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Coleção Ciências Sociais

Ijuí
2021
2021, Editora Unijuí
Editor
Fernando Jaime González
Diretor Administrativo
Anderson Konagevski
Capa
Alexandre Sadi Dallepiane
Imagem de capa:
Gabriel Wildner
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa
Editora Unijuí da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)

Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí

E82
O estudo da cidade [recurso impresso e eletrônico]: das vivências
à formação cidadã / Helena Copetti Callai ...[et al.]. – Ijuí : Ed. Unijuí,
2021. 126 p. – (Coleção Ciências Sociais)
Formato impresso e digital.
ISBN 978-65-86074-77-2 (impresso)
ISBN 978-65-86074-76-5 (digital)
1. Educação. 2. Formação cidadã. 3. Cidades. 4. Cidadania.
5. Sociologia urbana. I. Callai, Helena Copetti. II. Série.
CDU: 911.3
Bibliotecário Responsável
Ginamara de Oliveira Lima
CRB10/1204
A
Coleção Ciências Sociais é um projeto editorial da Editora Unijuí em
colaboração com o Departamento de Humanidades e Educação (DHE) da
Unijuí, constituindo-se em espaço de interlocução que objetiva problematizar
as diferentes dimensões da experiência humana e que são objeto do que se convenciona
denominar área das Ciências Sociais, experiência essa que é objeto da pesquisa e da
extensão como fazeres da universidade e campo do conhecimento escolar, em especial da
Geografia, da História e da sociologia. Destina-se a Coleção a um público leitor dedicado
à pesquisa, ao fazer educativo e àqueles todos interessados nessa instigante problemática.

Conselho Editorial
Alfonso Garcia de la Vega (Universidad Autónoma de Madrid – Espanha)
Ana Maria Colling (Universidade Federal Grande Dourados – Brasil))
Beatrice Borghi (Universitá di Bologna – Itália)
Cláudia Eliane Ilgenfritz Toso (Instituto de Formaçao e Pesquisa J. Barcaro)
Cristhian Moreira Brum (Universidade Federal de Pelotas)
Dirce Maria Antunes Suertegaray (Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil)
Edemar Rotta (Universidade Federal Fronteira do Sul – Brasil)
Enio Waldir da Silva (Unijuí – Brasil)
Francisco Florentino Garcia Perez (Universidad de Sevilla – Espanha)
Francisco Xosé Armas Quintá (Universidad de Santiago de Compostela – Espanha)
Helena Copetti Callai (Unijuí – Brasil).
Ivo dos Santos Canabarro (Unijuí – Brasil)
Jaeme Luiz Callai (Unijuí – Brasil)
Jussara Mantelli (Universidade Federal de Rio Grande – Brasil)
Marcelo Garrido Pereira (Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación –
Santiago de Chile)
Martin Kuhn (URI-FW – Brasil)
Raquel Pulgarin (Universidad de Antioquia – Colômbia)
Rosane Marcia Neumann (PPGH – Furg – Brasil)
Sérgio Claudino Loureiro Nunes (Universidade de Lisboa – Portugal)
Xosé Carlos Macía Arce (Universidad de Santiago de Compostela – Espanha)
Walter Frantz (Unijuí – Brasil)

Comitê de Redação
Enio Waldir da Silva
Helena Copetti Callai – Presidente
Jaeme Luiz Callai
Fernando Jaime González
Ivo dos Santos Canabarro
Walter Frantz
CIDADE

Se percorro a cidade
Se me exponho
E nela me movo
Me encontro
E me percebo
Ao perceber seus traços
Seus becos
Seus bairros
Suas praças e ruas
Ao analisar seus contornos

[...]

O todo
Do qual a cidade faz parte
É também o espaço
Que é seu
Nosso
É espaço do cidadão
Para se ver
Se perceber
Se pensar no pensar seus grupos
As suas comunidades
Sua multiculturalidade
E seu movimento contínuo
Entre lugar e mundo
Presente nas relações possíveis
Pela interação natureza-sociedade
Se me movo na cidade
Silencio minha voz
Jamais minha mente
E sigo atento
E continuamente mudo
Percorro
Percebo
Sinto
E sigo seu fluxo
Buscando entender de espaço,
De lugar, de território, de gente...

Recorro ao conhecimento
À escala geográfica
Que me sustenta epistemologicamente
Organizo as interpretações que faço
Considerando sempre
A cidade entre lugar e mundo
A cidade como território vivo
Como território que dialoga
E por vezes é tornado mudo
E muda a cada dia, cada segundo
Entre disputas, conflitos, poder,
Entre decisão, diálogo, desafio...

[...]

Cidade
De tanto jeito
De tanta gente
De tantos sonhos...
Tem gente cidadã
Gente com voz ativa
Outras tantas submissas
Invisibilizadas
Nem um pouco percebidas
E que precisam, todo dia,
Um pouco mais de dignidade
Para compreender a cidade
É preciso olhar o todo
Vivê-la com intensidade
Deslocar-se...
Conhecer seus patrimônios
Sentir suas diversidades
Pensar e repensar o lugar
Pertencimento e identidade
E, também, sua relação
Com outros tantos lugares
Que constituem o mundo
E, nessa relação sempre intensa
Construir-se cidadão
para compreender a realidade.

Carina Copatti

Ilustração: Jandha Telles Müller


SUMÁRIO

PREFÁCIO 1
Ou Sobre “Existir e Resistir” na/para a Cidade................13
PREFÁCIO 2
Palavras de Professora ..................................................19

DIÁLOGOS PARA PENSAR-ESTUDAR-VIVER A CIDADE........21

CAPÍTULO 1
Um Projeto de Pesquisa, Seus Conceitos
Fundamentais e os Caminhos Percorridos......................25

CAPÍTULO 2
O Lugar: conceito e conteúdo no estudo da cidade........33

CAPÍTULO 3
Estudar Geografia: a cidade e a formação cidadã............49

CAPÍTULO 4
Os Princípios Geográficos e o Texto Literário
no Estudo da Cidade......................................................67

CAPÍTULO 5
A Escala de Análise Geográfica como Ferramenta
Teórico-Metodológica para o Ensino da Cidade.............85

CAPÍTULO 6
A Educação Patrimonial no Ensino da Cidade
e a Formação para a Cidadania ...................................105

REFERÊNCIAS...............................................................117

SOBRE OS AUTORES.....................................................123
PREFÁCIO 1
Ou Sobre “Existir e Resistir”
na/para a Cidade

Ao escrever as primeiras palavras no exercício de prefaciar


esta obra, intitulada O Estudo da Cidade: das Vivências à Formação
Cidadã, a qual nos é apresentada pelos professores pesquisado-
res Helena Copetti Callai, Alana Rigo Deon, Maristela Maria de
Moraes e Tarcisio Dorn de Oliveira, passei a pensar em como
definir um pouco do que representa a pesquisa que nos é apre-
sentada neste escrito, considerando sua profundidade, sua quali-
dade e a complexidade das temáticas que abarca. Encontrei nas
palavras que mais me acompanham desde o início da pandemia do
Covid-19 – existir e resistir – a definição para a escrita deste texto,
pois constituem-se como processos que perpassam toda a obra
quando nos coloca a Pensar, Estudar e Viver a Cidade.
Existir na cidade constitui-se como um ato de visibilização,
que nos provoca a pensar como estamos construindo a cidade,
fazendo parte dela, interagindo em suas dinâmicas, modificando-a,
somando forças... Ou, de modo contrário, estamos apenas ocupan-
do um espaço sem a devida consciência do que isso representa?
Existir na cidade envolve a dimensão do lugar, da identidade e do
pertencimento, a partir de conceitos e apreensões que perpas-
sam esta obra, na qual os autores nos convidam a repensar nos-
sas existências em tempos complexos de ser e viver os contextos
urbanos. Ainda, é preciso existir para a cidade, em um movimento
de reconhecer-se, envolver-se, encontrar-se e encontrar o outro
nos processos de aprender e de ensinar que perpassam nossas
trajetórias, seja no cotidiano da vida, no exercício da docência,
nas trocas que fazemos. Os autores desta obra trazem esse olhar
14 Carina Copatti

cuidadoso para as diversas existências nas cidades e para pensar


e transformar a cidade pela interação que se constitui entre edu-
cação, exercício da pesquisa e da docência.
Existir, porém, não nos basta em tempos tão complexos,
inquietantes e desafiadores. É preciso resistir! Resistir na cidade
constitui uma possibilidade de pensar quem são os sujeitos nela
implicados, quem constitui o poder, quem dele se utiliza para
impor suas vontades, quem define as mudanças, as permanên-
cias, as transformações urbanas, quem são os sujeitos e grupos
que mantêm a cidade viva. Os sujeitos nas cidades têm distintas
formas de interação, diferentes níveis sociais, econômicos, cul-
turas e subjetividades singulares, muitas vezes não respeitadas,
não visibilizadas, não cuidadas. É preciso, pois, resistir na cidade,
e esse é um movimento ao qual a pesquisa em Educação nas
Ciências, de onde se constrói a relação entre os autores da obra, se
propõe – um processo vivo, que olha a cidade a partir do conceito
de lugar e as implicações dos sujeitos com o mundo da vida na
cidade. Sendo assim, há que se resistir para a cidade, seja como
professores, pesquisadores, seja como sujeitos que atuam em dife-
rentes áreas, vivem a cidade sob distintas perspectivas e atuam no
sentido de torná-la um espaço acolhedor para todos os cidadãos
em suas singularidades.
Existir e resistir constituem possibilidades que perpassam
as ideias apresentadas pelos autores no decorrer dos capítulos, os
quais percebo integrados e potentes, haja vista que há o constante
cuidado com a apresentação do Projeto de Pesquisa, dos percursos
realizados e das singularidades de cada área do conhecimento
envolvida: Geografia, Literatura, História, Arquitetura, Urba-
nismo, e, também, das possíveis aproximações que contribuem
para a compreensão da cidade de modo mais amplo, complexo e
interdisciplinar.
A boniteza desta obra que nos é apresentada constitui-se
pelas mãos e pela singeleza da grande professora pesquisadora
Helena Copetti Callai, junto de seus ex-orientandos, hoje colegas
professores e pesquisadores, os quais atuam implicados e compro-
metidos com a educação deste país e com a formação dos sujeitos
para o exercício da cidadania. Nela encontram-se seis capítulos
densos, coesos e cuidadosamente construídos, permeados pela
rigorosidade teórica e metodológica que requer uma pesquisa de
cunho científico. Estes são dotados, ainda, pela amorosidade da
PREFÁCIO 1 – OU SOBRE “EXISTIR E RESISTIR” NA/PARA A CIDADE 15

Helena, da Alana, da Maristela e do Tarcisio, que para além de


professores-pesquisadores, são cidadãos que se colocam no pro-
cesso de entender, analisar e melhorar a cidade sob uma perspec-
tiva dialógica, crítica, democrática e cidadã.
Esta obra, constituída na tessitura de muitas mãos, muitos
olhares e vivências implicadas com a Educação Básica e a Educa-
ção Superior, traz em seus capítulos o cuidadoso movimento do
pesquisar a cidade de modo continuado, que envolve distintos
conceitos, diferentes áreas do conhecimento e uma interação que
se constrói em parceria desde meados de 2014 e 2015, mas que
se concatena no processo de sistematização do Projeto financiado
pela Fapergs, intitulado “Escala de análise como ferramenta inte-
lectual para educação cidadã: o estudo da cidade como lócus de
vida da população”, e que vem sendo desenvolvido desde 2017
por meio da investigação, construção e reconstrução de ideias e
propostas que se constitui tanto na interação com pesquisadores
do Brasil quanto do exterior, principalmente da Itália e da Espa-
nha. Por isso, nos apresentam uma obra rica, potente e que se
coloca como importante referencial para os estudos sobre cidade,
cidadania e educação geográfica.
A apresentação da obra construída pelos autores, traz como
título Diálogos para o pensar-estudar-viver a cidade, em uma
articulação que tanto explicita a centralidade da proposta quanto
caracteriza os processos por meio dos quais teceram a estrutura
da obra.
No capítulo 1 – Um projeto de pesquisa, seus conceitos funda-
mentais e os caminhos percorridos – os autores nos contam sobre a
construção da pesquisa, a submissão à Fundação de Amparo à
Pesquisa no Rio Grande do Sul – Fapergs – a constituição con-
ceitual, a escolha de referenciais teóricos e metodológicos e os
procedimentos tomados para trilhar os percursos da pesquisa e
para a construção de novos conhecimentos.
No capítulo 2 os autores relacionam cidade e lugar como
temáticas que interagem e tomam o conceito de lugar como con-
teúdo e conceito essencial para analisar e compreender a cidade
sob o olhar geográfico, cuja perspectiva entrelaça pesquisa, olhar
docente e a atenção cuidadosa ao mundo da vida e às realidades
vividas por cada um.
16 Carina Copatti

No capítulo 3 – Estudar geografia: a cidade e a formação cida-


dã – os autores trazem como centralidade a Geografia, entendi-
da como ciência que possibilita estudar a cidade e formar para a
vivência cidadã em um movimento que envolve a compreensão
do espaço geográfico e do lugar no qual se constitui o mundo da
vida. Segundo os autores, “estudar a cidade para viver a cidade
como cidadão pode ser um desafio que se apresenta para a aula
de Geografia” e desenvolvem na proposta que nos é apresentada
possibilidades para este estudo desde a educação escolar.
No capítulo 4 – Os princípios geográficos e o texto literário no
estudo da cidade – são abordados de modo interdisciplinar aspectos
da relação entre Literatura e Geografia. Consideram tanto os prin-
cípios geográficos nas suas singularidades, quanto o movimento
de identificação e análise na Obra O Cortiço, tomada como pos-
sibilidade para o processo educativo, constituindo um modo de
ensinar não fragmentado e que oportunize aos alunos produzirem
conhecimentos a partir de uma aprendizagem significativa.
No capítulo 5 os autores tratam da escala de análise geo-
gráfica como ferramenta teórico-metodológica para o ensino da
cidade, no qual apresentam possibilidades de estudo do conteúdo
cidade, utilizando a escala de análise geográfica no ensino escolar,
visando a corroborar para a interpretação do espaço geográfico
em sua totalidade, sem desconsiderar as dimensões locais e as
significações presentes em cada lugar no intuito de fazer a leitura
e a compreensão do mundo.
Por fim, o capítulo 6 relaciona o olhar histórico e a pers-
pectiva da Arquitetura e do Urbanismo como movimentos que
interagem ao abordar a cidade, em um constructo que se intitula
A educação patrimonial no ensino da cidade e a formação para a cida-
dania. Neste capítulo consideram o olhar sobre o espaço vivido,
tomando um conjunto de processos de investigação com sujeitos
e nos lugares no intuito de promover a educação patrimonial e,
consequentemente, a construção de um olhar significativo sobre
o lugar, sobre as interações ser humano-sociedade sob uma pers-
pectiva cidadã.
Este movimento de investigação e construção de conheci-
mentos proposto pelos autores, o qual procurei descrever sucin-
tamente nestas páginas, constitui-se, portanto, a partir de uma
pesquisa densa, profunda, provocativa, cuja proposta coloca-se no
PREFÁCIO 1 – OU SOBRE “EXISTIR E RESISTIR” NA/PARA A CIDADE 17

exercício de estudar a cidade e pensar desde as vivências possíveis


no mundo da vida até a formação cidadã sob uma perspectiva
interdisciplinar.
Das distintas áreas do conhecimento envolvidas, conver-
gem os olhares destes autores-pesquisadores para propor inova-
ções ao campo da educação e da Geografia, pensando a cidade e
o exercício da cidadania como elementos centrais, o que fazem
muito bem, contribuindo para que em tempos de tantos desa-
fios, coloquemo-nos também a repensar junto com eles nossas
existências e nossas vivências na cidade, pensando sob uma pers-
pectiva de resistência diante das invisibilidades, desigualdades e
desafios que se colocam aos cidadãos. Existir e resistir na/para a
cidade são, portanto, possibilidades a partir desta pesquisa. Sendo
assim, a obra O Estudo da Cidade: das Vivências à Formação Cidadã
constitui-se como um presente à comunidade de professores e
pesquisadores de distintas áreas, pois nos provoca, nos inquieta e
aponta possíveis caminhos no sentido de pensar a cidade, vivê-la
e propor outros movimentos para construir vivências cidadãs e
contribuir para a cidadania.
Permanece, assim, o provocativo convite à leitura desta
bela obra!

Professora doutora Carina Copatti


Pós-doutoranda PNPD Capes pela Universidade Federal da Fronteira
Sul – UFFS, Campus Chapecó-SC – Graduada em Geografia.

Maio de 2021
PREFÁCIO 2
Palavras de Professora

Escrever sobre um livro construído ou, como se diz no Sul


do Brasil, forjado por um grupo tão potente como o que dá vida
à obra O Estudo da Cidade: das Vivências à Formação Cidadã é um
grande desafio e uma responsabilidade. Os autores encerram a
apresentação escrevendo: “Em maio de 2021 no tempo em que a
pandemia da Covid-19 exige de todos nós repensar as nossas cida-
des e as vidas que nela vivemos” e é isso que o livro faz, propõe
pensar, pesquisar e escrever sobre a vida na cidade. E não é um
escrever livre de teoria, ao contrário, pois apresenta elementos tão
caros a cada pesquisador. Há um cuidado especial com as ques-
tões conceituais, mostrando a implicação e comprometimento dos
autores com o rigor científico, os caminhos percorridos e valoriza-
ção do investimento da agência financiadora.
Historicamente são as perguntas que têm movido o mundo
e a ciência. Ao mesmo tempo que vivemos a negação da ciência,
vemos muitos exemplos de luta por articulá-la ao mundo da vida
dos sujeitos. O olhar sobre os seres humanos e natureza, com o
objetivo de contribuir com a construção de um mundo mais justo
e solidário ganha força com a perspectiva interdisciplinar.
É um livro que parte da Geografia, da Arte, da Literatura
e da Arquitetura e Urbanismo, considerando espaços e tempos
prenhes de sentido para a vida humana, especialmente a par-
tir do estudo da cidade. Uma obra coesa, amarrada e acima de
tudo interdisciplinar. Não aquela interdisciplinaridade inventada,
mas a construída por várias mãos, por sujeitos pesquisadores que
conhecem muito das suas áreas e por isso conseguem articular
com as outras.
20 Cláudia Eliane Ilgenfritz Toso

Para tanto, lançam mão da escala de análise geográfica


como método para estudar a cidade, com o intuito de conhecer e
compreender a relação entre local e global. A preocupação com o
conceito de lugar nos traz elementos importantes para reflexão,
pois esse lugar é repleto de histórias que lhe(s) dão identidade(s).
É na interação com o lugar que os sujeitos podem construir tam-
bém suas identidades, bem como seu pertencimento.
Ao propor o estudo da cidade, consideram entre tantas
abordagens a arte, que historicamente nos sensibiliza a olhar o
mundo e o nosso lugar com lentes diversas, não para torná-lo
mais belo, mas para complexificar esse olhar, essa leitura. É com
conhecimento e capacidade reflexiva que se contribui com e para
a formação humana e cidadã, e esses fazem parte do processo
educativo, dentro e fora da escola.
O livro que podemos destacar como um dos resultados do
percurso investigativo de um grupo de pesquisadores, considera a
tradição, o passado, para ler o presente. Reflete sobre as vivências
na cidade, principalmente porque é nela que boa parte da vida
das pessoas acontece. É para ser lido por estudantes, professores,
pesquisadores, arquitetos e urbanistas que se unem aos que têm a
preocupação com a vida humana, com a relação entre a sociedade
e a natureza, com a humanidade, com a solidariedade e com aque-
les que “simplesmente” querem ser e formar cidadãos.

Em maio de 2021, como forma de resistência


à negação da ciência e em busca da reflexão sobre
o tempo presente e nossas vidas na cidade.

Cláudia Eliane Ilgenfritz Toso


Graduada em História. Pós-doutora em Educação nas Ciências – Unijuí
DIÁLOGOS PARA
PENSAR-ESTUDAR-VIVER A CIDADE

Pensar, pesquisar e escrever sobre a cidade diz de viver a


cidade e do fazer tudo isso no dia a dia das nossas vidas. Assim,
este livro resulta desse nosso fazer como professores, pesquisado-
res. Resulta de nossas reflexões acerca da cidade, as quais fazem
parte de um projeto de pesquisa, Edital PqG 02/2017 financiado
pela Fapergs. Trata-se de um tema recorrente nas nossas pesqui-
sas1 e, neste projeto,2 a partir do proposto foram desenvolvidas
várias ações que dizem de estudar a cidade considerando as nossas
vivências tendo o olhar para a formação cidadã.
As discussões que permeiam o livro são frutos das reflexões
construídas ao longo de três anos em que desenvolvemos o pro-
jeto de pesquisa e os textos que compõem a estrutura deste livro
têm a cidade como temática central discutida de forma interdisci-
plinar, ligando os conceitos que envolvem a disciplina de Geogra-
fia com a Literatura e Arquitetura e Urbanismo. Cada uma dessas
disciplinas possui características que lhes são específicas, mas que
não deixam de ter uma ligação pelos conteúdos que trabalham.
A cidade e a formação cidadã são conceitos questionados e
revisitados sempre considerando as dimensões do local e global,
pensando a singularidade das vidas vividas no lugar e a universali-
dade das questões que abordam essa temática na educação formal
e na educação não formal (dentro e fora da escola). O parâmetro

1
Grupo de pesquisa Ensino e Metodologias em Geografia e Ciências Sociais (EMGEOCS,
Unijuí.)
2
“Escala de análise como ferramenta intelectual para educação cidadã: O estudo da
cidade como lócus de vida da população”, realizado a partir do edital 02/2017-PqG/
Processo de Outorga: 17/2551-0001 173-2.
22 Os Autores

que nos orienta nessas discussões é considerar que a cidade é uma


construção humana e a cidadania uma conquista da humanidade.
Esses dois conceitos são por nós trabalhados tendo presente as
dimensões de espaço, tempo e grupo, pois que os movimentos
que nós humanos realizamos entre nós e na nossa relação com
a natureza (que também o somos) têm marcas que dão identi-
dade, que carregam histórias e que, devidamente situadas, nos
permitem articular as pesquisas, o ensino e o nosso papel como
cidadãos.
Estabeleceu-se como meta de abordagem na pesquisa a
ideia de que a utilização da escala de análise no estudo de Geo-
grafia escolar permite ao sujeito a construir a sua identidade e per-
tencimento para a compreensão dos conceitos, o que leva à edu-
cação para a formação cidadã. Nesse contexto, consideramos que
o estudo da cidade – lugar onde vivem os estudantes e onde estão
as suas escolas – permite estabelecer as bases para a compreensão
da realidade em que vivem e dá a dimensão de contexto maior
como origem para as determinações da vida no lugar, sejam elas
decorrentes das relações e empreendimentos dos que ali vivem
e do contexto global em que todos estão vivendo.
Nesta obra o estudo da cidade, além de considerar as vivên-
cias/experiências dos sujeitos, também leva em conta a interdisci-
plinaridade e, ao considerá-la, dialoga com a Arte e a Literatura,
em uma relação para além da Geografia, pois são fundamentais
para viver a vida. Na mesma perspectiva, o olhar do arquiteto e
urbanista oportuniza ter a cidade como mais um elemento para
compreender as histórias das vidas nos lugares.
Como expressão de estudo e pesquisa num grupo que
constituímos, apresentamos neste livro o resultado das reflexões
que envolvem outros sujeitos para além da equipe do projeto e
que assina esta obra.
Assim, destacamos que em “Palavras de professora”, escrito
por Claudia Eliane Ilgenfritz Toso, o poema e o prefácio “Ou
Sobre ‘Existir e Resistir’ na/para a Cidade” de Carina Copatti, a
ilustração de Jandha Telles Müller e a capa do livro de Gabriel
Wildner, retratam as discussões e reflexões que estamos elabo-
rando. E mostram também as discussões possibilitadas pelo pro-
jeto de pesquisa que se estendem para além dos participantes do
DIÁLOGOS PARA PENSAR-ESTUDAR-VIVER A CIDADE 23

projeto estritamente, uma vez que se trata de uma abordagem


maior que abrange outros sujeitos, ampliando e fortalecendo as
discussões propostas.
Convidamos à leitura para pensar nossa cidade e a cidade
que ensinamos.

