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TÓPICO 12 – Investidura Monástica

12.8 – Relação entre mestre e discípulos

RELAÇÃO MESTRE/DISCÍPULO
Ápio Ricci (Monge Chudô)

Ainda que o Japão moderno passe por mudanças profundas em sua sociedade
com a influência da cultura ocidental, algumas relações e tradições se mantém
praticamente intactas. Mesmo que tenhamos notícias de alunos do Kôkô,
ensino médio japonês, agredindo professores e portando facas, isso ainda são
fatos isolados, ocorrendo em número muito baixo. Embora a relação professor-
aluno esteja sentindo a invasão ocidental, a relação Mestre-discípulo,
observada principalmente nos Dôjô, se mantém sólida. Mas em que se baseia
exatamente essa relação? Em primeiro lugar, assim como o Bushidô, o Código
de Ética dos Samurai, ela não é algo que esteja escrito em algum lugar, é uma
relação que se cria e se consolida com o tempo. Para nós ocidentais esse tipo
de relacionamento é muito difícil de entender e aceitar, somos criados muito
“soltos”, mesmo os que vem de uma educação rígida, são cheios de vontades,
de quero e não quero, vaidades, egos e ciúmes. O próprio processo de
aceitação do discípulo por parte do Mestre já é motivo de olhares de
reprovação pelo ocidental. Temos pressa, a vida corrida e acelerada da era da
internet não permite perdas de tempo. Abrimos um ou dois sites, vamos direto
para o endereço, afinal tem que ser perto de casa, depois percorremos o
quadro de horários e procuramos um que melhor se adapte à nossa rotina de
vida. Feito isso vamos à academia já prontos para fazer uma aula
experimental, perfeito, é isso, nos matriculamos. Em tempos mais antigos, mas
não muito mais, pois ainda há Dôjô assim no Japão, o postulante a discípulo
seria deixado esperando dias, meses, as vezes anos antes de sequer ser
ouvido pelo Mestre. Era um teste para sua perseverança, sua força de vontade.
Após trocas de referências e indicações, conversas e entrevistas particulares, o
postulante poderia ou não ser aceito, mas mesmo que o fosse, ainda não seria
chamado de discípulo e nem chamaria seu professor de Mestre, pois como
escrevi ali em cima, essa é uma relação que vai se criando com o tempo, com
a convivência.
Um bom Mestre não é aquele que é seu amigo, nos tempos de hoje, não é
aquela pessoa que você e ele saem juntos da academia e vão tomar um
chopinho ou comer uma pizza, não é aquele que vai na sua casa nos finais de
semana, ou aquele que você abraça e dás tapinhas nas costas. Um Mestre não
é aquele que lhe faz afagos no ego, que o elogia, mas não o critica na frente
dos outros. A função principal do Mestre é fazer você desistir de continuar com
ele, procurar outra pessoa, não porque ele não seja bom ou ao contrário,
porque seja bom demais para você, mas simplesmente para lhe testar. A
função do Mestre é quebrar o aluno, destruir seu ego e fazer surgir um
discípulo, uma pessoa pronta para ouvir seus ensinamentos, aceitá-los e talvez
tornar-se ele próprio um Mestre.
Ao discípulo cabe ser silente, obediente e não resistente. Você não é obrigado
a concordar com tudo que seu Mestre diz, aliás, não deve e aí reside um
grande treinamento, mas deve respeitar e aceitar. Se isso for muito difícil para
você, esse não deve ser seu Mestre, diga adeus e procure outra pessoa, não
se recrimine, não se julgue e não julgue o Mestre, ele apenas não é seu
Mestre, vocês não construíram uma relação. Muitas pessoas conseguem ficar
uma vida inteira treinando com uma pessoa a quem não chamam de Mestre,
mas como uma pessoa que não ama aquele com quem vive e na primeira
dificuldade ou tensão abandona o lar, eles darão as costas ao professor e irão
atrás de outra academia. Esses praticantes são aqueles que ficam trocando de
academias, trocam por uma mais perto de casa ou com mensalidade mais
barata. O verdadeiro discípulo, aquele que encontrou, aceitou e foi aceito por
seu Mestre e cuja a relação se fez, é aquele praticante que diz Hai, mesmo não
entendendo a razão, até porque em muitas das vezes, somos ignorantes
demais para perceber os motivos e os sentimentos por trás de um
ensinamento. Existem muitas histórias Zen sobre Mestres que mandam seus
alunos molhar as plantas em dias de chuva, ou construir e destruir muitas
vezes algumas torres de pedras. Aceitar e se prontificar as ser um discípulo é
antes de mais nada uma grande demonstração de humildade, pois muitas
vezes o discípulo abre mão de sua própria vida para servir à outra pessoa, sua
vida passa a não ter mais importância, o sentido de sua vida é servir seu
Mestre, esse é o significado da palavra Samurai, “aquele que serve”.
Para ilustrar esse sentimento, existe uma história de um Samurai que foi
encarregado de proteger a esposa e filha do seu senhor durante uma viagem
perigosa entre duas cidades do Japão feudal. Era uma época difícil e muitos
feudos atacavam caravanas de rivais para saquear ou por vingança. No
caminho o comboio foi atacado e muitas pessoas morreram, inclusive a esposa
e filha do Senhor Feudal. Quando o Senhor descobriu o ataque correu para o
local e foi logo gritando com seu vassalo, acusando-o de incompetência. Nesse
momento o Samurai abriu as cortinas do Riquixá mostrando suas próprias
esposa e filha. Ele havia mandado a esposa e filha do Senhor feudal por outro
caminho, colocando sua própria família no lugar da família de seu senhor.
PROFESSORES E MESTRES, ALUNOS E DISCÍPULOS

