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UTILIZAÇÃO DE TIJOLOS SOLO-CIMENTO NA CONSTRUÇÃO

DE CASAS POPULARES: TREINAMENTO DE MÃO-DE-OBRA E


RESULTADOS

Maria Estânia Mendonça Passos


Prof. CEFET-MG, Eng. Civil, Doutoranda no PPGEC/UFSC,
estania@civil.des.cefetmg.br

Suzana Maria Zatti Lima


Prof. CEFET-MG, Eng. Civil
zattilima@edi.deii.cefetmg.br

Flávio Antônio dos Santos


Prof. CEFET-MG, Eng. Civil, Doutor,
flavio@dppg.cefetmg.br

ABSTRACT

This work presents programme for qualification and re-qualification in civil construction
which took place in a site construction of 578 houses using soil-cement blocks in
Contagem (State of Minas Gerais, Brazil). The social housing programme was conducted
by workers who would be the future residents. Most workers had no previous experience.
Initial activities were mainly of lower responsability and, after training, they were
displaced to the construction of walls, services, painting and covering. The constructive
process is herein presented, as well as the results obtained.

1. INTRODUÇÂO
A carência habitacional no Brasil requer a busca contínua de métodos alternativos de
construção, o que gera o desenvolvimento de novas concepções e de processos
construtivos inovadores.

A política habitacional não deve e nem pode condicionar o cidadão à exclusão social e à
miséria. Há uma grande necessidade de se valorizar o ambiente da família, tanto no
aspecto social quanto no psicológico, melhorando assim as condições das camadas
economicamente e socialmente excluídas da sociedade.

Apesar do grande deficit habitacional existente, não se justifica a construção para a


população de baixa renda utilizando processos e materiais de má qualidade, em um projeto
sem as condições necessárias de conforto e segurança. Projetar uma residência é uma
tarefa multidisciplinar e envolve os aspectos sociais, antropológicos e arquitetônicos.
Ao se projetar um conjunto habitacional há que se apresentar um modelo urbanístico ideal
para o número de unidades a serem construídas, dimensionar a residência de forma
humana, preocupando-se com a qualidade dos materiais e serviços a serem utilizados.

No que se refere ao processo de construção, diferentes tecnologias têm sido empregadas. A


construção de habitações em solo-cimento tem sido empregada em vários países em
desenvolvimento. No Brasil, apesar de bastante utilizada na década de 80, não houve um
adequado desenvolvimento de tecnologia, o que pode ser atribuído principalmente a
processos inadequados de seleção de jazidas e a falta de controle rigoroso na fabricação
das unidades (Gutierrez et al, 1994).

Dentre as vantagens que esta tecnologia apresenta, o baixo consumo de energia, na


produção de blocos de solo-cimento, no processo de produção, transporte e manutenção e a
utilização de mão de obra intensiva, sem exigência de alta qualificação. Blocos de solo-
cimento (com 10% de cimento) consomem 0,1MJ/kg de energia, enquanto os blocos
cerâmicos, com queima em forno, consomem de 8 a 16 vezes mais (Walker, 1994). Isto
ressalta a importância desta tecnologia do ponto de vista ambiental e social.

Por outro lado, a durabilidade é fator de grande importância neste tipo de construção e
cuidados especiais devem ser tomados.

Sob o aspecto econômico esta técnica permite, em geral, redução no custo final das
edificações (Steven and Sinha, 1994), permitindo atingir níveis de qualidade final das
construções correspondentes aos processos convencionais.

A construção de um conjunto habitacional para atender aproximadamente 600 famílias na


cidade de Contagem MG, em 1998, foi executada em alvenaria de tijolos solo-cimento,
intertravados (tijolito), utilizando-se um sistema construtivo desenvolvido
tecnologicamente e que hoje conta com vários similares no Brasil. A empresa detentora do
sistema tem construído habitações similares em várias partes do mundo. Os elementos de
alvenaria são produzidos em uma fabrica montada próximo ao canteiro e/ou da jazida onde
é extraído o solo, ou seja, onde existe um canteiro de obra implanta-se uma fabrica para
produção do tijolo.

O Projeto Habitacional Sapucaias contou com uma série de particularidades envolvendo


aspectos sociais e construtivos. Contou com ações sociais permeando todo o processo,
visto que as famílias envolvidas pertencem à classe mais desfavorecida. O planejamento da
construção se deu a partir da necessidade de se assentar famílias que seriam retiradas de
áreas de risco e, portanto, necessitavam ser deslocadas. O projeto objetivou promover o
assentamento das famílias de forma educativa através de mutirões, com a participação do
futuro morador na construção de sua residência.