Inverno de 2021, no tempo em que a pandemia da


Covid-19 exige de todos nós repensar as nossas cidades
e as vidas que nela vivemos.

Os autores
Capítulo
~~ 1 ~~

UM PROJETO DE PESQUISA,
SEUS CONCEITOS FUNDAMENTAIS
E OS CAMINHOS PERCORRIDOS1

Este texto dá início à produção desta obra aqui apresentada


que é interligada a um projeto de pesquisa e como tal resulta das
reflexões ocorridas nos caminhos estabelecidos inicialmente com
os movimentos próprios do fazer acadêmico, que conecta a todo
tempo a teoria e a prática.
Pesquisar sobre o tema da cidade como lócus de vida da
população se justifica no sentido de construir conhecimentos
que ao serem significativos para os estudantes possam ser ins-
trumentos (ferramentas intelectuais) mediadores na constituição
da cidadania. A cidade é o lugar de vida da grande maioria dos
estudantes, e é onde estão as suas escolas, e por ser um lugar,
pode ser estudada como conceito da Geografia que lhes toma
atribuições que lhes são específicas, atreladas ao sítio, ou seja,
a localização que ocupa, mas também da sua relação com outros
lugares/contextos que caracterizam a sua situação.
Nesse sentido, estão os objetivos do projeto de pesquisa
desenvolvido ao longo de três anos que busca pensar em possibili-
dades de a Geografia escolar fazer a ligação entre o local e o global
e entre os fenômenos que se materializam no espaço. Para dar
conta dessa prerrogativa centramo-nos na discussão sobre a escala
de análise geográfica, pois acreditamos que esse conceito seja a
ferramenta intelectual que permite realizar estudos da realidade

1
Neste texto apresentamos os aspectos teóricos e metodológicos que orientaram a
pesquisa referida e que serve, aqui, para situar os nossos entendimentos acerca do
estudo da cidade.
26 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

do mundo da vida do estudante (lugar), com um olhar mais espe-


cífico para educação geográfica, e considerando as possibilidades
de interdisciplinaridade. Para operacionalizar esse entendimento
aliam-se2 os conceitos básicos da Geografia, lugar, território, pai-
sagem, região e espaço nas suas dimensões de espaço absoluto,
relativo e relacional; as categorias: formas, funções, estruturas e
processos (Santos, 2014c) e os princípios construídos pelos pensa-
dores clássicos da Geografia. Destaca-se que os princípios atual-
mente são trazidos para o debate na Geografia brasileira pela nova
referência curricular brasileira – Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). Isso tudo, conceitos, categorias e princípios são tomados
para sustentar teoricamente o pano de fundo das ações e análises
desenvolvidas para estudar a cidade e a cidadania.
Com base nesse referencial temos como meta compreender
a educação e as atividades escolares com o objetivo de que os
sujeitos envolvidos possam ter os elementos para construir a sua
identidade e pertencimento. E, neste processo, com a busca de
uma formação de um pensamento autônomo, com exercício críti-
co, acessando os conhecimentos científicos e analisando as ques-
tões de sua vivência no cotidiano, considerando o lugar em que
vivem. Nesse sentido, para compreender o lugar em que vivemos
são necessárias ferramentas intelectuais que nos permitam fazer
as abstrações e construir conceitos de modo a buscar as explica-
ções considerando aportes teóricos que sustentem as análises e
que permitam perceber que a vida e o mundo são construções
sociais contextualizadas em tempos e espaços demarcados.
Assim, a intenção é considerar o estudo da cidade – lugar
onde vivem os estudantes – de forma a estabelecer as bases para
a compreensão da sua realidade e da sua relação com contextos
que são mais amplos e que determinam ou condicionam a vida
no lugar. É o jogo das interações dos que vivem nos lugares, com
suas conexões sociais e nas suas relações com a natureza, e da situ-

2
Para Sposito (2004) os conceitos são elaborações teóricas tendo por base uma
referência inicial que pode ser científica ou filosófica, elaborada por meio da
descrição de um fenômeno e surgem do interior da linguagem humana, assim
expressando o sentido de um determinado fenômeno. Já as categorias são
frequentemente utilizadas como sinônimo de conceitos, contudo elas funcionam
como elementos epistemológicos que permitem em associação com o método
desenvolver um conjunto de conceitos.
CAPÍTULO 1 – UM PROJETO DE PESQUISA , SEUS CONCEITOS FUNDAMENTAIS E OS CAMINHOS PERCORRIDOS 27

ação num contexto global, em que todos estamos, num convívio


que extrapola a dimensão do lugar em si. Interessa-nos, portanto,
fazer o “estudo do lugar”, a partir dos referenciais teóricos que
sustentam as análises e considerando a cidade como o fenômeno
territorial produzido no processo das suas histórias tendo em vista
os espaços construídos. E do mesmo modo pensar, produzir e
utilizar metodologias elaboradas para tal, de modo a considerar as
possibilidades de educação para a formação cidadã.
Refletir sobre a educação geográfica para a formação da
cidadania requer que se estabeleçam estratégias para fazer um
ensino em que a ciência possa estar unida com a vida – com o
mundo empírico de modo a serem produzidas aprendizagens
significativas. Assim, as reflexões produzidas justificam-se no
sentido de compreender de maneira mais abrangente a realidade
do ensino e do estudo da cidade na condução da construção de
conhecimentos que sejam significativos para os estudantes. Desse
modo, interessa refletir acerca da educação geográfica, entendida
como a possibilidade de ensinar Geografia para compreender a
espacialidade que os sujeitos vivem, oportunizando, assim, que
se reconheçam no mundo em que vivem.
Temos como premissa que o estudo do lugar no contexto
dos processos de globalização terá efetividade para sua compre-
ensão se abordado tendo como ferramenta intelectual a escala de
análise geográfica. Esta possibilita que se efetive a compreensão
dos fenômenos em sua complexidade, superando as fragmenta-
ções seja do estudo da natureza e da sociedade, seja dos recortes
espaciais. Em síntese, interessa teoricamente a reflexão a partir
dos princípios da Geografia clássica e o modo como eles podem
ser operacionalizados no ensino da Geografia escolar. E, do mes-
mo modo, são considerados os conceitos básicos da Geografia a
partir das formulações pelos teóricos destes conceitos e sua apli-
cabilidade e uso pela Geografia e a partir desta pela Geografia
escolar.
Vivemos em um tempo em que todas as coisas do mundo,
sejam elas materiais, sejam intangíveis, assim como os valores, são
considerados passageiros, mutáveis, líquidos, usando terminologia
de Bauman (2005). Ainda assim, temos a certeza de que vivemos
num mundo em que somos coparticipantes de muitas ações e de
muitas histórias. Neste contexto, a nossa preocupação recai na
discussão sobre a probabilidade de a escola ter um papel, possível
28 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

de ser realizado na construção dos valores, que são básicos para a


vida humana. Não resta dúvida de que esta questão já exige, por
si só, o entendimento que se tem da vida humana, das relações do
homem com a natureza, do papel da escola e das relações entre os
sujeitos como fundamentais para o exercício da cidadania.
No contexto desse processo de pesquisa e de entendimen-
to da vida e da educação considera-se que as ações realizadas
e as reflexões que daí decorrem são assentadas basicamente na
pesquisa qualitativa, considerando que os dados quantitativos
produzidos passam necessariamente pela análise qualitativa e
que os processos são tão importantes para o desenvolvimento de
aprendizagens quanto os produtos em si. Para análise do mate-
rial produzido ao longo dos estudos foram considerados (em cada
momento da pesquisa) o método de análise de conteúdo proposta
por Bardin (1977) e a teoria crítica/hermenêutica com referên-
cia em Mario Osorio Marques e Nadja Hermann para sustentar
a interpretação dos dados e a construção de possibilidades para
educação.
Assim, estudar os autores que contribuem com a possibi-
lidade de análise e interpretações do mundo da vida, e ao que
nos interessa, estudando a cidade, passa a ser significativo para
compreender e desenvolver os processos da investigação. San-
tos (1988, 1994, 1996, 2000, 2014a,b,c) e Harvey (2011, 2012)
apresentam aportes teóricos que consideramos fundamentais
para compreender o espaço construído, as cidades no contexto do
mundo globalizado, mediante as relações sociais que os homens
estabelecem entre si. Destes autores podemos, além das con-
tribuições teóricas, adotar a questão da escala de análise como
aporte metodológico na interpretação do espaço e da realidade
do mundo da vida.
A questão da cidadania e da formação de cidadãos no con-
traponto do discurso da exclusão atualmente está muito politizada
e, no caso da escola, pode esconder as possibilidades/alternativas
na medida em que a análise da questão é feita superficialmente,
por motivos diversos, sem dúvida. Neste sentido, entendemos
necessário superar a simplificação e construir uma reflexão com
bases teóricas e empíricas fortalecidas. Uma simplificação que por
vezes está assentada mais em discursos sobre os temas de con-
teúdos e sobre as posturas de entendimentos do mundo da vida.
Interessa, pois, que com uma sustentação teórica pode-se avançar
CAPÍTULO 1 – UM PROJETO DE PESQUISA , SEUS CONCEITOS FUNDAMENTAIS E OS CAMINHOS PERCORRIDOS 29

para um processo de formação de sujeitos que compreendam que


os fenômenos estudados não são resultados de mero acaso. Parti-
mos do entendimento de que para compreender as questões do
ensino da Geografia na escola com essa perspectiva é necessário
aprofundar, de um lado, as leituras sobre essa interpretação que
considera a escola e a exclusão e a discussão/análise sobre o que
é uma escola justa, e que busca a igualdade, que trabalha com
o conhecimento como um poderoso argumento para a busca da
transformação.
Autores como Dubet (2003, 2004, 2008, 2011), Young
(2007, 2011), Garrido Pereira (2009) e Santos (1988, 1994, 1996,
2014a,b,c) contribuem para problematizar a questão quando
dizem que a escola é o lugar do conhecimento e a compreensão
dos fenômenos corriqueiros do dia a dia devem ser abordados
por meio de metodologias e encaminhamentos didático-peda-
gógicos que possam interessar a cada situação. Sobre as ques-
tões da cidadania o apoio fundamental é Pinsky (1999) e além
deste, um material produzido na Itália (Bolonha) pelo grupo de
investigação do qual fazemos parte (que envolveu pesquisadores
da Itália, Espanha, Portugal, Colômbia e Brasil), o qual dispo-
nibiliza os resultados da investigação em Borghi, García Pérez
e Moreno-Fernández (2015).
Reafirmamos que como resultados das várias etapas da pes-
quisa desenvolvida no contexto do projeto buscou-se a produção
do entendimento teórico da temática, considerando em especial
os conceitos da Geografia, os princípios da Geografia clássica e a
questão da escala de análise geográfica. Essas reflexões traduzi-
ram-se na produção de artigos publicados em periódicos e capítu-
los de livros que foram gerando ao longo do processo da pesquisa
várias reflexões para pensar a temática, sempre numa perspectiva
do ensino pela interpretação da cidade como fenômeno urbano
que produz paisagens que expressam as histórias do lugar. E neste
contexto foram produzidas metodologias para estudar a cidade,
propostas de roteiros urbanos para conhecimento da cidade, sua
organização e possibilidades de mobilidade.
Destaca-se ainda como importante a questão da interdis-
ciplinaridade no tocante ao estudo da cidade, considerando para
além da Geografia, tendo como base os conceitos específicos des-
sa disciplina. São trazidas as questões de literatura, por meio da
análise de textos literários que possam encaminhar o estudo da
30 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

cidade e nossa produção a esse respeito. De parte da Arquitetura


e Urbanismo e das questões de História destacamos a incursão em
discussões acerca do patrimônio histórico-cultural-arquitetônico.3
Isso tudo colocou-se no âmbito da pesquisa proposta como
possibilidade para desenvolver um ensino que seja crítico e que
permita apresentar alternativas para a realidade que vivemos
atualmente, subordinados aos processos de globalização. Uma
condição que tem reflexos na escola e que por meio da educação
para a formação cidadã pode-se descortinar mediante o ensino de
Geografia uma oportunidade para pensar o mundo que queremos
para nós e para todos os humanos.
Destaca-se que esses aportes foram o alimento intelectual
para pensar o trabalho na escola básica centrada na disciplina de
Geografia e sua interligação com a Literatura e a História. E no
Ensino Superior no tocante aos cursos de formação de professores
de Geografia, de História, de Pedagogia, de Letras/Literatura e
no Bacharelado de Arquitetura e Urbanismo sempre tendo como
meta pensar a cidade. A observação, análise, descrição das cidades
e suas interpretações remetem a pensar a vida num lócus que é
o lugar onde ela acontece com os fatos cotidianos que envolvem
a necessidade de olhar as questões da natureza e da sociedade.
Permeia todas as nossas pesquisas, e em especial esta, a
premissa centrada na elucidação da seguinte hipótese: “A utiliza-
ção da escala de análise no estudo de Geografia escolar capacita o
sujeito a construir a sua identidade e pertencimento para a com-
preensão dos conceitos, o que leva à educação para a formação
cidadã”. Decorrente disso, reafirmamos que consideramos que
estudar a cidade – que é lugar onde vivem os estudantes e onde
estão as suas escolas – permite estabelecer as diretrizes para a
compreensão da realidade em que vivem e da dimensão de con-
texto maior como base para as determinações da vida no lugar,
sejam elas decorrentes das relações e empreendimentos dos que
ali vivem e do contexto global em que todos estamos vivendo.
As reflexões que resultam dos entendimentos produzidos
no decorrer das pesquisas realizadas encaminham-se para aten-
der à busca do objetivo central que é a formação para a cidadania

3
Essas questões são todas abordadas em textos de capítulos de livros e de artigos
publicados em periódicos científicos pelos membros do grupo da pesquisa.
CAPÍTULO 1 – UM PROJETO DE PESQUISA , SEUS CONCEITOS FUNDAMENTAIS E OS CAMINHOS PERCORRIDOS 31

por meio do ensino da cidade. A proposição de um método para


estudar a cidade centrada na escala de análise nos permite acredi-
tar em uma educação que ao estimular o pensamento geográfico
leva-nos a buscar a construção de entendimentos que servem para
uma formação crítica por meio do acesso ao conhecimento. Ao
produzir o seu conhecimento singular o aluno precisa ter acesso
àquilo que a humanidade e a ciência produziram, e com estes
aportes ter elementos para fazer a argumentação acerca de acei-
tação ou de questionamentos de verdades visando a refletir sobre
o mundo da vida, sobre o seu lugar neste contexto.
Este conhecimento, objeto de trabalho da escola pelos seus
conteúdos, decorre da produção científica que a humanidade tem
realizado ao longo da História e que precisa ser tornada acessível
às crianças e aos jovens. É um conhecimento que se assenta em
explicações produzidas pela ciência e que no caso da escola são
expressos pelos conteúdos das disciplinas curriculares que têm
em si as suas especificações pelos conceitos, pela linguagem e
pelos métodos da ciência de referência. Enfim, entendemos que
essas características definem-se pela ciência e na escola são per-
passadas pelo caráter pedagógico do trabalho educativo, ocasião
em que se aliam os conhecimentos que cada aluno tem e traz das
suas vivências.
Consideramos, então, que estudar a cidade requer esse
olhar, que no caso da Geografia é sustentado pela análise geo-
gráfica que pressupõe o olhar espacial dos fenômenos que são
humanos, mas que são também da natureza. Nesse sentido, ao
compreender que o tempo e o espaço são dois conceitos que se
complementam para estudar o mundo da vida pode-se reconhecer
os fenômenos que se cristalizam e materializam-se no espaço ao
longo do tempo. O espaço apresenta os resultados das histórias
vividas e assim, ao ser estudado, é importante considerar a hori-
zontalidade dos fenômenos que se espalham nos lugares, mas
também a verticalidade que sustenta cada um e todos os eventos
ocorridos. O que interessa nesse caminho é realizar a compreen-
são dos processos que são históricos e abertos às possibilidades,
os quais não são, em si, possíveis de antecipar, mas que resultam
do jogo de forças dos homens sujeitos sociais que vivem num
determinado tempo e em lugares específicos.
32 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

Com esta direção de pensamento e com os resultados das


pesquisas e reflexões desenvolvidas apresentamos neste livro os
seis capítulos que discorrem acerca da formação para a cidada-
nia, do estudo da cidade pela sua configuração urbana e aspectos
arquitetônicos, e a literatura pela condução das pesquisas tendo a
escala de análise como um método geográfico que permite pensar
a vida, o mundo numa perspectiva de complexidade.
Capítulo
~~ 2 ~~

O LUGAR:
Conceito e Conteúdo
no Estudo da Cidade

Abordar o conceito de lugar no contexto dos demais con-


ceitos da Geografia tendo como base o espaço geográfico per-
mite balizar todo o estudo da Geografia no âmbito da ciência e
do mesmo modo no trato da disciplina escolar. Com sustentação
no conceito de lugar entendemos que é possível desencadear o
fazer de uma educação geográfica que significa estudar o mundo
a partir do olhar espacial, incorporando ferramentas intelectu-
ais para desenvolver os raciocínios geográficos. Neste caminho,
pode-se oportunizar a realização da análise geográfica de modo
a fazer a observação, análise, compreensão e interpretação do
mundo da vida, tendo o pensamento geográfico como elemento
fundante.
A partir dessa temática e no bojo de todo um conjunto de
discussões, surge a questão já elaborada e discutida por muitos
estudiosos, entre os quais está Santos (1985) e em muitas das
suas obras, e que pode ser apresentada assim: “O que caracteriza,
particularmente, a abordagem da sociedade através da categoria
espaço? Como, na teoria e na prática, levar em conta os ingre-
dientes sociais e ‘naturais’ que compõem o espaço para descrevê-
-lo, defini-lo, interpretá-lo e afinal, encontrar o espacial? O que
caracteriza a análise do espaço?” (Santos, 1985, p. 1). Vamos em
busca, então, de estabelecer caminhos possíveis para fazer uma
análise geográfica que se assente nos pressupostos de um pensa-
mento geográfico. No tocante à escola e na disciplina de Geogra-
fia, porém, adotamos também uma reelaboração deste conceito
expresso por “pensamento pedagógico geográfico do professor”
34 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

apresentado por Copatti (2019, p. 176), que é a articulação entre


“o Pensamento Geográfico do Professor ao conhecimento peda-
gógico inerente à docência”.
Argumentando que a Geografia é a disciplina (e a ciência)
que considera o espaço como conceito básico podemos ressaltar
que se adota como instrumental metodológico o seguinte: obser-
var, descrever, interpretar, analisar o espaço construído como
o resultado das relações que acontecem entre os homens e os
grupos sociais e destes com a natureza. E com Santos (1985, p.
1) “consideramos o espaço como uma instância da sociedade, ao
mesmo título que a instância econômica e a instância cultural-
-ideológica”. Entendemos, assim, que o espaço materializa as
ações humanas na sua relação com a natureza e com seus aportes
de desenvolvimento humano. Resultam daí os espaços organi-
zados que mostram em sua materialidade as paisagens que são o
retrato dos diversos espaços em suas variadas escalas em tempos
e espaços determinados.
Entre os conceitos que se desdobram a partir do conceito
de espaço elegemos para esta reflexão o conceito de lugar, que no
nosso entendimento diz da possibilidade de encontrar caminhos
teórico-metodológicos para o ensino e a aprendizagem da Geogra-
fia escolar. A proposição é considerar o lugar como um determi-
nado espaço que pode ser aquele em que o aluno vive, mas não
apenas aquele, pois podem ser outros lugares de perto ou longe
também. Queremos considerar o lugar como aquele espaço que é
o cotidiano da vida do aluno, mas que deve ser e estar inserido no
contexto mais amplo e mais complexo, e que tem em si a dimen-
são da escala de análise, conceito este fundamental para evitar
explicações simplistas que levam a entendimentos por vezes
equivocados, e, também, para justificar interesses geopolíticos.
Nesse sentido, entendemos que o lugar pode ser aquele
nível da escala local em que o aluno pode perceber e reconhe-
cer empiricamente os diversos fenômenos que ocorrem onde ele
vive. Reforçamos que o importante é conseguir fazer a abstração
e teorizar com base nos conceitos para entender aquilo que é apa-
rente no espaço construído, no lugar que está sendo considerado.
Isso resulta em um processo de sistematização dos conhecimentos
do mundo da prática organizado num contexto de abstrações e
teorização, que produz explicações para além do senso comum.
Harvey, abordando a questão de “uma teoria geral dos desenvol-
CAPÍTULO 2 – O LUGAR: Conceito e Conteúdo no Estudo da Cidade 35

vimentos geográficos desiguais” (2011, p. 107) ao discutir a pro-


dução de escalas espaciais e a produção da diferença geográfica,
estimula-nos a esta reflexão sobre o conceito de lugar quando
apresenta a seguinte ideia: “O exame do mundo em qualquer
escala particular revela de imediato toda uma série de efeitos e
processos que produzem diferenças geográficas nos modos de
vida, nos padrões de vida, nos usos de recursos, nas relações com
o ambiente, e nas formas políticas e culturais” (Harvey, 2011,
p. 110). Consideramos, portanto, a necessidade dos processos de
abstração para extrapolar a dimensão do lugar em suas explicações
simplistas que podem mascarar a compreensão da realidade ali
vivida ao ficar apenas no trato das informações empíricas.
Para estudar o lugar é adequado agregar a esta reflexão a
dimensão histórica, pois entendemos que o espaço construído tem
em si a materialização da vida que vai acontecendo no lugar e esta
é a história de quem lá vive e quem lá imprime os seus modos
de vida. Uma história sempre em movimento, portanto os espa-
ços sempre são inacabados, estão abertos ao fazer humano. Assim
Santos (1988), ao falar das categorias da Geografia, faz referência
a diversas perspectivas que devem ser levadas em consideração e
para as quais precisa-se ter atenção. Para fazer o estudo do lugar
com coerência, destaca o autor que na Geografia ter-se-ia a pri-
mazia do empirismo, se somente for considerado o lugar, “como
se ele tudo explicasse por si mesmo, e não a história das relações,
dos objetos sobre os quais se dão as ações humanas, já que os
objetos e relações mantêm ligações dialéticas, onde o objeto aco-
lhe as relações sociais, e estas impactam os objetos” (Ibidem, p.
57). E dando continuidade à sua reflexão a este respeito, observa
que seria (o geógrafo) “funcionalista se levasse em conta ape-
nas a função; e estruturalista se apenas indicasse as estruturas,
sem reconhecer o movimento histórico ou a relação social sem o
conhecimento do que a produziu” (Ibidem, p. 57). Podemos acres-
centar que nos interessa compreender a dimensão de complexi-
dade que envolve essas relações para entender a vida humana e
sua reprodução para pensar em possibilidades dessa compreensão
contribuir para a busca por uma vida vivida com justiça social. Seja
na perspectiva mais ampla de acesso aos bens que são produzidos
pela humanidade, seja nas condições efetivas de vida nos lugares.
36 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