Quem viu aquele filme "Zen", sobre a história de Dogen? Lembram que ele vai
à China procurando mestres e quantas vezes ele se desilude, a tal ponto de
desistir? Até que ele encontra aquele que nós recitamos o nome hoje, "Tendô
Nyojo", e então ele vê em Tendô Nyojo um mestre que pode conduzi-lo. Ele
fica com Tendô Nyojo por cinco anos praticando. Mas ele já praticava desde os
doze anos de idade, já era monge desde os doze anos de idade. Naquela
época podia-se entrar num mosteiro muito cedo, um órfão como ele era. Então,
o problema não mudou, pois em mil duzentos e tanto Dogen já sentia esse
problema e escrevia: “que lamentável que os monges de hoje não sejam como
os antigos, que os mestre não sejam como os mestres antigos". E lamenta a
pobreza espiritual das pessoas que ele encontra.

Na verdade, essa é uma queixa de sempre. Sempre foi assim e continua sendo
hoje. Então nós temos que olhar com cuidado. Tem um ditado do budismo
tibetano "examine seu mestre por oito anos antes de aceitá-lo". Observe-o
durante oito anos e depois de oito anos: "ah sim, vou aceitar este como meu
mestre, eu realmente quero aceitar". 

É interessante falar um pouquinho sobre a diferença entre aluno e discípulo.


Aluno não é problema, nesse momento todos vocês são meus alunos. Todo
mundo sentou aqui e aceitou ouvir uma aula, não é? Então todo mundo é aluno
e eu neste momento, professor. Explico, vocês aceitam. Você pode sair e dizer:
"ah gostei disso, não gostei daquilo outro, não concordei com aquilo", não tem
problema nenhum, você é aluno, vem eventualmente às palestras e só. Não há
nenhum compromisso ou vínculo especial.

Mas discípulo é outra coisa.

Quando alguém diz: "eu queria que o senhor fosse meu mestre", eu entendo:
"você está pedindo para ser meu discípulo". É uma relação mais próxima. Quer
dizer o que? O aluno me acompanhará, estará sob a minha orientação
constante, e o que eu disser não será discutido. Não vai mais ser discutido. Se
eu disser "esse chão é de madeira", você tem que olhar para o chão e dizer:
"ele diz que é de madeira. Então minha concepção de cerâmica está errada.
Cerâmica é madeira. Porque ele disse que cerâmica é madeira? Vou ter que
entender isso”. Mas não tem uma contestação. Tem um "eu é que devo estar
enganando, então vou pensar a respeito". Aí daqui a dois anos, se eu entender
porquê cerâmica é madeira, digo: "ah, muito obrigado por ter me ensinado
aquilo".

É completamente diferente a relação de discípulo com mestre. É próxima.


Sento na frente do meu mestre e ele diz: "Ah, eu vou à Cuba, você quer ir junto
comigo à Cuba?", eu digo, "é claro, eu quero." Depois meu mestre vem e diz:
"ah desisti de ir à Cuba", e eu digo: "sim senhor", e ele: "quem sabe você não
vai sozinho?". E eu fiquei na frente dele: "sozinho? Ele: “É, aham". O que vou
fazer? Não posso discutir com ele, não tem discussão. Discípulo é alguém que
vai seguir um caminho porque quer chegar naquilo que o seu Mestre tem para
ensinar. É outra coisa.

Então tem três qualidades para o discípulo: silente, não resistente e obediente.
Você tem que escolher, silente, não resistente e obediente. Não dá para gente
ficar lutando com aluno para convencê-lo de alguma coisa.