Contribuiu para a melhoria da qualidade de vida dos moradores e também para o


aprimoramento profissional, permitindo a permanência e ascensão daqueles já empregados
e dando condições àqueles desempregados para buscarem uma colocação no mercado de
trabalho.

As famílias foram selecionadas a partir da necessidade da moradia, da disponibilidade para


trabalhar na construção em sistema de mutirão e da renda familiar, de forma a permitir o
pagamento de uma taxa pela custo da construção.
Em uma segunda etapa foi colocado aquecimento solar em aproximadamente 100
habitações, gerando uma significativa redução no consumo de economia de energia
elétrica.

2. O MUTIRAO E O TREINAMENTO DO PESSOAL

Visando baixar o custo da construção e envolver o pessoal na construção de suas próprias


casas, foi adotado o sistema de construção em alvenaria de tijolos em solo-cimento, sendo
que todas as famílias selecionadas eram incentivadas a participar dos trabalhos no canteiro
de obras, durante a semana, para os desempregados e, nos finais de semana, para os que se
encontravam empregados.

A seleção das famílias não se deu pela qualificação profissional e por isso muitos dos
selecionados não tinham experiência em construção. Dessa forma tornou-se necessário
oferecer um treinamento para que pudessem desenvolver alguma atividade na execução da
obra. Isso foi feito através de mini-cursos aos finais de semana no próprio canteiro de
obras.

O programa de treinamento foi através de uma parceria da Prefeitura Municipal de


Contagem, da Secretaria de Estado da Criança e do Adolescente e do CEFET-MG. Foi
feito um trabalho de qualificação/requalificação profissional utilizando-se recursos do
FAT- Fundo de Amparo ao Trabalhador.

A necessidade de qualificar ou requalificar a população economicamente ativa para seu


encaminhamento ao mercado, tem levado associações comunitárias, e governos a buscarem
investimentos em educação e capacitação, onde não se deve repassar apenas as
informações técnicas, mas capacitar para a organização, utilização de novas informações e
soluções de problemas.

Neste programa de treinamento procurou-se enfocar, dentro das habilidades básicas,


noções de cidadania, relações humanas, direitos trabalhistas, saúde e segurança no
trabalho, conservação ambiental, fundamentos matemáticos e comunicação escrita e
verbal. Dentro das habilidades gerenciais o enfoque dado de noções de gerenciamento,
produção, comercialização, qualidade, planejamento e organização comunitária ou
associativismo/cooperativismo/microempreendedorismo.

O treinamento do pessoal no programa estabelecido ocorreu em vários aspectos, de modo a


atender os seguintes aspectos:
(a) Qualificar os participantes para desenvolver tarefas naquela construção;
(b) Melhorar a qualidade do canteiro;
(c) Melhorar a qualidade de vida dos participantes;
(d) Melhorar a produtividade na realização das tarefas;
(e) Disseminar os conceitos de qualidade e produtividade.

Para atingir tais objetivos citados foram preparados cursos de treinamento para todas as
atividades, desde a preparação do terreno até a cobertura, tais como:
(a) Preparo do terreno e fundações;
(b) Alvenaria e acabamento;
(c) Pintura;
(d) Leitura de projetos;
(e) Instalações hidráulicas e elétricas prediais;
(f) Cobertura.

Devido às características da população atendida, além dos cursos de formação técnica,


foram oferecidos cursos fora do contexto da construção civil, mas capazes de lhes
proporcionar melhoria na qualidade de vida, tanto por abordar os aspectos de alimentação,
higiene e saúde, mas também por capacitar para atividades ligadas a artesanato, fabricação
de produtos de higiene e limpeza, o que possibilita a ampliação da renda familiar.

3. TECNOLOGIA ADOTADA

As casas foram construídas com paredes intertravadas com tijolos de solo-cimento, sem
revestimento, apenas rejuntadas e pintadas, com engradamento de madeira e cobertura de
telhas cerâmicas em duas águas.

No projeto arquitetônico foi previsto as possíveis ampliações na habitação, uma vez que o
proprietário, após a ocupação da habitação, em algum momento necessitará de maior área
o que poderia, portanto, ser feito sem prejuízo da qualidade do imóvel.