Interessa-nos olhar, descrever, analisar, interpretar o espaço


local para pensar o lugar de modo a compreender a realidade da
vida num contexto de universalidade, pois as interpretações do
que se constata não podem ser explicadas somente pelo lugar no
qual acontecem. Pelo contrário, existe sempre um jogo de forças
no embate entre a vida no e do lugar que têm de ser referidas às
motivações de interesses maiores e compreendidas pela comple-
xidade que daí decorre. Neste bojo está a dimensão de poder que
pode ser expresso por meio dos aspectos econômicos, culturais,
sociais e, também, da questão ambiental, que em seu conjunto
retratam os interesses estratégicos da geopolítica mundial. Por
vezes, pelo tratamento de um olhar homogêneo, que considera
que todos os lugares são iguais, desconhecem-se as diferenças e
provocam a exclusão, que pode ser singular para determinados
sujeitos ou grupos, mas que podem ser também do conjunto da
população que ali vive.
A história de qualquer lugar acontecendo, no momento
presente que seja, tem a ver com outros lugares e com instâncias
mais distantes, pelas relações que se dão entre as pessoas e com a
relação com o meio. Isso gera diferenças espaciais, quer dizer, dá
origem a lugares diferentes no mundo, embora as diferenças não
sejam exclusivamente decorrentes da história dos lugares. Harvey,
ao abordar a questão, afirma que “as diferenças geográficas são
bem mais do que legados histórico-geográficos. Elas estão sendo
perpetuamente reproduzidas, sustentadas, solapadas, e reconfi-
guradas por meio de processos político-econômicos e socioeco-
lógicos que ocorrem no momento presente” (Harvey, 2011, p.
111). É a história da humanidade que a cada tempo e em cada
lugar acontece e/ou se repete. E essa humanidade é de pessoas
que têm histórias, que têm famílias, que trabalham e que vivem a
vida nos lugares. E nessas famílias estão os nossos alunos que em
cada lugar são marcados pela complexidade do mundo da vida,
da vida vivida.
Desse modo, estudar o lugar implica considerar o lugar do
sujeito, isto é, onde ele vive, onde estabelece as relações. Essa
abordagem diz muito, tanto na construção social/cultural da e para
a vida do aluno como na especificidade do conhecimento, pois
permite que ele aprenda os conceitos e produza conhecimento
tendo o mundo em que vive como objeto de aprendizagem. Além
disso, essa prática possibilita que o aluno perceba que o mundo
CAPÍTULO 2 – O LUGAR: Conceito e Conteúdo no Estudo da Cidade 37

não é fragmentado naturalmente, e que quando o é resulta de


interesses que podem ser locais, mas também podem ser gerais.
Por outro lado, todos os lugares estão conectados entre si, pois o
mundo está interligado por interesses econômicos e políticos, que
dizem dos processos de globalização.
Esse mundo próximo que é o lugar onde vivem os alunos
pode ser objeto de conhecimento, que, se superada a dimensão
de lugar restrito que se explica por si só, oportuniza a sistemati-
zação dos conhecimentos na interface gerada pela complexidade
do mundo e da vida. Para Callai (2005), as crianças leem o mundo
da sua vida circunscrito pela paisagem (o mais das vezes próxi-
ma) antes de ler a palavra. Essa leitura é realizada por meio de
mecanismos intuitivos como a observação e a percepção, pautadas
pela sua curiosidade e imaginação. Ao se inserirem na escola essa
leitura pode ser efetivada no processo de alfabetização, fazendo
a mediação entre os conceitos com o mundo da vida.
Seguindo essa linha de pensamento nos remetemos à obra
de Milton Santos (1996) “A natureza do espaço: técnica e tempo,
razão e emoção”. Essa referência se dá por entendermos que a
vida não é fria e não pode ser vivida simplesmente pela razão, a
emoção faz complexificar o olhar e entender o mundo e as coisas
da vida de modo mais humano, talvez. Nesse livro, em especial
a 4ª parte, que tem por título “A força do lugar” permite que seja
pensada uma Geografia com marcas da vida vivida neste mundo
comum, e que acontece nos diversos lugares. Quando diz que
“o choque entre cultura objetiva e cultura subjetiva torna-se um
instrumento da produção de uma nova consciência” (Ibidem, p.
261) faz pensar que num mundo no qual a tecnologia impera, os
interesses globais se manifestam em todos os aspectos. A vida
de cada um está submetida ao jogo de forças externas a ela, com
processos de exclusão, com falta de reconhecimento das diferen-
ças que geram dificuldades incomensuráveis para ter vida digna
como ser humano. E, neste contexto, a valorização do sentimento,
da emoção, pode ter algum papel significativo na construção do
mundo humano, pois para Santos (1996, p. 251),
a globalização faz também redescobrir a corporeidade.
O mundo da fluidez, a vertigem da velocidade, a frequ-
ência dos deslocamentos e a banalidade do movimento
e das alusões a lugares e a coisas distantes, revelam em
38 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

contraste, no ser humano, o corpo como uma certeza


materialmente sensível, diante de um universo difícil de
apreender.
E, neste processo de viver a vida cada sujeito carrega as
marcas de suas histórias e das histórias do lugar em que vive.
Histórias sempre contextualizadas nas trajetórias da humanidade
que ao longo dos tempos ocupa espaços e demarca territórios. O
estudo do lugar nesse contexto (na maior parte das vezes consi-
derado o cotidiano do aluno) tem sido proposto como trabalho na
escola em diversos momentos, atualmente. E, ao longo do tempo,
inclusive, está nas propostas curriculares das políticas públicas
para educação e referidas nas particularidades dos sistemas de
ensino e nas escolas respectivas. O tema de estudo do lugar apare-
ce, por vezes, com o nome de cidade, ou de vila, ou de zona rural,
ou de região, ou de bairro (considerando o entorno de onde vive o
aluno). Compreender o lugar em que vive pode ser desafiador ao
aluno, na medida em que ele está imerso num cotidiano e viven-
ciando todas as ações, de modo consciente ou não, e que muitas
vezes nem alcança o sentido dos processos desencadeados e nem
dos seus resultados.
Na perspectiva que queremos imprimir, o lugar tem em si
os conceitos de espaço absoluto, relativo e relacional. Isso remete
a que nossa reflexão incida sobre estes conceitos tendo claro que
espaço absoluto significa o espaço em si mesmo, o sítio localizado
em determinado ponto do espaço, com seus limites e caracterís-
ticas internas. Muitas vezes o lugar no ensino de Geografia tem
sido concebido com esta perspectiva apenas, que não é o nosso
entendimento. E isso ocorre também nos anos iniciais da escola
básica, quando a proposição é estudar o mundo em todos os seus
aspectos, tendo como metodologia a ideia muito presente dos
círculos concêntricos (partindo de Eu e do espaço que o Eu ocupa
e avançando linearmente em espaços maiores e mais distantes
numa linearidade predefinida, sem considerar a complexidade
do mundo da vida). É estudar a casa, a escola, a rua, o bairro,
a cidade, a região, o Estado, o país, o mundo, nessa sequência
linear que inclusive fragmenta os espaços. Consideramos que isso
tudo, todos esses espaços, esses lugares, têm de ser considerados,
mas não nesse processo de círculos concêntricos que se ampliam
linearmente numa sequência lógica apenas na espacialidade sim-
plificada.
CAPÍTULO 2 – O LUGAR: Conceito e Conteúdo no Estudo da Cidade 39

Além do conceito de espaço absoluto, considera-se o de


espaço relativo que tem a perspectiva de aproximação em relação
a algum fator que avizinha os lugares, seja pela contiguidade ter-
ritorial ou mesmo que sejam distantes e que entre eles existam
outros lugares, mas que remetem a algum significado de ligação.
Quer dizer relativo a algo que é externo ao lugar que é o sítio
(espaço absoluto). Muitas vezes temos regiões que se organizam
em sua composição de lugares que não necessariamente têm pro-
ximidade absoluta entre si, mas têm relações que interessam e
que fazem os lugares se identificarem e se aproximarem relati-
vamente. Um exemplo pode ser uma cidade de fronteira que faz
limite do Brasil com outro país e onde a vida cotidiana aproxima
as pessoas naquilo que as nacionalidades diferencia. Ou um lugar
que se liga a outro pelo tipo de etnia que o ocupa e que se ligam
pela cultura, pelas histórias da migração, por exemplo. O conceito
de espaço relacional diz daquela dimensão que torna significativos
os lugares em seu conteúdo e é mais aberta aceitando os movi-
mentos que o configuram a qualquer tempo.
Não podemos, no entanto, considerar esses conceitos como
três dimensões separadas e Harvey (2012, p. 12) “invita a reflexio-
nar sobre las formas de aproximación y estúdio del espacio geo-
gráfico, en su condición absoluta, relativa y relacional, remarcando
la importancia de un abordaje dialéctico de esta triada espacial”.
Configura-se assim o estudo do lugar que, para ser compreen-
dido em suas variadas nuances visíveis e invisíveis, tangíveis e
intangíveis, não dispensa o olhar da complexidade e do encontro
com diversas realidades. E em cada lugar deve-se considerar os
conceitos de espaço absoluto, relativo e relacional.
Com este olhar e considerando o que é o importante para
estudar o lugar, interessa pensar numa perspectiva de estudar
a cidade não como algo pronto e acabado, mas com a ideia de
movimento. As relações que se estabelecem nesses três níveis
não são do lugar em si, mas sim das e pelas pessoas que ali vivem,
o que remete a pensar que cada sujeito é alguém que pode ter
voz e ação, e pode assim contribuir na formação da sua cidade.
Isso significa trabalhar numa perspectiva que possa encaminhar a
elaboração de uma consciência que oportunize entender a possi-
bilidade de resistência ao invés de simples subordinação às regras
da globalização no mundo atual.
40 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

A proposição de Santos (2000) na sua obra “Por uma outra


globalização”, em que diz – “do pensamento único à consciência
universal” – nos permite fazer este caminhar no estudo do lugar
na escola. O autor trata da globalização do mundo em três aspec-
tos, como fábula, como perversidade e como possibilidade. Ao uti-
lizarmos o exemplo da cidade, esse entendimento se materializa a
partir da fabulação de como nos fazem crer que o espaço urbano
é um espaço para todos, sem segregação. É a cidade ideal, bonita,
com muitos equipamentos urbanos para quem quiser usufruir,
com acessibilidade, condições sanitárias, estrutura urbana e todos
os serviços igualmente distribuídos, mas que na realidade não é
assim. A cidade como perversidade seria a cidade como ela é, uma
fábrica de desigualdades, com desemprego, com bairros sem as
condições sanitárias para a vida humana, com marginalização e
dificuldade de acessar os serviços. E a cidade como possibilidade
seria a busca pela transformação da realidade vivida como ela é,
com busca de vida digna, com justiça social, com acesso à moradia,
e com pessoas que têm voz e direito à fala. É interessante anali-
sar uma cidade com esta proposição teórica e com metodologia
e estratégias que permitam fazer a caracterização de cada uma
dessas três dimensões propostas teoricamente.
Acreditamos que para entender o que acontece na cidade
e caracterizar como ela é, torna-se interessante conhecer a histó-
ria do lugar e, portanto, desenvolver o olhar, que para cada um
pode ser diferenciado, de acordo com o ponto de partida de sua
observação. A observação é seguida pela descrição, pela análise e
interpretação dos fenômenos urbanos que são os resultados con-
cretos das relações entre os homens. E aqui a ideia de concreto
não seria apenas do que a aparência mostra, mas também aquilo
que é intangível e que pode ser muito forte na condução da vida
das pessoas que ali habitam. Podem ser condicionantes não visí-
veis, mas que têm poder simbólico.
Outra questão importante a ser considerada é que na Geo-
grafia se consolida a ideia de que o espaço estudado subentende
que “a aparente transparência do espaço produziu várias simplifi-
cações, dentre elas a construção de uma disciplina restrita ao mun-
do fenomênico, colocando-nos diante de um espaço imediatamen-
te objetivo, em sua materialidade absoluta” (Carlos, 2011, p. 20).
Esta ideia tem sido recorrente e perpassa claramente a Geografia
escolar, pois se estuda as paisagens em suas aparências, a cida-
CAPÍTULO 2 – O LUGAR: Conceito e Conteúdo no Estudo da Cidade 41

de em sua estrutura aparente e o desafio que se coloca é como


avançar para além dessas imagens. Assim, também, apresenta-se
o estudo do lugar que na escola tem sido por vezes tratado como
o estudo do meio, naquela ideia de que o mais próximo do aluno
se apresenta como de mais fácil aprendizagem, numa sequência
linear e que remete à perspectiva dos círculos concêntricos.
Se considerarmos, no entanto, que o mais próximo do aluno
não necessariamente é o que espacialmente está, dois problemas
se apresentam, dos quais um é de considerar o lugar como um
espaço absoluto e constatando-se apenas o visível. O outro proble-
ma pode ser o de considerar o espaço um palco onde acontecem as
coisas e que passa a partir daí a ser visto como pronto e acabado,
inerte e sem movimento. Sim, a paisagem que se apresenta é um
momento do espaço que está retratado numa figura e mesmo,
também, num mapa. Tem muito mais, porém, pois pode o espaço,
além de ser palco, ser considerado também um espaço de poder,
de onde podem ser emanadas regras e condicionantes. Como
palco pode ser o lugar que acolhe os acontecimentos, mas pode
também gerar as condições e ser ele próprio ator que provoca
outras ações, outros movimentos e outros resultados. Então essa
espacialidade passa a ser considerada um momento de registro das
relações humanas e de seus movimentos que são continuamen-
te presentes e que podem ser transformados assim com o foram
antes gerados.
O nosso modo de estudar o mundo é pela dimensão espa-
cial, pelo olhar espacial que encaminha o desencadeamento de
raciocínios espaciais e que consolidam um pensamento geográfico
e permitem fazer uma análise geográfica. Este é o ponto central,
pois um pensamento geográfico traz consigo além da dimensão
do espaço a possibilidade de “elucidação de uma realidade social”
(Carlos, 2011, p. 18). E, recorrendo a esta autora, pode-se avançar
na discussão que é da Geografia, pelas próprias premissas aqui
adotadas, mas que na escola se desdobra para além da discussão
teórica que lhe dá os fundamentos, pois remete ao ensino escolar
em uma disciplina curricular que tem um papel nesse contexto
de formação. Antes de avançar nessa argumentação para abordar
o estudo do lugar que se considera a cidade, temática que vai
além da disciplina de Geografia, pois envolve uma discussão mais
abrangente que por si só desafia a fragmentação do conhecimento.
Vejamos dessa mesma autora a citação a seguir que diz:
42 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

A dimensão espacial da realidade esclarece primeira-


mente com sua vertente de raciocínio a localização e a
distribuição das atividades e dos homens na superfície
da terra, e, em seguida, possibilita a aproximação em
direção ao pensamento que considera o espaço em seus
conteúdos sociais como uma das produções humanas
que permitem a concretização da vida. Nesse sentido,
a prática social é espacializada e a ação cumpre-se num
espaço e tempo, realizando-se em várias escalas indisso-
ciáveis a partir do plano da vida cotidiana (Carlos, 2011,
p. 18-19).
A escola estuda o lugar, um lugar que diz da possibilidade
de compreender a organização da população que vive na cidade e
nela está o aluno que frequenta a escola. Este é um dos conteúdos
que desde os anos iniciais da Educação Básica é trabalhado, e
mesmo não se tratando da disciplina de Geografia a nossa contri-
buição pode ser significativa para desenvolver a aprendizagem dos
alunos. E inclusive para dar as bases em conceitos que remetem
à realização da abstração ao estudar os temas específicos dessa
disciplina nos anos finais do Ensino Fundamental. Nesse sen-
tido, “el lugar se entiende, no solo como referencia al objeto de
la geografía, sino que además se entiende como una posibilidad
metodológico-analítica para comprenderlo y explicarlo, al mis-
mo tiempo, como una posibilidad de recomponer la interrelación
entre los seres humanos y el medio” (Garrido Pereira, 2009, p.
15).
Desse modo, entendemos que o ponto central da escola-
rização é o fato de oportunizar às crianças e aos jovens a terem
acesso ao conhecimento de modo a se empoderarem das ferra-
mentas intelectuais que lhes permitam exercer a sua cidadania.
E mais, a perspectiva que temos de educação, que é para formar
cidadãos, exige que todos tenham a possibilidade de acesso aos
direitos garantidos pelos princípios republicanos. Não é, contu-
do, exatamente isso o que acontece e, portanto, é premente que
se busque encontrar as formas de trabalhar na escola de modo a
construir um conhecimento que seja significativo, que tenha a ver
com a vida do estudante e que o desafie a querer conhecer mais e
se reconhecer em sua identidade e pertencimento tendo a cidade
(o lugar onde vive) como o lócus central. E que também dialogue
CAPÍTULO 2 – O LUGAR: Conceito e Conteúdo no Estudo da Cidade 43

com outras realidades tanto para compreendê-las e perceber suas


fragilidades quanto conhecer suas qualidades e aquilo que pode
contribuir ao lugar em que o aluno vive.
Por meio do estudo do lugar a criança pode dar início aos
processos de abstração fazendo a inter-relação entre o vivido no
seu cotidiano de modo a compreender a vida vivida na realidade
do mundo, pois “se quisermos compreender o mundo como totali-
dade e também o nosso próprio lugar nele, o recurso às categorias
universais é incontestável” (Carlos, 2011, p. 19). Isso permite que
o aluno tenha a oportunidade de desenvolver o seu conhecimento
interligando o que conhece (do lugar em que vive) com os con-
ceitos universais, produzindo assim, num caminho cada vez mais
complexo, os entendimentos a respeito do mundo da vida, do
papel da ciência, tendo acesso ao conhecimento científico que
a humanidade produziu em sua trajetória histórica e de huma-
nização.
Conhecimento é poder e só com o acesso ao conhecimento
é que se pode pensar o aluno na condição de sujeito com direitos
e deveres, com consciência cidadã desde criança, reconhecen-
do a sua identidade e seu pertencimento com espírito crítico ao
se situar e se reconhecer no lugar. Neste sentido, as elaborações
teóricas de Milton Santos (1996, p. 271), em especial na sua obra
“A natureza do espaço”, contribuem para avançar na argumentação
acerca do lugar, pois “Não existe um espaço global, mas, apenas,
espaços da globalização. [...] O mundo, porém, é apenas um con-
junto de possibilidades, cuja efetivação depende das oportuni-
dades oferecidas pelos lugares”. É este o sentido para estudar o
lugar na escola, que pode ser identificado pela cidade, pelo bairro,
por uma localidade rural, por uma determinada área regional que
está ligada com a vida dos alunos.
Neste contexto, e no intuito de discutir a possibilidade de
na educação formal ser desencadeado um processo de conheci-
mento do lugar, é interessante considerar como a primeira e mais
próxima instância dessa discussão, a própria escola, no contexto
em que está situada, e de quais as formas de atuação de cada
segmento que a compõe. A escola, em todo o seu aparato peda-
gógico, físico, ambiental, permite que se perceba como é cons-
truído um lugar. Como cada um tem seu papel, como a cada um
são atribuídas as responsabilidades que se configuram como o
exercício da participação, da capacidade de se reconhecer como
44 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

um sujeito que tem vida própria e que está vivendo num mundo
que ora lhe concede benefícios, ora lhe impõe limites, às vezes
extremamente severos. E nesse intuito constituem-se as possibi-
lidades de compreender o lugar, não por sua exclusividade, mas
na interdependência com os outros lugares dos quais as mesmas
pessoas fazem parte.
Isso remete à escala social de análise1 (já referida) que, ao
ser considerada, relativiza as verdades e as ações das pessoas, num
contexto de amplitude de espaços e tempos. Se de um lado a
clareza teórica e a percepção do significado e da importância de
considerar a escala de análise é condição para a ação, de outro está
bem presente a dimensão política de pensar, planejar e colocar em
prática ações para melhorar as condições de vida da população.
Isso é importante para reforçar as condições internas do lugar, e
para ter clareza de como encaminhar questões que só poderão ser
resolvidas pelo poder público municipal ou estadual, ou aquelas
que podem ser encaminhadas e solucionadas pelos moradores
do lugar.
Os desafios que a população tem é o de como se organizar
para fazer a resistência e encontrar as alternativas para viver como
cidadãos tendo os direitos republicanos atendidos, mas também
tendo a clareza de que as decisões e as ações podem ser externas
aos interesses de quem vive no lugar. Segundo Santos (1996, p.
272), “A ordem global busca impor, a todos os lugares, uma úni-
ca racionalidade. E os lugares respondem ao mundo segundo os
diversos modos de sua própria racionalidade”. E para justificar os
entendimentos dessa relação global-local acrescenta-se que “A
ordem global é ‘desterritorializada’, no sentido de que separa o
centro da ação e a sede da ação [...] a ordem local reterritorializa, é
o espaço banal [...] Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma
razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”
(Ibidem, p. 272-273).
A vida cotidiana é o cerne da ligação entre os fenômenos
que ocorrem no lugar, tendo referência com os dados da nature-
za, do mundo físico, e das relações sociais situadas num espaço e