Alguém já estudou música? Ó, tem um bocado de músicos, né. Qual


instrumento? Só teoria? Vários? Quando era jovem tocava violino. Lembro que
estava com um professor chamado Friedrich, Seu Frederico, disse que em um
concerto tinha que tocar determinado dedilhado. E eu perguntei: "mas esse
outro dedilhado aqui não fica mais fácil? Ele parou um pouquinho e disse:
"quando você for um virtuose, você toca do jeito que você quiser, mas
enquanto estiver aprendendo comigo, faz o que estou falando, entendeu"?
Recém está começando e quer achar que tem uma solução melhor que o
professor que está ensinando.

Essa lição nunca saiu da minha cabeça. "A postura é essa, faça essa curvatura
lombar". Já me aconteceu em Florianópolis de chegar um rapaz e dizer: "acho
que minha mão esquerda tem que ficar embaixo da direita pois sou canhoto".
Não tem condições de ficar discutindo cada detalhe. "Não gostei dessa
posição." Você recém chegou, tem que esperar, daqui a vinte anos você
inventa alguma coisa nova, mas agora, não. Mas o que acontece com aqueles
que passaram vinte anos treinando? Eles não discutem mais. "Porque tem que
limpar o prato com o pão se depois vai ser lavado?" Não é assunto para ser
discutido. O Mestre disse que é assim, limpa o prato com o pão e come o pão. 
Fonte:
https://opicodamontanha.blogspot.com/2015/04/professores-e-mestres-alunos-e.html
ALUNO NÃO É DISCÍPULO

Retornando, nós temos um engano a respeito de "a prática é a iluminação".


Isso é uma maneira de ensinar para desarmar aquele objetivo egóico. Mas na
verdade, a prática é um meio e não é a iluminação, pois você pode ser muito
bom praticante formalmente e não ter iluminação nenhuma. Às vezes a gente
vê monges e ou praticantes e você pensa, "ah, ele tem tal graduação, chegou a
tal ponto, está treinando há vinte anos". Aí ele grita com raiva ou ri das pessoas
quando erram, ou qualquer coisa assim. Lhe falta uma qualidade compassiva.
Na verdade, faltou algo. Porque a iluminação não é assim. Nós deveríamos
procurar quem possa nos guiar no caminho do despertar. Então mestres de
iluminação são raros. Nós temos que procurar denodadamente.

Quem viu aquele filme "Zen", sobre a história de Dogen? Lembram que ele vai
à China procurando mestres e quantas vezes ele se desilude, a tal ponto de
pensar em  desistir? Até que ele encontra aquele que nós recitamos o nome
hoje, Tendô Nyojo, e ele vê em Tendô Nyojo um mestre que pode conduzi-lo.
Ele fica com ele por cinco anos praticando. Mas ele já praticava desde os doze
anos de idade, já era monge desde os doze anos de idade. Naquela época
podia-se entrar num mosteiro muito cedo, um órfão como ele era. O problema
não mudou, pois em mil duzentos e tanto Dogen já sentia isto e escrevia: “que
lamentável que os monges de hoje não sejam como os antigos, que os mestre
não sejam como os mestres de outrora". E lamenta a pobreza espiritual das
pessoas que ele encontra.

Na verdade, essa é uma queixa de sempre. Sempre foi assim e continua sendo
hoje. Nós temos que olhar com cuidado. Há um ditado do budismo tibetano
"examine seu mestre por oito anos antes de aceitá-lo". Observe-o durante oito
anos e depois de oito anos: "ah sim, vou aceitar este como meu mestre, eu
realmente quero aceitar". É interessante falar um pouquinho sobre a diferença
entre aluno e discípulo. Aluno não é problema, nesse momento todos vocês
são meus alunos. Todo mundo sentou aqui e aceitou ouvir uma aula, não é?
Então todo mundo é aluno e eu neste momento, professor. Explico, vocês
aceitam. Você pode sair e dizer: "ah gostei disso, não gostei daquilo outro, não
concordei com aquilo", não tem problema nenhum, você é aluno, vem
eventualmente às palestras e só. Não há nenhum compromisso ou vínculo
especial.

Mas discípulo é outra coisa.


Quando alguém diz: "eu queria que o senhor fosse meu mestre", eu entendo:
"você está pedindo para ser meu discípulo". É uma relação mais próxima. Quer
dizer o que? O aluno me acompanhará, estará sob a minha orientação
constante, e o que eu disser não será discutido.  Se eu disser "esse chão é de
madeira", você tem que olhar para o chão e dizer: "ele diz que é de madeira.
Então minha concepção de cerâmica está errada. Cerâmica é madeira. Por quê
ele disse que cerâmica é madeira? Vou ter que entender isso”. Mas não há
uma contestação. Tem um "eu é que devo estar enganado, então vou pensar a
respeito". Aí daqui a dois anos, se eu entender porquê cerâmica é madeira,
digo: "ah, muito obrigado por ter me ensinado aquilo".
Fonte:
https://opicodamontanha.blogspot.com/2015/02/aluno-nao-e-discipulo.html

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