O processo construtivo mantém os padrões do canteiro de obras convencional, com uma


central de materiais, uma central de ferramentas e um galpão para refeitório. Ao chegarem
ao canteiro os operários recebiam lanche, se reuniam com os coordenadores das equipes e
recebiam, em seguida, as ferramentas e equipamentos necessários ao desenvolvimento de
suas atividades. Cada operário se responsabilizava pelas ferramentas de trabalho. O
material era levado em quantidade certa para cada casa em construção.

A área de implantação das casas foi totalmente urbanizada, com água, luz e esgoto. A
topografia bastante plana e a qualidade do terreno colaboraram na execução das fundações
que, ao serem concluídas, eram passadas para a equipe da alvenaria com a laje de
impermeabilização pronta.

A alvenaria foi montada com junta seca e depois de algumas fiadas era feito o
grauteamento. Após atingir uma altura de mais ou menos 1,70m eram montados andaimes
para se construir as últimas fiadas da parede.

As instalações acompanhavam a construção da alvenaria. Não era permitido quebra para


passagem de tubulação. As tubulações embutidas a serem embutidas eram previstas no
projeto e o embutimento feito a partir da locação da primeira fiada da parede.

Concluída a alvenaria, seguia-se a equipe de cobertura, para em seguida se fazer o


rejuntamento e pintura das paredes.

4. SEQUÊNCIA DE EXECUÇÃO DOS TRABALHOS

A Figura 1 apresenta o sequenciamento da execução dos trabalhos.


Treinamento Preparo das fundações

Laje impermeabilizante Início das alvenarias

Grauteamento Rejuntamento da alvenaria

Telhamento Vista geral

Fig.1 - Sequenciamento de execução da construção

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A alta rotatividade de operários nas empresas construtoras de edifícios e a insuficiência de


programas de treinamentos, atribuído ao baixo investimento destinado a este fim por parte
das empresas privadas e governo, têm levado a uma deficiência na qualidade e na
capacidade produtiva da mão de obra do setor.

A necessidade de reverter esta situação buscando maior qualidade e produtividade,


provoca nas empresas construtoras o interesse por treinamentos às vezes no próprio
canteiro de obras e desenvolvendo as tarefas construtivas existentes, modelo este aplicado
nesta construção.

As despesas da empresa com as atividades de ensino permitiu minimizar desperdícios de


materiais e mão de obra, fato que pôde ser comprovado pelo treinamento dos mutirantes.

A experiência do treinamento aos participantes desta construção permitiu comprovar que a


construção por mutirão é pode contribuir para tornar a construção acessível à população de
menor poder aquisitivo.

Verificou-se um elevado grau de satisfação dos moradores, primeiramente por se sentirem


mais valorizados, saindo de uma moradia muitas vezes precária, por evitar pagamentos
mensais de locação de imóveis ou ainda por eliminar a dependência de favores pessoais
para moradia.

O futuro morador, participando da construção de sua própria casa, conhecendo todo o


processo construtivo, sente-se valorizado, levando-o a perceber sua capacidade de
trabalho, elevando assim sua auto-estima.

Bibliografia

CARVALHO, H.J.M. e SALDANHA, M.C.W. Análise das Falhas Provenientes da


Etapa da Execução: O Mutirão do Projeto Milagres. VII Encontro Nacional de
Tecnologia do Ambiente Construído, Florianópolis, Brasil, 1998

FREITAS, M.C.D. e RACHID, L.E.F. Uma Metodologia para Formação de Instrutor


Visando Capacitação de Mão de Obra na Construção Civil – Caso do Projeto Oásis e
Prisma. VII Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído, Florianópolis,
Brasil, 1998

GUTIERREZ, N. H. M, MARTINS, D. das N, PIETROBON, C. e PIETROBON, C.L. da


R. Caracterização Física de Componente Alternativo Industrializado: Bloco Vazado
Auto-Portante em Solo-Cimento. 5th International Seminar on Structural Masonry for
Developing Countries, Florianópolis, Brasil, 1994

STEVEN, W. H. and SINHA, B. P., Stabilised Soil Blocks as an Alternative Building


Material for Developing Nations -5th International Seminar on Structural Masonry for
Developing Coutries, Florianópolis, Brasil, 1994

VENKATARAMA, B. V. e JAGADISHI, J. S. Properties of Soil-Cement Block


Masonry, Masonry International, vol. 3, No 3, 1990

WALKER, P. J. Properties of Stabilised Soil Blocks. 5th International Seminar on


Structural Masonry for Developing Coutries, Florianópolis, Brasil - 1994

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