1
Também entendida aqui como escala de análise geográfica. A escala também pode
ser considerada como social, pois é uma escolha do pesquisador sobre qual recorte
melhor explica o fenômeno a ser analisado.
CAPÍTULO 2 – O LUGAR: Conceito e Conteúdo no Estudo da Cidade 45

tempo definidos, pois, “a partir da ideia de que a atividade que


produz a vida e com ela a realidade social, realiza-se, necessaria-
mente num espaço-tempo apropriável para a ação” (Carlos, 2011,
p. 23). Os lugares ocupam espaço que é recortado em nome da sua
especificidade, por exemplo, a cidade, e o que lá acontece está
sempre pautado pelo tipo de relação que os homens têm entre
si e que decorre de demandas e interesses globais e a partir daí
estabelecem-se as relações com a natureza.
Se a natureza se coloca como condição essencial da qual o
homem e depois o grupo humano retira o que precisa para
viver, é também por meio dessa atividade, realizando-se
ao longo do processo histórico como produtos sociais sem,
todavia, perder seu sentido natural. Assim, estabelece-se
a tese de que o espaço se define pelo movimento que o
situa como condição, meio e produto da reprodução social ao
longo do processo civilizatório. Logo, o espaço se define
(em seu conteúdo social e histórico) como uma das produ-
ções (nunca acabada, como ela). Desse modo, a partir da
relação com a natureza um mundo começa a ser produzi-
do, ininterruptamente, apontando determinações próprias
de cada período e constituindo-se como um conjunto de
obras e produtos realizados pelo homem no âmbito da ati-
vidade que metamorfoseia a natureza em mundo social
(Carlos, 2011, p. 23).
Não há, portanto, como desconhecer que em cada lugar os
homens vão dando feições ao espaço e que a natureza e a rela-
ções entre os homens são a base de como a cada tempo e em
cada espaço configuram-se os lugares, que em sua aparência têm
características que são marcantes. Não apenas a aparência, toda-
via, interessa, pois toda a dimensão social está por detrás e carrega
consigo os aspectos sociais, da história, da cultura, da economia,
enfim, dos regramentos que são globais e que se territorializam
em cada lugar.
Por essa razão, é importante no âmbito da educação brasi-
leira fazer reflexões com suporte teórico consistente que permi-
tam analisar as possibilidades existentes para fazer uma educação
que tenha significado para os sujeitos nela envolvidos. Então, for-
mar pessoas capazes de saber reconhecer o lugar em que vive (a
sua cidade) com uma função educadora significa procurar dar voz
a todos, assim como também permitir que atuem como sujeitos
46 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

participativos do seu lugar/comunidade. Se este é o desafio, na


realidade não é exatamente assim que acontece, e é difícil fazer
isso. Esse direito à voz deve ser conquistado, construído, cotidia-
namente. Qual a possibilidade de a Geografia, por intermédio de
seus conteúdos escolares, fazer esta intermediação? Como o pro-
fessor estabelece esta relação com a sua cidade, com o seu lugar,
como constrói os conceitos com os quais trabalha, como organiza
o seu conhecimento?
São questionamentos que balizam tanto o papel da esco-
la como a tarefa de estudar o lugar, que é um conceito, mas se
apresenta como um conteúdo da vida cotidiana dos alunos. Con-
siderando que a cidade é o lugar em que o aluno vive sua vida,
o compromisso da escola é oportunizar que o ensino enseje uma
aprendizagem significativa, o que supõe abordar os problemas que
ali existem, seja para o coletivo das pessoas que ali habitam, seja
para a singularidade de suas vidas em suas famílias.
A cidade é, portanto, um lugar apresentado que está além
de pontos ou áreas em mapas, mas como integração de espaço e
tempo, como eventualidades espaçotemporais (Massey, 2008, p.
191). E ainda com sustentação nessa autora, reforçamos o nos-
so entendimento de lugar, “como aberto (“um sentido global de
lugar”), como tecer de estórias e, processo, como um momento
dentro das geometrias de poder, como uma constelação particular,
dentro de topografias mais amplas de espaço, e como processo,
uma tarefa inacabada” (Ibidem, 2008, p. 191).
Se entendemos a organização do espaço como sempre
inacabado, como resultado de trajetórias humanas, na cidade
constatamos essa verdade, e, mais que saber dela é importante
reconhecer a possibilidade de interferir nessa organização espa-
cial urbana, e para isso é importante estudar a cidade. Estudar
e compreender a cidade tendo como parâmetro o conceito de
lugar com seus aportes teóricos pode significar o exercício de uma
educação para a formação cidadã. A cidadania como um compro-
misso social, mas também como um direito de cada pessoa. Na
escola, essa educação para a formação cidadã, tendo referência o
lugar-aqui e agora de um processo que é inacabado oportuniza o
entendimento de que nessa trajetória cada um pode ter influência
na sua construção.
CAPÍTULO 2 – O LUGAR: Conceito e Conteúdo no Estudo da Cidade 47

Os modos de estudar a cidade, enfim, apropriam-se de uma


condução metodológica do estudo do lugar passando por deter-
minados aspectos que são próprios da Geografia (mas não apenas
dela), pois cada lugar precisa ser contextualizado no espaço maior.
O exercício da observação, descrição, localização, permite consta-
tar as marcas horizontais que demarcam a materialidade do espaço
concretizado. Essa horizontalidade é a distribuição das pessoas,
dos fenômenos, dos elementos que compõem o espaço e geram a
organização urbana da cidade. É fundamental, contudo, também
buscar a verticalidade que permite elaborar as explicações, que
trazem em si igualmente a dimensão do poder. Assim, entender
que a cidade, para além de um conceito de Geografia, que traz
explicações sobre o mundo, é um conteúdo curricular que pre-
cisa ser ensinado considerando o lugar de vida do estudante, é o
desafio que o professor possui para que esse conteúdo se torne
significativo para a vida do aluno.
Capítulo
~~ 3 ~~

ESTUDAR GEOGRAFIA:
A Cidade e a Formaçao Cidadã

Cidade e cidadania são dois conceitos que se interligam na


busca de uma formação cidadã e se concretizam como ações no
mundo empírico, no cotidiano da vida humana. E neste sentido
estudar a cidade para vivê-la como cidadão pode ser um desafio
que se apresenta para a aula de Geografia. Para isso estrategi-
camente exige-se um aparato didático e metodológico que se
traduz na interação teórico-empírica, que se efetiva no fazer esco-
lar, atendendo aos currículos e temáticas nele propostos. E para
falar de estudar Geografia na escola consideramos que esta é o
lugar de acessar o conhecimento produzido pela humanidade e
de abordar as questões do cotidiano que vivemos no entrelaça-
mento das relações humanas e destas com a natureza. É na escola
que o conhecimento transmitido se alicerça nos fundamentos
teóricos que proporcionam as explicações das coisas do mundo,
portanto, nela, é inarredável o exercício da abstração e a formação
dos conceitos.
Os conteúdos disciplinares trazem em si a tradição que se
expressa pelos avanços da ciência, pelos conhecimentos produzi-
dos e acumulados pela humanidade, e nos processos de mediação
pedagógica interligam-se com os acontecimentos da vida cotidia-
na. Da sua vivência os alunos trazem consigo diversos conheci-
mentos que resultam em ideias de senso comum e cabe então
ao professor encaminhar a interligação entre esses saberes e os
conhecimentos científicos, de modo a gerar aprendizagens signi-
ficativas para a vida. Isso remete a trabalhar com problemas que
nas palavras de García Pérez, “educar, y concretamente educar geogra-
ficamente há de ser, sobre todo, preparar para participar en la gestión de
50 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

los graves problemas actuales de nuestro mundo y para comprometer-se,


como ciudadanos y ciudadanas, en su solución” (García Pérez, 2015,
p. 13).
Agrega-se então a ideia de investigar as possibilidades de
uma educação para a formação cidadã compreendendo os proble-
mas do mundo e como eles acontecem no lugar em que vivem,
e para isso tendo a escala de análise como ferramenta intelectual
para o estudo da cidade. Com a cidade sendo o lócus de vida da
população supõe-se considerar diversos conceitos que podem
balizar as interpretações e oportunizar a compreensão do fenô-
meno educativo. Particularmente interessa considerar como a
Geografia, por meio dos conceitos que lhe são específicos, pode
contribuir nesse processo. Aliás a Geografia, assim como qualquer
disciplina escolar, tem desafios que vão além da sua simples nomi-
nação no currículo da Educação Básica. Por isso a grande questão
que se coloca sempre é que tipo de conteúdo selecionar e como
abordar estes de modo a considerar a essência da Geografia e que
considere a epistemologia da ciência e da disciplina escolar, aliada
à dimensão pedagógica, fazendo com que seja capaz de contribuir
para a formação cidadã dos estudantes – crianças ou jovens.
Neste sentido pode ser interessante verificar como ao longo
da história da escolarização dessa disciplina foram apresentadas e
efetivadas proposições de como estudar Geografia para perceber
que os embates hoje encarados têm sido recorrentes em sua apre-
sentação como questionamentos e pelas soluções encaminhadas.
De outro modo conhecer como a Geografia escolar se constituiu
no decorrer do tempo pode fornecer elementos para iluminar o
olhar de como se faz hoje o ensino da Geografia, interessando-
-nos agora essa argumentação, na perspectiva de como se estuda
a cidade.
Muitos têm sido os estudos e as discussões acerca de for-
mulação dos currículos escolares que são expressos de modo
inegável nos materiais didáticos produzidos ao longo dos tem-
pos. Nesse sentido, é interessante ver como na década de 30 do
século 20 se discutia o ensino dessa disciplina tendo o olhar para
obras da época. Como parte dessa história, mas sem se esgotar
nela em si, pode-se constatar que na década de 30 já era presente
a discussão acerca do conteúdo e do caráter da disciplina. Veja-
mos que na obra “Programa de Ciências Sociais: escola elementar”
(Carvalho, 1934, p. 11), falar de Geografia era afirmar que: “a parte
CAPÍTULO 3 – ESTUDAR GEOGRAFIA: A Cidade e a Formaçao Cidadã 51

julgada mais importante no estudo da geografia, depois de conhecidos,


bem entendido, os elementos da geografia física, é a geografia humana,
econômica principalmente. Há um assentimento geral em julgá-la útil,
prática e educativa”. E dando continuidade, como justificativa na
obra afirma-se que:
Quatro razões principais parecem militar em favor do estu-
do da geografia econômica: 1 – dar ao aluno um conhe-
cimento do processo de produção e da dependência em
que se acha o homem em relação à natureza. 2º – revelar
de modo objetivo a interdependência dos povos e das
nações do globo. 3º – enriquecer os conhecimentos sobre
localizações geográficas de importância cultural prática.
4º – despertar simpatia pelos povos estrangeiros e fomen-
tar relações sociais sobre bases de mútuo entendimento
e compreensão. Este último visa criar, pois, uma atitude
(Carvalho, 1934, p. XX).
O excerto de Delgado de Carvalho no livro Programa de
Ciências Sociais – Escola Elementar – publicado pelo Departamento
de Educação do Distrito Federal, indica que a orientação para o
currículo da disciplina já era naquela ocasião resultado de propo-
sição de parte do Estado Nacional e “o plano geral do trabalho foi
delineado pelo diretor do Departamento de Educação e obedeceu, em suas
linhas gerais, ao plano do Programa de “Social Science”, organizado
para as escolas públicas de Denver, Colorado, E.U.A., que tem sido
copiado por várias cidades americanas e diversos países estrangeiros”
(Carvalho, 1934, p. 13).
Este fato pode mostrar que os currículos da disciplina,
além de originados fora da escola e postos aos professores, são
baseados em experiências internacionais, realidade que não acon-
tecia só no Brasil, como se pode constatar. E na mesma apresen-
tação, a referida obra faz a referência de que o objetivo de criar
uma atitude é diferente de aluno de escola primária ou de escola
secundária. Nesta são os povos e países mais importantes (políti-
ca, econômica e social do mundo) que devem ser estudados. No
curso primário, entretanto, é diferente, pois o que importa é que
os estudantes tenham a noção da diversidade humana, por isso
deve-se ensinar “os modos de viver mais característicos” (Carvalho,
1934, p. 11).
52 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

Consta deste material que devem ser assim para prender


os alunos estudando povos exóticos... (como os índios) porque
“é útil e oportuno que vá enriquecendo a sua imaginação e memória”
(Carvalho, 1934, p. 11) para mais tarde ter isso à disposição. A
partir dessa obra (aliás existem outras tantas que constituem para
a história da Geografia escolar) interessam dois aspectos: um deles
o fato de que se procura estabelecer uma proposição de trabalho a
partir do Estado para que seja encaminhado o estudo disciplinar
nas escolas públicas, mas que não nasce exclusivamente da nossa
história e da nossa condição de sociedade brasileira, e sim tem
base em documentos internacionais.1
O outro aspecto diz respeito a o que ensinar em cada série
da escola elementar e os motivos que sustentam a proposição,
pois a escola nova progressiva “proporciona à criança oportunidade
de praticar uma vida social que, conveniente a sua idade e seu desen-
volvimento, a leve a formar sua consciência social e possa aparelhá-la
para uma adaptação mais inteligente e mais eficiente ao meio em que
vive” (Carvalho, 1934, p. 17). Isso cabe à Geografia no contexto
das Ciências Sociais, que era a proposição julgada mais conve-
niente para entender os problemas do mundo do ponto de vista
econômico e político, na perspectiva de compreender como eles
acontecem no nosso país e no lugar em que vivemos. Desde a
década de 30 outra questão recorrente até hoje é manifesta acer-
ca do modo como se percebe e separa-se a Geografia Física da
Geografia Humana. Ambas teriam características diversas, tanto
na pesquisa quanto no ensino na escola, o que tem sido objeto de
discussão no pensar o ensino da Geografia.2
Destaca-se nessa obra referida outros dois aspectos que são
recorrentes na aula de Geografia até hoje: formar uma consciência
social e adaptação ao meio, o que atualmente abordamos nas nos-
sas discussões com um olhar crítico. E nesse sentido destaca-se
que emerge uma questão que esteve muito presente na Geografia
escolar, em especial no período repressivo da ditadura militar a

1
Entendemos que esta questão merece ser aprofundada, pois por meio do Manifesto
dos Pioneiros da Educação em 1932, é produzido um documento que procura propor
inovações na educação brasileira, o que não realizamos neste texto.
2
A Geografia Física seria mais objetiva e mais científica (e neutra?) que a Geografia
Humana.
CAPÍTULO 3 – ESTUDAR GEOGRAFIA: A Cidade e a Formaçao Cidadã 53

partir de 1964, que diz respeito a ter uma consciência social e se


adaptar ao meio. Ora, se adaptando ao meio não há como e nem
porque criar resistências e buscar novas alternativas, e o objeti-
vo nessa perspectiva é conhecer e aceitar como verdade o que
poderia ser questionável atualmente. Outro aspecto importante é
perceber a influência externa/internacional nas orientações apre-
sentadas para composição do currículo escolar nesta disciplina.
Essa consciência, naquele momento, em nosso entendimento,
passa a ser algo externo a ser incorporado e desconsidera o olhar
crítico para ligar a ciência com a vida vivida nos lugares.
Ampliando a discussão e numa perspectiva mais aberta de
formação crítica constata-se em obra publicada no Brasil deno-
minada “Vidal, Vidais”3 (Haesbaert; Pereira; Ribeiro, 2012 , p.
337) num extrato do texto de Vidal de La Blache, “A geografia
na escola primária”, que cita:
A natureza não estabelece leis nem forma com antece-
dência os quadros dentro dos quais se move o destino
dos Estados. Assinala as condições e deixa à competição,
lei universal dos seres vivos, o cuidado de obter resulta-
dos [...]. Daí surge a necessidade que tem cada povo de
informar-se seriamente dos recursos próprios que ele traz
à luta. Temos que estabelecer um balanço exato das forças
que o país, ao que vai unida nossa ação mundial, emprega
ou tem de reserva.
Essa proposição é feita a crianças da escola primária que
estimulava a aprender não um fenômeno isolado em si mesmo,
mas articulando os vários aspectos da Geografia e colocando o
lugar num contexto mais amplo. Continuando nessa reflexão nos
chama a atenção um texto de Haesbaert (2002, p. 170-171) que
em uma citação afirma que “a geografia real é a mais estimulante,
é aquela que se dá nas ruas, nas favelas, nos acampamentos dos
sem-terra, nas novas fronteiras, no embate de diferentes classes,
de diferentes identidades culturais”. Mesmo o autor trabalhando
com o conceito de região, nos interessa, por demais, essas consta-
tações, uma vez que os lugares que estudamos são estes que ele

3
Segundo os autores dessa obra, Vidal de La Blache teve papel fundamental na
evolução da Geografia em finais do século 20 e início do século 21.
54 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

menciona. Nesse contexto estão as cidades, que é o lugar onde


vivemos, então estudar a cidade onde estão os estudantes, as suas
famílias, as escolas e todas as instituições que dela fazem parte
pode ser um interessante caminho para desenvolver aprendiza-
gens significativas.
O que interessa saber sobre essas informações de escritos
a respeito do ensinar Geografia para crianças? Exatamente bus-
car na História, e aqui são só alguns poucos excertos, o caráter
da Geografia escolar e o estudo pelas crianças e jovens, de uma
realidade que espacialmente apresenta as histórias dos homens
nos lugares. Assim, temos as apostas de estudar as cidades, que
é o lugar onde vivem os alunos a quem ensinamos Geografia na
escola básica. Não apenas, no entanto, cidades imaginárias, ou
distantes, ou grandes cidades que são o cartão de visita de países,
mas aquela onde estamos vivendo a nossa vida comum. E nestas
cidades tendo clareza de que nelas se reproduzem as relações que
são de um mundo global com interesses, o mais das vezes exter-
nos à vida comum de cada sujeito, com questões universais que se
materializam nas singularidades das feições das paisagens locais.
Neste sentido, em nosso entendimento, o que e como estu-
dar a cidade coloca-se como um dos desafios permanentes, pois
a exigência é contribuir para que o aluno possa superar o senso
comum e construir as condições para entender o mundo da vida.
Um mundo em que os processos de globalização se afirmam como
indicadores do presente e do futuro dos cidadãos de todos os
lugares. E por isso cabe pensar de um modo que se possa fazer as
abstrações, superar as ideias do senso comum e iluminar teorica-
mente as questões para construir os entendimentos.
Assim é que julgamos importante e necessário ter a atenção
com a escala de análise geográfica, pois o lugar (no caso a cidade)
não pode ser estudado isoladamente como se tudo que existe nele
no momento presente se explicasse por si mesmo, sem interferên-
cias externas. O jogo do exercício intelectual entre o conhecimen-
to do aluno e o que ele pode conhecer verificando/estudando o
lugar em que vive, não pode se esgotar em si mesmo. Ficar-se-ia
assim numa Geografia apenas descritiva – que observa e descreve
lugares. O intuito é como fazer com que estes conhecimentos
da vida que se constituem na/da experiência de viver no lugar
possam ser contextualizados realizando a abstração e teorização
de modo a pensar o lugar como um conceito da Geografia, como
CAPÍTULO 3 – ESTUDAR GEOGRAFIA: A Cidade e a Formaçao Cidadã 55

o conceito de uma cidade, o conceito de uma região. A educação


geográfica pode ser o elo entre conhecer a cidade, o lugar em que
se vive, ter acesso às informações acerca dos temas estudados e
elaborar o pensamento, ou seja, fazer as abstrações, construindo
os conceitos para oportunizar um conhecimento novo por cada
um dos estudantes.
Nesta perspectiva, importa muito que o aluno possa com-
preender o lugar em que vive, situado num contexto mais amplo
e com demandas que não necessariamente são aquelas que inte-
ressam de imediato às pessoas do lugar. Entender a dimensão
do mundo globalizado e dos interesses que lhe são próprios pos-
sibilita superar a busca de soluções simplificadas, percebendo a
dimensão política que rege o mundo e cada lugar. Desenvolver a
possibilidade de que os jovens e as crianças conheçam e apren-
dam intelectualmente a cidade, compreendam as relações de ter-
ritorialidade, as paisagens, a natureza, as relações entre as pessoas
que ali vivem, os processos de produção da riqueza, da subsis-
tência, oportuniza que compreendam também que ao produzir
as nossas vidas construímos o nosso espaço. Então, compreender
que os espaços que constituem as paisagens que conhecemos não
são neutros, mas têm histórias que são sempre situadas e datadas
e assim apresentam as marcas de como os homens se relacionam
entre si e com a natureza.
Isso pode indicar que não é estudando antes a Geografia
Física e depois a Humana que se pode fazer a análise geográfica,
pois o espaço tem história e tem edificações que indicam os acon-
tecimentos vividos pelas pessoas que aí habitam e que a natureza
e o espaço físico não são apenas um suporte, mas fazem parte da
construção da vida humana no lugar. E conhecer e entender os
motivos dessas estruturas possibilita alargar o pensamento e supe-
rar as divisões que, ao isolar os lugares, fragmentam as explicações
possíveis para construção de um conhecimento que seja significa-
tivo para além de memorizar dados e informações. Um conheci-
mento que agrega às informações empíricas do mundo vivido no
cotidiano o conhecimento que a humanidade e a ciência produzi-
ram, e assim articular as informações e construir os entendimentos.
A escola é o lugar do conhecimento, no qual o aluno precisa
ter acesso ao que a humanidade produziu, e para isso entender
essas questões que a tradição nos ensina situando-as no mundo
da vida, no entanto não simplesmente como experiências, mas
56 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

também desenvolvendo o pensamento, tendo os instrumentos


metodológicos para abstrair e intelectualmente construir o seu
saber. Como parte dessas ferramentas intelectuais está a escala
de análise geográfica que remete a que se perceba essas questões
na dimensão dialética do espaço absoluto, relativo e relacional. E
assim, também, considerando na mesma perspectiva as escalas
de local e global. Isso tudo numa perspectiva dialética que anula
o caminho simplificado linear, mas considera-o na sua complexi-
dade.
Se os fenômenos espaciais caracterizam-se pela horizontali-
dade em que se esparramam pelo espaço há que se ter a dimensão
da verticalidade que é dada pelos processos que são resultado
da produção humana. O autor já citado Haesbaert (2002) dando
continuidade à sua argumentação (já antes aqui apresentada) num
texto em que perguntado sobre o que diria aos jovens, destaca
que a sensibilidade e o emocional não podem ser esquecidos,
mas que devemos colocar lado a lado o sentimento e razão, pois
que: “Esta separação entre razão e sensibilidade foi ou é a nossa
mais infeliz dicotomia” (Ibidem, p. 170). Ele aborda nessa argu-
mentação a importância de se continuar trabalhando na linha dos
estudos regionais, e diz que estes “reavaliados à luz dos processos
contemporâneos, especialmente os de globalização, com certeza são um
vasto campo a ser explorado pelo geógrafo que ainda acredita nas pos-
sibilidades efetivamente integradoras e multidimensionais da geografia”
(Ibidem, p. 171). Cabe-nos também abordar com essa perspectiva
a cidade.

