do micrômetro

• Identificar o traço da escala fixa (retilínea) visível antes da borda do tambor. Manter os
olhos alinhados para evitar erros de paralaxe.

• Identificar no tambor a fração da medida.

• Somar os valores das leituras da escala linear com a da escala circular e a indicação do
nônio.

• Ao terminar a medida, colocar as esperas próximas (com um vão de 1 a 2 mm). Não


deixar o micrômetro aberto e nem com as esperas pressionadas.

O micrômetro do laboratório possui, além do tambor, um nônio (similar ao do paquímetro), que


permite medidas com resolução de 0,001 mm (o que corresponderia a uma incerteza de 0,0005
mm ou 0,001 mm, dependendo da experiência e da acuidade visual do operador). Na Figura 6
está um exemplo de leitura com o micrômetro de nônio. Lembrar que deve ser identificado o
traço do nônio que coincide com algum traço do tambor. O último algarismo da medida será
então o valor deste traço do nônio. A incerteza neste caso poderia ser adotada como metade da
menor divisão do nônio. Na prática, nestes casos em que a resolução já é bem pequena (0,001
mm), costuma-se considerar a incerteza instrumental como sendo a própria resolução,
considerando-se a própria limitação visual na medida.

Figura 6 - Exemplo de medida com um micrômetro com resolução de 0,001𝑚𝑚.


A medida obtida por este instrumento seria 20,618 ± 0,001 𝑚𝑚. Como a menor divisão de
escala deste instrumento já é bem pequena, podemos estimar a incerteza como sendo a própria
resolução, considerando-se a própria limitação visual na medida.

A incerteza associada a instrumentos digitais


A incerteza associada a instrumentos digitais costuma ser fornecida pelo fabricante do
instrumento, uma vez que depende de diversos fatores que não estão disponíveis para o
usuário. Em geral, está relacionada com os componentes que constituem o equipamento, bem
como a sua devida calibração. Alguns destes fatores serão vistos na aula e experimento sobre
conversores analógico-digital. No entanto, caso este valor não seja fornecido pelo fabricante, ou
não seja possível obter este valor, é comum considerar esta incerteza calculada a partir da
resolução, ou seja, a variação do menor dígito da escala dividida por 2√3,
𝑟 𝑎
𝑢= =
2√3 √3
Essa estimativa é justificada pela possibilidade de se associar a resolução de um display digital
com uma distribuição retangular, e tomar a incerteza da medida como sendo o desvio padrão
dessa distribuição.

Exemplo 4 – medidas com uma balança digital:


No laboratório, as medidas de massa serão feitas com uma balança digital (como a ilustrada na
Figura 7). Em geral, a resolução da balança disponível no laboratório (ou seja, o menor dígito de
medida) é d=0,01 g (algumas possuem d=0,02 g, outras d=0,001 g, então é sempre importante
verificar as informações do instrumento). No caso da balança com resolução igual a d=0,01 g, o
fabricante especifica o valor de tolerância igual a e=0,1 g, que corresponde à máxima variação
nos resultados de medidas com a balança. A incerteza poderá então ser estimada como sendo
𝑒
o valor da tolerância 𝑒 dividido por 2√3, ou seja, . Este exemplo mostra que nem sempre a
2√3
resolução do equipamento é a fonte principal da sua incerteza. No caso da balança, há aspectos
no seu uso que são uma ordem de grandeza mais importante. Assim, deve-se mantê-la sempre
nivelada e evitar movê-la de sua posição (por exemplo, a calibração em balanças analíticas deve
ser feita exatamente no mesmo lugar em que será utilizada); - zerar a balança antes de efetuar
cada medição (através da tecla “TARA”, reduzindo-se efeitos de deriva térmica dos
componentes); posicionar a peça no centro do prato e utilizá-la sempre conforme especificado
pelo fabricante.

Sempre verificar e anotar o valor da resolução e da tolerância antes de efetuar as medidas.

Figura 7 - Balança Digital

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