Cidade e Cidadania
Pensemos, então, nas crianças e jovens estudando a sua
cidade onde vivem e construindo os seus conhecimentos para
articular a compreensão do mundo. Enfim, guardadas as devidas
características, o que se dizia em 1930, no Brasil, o que era a refle-
xão de La Blache na França de seu tempo, o que se aborda hoje,
e o que queremos com a aprendizagem da Geografia coloca-se na
perspectiva de pensar uma disciplina e um ensino que tenham
a ver com a vida, e por isso a nossa preocupação constante com
o estudo do lugar. É importante voltar a destacar que existem
CAPÍTULO 3 – ESTUDAR GEOGRAFIA: A Cidade e a Formaçao Cidadã 57

diferenças entre adaptar o sujeito ao meio e criar pelo conheci-


mento uma consciência crítica de identidade e pertencimento ao
lugar em que vivem. Nesse caminho interessa o estudo do lugar
como conceito da Geografia, e como conteúdo a ser trabalhado
nas pesquisas e no ensino, como uma possibilidade de entender
o mundo em que vivemos, considerando a escala de análise geo-
gráfica. Esta é o que nos permite estabelecer a relação entre o
global e o local, com o lugar sendo considerado numa “perspectiva
en donde se reconoce como prioritário el reconocimiento de las relaciones
entre médio y circunstancias del ser, que se vincula con la proximidad,
la cotidianidad, la filiación, la pertenencia, el arraigo y la identidad”
(Garrido Pereira, 2009, p. 15).
Estudar a cidade exige conhecer a história da formação e
organização da população ao longo da trajetória humana nos pro-
cessos de ocupação do espaço e adensamento populacional e par-
ticularmente a cidade em que cada um vive. Isso significa estudar
a cidade como o lugar onde acontece a vida singularizada de cada
um, contextualizada na dimensão do universal que lhe dá referên-
cia e pensar diante disso uma educação para a formação cidadã.
Assim, interessa-nos articular as possibilidades de estudar a cidade
alicerçadas em bases teóricas que fundamentam as interpretações
de modo que o aluno elabore os seus pensamentos teoricamente
e consequentemente construa os seus conhecimentos para gerar
autonomia, identidade e pertencimento como sujeito.
Reafirmamos que estudar a cidade é interesse e objeto de
várias ciências, de diversas formações profissionais, de variadas
disciplinas escolares, e aqui trabalhamos com a ideia de análise
geográfica para embasar o estudo, que é interdisciplinar. Envolve
a Literatura, a Arte, a Arquitetura, a História, além da Geografia,
pois interessa ver a cidade como uma construção humana, que ao
longo do tempo vai se formando como o núcleo regente da socie-
dade contendo em si o poder, seja político, econômico, religioso,
cultural, da educação, da saúde, do lazer. E nessa perspectiva
as dimensões ética e estética se entrelaçam para encaminhar o
estudo da cidade nas aulas de Geografia de modo que considere
as pessoas como sujeitos que têm direitos e deveres, mas funda-
mentalmente que tenham vida digna. Para conquistar a cidadania
e reconhecer o direito à justiça social, que é também uma justiça
espacial, importa ter consciência do lugar em que vivem nossos
58 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

alunos e oportunizar-lhes o acesso ao conhecimento da tradição


pode mostrar que nada é por acaso, mas que as cidades são cons-
truções humanas.
A cidade não é um fenômeno novo, pois todas as grandes
civilizações tiveram como centro uma cidade: Babilônia, Atenas,
Roma, Constantinopla, Londres, Paris. Historicamente a cidade
se constitui como o lugar de encontro de diversos interesses e
de vários segmentos da população, seja o simples mercado nas
civilizações antigas, seja o grande centro do mundo capitalista
da cidade atualmente. Ao longo da História, a cidade tem sido
sempre o cérebro e o coração civilizatório, portanto compreender a
dinâmica da vida urbana é condição para compreender a dinâmica
do conjunto da sociedade.
No contexto da relação rural-urbano, destaca-se que atu-
almente a cidade não se opõe ao mundo rural, embora sejam
espaços demarcados territorialmente com atividades e vivências
diferenciadas, no entanto se interligam e a interdependência tra-
duz-se em ações observadas no campo empírico e nas explicações
que são geradas com base no entendimento dos processos que
são desencadeados. Exemplificando, a atividade rural acontece
num determinado espaço que tem características específicas, mas
numa interdependência com a cidade, que acontece de variadas
maneiras. Se no passado tinha características históricas decorren-
tes de seus povos que lhe davam as marcas, isso não é diferente
no mundo atual. E estudar essa lógica permite perceber que a
cidade é o espaço que em si próprio atende à população que ali
se aglomera mas também dela emanam regras de convivência e
do fazer nas atividades econômicas. A cidade é a referência para
os acontecimentos, mas como fenômeno urbano que aglomera a
população que tem vida e faz a vida nesse espaço, não apenas em
suas formas e estruturas. E essas são resultado de como vivem as
pessoas e como se organizam, e sua aparência é o resultado da vida
humana. Assim sendo, uma vez que as edificações que formam as
estruturas urbanas tornam materializadas as histórias das pessoas
que ali vivem, então devem fazer parte do processo de ensino.
Educar para a formação cidadã leva ao entendimento de
que pensar – estudar – viver a cidade são possibilidades para com-
preender o mundo em que vivemos, pois a cidade como um lugar
tem as características que lhe demarcam em suas especificidades,
tem também uma situação num contexto maior que decorre das
CAPÍTULO 3 – ESTUDAR GEOGRAFIA: A Cidade e a Formaçao Cidadã 59

questões universais e dos interesses globais que regem o mundo


atual. E o que interessa na escola é que o aluno compreenda a
cidade e também a sua vida nela, de forma que se sinta parte
dela. Isso remete a ser um sujeito que é cidadão, que tem voz,
que compreende a realidade do mundo em que vive. Para isso nos
interessa falar de cidade e cidadania e da educação que oportuniza
a articulação dos conteúdos e que tem sentido o ensino escolar
para sustentar a vida humana.
Reafirmando, cidade e cidadania são dois termos que reme-
tem à História da humanidade, são dois conceitos muito em voga
atualmente, e são conteúdo da educação escolarizada. Diante
disso, no mundo atual, estudar a cidade diz da responsabilidade
cidadã e da expressão com a nossa vida comum. Assim como no
ensino, também as nossas pesquisas – o nosso fazer acadêmico –
têm sentido se articuladas com o mundo da vida e cabe a nós com
elas procurar respostas aos problemas que a sociedade apresenta.
Ensinar a cidade para as crianças e jovens é dar-lhes oportunida-
de de pensar o mundo e a vida neste mundo, não para o futuro,
mas para aqui e agora. Na Geografia estudamos a cidade com o
olhar espacial, que nos encaminha a pensar o espaço urbano, como
uma construção humana que está materializada num determinado
espaço e num determinado tempo, que apresenta paisagens, mas
mais que isso, mostra o resultado da vida que vivemos, ou seja, as
suas rugosidades, como chama a atenção Milton Santos.
No tratamento dessa questão temos como eixo funda-
mental o questionamento: É possível construir uma narrativa da
educação para a cidadania pela Geografia? Para responder a essa
questão abordamos então cidade, cidadania, educação, tendo estes
três termos como conceitos, mas também no campo empírico,
na medida em que o ser cidadão é um exercício do próprio fazer
humano no mundo atual. A cidade é uma construção humana e
a cidadania é uma conquista humana; são, portanto, termos que
remetem à História da humanidade. São fenômenos que têm uma
longa história no espaço e no tempo da nossa trajetória humana.
São conceitos que no mundo atual assumem caráter complexo e
diverso, mas são inequivocamente parte da produção dos homens.
Abrindo um parêntese, não é demais nessa reflexão rea-
firmar que estes conceitos têm, no entanto, conotações diversas
ao longo da História da humanidade, assumindo características
singulares de acordo com o contexto social, histórico, cultural e
60 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

espacial do mundo em que vivem as pessoas. São, portanto, con-


ceitos (guardadas as suas especificidades – cidade e cidadania)
historicamente datados, que se expressam situados num deter-
minado espaço e envolvendo específicos grupos sociais localiza-
dos em determinado lugar e ao longo do tempo. Se, no entanto,
como conceito pode-se pensar de modo abstrato em cidadania e
em ser cidadão, na concretude da vida é muito diferente, pois os
movimentos que são situados no espaço e datados no tempo têm
as marcas singulares que são, de algum ou outro modo, universais
também. Diferente porque, além de pensar e trabalhar com o con-
ceito, na vida concreta os bens e as mazelas estão afetando o viver
de cada um, numa sociedade com desigualdades extremas, em
que se naturaliza o que não é natural, mas que é produzido pelos
homens numa complexidade de um mundo que é globalizado.
A nossa condição de cidadania num mundo global em que
o universal se faz presente em cada lugar assume singularida-
des que reportam às nossas histórias e vivências do cotidiano e
que precisam ser compreendidas no mundo que é complexo e
diverso. Assim, a cidade no mundo contemporâneo precisa ser
vista em suas características de fenômeno mundial como um lugar
que acolhe e onde vive a maior parte da população, mas que ao
mesmo tempo é marcadamente seletiva e excludente. Cidade e
cidadania são, portanto, dois conceitos que dizem da vida huma-
na, que dizem da nossa condição de ser humano num contexto
de seres humanos, por isso são desafiadores para nosso trabalho
em educação.
A cidade como conteúdo para fazer uma educação geográ-
fica se constitui o desafio, e nesse sentido para isso é importante
compreender como ela é parte da vida do aluno. O conceito de
cidade ensinado pela Geografia tem sido uma generalização do
conhecimento, e os contextos específicos em que cada sujeito
vive é a marca da identidade de cada local. Por isso que o ensino
para produzir aprendizagem precisa ocorrer numa relação dialó-
gica entre os conceitos e a realidade vivida. Como, então, ensinar
aos nossos alunos a cidade, considerando essa prerrogativa? Se a
cidade em que o aluno vive está distante da que é apresentada
nos livros didáticos e que pode ser pequena, uma cidade média,
ou qualquer cidade de qualquer lugar? Que está, porém, integrada
ao mundo global e que estudar a cidade significa ver o que existe
nela em termos de organização urbana e de vida das pessoas que
CAPÍTULO 3 – ESTUDAR GEOGRAFIA: A Cidade e a Formaçao Cidadã 61

ali vivem. Para isso, buscando as explicações, tendo a clareza de


que são imprescindíveis os referenciais teóricos para compreender
e tendo como método o uso da escala de análise com a perspectiva
do local e do global, superando os lugares como espaços fragmen-
tados e a relação físico x humano percebida na complexidade dos
lugares.

Educação Geográfica para Formação Cidadã


Reconhecer o tipo de cidadania que é vivida pelos nossos
alunos e suas famílias exige saber da vida deles, quem são, de
onde vêm, como habitam a cidade, como é a escola em que estu-
dam, quais as marcas do bairro em que vivem, como é o lugar de
suas vivências. E, a partir de então compreender qual a condição
de acesso aos bens que a humanidade produz, que teoricamen-
te deveriam ser de todos de modo igualitário. É no bojo dessas
questões que se imbrica de modo indelével a relação cidade e
cidadania que queremos estudar na aula de Geografia, ou de qual-
quer outra disciplina. E, cabe-nos perguntar qual o significado de
cidade eles têm? Qual é a realidade da cidade que temos e vive-
mos? Qual o nosso olhar e nosso entendimento acerca da cidade
como professores?
Os conceitos de sítio e situação, tão correntes na Geografia,
dizem do lugar onde o aluno vive, que supõe uma localização no
espaço dada pelas coordenadas, mas que também está inserido
num complexo maior que lhe dá a situação, isto é, a relação esta-
belecida desse lugar com outros no espaço geográfico. Assim a
situação possui uma relação dialética com o sítio, mas ela sempre
precisa ser analisada considerando a natureza e as condições que
apresenta em cada lugar, as relações de trabalho e de vida dos
homens. E, considerando os recortes espaciais, que são definidos
pelos limites, mas que ao separar, ao mesmo tempo essas frontei-
ras interligam os espaços. Todas as cidades apresentam a aparên-
cia que é retratada por paisagens e a partir daí pode-se considerar
a forma e o conteúdo.
A forma é expressa e mostrada pela paisagem que nos
permite ver concretamente a materialidade que é apresentada
pelas edificações, pelo conjunto da estrutura urbana com as vias,
62 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

o arruamento, os parques, praças, pelos espaços públicos da cida-


de, pelas edificações privadas, pela arquitetura. E tudo o mais
que funciona nesses lugares, pois é neles que a vida se traduz e
se mostra por meio da estrutura que a cidade tem. Os aspectos
da natureza interferem, limitam e/ou oportunizam as edificações
e a organização urbana, e dependem do modo como os homens
consideram a relação com a natureza, tudo isso resultando na apa-
rência que é o retrato da cidade em cada momento.
O conteúdo é o que dá sentido à existência da cidade, o que
indica qual a vida que nela existe, como é vivida essa vida, quais
as relações sociais e econômicas. Também a cultura e os suportes
dos serviços públicos, bem como as formas de organização social,
por exemplo, os bairros, as zonas de centro e de periferia, e inclu-
sive as áreas marginalizadas, que mostram as condições de vida da
população. E as paisagens revelam a imagem de como a cidade é
com o conteúdo que traz em si.
Por isso, ao constatar qual a maneira que a Geografia aborda
os espaços e, neste caso nos interessa a cidade, surge o ques-
tionamento: Qual o significado para a vida dos alunos estudar a
sua cidade? Além disso, ao fazer o estudo da cidade é condição
reconhecer que o mundo e a vida não são e não acontecem numa
linearidade e com uma sucessão de eventos numa lógica determi-
nada do mais perto para o mais longe. Para superar os equívocos
que resultam da leitura da cidade apenas pelas descrições das
formas considera-se a importância de ter presentes os níveis de
horizontalidade e de verticalidade.

Educação Escolar – cidade e cidadania


Decorre dessa discussão que abordar a temática da cidada-
nia no contexto da cidade requer que seja feita reflexão acerca da
educação, não apenas para pensar na escola, mas a educação como
um processo que acontece ao longo da vida. Voltamos então ao
argumento central deste questionamento: É possível elaborar uma
narrativa do que seja educação para a cidadania? Uma narrativa
que considere o espaço urbano e a vida na cidade?
Estes questionamentos podem indicar numa sistematiza-
ção essa ideia de que a educação é parte do processo de se tornar
humano; que seu caráter formal ocorre na escola, constituindo este
CAPÍTULO 3 – ESTUDAR GEOGRAFIA: A Cidade e a Formaçao Cidadã 63

o lugar de: acolher e realizar a transmissão do conhecimento pro-


duzido; de fazer as abstrações; de construir os conceitos; de pro-
duzir o saber de cada aluno, de superar o senso comum; a cidade
é o lugar no qual vivemos as nossas vidas; onde convivemos com
os outros e (re)produzimo-nos como humanos; a cidadania é ser
sujeito com direitos e deveres, com voz e com direito à palavra.
Educar constitui-se como uma das questões mais signifi-
cativas para o ser humano e a educação é sempre uma aposta. Ao
nascer precisamos nos tornar humanos e, para tanto, a educação
é o processo no qual passamos a nossa vida toda na busca desse
resultado. Nunca será um resultado pronto, pois não somos objetos
e nem coisas, somos sujeitos que têm histórias e que, no convívio
social, no contato com o outro, vamos nos formando e nos trans-
formando, nos tornando humanos no sentido pleno da palavra.
O processo de educação é um caminho continuado permanen-
temente para apresentar às crianças o mundo, oportunizando-lhes
que tenham acesso ao que a humanidade produziu. Savater (2006,
p. 50) destaca que “Educar es universalizar” e, portanto, aquele
que educa se torna de certo modo responsável do mundo ante o
neófito, e infere que “hacerse responsable de mundo no es aprobarlo
tal como es, sino asumirlo conscientemente porque es y porque sólo a
partir de lo que es puede ser enmendado”. Já aqui pode-se identificar
a importância de o aprendizado ser crítico, tanto no que se pode
esperar do professor ao ensinar, seja da forma que o aluno realiza o
seu aprender, embora fique claro que educar é sempre uma aposta
que não se tem a priori os resultados efetivos, mas interessa como
se os busca e com que objetivos.
A educação é um processo de relação daquilo que a humani-
dade produziu até agora, apresentando ao estudante o que foi pen-
sado, foi produzido pela humanidade, e nesse sentido, “la educación
transmite porque quiere conservar; y quiere conservar porque valora posi-
tivamente ciertos conocimientos, ciertos comportamientos, ciertas habilida-
des y ciertos ideales” (Savater, 2006, p. 151). Isso aceito significa que o
professor assume um papel e uma responsabilidade de oportunizar
ao aluno o acesso ao conhecimento que não é mero exercício de se
ocupar, mas que é a forma de se transformar em sujeito constituindo
a sua humanidade, o que o diferencia dos demais animais.
É forçoso reconhecer, no entanto, que o papel do professor
na escola, assim como do Estado na organização curricular, assume
um caráter que é de orientação a partir de suas escolhas, pois a
64 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

educação “nunca es neutra: elige, verifica, presupone, convence, elogia y


descarta. Intenta favorecer um tipo de hombre frente a outros, un modelo
de cidadania” (Savater, 2006, p. 152). Cabe-nos ter a clareza de
que não existe neutralidade na educação, mas o desafio é fazer
com que não aconteça doutrinação simplesmente, muito embora
subliminarmente sempre pode existir esse risco. A educação é
um ato político porque somos humanos, somos cidadãos e, como
tais, não existe indiferença, não há posição neutra, pois estamos
sempre marcados por nossas escolhas, vivemos num espaço e num
tempo singulares, mas que nos remetem a uma ideia de coletivo
e de universalidade.
Enfim, o ato de educar é político e como tal é intencional,
pois contribui com a formação de um tipo de sujeito humano que
interessa. Este é o aspecto importante para nós que atuamos com
educação escolarizada, e remete a que pensemos (na perspecti-
va de que homem queremos) numa educação que possa libertar
o sujeito, ao invés de amarrá-lo em uma formatação interessada
externamente. E, neste sentido, para que ensinar a cidade? Não é
apenas para juntar as informações, às quais é necessário ter o aces-
so também, mas para compreender a realidade, ter ferramentas
intelectuais para se movimentar, pensar e compreender o mundo
e o nosso papel de professores como cidadãos e de nossos alunos
numa busca continuada de educação para a formação cidadã.
Se na História da humanidade a cidade sempre foi consi-
derada o cérebro e o coração civilizatórios, quais as características
da cidade atualmente que a mostram concreta, habitada por nós
em cada lugar das nossas vidas? Os processos de urbanização são
sempre complexos e diversos, por isso a cidade deve ser vista e
considerada no seu âmbito mais amplo, seja de espaço no qual
se assenta o sítio urbano, seja do poder e das relações daí decor-
rentes. A espacialidade da vida das pessoas extrapola o lugar de
moradia. Assim sendo, compreender a dinâmica da vida urbana é
condição para compreender a dinâmica do conjunto da sociedade
e a dinâmica da nossa vida. A todos nós humanos interessa esse
conhecimento, e na escola tem a sua especificidade.
Assim, a proximidade facilita a possibilidade de conhecer
o que existe, de ver que é ali que acontece a vida. É na dimensão
do cotidiano que se pode perceber como os espaços urbanos são
apropriados, por quem e com quais resultados. Também é funda-
mental, no entanto, entender que só conhece a cidade quem dela
CAPÍTULO 3 – ESTUDAR GEOGRAFIA: A Cidade e a Formaçao Cidadã 65

já saiu, como afirma Broek (1981), pois é assim que conseguimos


entender os sítios, as situações, as extensões, conexões, analogias,
diferenciações que se materializam nos diversos lugares do espa-
ço. A relação entre os lugares é intrínseca, pois nada ocorre de
forma isolada no espaço, ao mesmo tempo que cada lugar possui
marcas que lhes são específicas e lhes dão a sua identidade. Este
sair da cidade é figurativo, pois pode-se sair dela e ir para outra
cidade concretamente ou pode-se fazer isso teoricamente, com
sustentação na formação dos conceitos e para tanto é fundamental
ter as informações, ter acesso ao conhecimento produzido.
Para finalizar essa argumentação interessa reforçar a ideia
de que o conhecimento é fundamental para que o nosso aluno
tenha consciência de sua identidade e pertencimento de modo a
ser sujeito de sua própria vida, o que indica, pois, que “a reflexão
crítica dos cidadãos... inclui aprendizagem do caráter pragmático da
ciência ao mesmo passo que o entendimento e a preparação para a prá-
xis cientificamente modelada” (Marques, 1992, p. 51). Ensinar a ser
cidadão não é algo exclusivamente empírico e nem teórico, mas é
proporcionar a articulação entre os conhecimentos historicamente
produzidos pela humanidade, os da realidade que dizem muito do
senso comum e a sua dimensão pedagógica. Isso significa estudar
a cidade como o lócus da vida de cada um, e como tal uma cidade
que é construída no cotidiano dos interesses externos e internos
a ela, e que tem pessoas que a habitam.
Essa proposição tem sido apresentada em documentos das
políticas públicas desde os PCNs (Brasil, 1988, p. 25) quando
explicita que “a educação para a cidadania requer que questões sociais
sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, bus-
cando um tratamento didático que contemple sua complexidade e sua
dinâmica”. A vida da cidade reconfigura a realidade das ações
humanas e essa complexidade, ao ser estudada, requer que o
fenômeno urbano seja considerado com proposições metodoló-
gicas que possibilitem interligar na Geografia a cidade objeto de
estudo e a cidadania como objetivo a ser alcançado pelo aluno.
Com os aportes metodológicos e os conceitos, categorias e prin-
cípios da Geografia que se traduzem numa proposição didático-
66 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

-pedagógica,4 pode-se construir um roteiro para estudar a cidade:


observar, descrever, interpretar, analisar, compreender, represen-
tar. Com esta condução o estudo remete a ter sempre um olhar
para a cidade concreta que se materializa na sua estrutura urbana,
com formas, no sentido da sua função, e nos aportes simbólicos da
história do lugar e do sentimento de quem ali vive.
O objetivo de estudar a cidade é conhecer e compreender
o mundo da vida, buscando as explicações para o que aconte-
ce no lugar e assim organizar os esclarecimentos que superem a
dimensão local e que considerem a universalidade. Isso refere-se
a aprender a fazer abstrações, trabalhar com conceitos para com-
preender que aquilo que aparece nas construções e edificações
que dão a feição da cidade são resultados da vida ali vivida. Ao
fazer a análise geográfica para estudar uma cidade deve-se con-
siderar a dimensão espacial na horizontalidade e na verticalidade
da aparência. Isso remete a reconhecer o espaço onde está situada
e como está organizada em suas vias e edificações, o que diz da
horizontalidade. E a verticalidade busca a interpretação das hie-
rarquias, considerando as dimensões de local, regional, nacional
e global, mas também nos sentidos e significados que dizem da
dimensão da ética e da estética. Este conjunto oferece as condi-
ções para a criança e o jovem ao viverem na cidade conhecê-la e
perceber o seu lugar como sujeitos sociais e construírem as bases
para a sua vida como cidadão.

4
Ver o texto “A cidade como conceito e como conteúdo” de autoria de Helena C.
Callai, no livro “A cidade para além da forma” (CALLAI; OLIVEIRA; COPATTI,
2018).
Capítulo
~~ 4 ~~

OS PRINCÍPIOS GEOGRÁFICOS
E O TEXTO LITERÁRIO
NO ESTUDO DA CIDADE

Muito se tem discutido e pesquisado acerca dos desafios


que a escola tem a encarar por meio de seus currículos, fazendo
um ensino que atenda às orientações e diretrizes curriculares das
políticas públicas e à realidade do chão da escola. Essa preocupa-
ção tem sido recorrente não apenas entre os pesquisadores, mas
também envolvendo os professores que nas escolas atuam no coti-
diano. No bojo dessas discussões emerge a temática da tecnologia,
que aliada à ideia das competências, apresenta-se como a fórmula
possível de superar problemas da aprendizagem. E reafirmamos
que, neste mundo em que acentuadamente a tecnologia se apre-
senta como a possibilidade de superar todos os problemas da
escola indo em busca da efetividade das aprendizagens dos jovens
e crianças, algumas questões precisam ser vistas com atenção.
Nesse sentido, coloca-se também, além de outras novida-
des, a panaceia acerca das metodologias ativas, com propostas
muitas vezes apresentadas como mágicas para que o aluno supere
as dificuldades e obstáculos da aprendizagem, caso o professor
adote as tecnologias. Assim, faz-se necessário entender que não
existem soluções mágicas para que aconteçam as aprendizagens
e para realizar o ensino é fundamental reconhecer que educar é
sempre uma aposta, por melhores e mais consistentes que sejam
as intenções. Advém daí o recado de que: “ensinar não é transmi-
tir conhecimento, mas sim, de forma criativa, propiciar ao aluno a
construção dele” (Castellar; Moraes, 2016, p. 12). Nessa mesma
linha de pensamento, avançando numa discussão tão presente
atualmente, as autoras abordam a importância de considerar as
dimensões pedagógicas e epistemológicas acerca dessas propo-
68 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

sições que até hoje são tidas como salvacionistas. “A dimensão


pedagógica permite compreender o processo de ensino-aprendi-
zagem e contribuir para a ampliação da dinâmica do trabalho em
sala de aula” (Ibidem, p. 18).
Nesta perspectiva, a proposição é conhecer os alunos e
organizar atividades que despertem neles o interesse em conhe-
cer e aprender os conteúdos prescritos, tendo na contraposição o
que o aluno já conhece e o que existe de significativo sobre isso
no lugar. E “a dimensão epistemológica sustenta o conhecimento
disciplinar e o trabalho científico do professor na sala de aula em
uma perspectiva investigativa” (Castellar; Moraes, 2016, p. 18).
Este olhar para as ações da sala de aula supera o simples ato de
transmissão de um conhecimento disciplinar e sustenta o caráter
de investigação que pode contribuir para a efetivação de apren-
dizagens significativas.
Desse modo, no que respeita às dimensões pedagógicas
e epistemológicas, há que se reconhecer que cabe à escola uma
tarefa específica por ser a instituição que a todos acolhe com a
função de estimulá-los a acessar os conhecimentos que a huma-
nidade produziu ao logo de sua História. Importa então ques-
tionar como fazer isso tendo o olhar para o mundo da ciência e
considerando o que os homens até então construíram de saberes
para compreender o mundo e a existência humana. Para tanto, é
importante conhecer a epistemologia da disciplina, a dimensão
pedagógica do seu trato e aliar a esses o conhecimento que cada
um traz para a escola. É neste contexto que nos propomos ques-
tionar se é possível pensar em um aluno pesquisador, aquele que
se mostra capaz de acessar os conhecimentos que fazem parte da
tradição e, aliado a isso, ter atenção ao que acontece onde ele vive
e de onde vêm conhecimentos que são da sua vivência e que seja
capaz de desenvolver as capacidades de argumentação para se
tornar um perguntador.
Para perguntar precisa ser conhecedor de algo e a partir daí
colocar-se como pesquisador de modo a produzir o seu conheci-
mento, ser autor e sujeito capaz de elaborar o pensamento. Bus-
car-se-ia, assim, aquilo que apregoa Marques (2003) na tentativa
de superação dos recortes disciplinares para tratamento dos temas
de interesse do mundo da vida de um modo interdisciplinar ou
transdisciplinar, que considere a cultura “de seu tempo com suas
dimensões éticas, exigentes das amplas discussões críticas” (Mar-
CAPÍTULO 4 – OS PRINCÍPIOS GEOGRÁFICOS E O TEXTO LITERÁRIO NO ESTUDO DA CIDADE 69

ques, 2003, p. 10). Avança ele ao declarar que é importante “supe-


rar os moralismos das relações pedagógicas através de normas e
regras, códigos de conduta, direitos e deveres pré-estabelecidos,
que apenas sustentam as ações repressoras e legitimam a exclusão
social” (Ibidem, p. 10) Essa articulação das dimensões pedagógi-
cas e das dimensões epistemológicas podem sustentar um ensino
e gerar processos de aprendizagem que atendam às demandas
sociais para além de ter em consonância as políticas públicas e os
currículos preestabelecidos?
Para além desses entendimentos, no entanto, é também
necessário o exercício da crítica para construir caminhos que pos-
sam valorizar o trabalho escolar. E não é demais o alerta a seguir,
posto para reflexões acerca da universidade, mas que cabem tam-
bém à escola básica nessa realidade atual, que propõe a tecnologia
como a grande possibilidade de fazer um ensino que oportunize
aprendizagens significativas. De acordo com Frantz (2016, p. 34):
Hoje, porém, é comum reduzir a noção de conhecimento
às questões tecnológicas, à materialidade da vida. Não é
um erro em si, entretanto a questão do conhecimento é
mais complexa que isso. O conhecimento envolve e con-
diciona a vida, sob os mais diferentes modos do viver. Não
faz sentido desenvolver ciências, produzir conhecimento
se não for para dar conta e amparar a vida. Isto é, o conhe-
cimento deve estar comprometido com a vida em todas as
suas formas e dimensões.
Com essa perspectiva retoma-se a ideia de que a escola é
o lugar de acessar os conhecimentos que a humanidade tem pro-
duzido e que estão postos em seus currículos que efetivamente
acontecem na sala de aula. Neste ambiente, ao professor é deman-
dada a operacionalização referente à transmissão dos conteúdos
que efetivamente são parte dos currículos, tendo atenção à vida e
ao que acontece no lugar em que o aluno vive. Daí a importância
do trabalho de investigação formulando problemas e buscando
alternativas para resolvê-los, superando assim as formas metodo-
lógicas de operacionalização e trazendo para dentro o conteúdo.
Marques (2002, p. 119) reforça a atenção que deve existir nesse
caminho da vida na escola ao afirmar que
70 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

Valida-se a escola e torna válida sua atuação ao traçar sua


proposta pedagógica e ao proporcionar-lhe as condições de
efetividade com eficiência, segundo determinada direção
política que vincule as práticas educativas a uma segura
condução. Dessa forma, a proposta pedagógica é, eminen-
temente, proposta ético-política, isto é, articulação inter-
subjetiva da formação da vontade coletiva.
Deduz-se então que não são práticas e nem técnicas que de
per si possam produzir resultados nas aprendizagens, mas a criação
de condições efetivas tendo os saberes do aluno em sua vivência
cotidiana e o saber produzido pela ciência organizados de modo
a estruturar as argumentações e encaminhamentos da atividade
de sala de aula.

Os Princípios da Geografia
e as Possibilidades de Interdisciplinaridade
Ao considerarmos a importância de um ensino não frag-
mentado e que instigue os alunos na produção do conhecimento,
buscamos alternativas para uma aprendizagem significativa, que
considere os seus conhecimentos e vivências. Desse modo, per-
ceberemos uma aproximação no que diz respeito aos princípios
geográficos e o texto literário, uma vez que este tem suas bases na
realidade, ainda que seja na recriação desta. Assim, nosso interes-
se no estudo da Literatura não se restringe a usar o texto literário
para estudar os princípios, mas uma possibilidade de percebermos
uma relação entre a Literatura e a Geografia principalmente a
partir do gênero romance.
Tal aproximação nos permite um estudo interdisciplinar,
que valoriza a individualidade de cada disciplina, mas também
considera as aproximações de conceitos. Levando isso em consi-
deração, apresentamos essa relação a partir da obra “O Cortiço” de
Aluísio Azevedo, e os princípios geográficos no estudo da cidade.
Para isso, primeiramente apresentamos a obra. Em seguida esta-
belecemos uma relação entre a obra e os princípios geográficos
em um movimento de interpretação, compreensão e reflexão com
CAPÍTULO 4 – OS PRINCÍPIOS GEOGRÁFICOS E O TEXTO LITERÁRIO NO ESTUDO DA CIDADE 71

o objetivo de que os conceitos se intercruzem de maneira que o


aluno aprenda de forma contextualizada e perceba que os concei-
tos, assim como o mundo, se relacionam.
Trabalhar com os princípios da Geografia pode alimentar
e orientar as ações docentes com o sentido de interligar a ciência
e o mundo da vida e, nesse sentido, nos amparamos em Freire
(1996), que propõe uma educação que liberte e que encaminhe
à autonomia dos sujeitos. Uma autonomia intelectual em que o
pensamento seja liberto de pré-conceitos e se assente em proposi-
ções teóricas para o entendimento do cotidiano e uma autonomia
como sujeito que em seu fazer profissional avance para além das
questões operacionais de simples aplicação e reprodução de téc-
nicas, mas que perceba o sentido do que faz. Nunca é demais ter
claro que “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência
da relação teoria-prática sem a qual a teoria pode converter-se em
palavrórios e a prática em ativismo” (Freire, 1996, p. 24).
O ensino que fazemos e as aprendizagens daí decorrentes
requerem que se tenha pressupostos que sustentem as verdades
abordadas por meio dos conteúdos que na educação escolariza-
da são o foco de abordagem do mundo, com os conhecimentos
que a ciência produziu ao longo da História da humanidade e
que o professor trabalha na escola. Desse modo, apoiamo-nos em
Marques (1992, p. 77) quando afirma que “não se ensinam ou
aprendem coisas, mas relações estabelecidas em entendimento
mútuo e expressas por conceitos, que, por sua vez, são constru-
ções históricas, isto é, nunca dadas de vez, mas sempre retomadas
por sujeitos em interação e movidos por interesses práticos em um
mundo em que vivem”.
Essas questões aqui postas, em nosso entendimento, se jus-
tificam com estes olhares que orientam o nosso fazer escolar para
estudar a cidade. E para isso, considerando a interdisciplinaridade,
discutimos como trabalhar com os princípios da Geografia tendo o
texto literário como elemento desencadeador. Nessa perspectiva,
temos na relação Geografia e Literatura uma possibilidade de pro-
duzir conhecimento sem fragmentação e sim levando em conside-
ração o cotidiano, o mundo da vida. A proposta é trabalhar com a
obra “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo (2008), em uma análise que
contempla os princípios geográficos na busca pela compreensão
da realidade. Uma realidade que considera as vivências do aluno,
72 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

seu cotidiano, mas também que possibilita reflexão sobre o lugar


em que vive, suas ações, isto é, que o considera como sujeito no
mundo.
Ao apresentar o que são os princípios da Geografia e justi-
ficando o motivo dessa abordagem, tomamos como premissa que
a palavra (em latim principium) remete ao início de algo, a sua
origem. E como tal, buscando em diversas fontes, os princípios
dizem de um conjunto de proposições fundamentais e diretivas
que servem de base e às quais todo desenvolvimento posterior
deve ser subordinado. São os elementos básicos e elementares
de alguma ciência, e de modo mais amplo a partir da Filosofia
é uma proposição lógica formada por um conjunto de verdades
fundamentais sobre a qual se apoia todo o raciocínio.
Abordar os princípios da Geografia merece a observação
que, a partir dos princípios clássicos dos primeiros estudiosos que
se dedicaram a muitas incursões, geraram referências e explicitam
os caminhos da investigação geográfica. Temos como afirmativo
considerar que a análise geográfica é uma das formas de interpre-
tar a realidade do mundo em que vivemos e o ponto de partida
é o olhar espacial que nos dá a marca na ciência e na disciplina
escolar. A partir deste desenvolvem-se os raciocínios espaciais que
nos encaminham à análise geográfica, e não é demais referir que
os problemas são do mundo, são da humanidade, e cada ciência
os estuda tendo seus parâmetros que lhe definem pela sua espe-
cificidade. São os princípios, categorias, conceitos e linguagem
que estabelecem o que seja cada disciplina e que lhe marcam os
limites e suas especificidades.
Adotamos aqui, neste texto, duas vertentes de informação
e discussão acerca dos princípios da Geografia, que são os resul-
tados de estudos de um grupo de espanhóis que apresentam os
princípios científico-didáticos e o documento da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC). Nesse sentido, deixamos claro que o
interesse é pensar a Geografia escolar, uma disciplina que compõe
o currículo da Educação Básica, mas que em nosso entendimento
não se limita a transmitir conteúdos, mas sim ter a pesquisa como
elemento estruturador da aprendizagem e do ensino que lhe é
referência.
CAPÍTULO 4 – OS PRINCÍPIOS GEOGRÁFICOS E O TEXTO LITERÁRIO NO ESTUDO DA CIDADE 73

Partimos da proposição da “Teoria dos princípios científico-


-didáticos (PCD)” apresentada por García Ruiz e Jiménez (2006,
2007), para defender a sustentação de uma base da aprendiza-
gem geo-histórica dos alunos com uma dupla natureza: científica
e didática (García Ruiz; Raso Sánchez, 2008, p. 84). Esses autores
espanhóis ao apresentarem a proposição fazem um retrospecto do
ensino da Geografia e da História na Espanha, que se apresenta
com vários problemas, mostram uma contribuição para as refle-
xões, que está centrada nessa teoria referida, que “integra ciência
e docência, epistemologia e pedagogia”.
Estes princípios são ferramentas, instrumentos de obser-
vação, análise, reflexão e compreensão. Formam parte da
natureza intrínseca dos fenômenos, fatos e acontecimen-
tos. Se referem tanto aos fatos físicos e naturais, como aos
sociais e espirituais. Não são conceitos propriamente ditos,
senão metacategorias dos conceitos e se diferenciam destes
por sua versatilidade, já que mergulham e subsistem para
além de todos os conceitos e fatos (García Ruiz; Jiménez
López, 2006, apud García Ruiz; Raso Sánchez, 2008, p. 86).

Quadro 1 – Princípios científico-didáticos


Princípios Questões Fundamentais
1. Espacialidade Onde ocorre? Onde ocorreu?
2. Temporalidade Quando ocorre? Quando
ocorreu?
3.Conflito-Consenso ou Como ocorre? Como ocorreu?
Modalidade
4.Atividade, Evolução, Como evolui? Como evoluiu?
Mudança e Continuidade
5. Intencionalidade O que pensavam? O que
pretendiam?
6. Interdependência O que/quem intervém/interveio?
7. Causalidade Por que acontece/aconteceu?
8. Identidade Quais foram suas características
essenciais?
Fonte: Adaptado de García Ruiz e Raso Sánchez (2008).
74 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

Com o apoio nessa narrativa de uma teoria apresentada


pelos autores referidos buscamos também o que a BNCC apre-
senta acerca dos princípios para a Geografia. Este documento
afirma que o raciocínio geográfico contribui para a solução de
problemas não somente de Geografia, mas também de outras
áreas (como Matemática, Ciências, Arte e Literatura), utilizando
princípios do raciocínio geográfico, que são: Analogia, Conexão,
Diferenciação, Distribuição, Extensão, Localização (Brasil, 2018).
É importante ressaltar o caráter normativo da BNCC que
estabelece que competências e habilidades todos os alunos, de
todas as regiões do país, devem aprender ao longo de todas as
etapas de ensino. E, com base no documento nacional os siste-
mas de ensino estaduais e municipais elaboram as suas propo-
sições, que devem ser cumpridas pelas escolas. Destaca-se que
em nenhum desses níveis são apresentadas as questões de ordem
pedagógica ou metodológica, pois essas devem ser de escolha das
escolas. De acordo com a orientação geral, o documento oficial
apresenta:
A aprendizagem da Geografia favorece o reconhecimento
da diversidade étnico-racial e das diferenças dos grupos
sociais, com base em princípios éticos (respeito à diversi-
dade e combate ao preconceito e à violência de qualquer
natureza). Ela também estimula a capacidade de empregar
o raciocínio geográfico para pensar e resolver problemas
gerados na vida cotidiana, condição fundamental para o
desenvolvimento das competências gerais previstas na
BNCC (Brasil, 2018, p. 359-360).
Com base nesses princípios apresentados pela BNCC,
tendo em vista que essa é a diretriz a ser cumprida pelas esco-
las atualmente, e com a referência da proposição dos princípios
científicos-didáticos dos autores espanhóis, entendemos que é
possível fazer o estudo da cidade tendo como suporte para tal um
texto literário. Essa ideia sustenta-se na questão da interdiscipli-
naridade, antes referida, a qual busca encontrar os meios de fazer
o estudo dos temas para compreender o mundo da vida e assim
um texto literário nos indica caminhos interessantes. Salientamos
que a base para trabalhar com os princípios é o que a BNCC
apresenta, e, portanto, nos restringimos à citação que nos é apre-
sentada pelo documento oficial.
CAPÍTULO 4 – OS PRINCÍPIOS GEOGRÁFICOS E O TEXTO LITERÁRIO NO ESTUDO DA CIDADE 75

Quadro 2 – Indicação e explicitação de cada princípio


apresentado na BNCC
Princípios Descrição de acordo com a BNCC
Analogia Um fenômeno geográfico sempre é comparável
a outros. A identificação das semelhanças entre
fenômenos geográficos é o início da compreensão
da unidade terrestre.
Conexão Um fenômeno geográfico nunca acontece
isoladamente, mas sempre em interação com
outros fenômenos próximos ou distantes.
Diferenciação É a variação dos fenômenos de interesse da
Geografia pela superfície terrestre (por exemplo,
o clima), resultando na diferença entre áreas.
Distribuição Exprime como os objetos se repartem pelo
espaço.
Extensão Espaço finito e contínuo delimitado pela
ocorrência do fenômeno geográfico.
Localização Posição particular de um objeto na superfície
terrestre. A localização pode ser absoluta (definida
por um sistema de coordenadas geográficas) ou
relativa (expressa por meio de relações espaciais
topológicas ou por interações espaciais).
Ordem Ordem ou arranjo espacial é o princípio geográfico
de maior complexidade. Refere-se ao modo de
estruturação do espaço de acordo com as regras da
própria sociedade que o produziu.
Fonte: Adaptado de Brasil (2018, p. 360) pelas autoras desta obra
Callai e Moraes (2021).

A obra “O Cortiço” de Aluísio Azevedo


A obra “O Cortiço” foi escrita por Aluísio Azevedo e lançada
em 1890. O livro é composto por 23 capítulos, que relatam a vida
em uma habitação coletiva de pessoas pobres que vivem em um
cortiço na cidade do Rio de Janeiro. O romance é considerado por
muitos estudiosos como peça-chave para o melhor entendimento
do Brasil do século 19. Ressaltamos, no entanto, que sendo obra
literária, o romance não pode ser entendido como um documen-
76 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

to histórico, mas é possível percebermos que as ideologias e as


relações sociais presentes na obra eram muito parecidas com o
que estava acontecendo na época no Brasil. O texto é narrado
em terceira pessoa e está inserido no movimento naturalista, que
leva em consideração os aspectos cognitivos e biológicos e defen-
de que o homem sofre influências do meio social, bem como do
ambiente em que vive.
A obra “O Cortiço” foi considerada a expressão máxima do
naturalismo brasileiro, que buscava explicar o comportamento
das personagens com base na influência do meio, da raça e do
momento histórico. Na narrativa, o espaço e, mais precisamente
a formação da cidade, ganha destaque, pois é determinante para
compreensão/significação da narrativa.
A seguir apresentamos fragmentos da obra que estabe-
lecem relações com os princípios geográficos apresentados na
BNCC. Estes foram selecionados a partir da leitura e interpreta-
ção da narrativa, isto é, levando em consideração a compreensão
e análise das autoras.
Quadro 3 – Princípios geográficos na inter-relação com o texto
literário
Analogia – Um fenômeno que acontece num determinado
lugar sempre será demarcado pela característica
própria decorrente de onde acontece. A
comparação, quer dizer fazer a analogia, de um
fenômeno que é universal permite perceber e
reconhecer a diversidade e especificidade a partir
das condições do lugar.
“À proporção que alguns locatários abandonavam
a estalagem, muitos pretendentes surgiam
disputando os cômodos desalugados. Delporto e
Pompeo foram varridos pela febre amarela e três
outros italianos estiveram em risco de vida” (p. 97).
“Agora, na mesma rua, germinava outro cortiço ali
perto, o “cabeça-de-gato”. Figurava como seu dono
um português que também tinha venda, mas o
legítimo proprietário era um abastado conselheiro,
homem de gravata lavada, a quem não convinha,
por decoro social, aparecer em semelhante gênero
de especulação” (p. 97).
CAPÍTULO 4 – OS PRINCÍPIOS GEOGRÁFICOS E O TEXTO LITERÁRIO NO ESTUDO DA CIDADE 77

Conexão – Os fenômenos acontecem nos diversos lugares


e estão conectados num conjunto maior que é
totalidade, mas demarcados pela temporalidade e
espacialidade. A interligação está ligada à dimensão
das escalas que permite que os fenômenos sejam
explicados seja do ponto de vista dos aspectos
naturais e dos humanos, com a referida percepção
do nível em que se manifestam. Esse princípio
diz da interligação entre os fenômenos naturais e
humanos e diz também dos recortes espaciais que
precisam ser considerados.
“Entretanto, a rua lá fora povoava-se de um modo
admirável. construía-se muito; surgiam chalés e
casinhas da noite para o dia; subiam os aluguéis; as
propriedades dobravam de valor” (p. 13).
Distribuição – São os fenômenos naturais que se distribuem
na horizontalidade dos espaços e nestes indicam a
resposta ao onde, que é característica da Geografia,
e também na mesma lógica os fenômenos humanos
que se distribuem pelo espaço, por exemplo, a
cidade. Nessa perspectiva, se pode caracterizar
os lugares a partir dos fenômenos que ali estão
presentes.
“Montara-se uma fábrica de massas italianas e
outra de velas [...] abriram-se novas tavernas” (p.
13-14).
Diferenciação – Cada lugar tem características próprias
decorrentes dos aspectos naturais e humanos
que precisam ser considerados na análise dos
fenômenos. Essa diferenciação é dada pelas
marcas locais que decorrentes da natureza tem as
especificidades e da presença humana que em suas
relações os homens constituem os mecanismos de
interferência também na natureza.
“Afinal, já lhe não bastava sortir o seu
estabelecimento nos armazéns fornecedores;
começou a receber alguns gêneros diretamente
da Europa: o vinho, por exemplo, que ele dantes
comprava aos quintos nas casas de atacado, vinha-
lhes agora de Portugal às pipas” (p. 14).
78 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

Extensão – Pode ser ligado aos limites que indicam a


extensão de uma área natural ou de um fenômeno
humano - qual o tamanho de uma cidade, de uma
propriedade particular, ou qual a extensão em que
se apresenta determinado tipo de vegetação.
“ Justamente por essa ocasião vendeu-se também
um sobrado que ficava à direita da venda, separado
desta apenas por aquelas vinte braças; de sorte
que todo o flanco esquerdo do prédio, coisa de
uns vinte e tantos metros, despejava para o terreiro
do vendeiro as suas nove janelas de peitoril.
Comprou-o um tal Miranda, negociante português,
estabelecido na Rua do Hospício com uma loja de
fazendas por atacado” (p. 90.).
Localização – Onde ocorre determinado fenômeno pode
ser indicado pelas coordenadas geográficas, que
definem a ocupação do espaço pelo determinado
fenômeno, por exemplo, o sul e o norte. Mas tem
em si também a ideia de identidade que decorre
do que existe no lugar do apego material e do
sentimento de pertencimento.
“Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgico dos
desterrados, iam todos, até mesmo os brasileiros,
se concentrando e caindo em tristeza; mas, de
repente, o cavaquinho do Porfiro, acompanhado
pelo violão do Firmo, romperam vibrantemente
com um chorado baiano” (p. 49).
Ordem – Diz do uso do território, que tem que considerar
as questões humanas que se estabelecem a partir
das políticas territoriais, distribuição da população.
“À esquerda, por cima de um vestígio de rio, que
parecia ter sido bebido de um trago por aquele sol
sedento, havia uma ponte de tábuas, onde três
pequenos, quase nus, conversavam assentados[...]
Para adiante, na mesma direção, corria um vasto
telheiro, velho e sujo, firmado sobre colunas de
pedra tosca; aí muitos portugueses trabalhavam de
canteiro, ao barulho metálico do picão que feria o
granito” (p. 31).
Fonte: Adaptado de Brasil (2018, p. 360) pelas autoras desta obra
Callai e Moraes (2021).
CAPÍTULO 4 – OS PRINCÍPIOS GEOGRÁFICOS E O TEXTO LITERÁRIO NO ESTUDO DA CIDADE 79

Reafirmando, portanto, que é interessante abordar as


questões da cidade com a perspectiva da interdisciplinaridade
que pode ser considerada em qualquer das disciplinas curricu-
lares da escola básica, optamos pelo diálogo entre Literatura e
Geografia. A proposição é considerar a interdisciplinaridade no
contexto da educação escolar, o que implica pensar caminhos que
nos permitam um ensino não fragmentado, o que se torna cada
vez mais urgente para realização de um ensino contextualizado e
ligado com o mundo da vida (Moraes, 2012). Os procedimentos
metodológicos que contemplam estratégias que envolvem ações
interdisciplinares são em nosso entendimento caminhos para uma
educação escolar por meio de um processo didático-pedagógico
que considerem a ciência no mundo da vida comum e na singu-
laridade do cotidiano vivido pelos alunos. Enfim, entendemos
que a interdisciplinaridade pode ser uma alternativa nas práticas
educativas se levarmos em consideração que a formação dos sujei-
tos é um processo de aprender a pensar o mundo e a educação
é parte constitutiva desse caminhar, pois nos tornamos humanos
pela educação.
Estas propostas que levam em consideração um trabalho
conjunto entre as disciplinas podem ser entendidas como um pro-
cesso de mudanças, que visa a estabelecer ações para melhor orga-
nizar e significar as atividades desenvolvidas pela escola, pois é
necessário que o ambiente escolar seja um espaço de construções
coletivas. Marques (2003, p. 9-10), ao argumentar acerca da com-
plementaridade das ciências, destaca que é “importante a articula-
ção dos conteúdos curriculares, (pois que) deve a educação escolar
tematizar de maneira sistemática as práticas culturais próprias e
as de sua ambiência, rompendo barreiras entre a escola e a vida”.
Nesse sentido é que entendemos que um trabalho, que conside-
re a prática pedagógica em uma perspectiva interdisciplinar, faz
parte de um trabalho que visa à transformação, à humanização,
uma vez que faz uso do diálogo, da troca de saberes, elementos
esses indispensáveis na formação de sujeitos autônomos e críticos.
O trabalho cooperativo entre as disciplinas reforça um compro-
misso maior, que é o de formação do aluno, e minimiza a ênfase
na individualização das disciplinas, posto que o que se busca é o
conhecimento e não a disputa entre as diferentes áreas do saber.
80 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

E a abordagem dos princípios da Geografia colocam-se


como proposição de articulação do ensino da Geografia num
ensino que precisa ser contextualizado numa análise geográfica
que remete à dimensão espacial dos fenômenos. Isso nos leva a
garantir a identidade da Geografia num contexto de ensino/apren-
dizagem para compreender o mundo e realizar aprendizagens
significativas. E estas não são as que se organizam em razão de
serem verificadas (na verdade cobradas) em exercícios mecânicos
ou em exames padronizados, mas as que se “orientem para novas
competências comunicativas nos campos da cultura, da vida em
sociedade e da expressão das personalidades libertas de quaisquer
amarras” (Marques, 1993, p. 111).
Os processos de avaliação, de ensino e das aprendizagens
que resultam são partes integrantes de um mesmo fazer peda-
gógico e trazem em si os próprios processos de diagnósticos que
ocasiona um entrelaçamento entre as dimensões epistemológicas
e pedagógicas da educação escolarizada e no caso do ensino da
Geografia na interface da Literatura. Esse processo de educação
apoia-se naquilo que podemos definir como elementos básicos
para realização do ensino que são para quem, para quê, como, o
que (Callai, 2011). Para quem remete a quem são os estudantes,
onde vivem, como se organizam em seus ambientes familiares,
e como é o contexto social, econômico, cultural do lugar em que
vivem, posto que cada “conteúdo a ser ensinado pode assumir
características do lugar em que ele é trabalhado... pois as regras
gerais e as demandas locais permitem fazer a distinção” (Ibidem,
p. 20), de modo a realizar um ensino que interprete a vida dos
alunos. O para quê diz dos objetivos, e qual o sentido de apren-
der o que a tradição nos coloca como conteúdo disciplinar, de
modo a servir para situar os sujeitos no mundo e entender o que
acontece no seu lugar como resultado de um jogo de forças da
complexidade do mundo. O como são as estratégias, as metodolo-
gias, os encaminhamentos didático-pedagógicos, “diz da opera-
cionalização para estudar o conteúdo buscando alcançar o objetivo
pretendido” (Ibidem, p. 26). E o que decorre da pergunta “Qual é
o conhecimento geográfico que deve ser trabalhado na escola e
que o jovem precisa aprender?” (Ibidem, p. 31), cabe também aqui
remeter ao conteúdo a responder os outros três elementos, em
especial ao para quem e para quê. Esses quatro elementos precisam
CAPÍTULO 4 – OS PRINCÍPIOS GEOGRÁFICOS E O TEXTO LITERÁRIO NO ESTUDO DA CIDADE 81

estar articulados aos princípios da Geografia que pretendem sus-


tentar a formulação e a operacionalização de como fazer o estudo
da cidade, tendo o amparo de um texto literário.
Com sustentação na BNCC e com a atenção aos aportes
apresentados pela Teoria dos Princípios Científico-Didáticos pas-
samos à análise do texto literário com a explicitação dos princípios.
A BNCC demarca como mudança na educação básica o trabalho
com o raciocínio geográfico, que significa entender o mundo, a
vida e o cotidiano. Para isso, detalha e articula os princípios pelos
quais os estudantes podem ser conduzidos para pensar dessa for-
ma. Nesse sentido, tomando por base a BNCC na apresentação
dos princípios, pode-se assim sistematizar a sua especificação e a
articulação com o texto literário.
Nesse contexto, no que diz respeito à análise do texto lite-
rário a partir dessa proposição, podemos inferir que:
Os princípios são enunciados que podem ser entendidos
como fundamentos nunca últimos nem primeiros, mas que
se vinculam aos campos do conhecimento e são por eles
assumidos de modo específico em acordo com a “lógica”
desse campo. Mesmo entendidos como estruturas que con-
têm uma lógica, cabe lembrar que são sempre interpretações
acordadas provisoriamente por determinada comunidade
científica, porque fundamentos e lógicas são elaborações
humanas. A ideia de movimento é fundamental e envolve as
capacidades de entendimento e compreensão das questões
considerando os aspectos cognitivos, de cunho científico,
os sentimentos, as emoções, a razão, quer dizer, tem a ver
com os humanos que somos (Andreis; Callai, 2019, p. 84-85).
Considerando tal entendimento a respeito dos princípios,
destacamos que as bases para fazer a interpretação do texto literá-
rio são dadas por essa maneira de entender os princípios e tendo
como aporte de análise as definições a seguir apresentadas. O
Quadro 3, o qual apresenta a relação entre os princípios geográfi-
cos, permite percebermos as possibilidades de um estudo inter-
disciplinar entre Literatura e Geografia. Para além disso, possibi-
lita o estudo da cidade como lugar e como mundo da vida, onde
as relações acontecem.
Desse modo, cabe destacar que as possibilidades aqui apre-
sentadas na inter-relação entre a Literatura e a Geografia se dão
a partir da compreensão de que ambas as disciplinas, trabalhadas
82 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

conjuntamente, contribuem para a compreensão de conceitos e na


construção dos conhecimentos. Faz-se importante, todavia, men-
cionar que trabalhar Literatura juntamente com outras disciplinas
não é torná-la facilitadora da aprendizagem, isto é, apenas um
recurso didático. A perspectiva interdisciplinar abre uma possibili-
dade de diálogo entre ciências distintas, tendo como preocupação
considerar, antes de tudo, os sujeitos/alunos, e a construção do
conhecimento.
A Literatura no currículo auxilia o aluno para uma melhor
compreensão do mundo, assim como também proporciona uma
maior consciência das mudanças que vimos enfrentando. Além
do prazer estético, ele permite sentidos múltiplos em diferentes
espaços e tempos. É por isso que as obras literárias resistem ao
tempo e às mudanças. Daí sua importância para o ensino na for-
mação dos sujeitos.
O escritor tem a capacidade de transformar combinando a
realidade com a percepção, isto é, o autor usa de elementos do
meio, tais como a paisagem, o lugar, as personagens, mas dá vida a
sua história com o sopro da imaginação. Desta forma, tanto o meio
social influencia a obra de arte como a arte influencia o meio.
Assim, embora a Literatura seja considerada ficção também há
que se considerar que ela expressa a sociedade com seu aspecto
social e seus problemas.
Depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na
obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os
indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta
e concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento
dos valores sociais (Candido, 1967, p. 30).
Na percepção de Samuel (1984) todo texto pressupõe um
leitor e pode ser considerado texto quando expressa uma relação
do homem com o real. Além do mais ele é plurissignificativo, e
por isso põe em tensão o leitor e a realidade e ao fazer isso provoca
transformações e manifestações. Para isso, no entanto, é neces-
sário o contato, a leitura de forma a adentrar no texto. Samuel
compara a Literatura a uma floresta. No início temos receio em
penetrar e nos movimentarmos nela, mas é preciso ir adiante, e
para isso usamos as trilhas já abertas, mas isso não implica que de
posse destes caminhos possamos abrir novas trilhas e nos permitir
conhecer novos trajetos.
CAPÍTULO 4 – OS PRINCÍPIOS GEOGRÁFICOS E O TEXTO LITERÁRIO NO ESTUDO DA CIDADE 83

É com esse olhar que entendemos seja necessário condu-


zir o aluno, isto é, estimular nele o gosto pela leitura, em segui-
da mostrar-lhe as trilhas já abertas e depois deixá-lo descobrir e
descobrir-se. Nesse movimento, incentivar que o aluno perceba as
relações entre o texto literário e o mundo em que vive e, por meio
dessa relação, construir conhecimento. Para que isso aconteça,
todavia, faz-se necessário um professor que considere a interdis-
ciplinaridade como uma aliada dos processos de aprendizagem.
É urgente que o professor, ele próprio, se abra para as
potencialidades da literatura e faça um esforço para se
livrar dos preconceitos didáticos que o obrigam a cobrir
um conteúdo mensurável e visível, como são as escolas
literárias, em prejuízo de um conteúdo menos escolari-
zado e mais oculto, que é a leitura vagarosa da literatura,
pensando-se, sobretudo no romance, talvez o gênero mais
popular dentre os literários (Brasil, 2006, p. 78).
Desse modo, a relação entre os princípios geográficos e
o texto literário nos remete a um entendimento que considera
compreender o mundo de maneira não fragmentada, e sim como
parte de um todo, que se relaciona e que é plural. Essa maneira
diferenciada de tratar o conhecimento vai ao encontro de uma
formação que vise a formar sujeitos críticos, que reflitam e que
compreendam o mundo ao mesmo tempo que estabeleçam rela-
ções com a realidade. Esta postura implica cidadania, mais preci-
samente na tarefa de formação cidadã, a qual cabe à escola.
A relação estabelecida aqui entre Literatura e Geografia
permitiu o estudo da cidade levando em consideração os conceitos
e os princípios geográficos de acordo com a BNCC. Foi possível
perceber que os conceitos e os princípios geográficos podem ser
estudados de maneira interdisciplinar, nesse caso por meio do tex-
to literário. Cabe ressaltar, todavia, que nesse estudo o texto literá-
rio não foi usado apenas como um recurso para estudar Geografia,
e sim foi estudado em sua totalidade, isto é, para além de ser
ficcional, plurissignificativo, também está ligado com a realidade
e, portanto, também permite outras relações, outros significados.
A trama representa a condição humana. A sua comunica-
ção, o seu “tomar vida” requer, forçosamente, a projeção
dessa trama num dado espaço-tempo, um “palco” – pra-
84 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

ticável concreto – em que qualquer trama “humana” está


envolta nas malhas de diferentes espaços relacionais:
social, político, econômico, cultural (Monteiro, 2002, p. 25).
Neste texto discorremos sobre o estudo da cidade na obra
“O Cortiço”, de Aluísio Azevedo, tendo como referências para o
estudo os conceitos e os princípios geográficos apresentados pela
BNCC. A cidade foi estudada e compreendida como palco dos
acontecimentos e, assim sendo, consideramos as vivências e os
fenômenos que ali ocorreram em um movimento de interpreta-
ção e compreensão. Dessa forma, defendemos neste texto uma
proposta de ensino não fragmentado em uma relação entre a Lite-
ratura e a Geografia.
Consideramos nessa abordagem a pluralidade, a contex-
tualização e a não fragmentação do conhecimento, uma vez que
entendemos que a escola necessita, mais do que nunca, levan-
do em conta o mundo global em que estamos inseridos, formar
cidadãos críticos, reflexivos e autônomos. Nesse sentido, faz-se
necessário que pensemos em estratégias metodológicas que con-
templem o diálogo com as diferentes áreas. Para isso, todavia,
precisamos primeiramente partir da nossa área. Valorizar aquilo
que melhor entendemos, porém sem menosprezar o conheci-
mento mútuo, que nos faz refletir, superar e aprender de forma
integrada. Entende-se, assim, que o desafio consiste em pensar
possibilidades para que o aluno compreenda a sua realidade e
torne-se um sujeito autônomo e crítico diante do mundo.
Capítulo
~~ 5 ~~

A ESCALA DE ANÁLISE
GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA
TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA
O ENSINO DA CIDADE1

Refletir sobre a escala geográfica no ensino da Geografia


Escolar é o tema deste capítulo. A discussão justifica-se, pois, no
contexto de especialização do conhecimento na modernidade, a
Geografia constitui-se como ciência de forma fragmentada. E essa
fragmentação que ocorreu no interior da ciência acabou por se trans-
mutar para a disciplina escolar e se refletiu nos currículos escolares,
com suas temáticas sendo divididas em tantas quanto forem neces-
sárias para serem mais bem trabalhadas e compreendidas pelos
estudantes. Como exemplo compreende-se que de um tema geral
da Geografia Física ou Humana esse é dividido em temas específi-
cos e destes há subdivisões em conteúdos de ensino. Em seguida,
esses conteúdos são simplificados geralmente de uma lógica dos
conteúdos mais simples para os mais complexos, ou seja, de conteú-
dos mais próximos da realidade imediata do estudante para aqueles
mais abstratos. Por fim, há a generalização na forma como os conte-
údos e conceitos são tratados, tornando-se explicações gerais que
integram o livro didático esclarecendo os casos particulares.
Entende-se que o processo de fragmentação do conheci-
mento é oriundo do debate das racionalidades na modernidade
que dividiu o conhecimento humano em razão e experiência. Isso

1
A discussão do tema com maior profundidade foi realizada na tese de Doutorado
intitulada “A escala geográfica como método de ensino para a geografia escolar: a relação
entre pensamento e linguagem”, de autoria de Alana Rigo Deon, defendida em março
de 2021 no Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Unijuí.
86 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

quer dizer que para a ciência moderna o conhecimento desen-


volveu-se de uma forma dual ou tendo primazia o sujeito, com a
verdade sendo encontrada internamente por meio do seu pensa-
mento; ou no objeto, em que o conhecimento se desenvolve de
forma externa ao sujeito e este último por meio dos seus sentidos
torna-se apenas um intérprete daquilo que a natureza quis evi-
denciar. Do embate entre razão e experiência, sujeito e objeto,
consolida-se o método científico positivista que, pautado na cer-
teza da Matemática e na invariabilidade das leis naturais, passou
a ser visto como o único caminho para o acesso ao conhecimento
verdadeiro. Assim, para que as ciências adquirissem status cientí-
fico precisavam operar sob as bases do método, o que acabou por
instituir dualismos e fragmentações em seus objetos de investi-
gação e consequentemente em seus estatutos epistemológicos.
Na Geografia Escolar, a fragmentação se desdobra em ter-
mos teórico-metodológicos, ou seja, na forma como são apresenta-
dos os conteúdos, geralmente os fenômenos físicos são abordados
de forma dissociada dos humanos, haja vista que é a ciência a refe-
rência para a produção dos conteúdos de ensino, como em termos
didático-pedagógicos, repercutindo na sua forma de ensino, “em
que primeiro se apresentava ao aluno o “próximo” ou concreto,
para em seguida tratar de áreas distantes” (Zanatta, 2005, p. 172).
Esse entendimento que se constitui com base no método intuiti-
vo de Pestalozzi, inaugura o ensino pela perspectiva dos círculos
concêntricos, em que a aprendizagem parte do eu – (alunos) e vai
sendo ampliado de forma linear para a família, escola, rua, bairro,
cidade, numa sucessão de espaços absolutos que fragmentam os
espaços e a vida cotidiana, pois não apresentam possibilidades de
inter-relação entre si.
Assim, emerge a necessidade de se pensar em possibili-
dades que busquem superar a histórica fragmentação do conhe-
cimento geográfico ensinado na escola, pois acreditamos que a
Geografia, seus conceitos e princípios podem contribuir para o
entendimento do espaço, objeto de estudo da Geografia. Nesse
sentido, insere-se a discussão da escala de análise geográfica, que
é um conceito que emerge no interior da Geografia e que pode
se tornar um recurso teórico-metodológico para o ensino dessa
disciplina, pois busca a compreensão do espaço geográfico em
sua totalidade. O ensino pela perspectiva da totalidade envol-
CAPÍTULO 5 – A ESCAL A DE ANÁLISE GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O ENSINO DA CIDADE 87

ve pensar a superação dos recortes de análise, que compõem a


Geografia (local-regional-territorial-global) e a fragmentação entre
fenômenos físicos e humanos.
Assim, o objetivo do texto é discutir como a escala de aná-
lise geográfica pode ser uma ferramenta teórico-metodológica
para o ensino de Geografia Escolar. Para tal, foram seleciona-
dos autores com base em leituras e pesquisas sobre o estado do
conhecimento sobre o tema. Fundamentada nisso, a discussão
centra-se na temática da escala de forma a apresentar as diversas
concepções e entendimentos acerca do conceito nos estudos da
Geografia, para, em seguida, apresentarmos uma possibilidade
teórico-metodológica para utilização desse conceito para o estudo
da cidade.

Os Fundamentos da Escala de Análise Geográfica


como Ferramenta Teórico-Metodológica
para a Geografia Escolar
Discutir sobre o conceito de escala torna-se demasiado
complexo, pois o termo surge com fortes raízes e laços na carto-
grafia, o que, por vezes, gera uma certa confusão nas definições
conceituais e consequentemente nos seus usos (Racine; Raffestin;
Ruffy, 1983). As pesquisas sobre o conceito têm início nos anos 80
e segundo Aragão (2019), na mesma década um estudo realizado
por Bahiana (1986, p. 37) “já destacava a predominância concei-
tual da Escala Cartográfica em detrimento da Escala Geográfica,
sendo que a relação matemática era o ponto de culminância entre
a Escala Cartográfica e os mais variados estudos geográficos”.
Essa discussão se aprofunda no contexto escolar, haja vis-
ta que a ciência é a referência para a produção dos conteúdos
de ensino. Um estudo realizado por Vianna (2010, p. 141) nos
livros didáticos intitulado “Escala: instrumento para a compreensão
do mapa” mostra que em muitas situações são encontrados “nos
livros didáticos, o uso do termo ‘escala geográfica’ no sentido de
‘ordem de grandeza’”, ou seja, como sinônimo de “escala car-
tográfica”. Ou ainda, simplesmente, o uso do termo escala sem
se referir ou observar a real definição do conceito. A falta de um
88 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

conhecimento mais profundo sobre o conceito de escala e o seu


uso sem a devida conceituação acaba tornando a sua compreensão
equivocada, impedindo que se utilize o termo de modo coerente.
Para Castro (2014), em seu texto “Escala e pesquisa na geo-
grafia: problema ou solução?” a escala tem sido tratada quase que
essencialmente como medida matemática de redução ou amplia-
ção da realidade, devido a sua analogia com a cartografia. Segundo
a autora, como a realidade só pode ser aprendida em sua totali-
dade por representação ou por fragmentação, a relação entre a
grande e a pequena escala, em certa medida, resolve o problema
de aplicação desse conceito na prática. Esse entendimento, con-
tudo, esconde a “complexidade do conceito quando se trata de
recortar à realidade” (Ibidem, p. 90), pois o recorte torna-se apenas
o fragmento do espaço a ser escolhido para a análise do fenômeno.
É necessário, no entanto, ter o cuidado ao fazer o recorte analítico
para não incorrer em fragmentações, perdendo o sentido da escala
geográfica. Por isso, é indispensável ultrapassar os limites que a
abordagem cartográfica tem colocado, definindo conceitualmente
a se refere a escala geográfica.2
Buscando definir o conceito de escala geográfica, Castro
(2014, p. 88) afirma que é uma medida que confere visibilidade
ao fenômeno, permitindo analisá-la “a partir da medida da sua
significância, isto é, da extensão que lhe dá sentido”. Dessa for-
ma, as temáticas ligadas aos estudos geográficos envolvem uma
noção de escala, pois, a partir dela, o pesquisador pode definir
o recorte espacial a ser analisado. A escala, portanto, é o ponto
de partida para a análise mais profunda de determinados fenô-
menos. A escala nesse sentido compreende que é o fenômeno
e sua dimensão de ocorrência que têm primazia ante o recorte,
e não o nível/recorte de análise. Esse entendimento ultrapassa a
concepção da escala pela perspectiva cartográfica que seleciona
os recortes e fenômenos em seu interior para serem analisados.
Assim, encaminha para a compreensão do espaço em sua totali-

2
É importante referir que apesar de ambas as escalas possuírem relação nos estudos
da Geografia, a escala cartográfica está ligada à representação do espaço, ou seja, o
mapa, em sua forma geométrica, perspectiva do espaço absoluto, enquanto a escala
geográfica exprime a representação das relações existentes no espaço, ensejando o
caráter relacional desse conceito.
CAPÍTULO 5 – A ESCAL A DE ANÁLISE GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O ENSINO DA CIDADE 89

dade, possibilitando entender que nada ocorre de forma isolada


no espaço, pois o local tem em si o global e o global é constituído
pelos diversos locais.
Para um entendimento da escala geográfica como suporte
teórico-metodológico para superar a fragmentação do ensino da
Geografia, entretanto, consideramos nesta pesquisa, essencial
ponderar os pontos elencados por Castro (2014, 2017) para a com-
preensão e a utilização desse conceito:
1. A escala não existe, o que existe é o fenômeno; 2. A
escala é uma estratégia intelectual para abordar o real; 3.
A escala como medida é uma abstração ou convenção; 4.
A escolha da escala define o que é significativo no fenô-
meno, o que terá visibilidade; 5. Quando a escala muda,
as variáveis significativas do fenômeno mudam; 6. As vari-
áveis explicativas para fenômenos numa escala não são
transferíveis, seja para o mesmo fenômeno ou para outro,
em outra escala; 7. Não há hierarquias entre escalas, cada
escala revela um conjunto de causalidades específicas; 8.
A microescala não é menos complexa do que a macroes-
cala (Castro, 2014, p. 92).
Deon (2021), seguindo o entendimento da autora, quan-
do aponta que a escala não existe, o que existe é o fenômeno,
compreende-se que não é o recorte ou as dimensões fechadas e
isoladas em si que têm primazia ante o fenômeno. A escala como
estratégia intelectual para abordar a realidade, ou seja, o fenô-
meno como se materializa nos locais, confere o entendimento de
que real é o mundo que contém em si a totalidade dos lugares e,
assim, não se apresenta de forma fragmentada. Nós, seres huma-
nos, que fragmentamos o mundo para melhor compreendê-lo uti-
lizando, por exemplo, os recursos da escala cartográfica. Por isso,
a escala como medida é uma abstração ou uma convenção, é uma
escolha do pesquisador, e a partir dessa escolha alguns fenômenos
terão maior visibilidade do que outros. Nesse sentido a escolha da
escala define o que é significativo do fenômeno, e que terá maior
visibilidade. A mudança de escala sugere mudança nas variáveis
estudadas, pois conforme muda-se a escala mudam-se os fenôme-
nos a serem analisados. As variáveis não são transferidas ao mudar-
mos de escala de análise, mas isso não significa que essas variáveis
90 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

não possuam relações entre si. Todas as escalas são importantes


pelos fenômenos que materializam e pelas particularidades que
ocupam (Ibidem, 2021).
É preciso também referir que o próprio conceito de esca-
la geográfica assume conceituações diferenciadas, apresentando
inúmeras denominações, entre elas destacamos as mais usuais:
escala de análise, escala social de análise, escalaridade, multies-
calaridade, entre outras, o que aprofunda ainda mais a confusão,
emergindo assim a necessidade de uma definição conceitual clara,
a qual buscamos definir. A escala de análise, como já expresso por
Castro (2014), é uma convenção que confere visibilidade ao fenô-
meno e sua dimensão de ocorrência. A análise3 é o que possibilita
fragmentar o espaço para uma melhor compreensão do fenôme-
no. Segundo Santos (2014c), a análise é uma regra do método
que possibilita dividir o espaço em partes, mas que possibilita ao
seu término a reconstituição do todo. A escala social envolve a
compreensão de que a escala é uma escolha do pesquisador que
melhor possibilita analisar o objeto em sua pesquisa. As compre-
ensões escalaridade e multiescalaridade supõem o entendimento
das múltiplas escalas na sua relação, o que significa que nada
ocorre de forma isolada no espaço. Assim, todas as denominações
e conceituações expostas trazem referências que culminam com
o sentido de escala proposto por Castro.
Conforme Deon (2021), a escala no sentido tratado por Cas-
tro (2014) pode ser tida como uma ferramenta metodológica que
permite a apreensão do real, fragmentando-o para poder melhor
compreendê-lo, mas sem perder de vista a ideia da totalidade. A
fragmentação já fazia parte dos princípios do método científico
moderno proposto por René Descartes, e que desde então tem
orientado as ciências, os currículos e o fazer pedagógico escolar.
Nesse sentido que a escala apenas pela perspectiva carto-
gráfica encontra limites, pois considera os recortes do espaço em
si, sem fazer a sua relação com outros recortes e fenômenos que
congregam em si elementos que são do mundo natural e huma-

3
Segundo o Dicionário de Filosofia de Japiassú e Marcondes (2001, p. 12), a análise
compreende “Divisão ou decomposição de um todo ou de um objeto em suas partes,
seja materialmente (análise química de um corpo), seja mentalmente (análise de
conceitos).”
CAPÍTULO 5 – A ESCAL A DE ANÁLISE GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O ENSINO DA CIDADE 91

no. E aqui entra a análise geográfica como um procedimento da


Geografia, que pressupõe que o fenômeno e o recorte em que são
percebidos sejam relacionados com outras escalas, evidenciando
a sua a conexão entre as partes e o todo (Deon, 2021).
A ideia da fragmentação por muito tempo se respaldou no
pensamento cartesiano e seus princípios, tidos como: disjunção,
simplificação e generalização. O princípio da disjunção entende
que “tudo que aparece como complexo deve ser dividido em tan-
tas partes simples quanto possíveis, pois a razão, ao focar num pro-
blema perfeitamente delimitado, tem mais condições de resolvê-
-lo do que encarar algo composto de várias maneiras” (Descartes,
2019, p. 21). Na Geografia, esse princípio estabeleceu-se criando
dicotomias presentes até hoje nos estudos geográficos, como os
estudos em Geografia Física e Geografia Humana, Geografia
Geral (Física) e Geografia Regional (Humana), etc. O princípio
da simplificação entende que os conhecimentos precisam iniciar
do mais simples, ou mais próximo da realidade imediata do estu-
dante, seguindo para conhecimentos mais complexos ou mais abs-
tratos. Esse princípio pode ser encontrado na forma como os livros
didáticos dividem suas temáticas de ensino, partindo da Geografia
Física para a Geografia do Brasil e desta para a Geografia mundial,
como se o mundo e os fenômenos que dele fazem parte fossem
um somatório de espaços que pudessem ser entendidos isolada-
mente (Straforini, 2008).
Por fim, o princípio da generalização entende que, após
passados pelo crivo dos outros princípios, pode-se construir teoria,
leis e conceitos que possibilitam explicar o mundo. Esse princípio
aplicado à Geografia dificulta o processo de abstração e compre-
ensão dos conteúdos, pois não possibilita a relação do conteúdo
com a vida do aluno. Com base nos princípios mencionados foram
produzidos conhecimentos que separam o sujeito do objeto e des-
tes em campos de conhecimentos distintos.
Com base nas discussões e entendimentos dos autores,
temos referência para pensar as possibilidades de a escala ser um
ferramenta teórico-metodológica para o ensino de Geografia que
possibilita superar a fragmentação do conhecimento. Para isso
temos o aporte de Harvey (2012), que permite pensar o espaço a
partir de uma tríplice dimensão: absoluto, relativo e relacional. O
espaço absoluto é constituído pela perspectiva cartográfica e são
as coisas em si, os objetos fixos marcados por uma localização no
92 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

espaço. Para este autor (2012, p. 10), “se considerarmos o espaço


como absoluto ele se torna uma ‘coisa em si mesma’, com uma
existência independente da matéria. Ele possui então uma estru-
tura que podemos usar para classificar ou distinguir fenômenos”
(Ibidem, p. 10). O espaço relativo, se dá na relação entre os objetos
fixos e o que está no seu entorno. Ainda segundo Harvey (2012, p.
10), “a concepção de espaço relativo propõe que ele seja compre-
endido como uma relação entre objetos que existem pelo próprio
fato de os objetos existirem e se relacionarem”. Já o espaço rela-
cional é aquele que consegue fazer a relação entre fixos e fluxos
e existe somente “na medida em que contém e representa em si
mesmo as relações com outros objetos”.
A escala, no sentido defendido, torna-se relacional, isso
quer dizer que não se prende à dimensão absoluta do espaço que
dá dimensões de localização e extensão específicas a cada lugar,
objeto, fenômeno, e nem apenas à dimensão relativa. A escala é
relacional, pois busca entender a relação intrínseca entre sujeito
e objetos, objetos e sujeitos. Aliam-se a esse entendimento para
a operacionalização da escala os princípios geográficos que foram
elaborados pelos autores clássicos da Geografia e, posteriormente,
retomados por um grupo de autores espanhóis. Esses princípios
ampliaram a proposição clássica, trazendo um novo modelo para
o ensino de Geografia e História.
Os princípios foram denominados de científico-didáticos4
por constituírem uma base metodológica para o ensino da disci-
plina, são eles: Universalidade, Espacialidade, Temporalidade,
Conflito-Consenso-Modalidade, Atividade, Evolução, Mudança e
Continuidade, Intencionalidade, Interdependência, Causalidade,
Identidade, Relatividade (García Ruiz; Raso Sánchez, 2008). Os
princípios podem ser operacionalizados a partir do uso da esca-
la geográfica para o trabalho com os conteúdos de Geografia de
forma a relacionar o global e o local. Tendo esse entendimento
apresentamos a seguir uma possibilidade de compreender a cida-
de pelo uso da escala geográfica.

4
Os princípios científico-didáticos já foram referidos anteriormente no capítulo 4.
Utilizamos para essa discussão uma publicação mais recente do grupo espanhol sobre
o tema, em que há o alargamento de alguns princípios.
CAPÍTULO 5 – A ESCAL A DE ANÁLISE GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O ENSINO DA CIDADE 93

A Escala de Análise e o Estudo


da Cidade na Geografia Escolar
Para pensar o entendimento da escala como ferramenta
teórico-metodológica para o ensino da Geografia Escolar, é pre-
ciso considerar que o processo de ensino é dado pela dinâmica de
três elementos essenciais: o professor, aluno, matéria de ensino
(Libâneo, 2013). Não negligenciando a importância dos outros
dois elementos e entendendo que eles só se constituem na sua
relação, ressaltamos aqui que nossa discussão centra-se no terceiro
elemento, a matéria/disciplina de ensino, e dentro dela, especi-
ficamente em uma parte do seu processo de constituição que é o
método e seus instrumentos do conhecer, fruto das concepções
teóricas de sua ciência de referência e da Pedagogia. Conforme
afirma Gamboa (2007), em cada objeto de estudo está intrínseco
um determinado método e recursos metodológicos que melhor
podem contribuir para a sua compreensão. Assim, para entender-
mos o objeto de estudo da Geografia, o espaço geográfico, adotan-
do a perspectiva dialética, necessitamos de alternativas teórico-
-metodológicas que deem conta da especificidade desse objeto.
A Geografia busca estudar a totalidade dos fenômenos do
espaço entendendo que ele é palco e ator, palco por protagonizar
os movimentos que nele ocorrem ao longo do tempo, tanto de
natureza física como humana e as suas relações, mas também é
ator, pois oferece condições, limites e potencialidades para seu
entendimento (Callai, 2005). Para compreender o espaço por meio
dessa perspectiva é necessária uma compreensão dialética que não
esteja no limite do entendimento do fenômeno e de um dualismo
sujeito x objeto, mas considere ambos como parte do processo de
produção do conhecimento. Aliados ao método estão os instru-
mentos do conhecer que permitem desenvolver o olhar para o
mundo com base nas referências teóricas desse método. Por isso,
acreditamos que a Geografia Escolar precisa ter como base de
sustentação uma forma de entendimento do mundo que permita
desenvolver tal compreensão, bem como instrumentos metodo-
lógicos para ampliar tal entendimento em sala de aula, ajudando
a superar a fragmentação do ensino de Geografia (Deon, 2021).
E aí entra, segundo Deon (2021), a proposição de pensar
a escala de análise como ferramenta teórico-metodológica que
possibilita superar a fragmentação do conhecimento quando bus-
94 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

ca fazer a relação entre os conceitos teóricos e o mundo empíri-


co do estudante. Pensar os conceitos pela dimensão da escala
é entendê-los como recortes do espaço, que carregam consigo
uma dimensão conceitual e um nível escalar. Ao considerarmos o
espaço como uma totalidade, entendemos que as categorias lugar,
paisagem, região e território são os recortes que dividem a totali-
dade que compõem o espaço em partes para melhor compreendê-
-lo. Assim, cada recorte carrega em si uma dimensão escalar e um
conjunto de fenômenos físicos e humanos, por exemplo, um rio,
determinado clima, relevo, vegetação, formas de vidas e culturas
que muitas vezes não se esgotam nos limites de um dado recorte
analítico.
Para desenvolver a proposição temos, como exemplo, o
conteúdo cidade. Ela é trabalhada neste estudo como lugar, como
paisagem, como território, região e espaço, e isso envolve pensá-
-la como conceito e como nível de análise e esse entendimento
envolve o uso da escala geográfica. Aliados a ela estão os conceitos
que congregam em si os níveis de análise que, ao serem articula-
dos aos princípios geográficos, possibilitam fazer as relações entre
os fenômenos que se materializam no espaço.
A Geografia é uma ciência que estuda questões que são
do mundo e da realidade, mas por ser também uma disciplina
escolar aborda temas que também são parte da vida dos estudan-
tes. Assim, os conteúdos por ela trabalhados podem ser tratados
didático-pedagogicamente para serem significativos para as suas
vidas. Um desses conteúdos é a cidade, tido também como um
conceito por trazer elaborações teóricas que melhor permitem a
sua compreensão em um contexto geral.
A centralidade do conteúdo/tema cidade para o estudo pro-
posto ocorre em virtude de ser um espaço no qual vive a maioria
das pessoas atualmente e por ser fruto das influências locais e
globais. Desse modo a cidade, segundo Carlos (2007, p. 11), pode
ser entendida como uma construção humana que materializa rela-
ções entre passado e presente ao longo do tempo. A proposição
tratada pela autora permite o entendimento da cidade como uma
produção social, permeada por formas que ganham significado
com a dinâmica dos seres humanos ao longo do tempo e isso lhes
atribui diferentes funções. A cidade é o lugar onde vive a maioria
das pessoas no mundo, é onde se encontram passado, presente
e futuro, materializados nas formas que nela se expressam. Na
CAPÍTULO 5 – A ESCAL A DE ANÁLISE GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O ENSINO DA CIDADE 95

cidade se estruturam, por meio das formas e funções, diferen-


tes processos e estruturas. Por isso, conhecer a cidade (vivência
empírica) e aprender a pensá-la abstratamente (conceitualmente)
é o primeiro passo para que o sujeito possa aprender a vivenciar
e lutar pela sua cidadania.
A cidade, no entanto, como conteúdo da Geografia na
escola básica tem sido ensinada desde os anos iniciais do Ensino
Fundamental na perspectiva dos círculos concêntricos partindo do
espaço mais “próximo” da realidade imediata vivida pelo estudan-
te para espaços mais distantes, ou seja, o ensino parte do eu, da
casa, da rua, depois do bairro, da cidade, e assim sucessivamente
para espaços mais abstratos, como região, território e o espaço nos
anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Assim
ensinam-se fragmentos do espaço como se os lugares fossem iso-
lados e sem relação entre si e os fenômenos que nesses lugares se
materializam não apresentassem elementos de conexão, analogia,
diferenciação.
Buscando uma outra forma de ensinar que não fragmente a
aprendizagem, temos como base os princípios científico-didáticos
que se tornam uma referência para operacionalizar o uso da esca-
la. Assim, a partir do trabalho com os princípios apresentamos a
proposição de estudo da cidade, sempre refletindo sobre como
podemos desenvolver um ensino mais inter-relacionado dos ele-
mentos que se materializam no espaço. Vejamos o exemplo de
trabalho no Quadro 1, a seguir:
96 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

Quadro 1 – O trabalho com o tema cidade a partir dos princípios


e da escala geográfica

escola, que

5
Os mapas podem ser encontrados nos sites das prefeituras ou mesmo no IBGE.
CAPÍTULO 5 – A ESCAL A DE ANÁLISE GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O ENSINO DA CIDADE 97
98 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

6
Para Santos (2014c, p. 69) “a forma é o aspecto visível de uma coisa. Refere-se,
ademais, ao arranjo ordenado de objetos, a um padrão. Tomada isoladamente, temos
uma mera descrição de fenômenos ou de um de seus aspectos num dado instante
de tempo. Função, [...] sugere uma tarefa ou atividade esperada de uma forma,
pessoa, instituição ou coisa. Estrutura implica inter-relação de todas as partes de um
todo; o modo de organização ou construção. Processo pode ser definido como uma
ação contínua desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer, implicando
conceitos de tempo (continuidade) e mudança”.
CAPÍTULO 5 – A ESCAL A DE ANÁLISE GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O ENSINO DA CIDADE 99
100 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira
CAPÍTULO 5 – A ESCAL A DE ANÁLISE GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O ENSINO DA CIDADE 101

7
Educating Cities. Educating Cities vídeo concept. Youtube. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=qySZwtTosp8&feature=youtu.be. Acesso em: fev. 2021.
102 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira
CAPÍTULO 5 – A ESCAL A DE ANÁLISE GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O ENSINO DA CIDADE 103

Fonte: Elaborado pelos autores com base em García Ruiz (2012).

E assim, com base nos princípios vamos estabelecendo


inter-relações entre os fenômenos que se materializam no espaço
e nas várias dimensões de sua ocorrência. A escala é o recurso
teórico-metodológico que liga cada um desses fenômenos com-
preendidos por meio dos princípios à realidade vivida pelos estu-
dantes. Os elementos ora descritos nos ajudam a pensar o espaço,
pois em cada um dos princípios encontramos mecanismos que nos
permitem compreender o lugar, dando visibilidade para as suas
características específicas, mas sem fragmentá-lo, ou seja, relacio-
nando-o para entendê-lo, mostrando a sua conexão (Deon, 2021).
A inter-relação dos princípios e conceitos é o que funda-
menta o trabalho na Geografia e permite que os fenômenos não
se restrinjam a uma única área de ocorrência, mostrando assim que
existe uma universalidade que liga os diferentes recortes e fenôme-
nos que se materializam no espaço. Esses caminhos nos permitem
pensar em uma Geografia Escolar que possibilita o entendimento
do espaço geográfico numa perspectiva da totalidade, crítica e
reflexiva em que a subjetividade e/ou relatividade de cada sujeito é
considerada dimensão fundante na construção do conhecimento.
No sentido proposto o conteúdo cidade pode ser operacio-
nalizado a partir da utilização da escala geográfica que aliada aos
princípios científico-didáticos funcionam como recursos teórico-
104 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

-metodológicos e que possibilitam a compreensão do fenômeno


a partir de uma perspectiva relacional. O entendimento aqui des-
crito possibilita pensar em um ensino que supera a fragmentação
de fenômenos e níveis de análise que se materializam na Geo-
grafia Escolar. Ao operacionalizar os conceitos com os princípios,
torna-se possível considerar o estudante e o seu mundo da vida
como dimensões importantes para um ensino significativo em
Geografia, de forma a contribuir para uma formação humana e
cidadã do sujeito.
Capítulo
~~ 6 ~~

A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
NO ENSINO DA CIDADE E A
FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA

Educar para a cidadania na cidade pressupõe conhecer e


reconhecer que o passado também é parte do presente e constitui a
história urbana por meio de suas formas espaciais. As formas1 como
se materializam no espaço são os objetos geográficos que carregam
as marcas do passado que os constituiu. Para Milton Santos (1977)
as formas desempenham uma função instrumental no desenvolvi-
mento da sociedade, pois em cada tempo elas desenvolveram dife-
rentes funções e por isso ao serem aliadas as estruturas e processos
têm em si a capacidade de gerar mudanças, que podem ser rápidas
ou lentas, de acordo com os interesses daqueles que detêm maior
poder na sociedade. Dessa forma, não é o objeto em si que tem a
capacidade de gerar mudanças, mas sim a sua transferência de uma
“formação sócio-econômica2 para outra” é que pode “comportar a
força de modificar está última” (Ibidem, p. 31).

1
Para Corrêa (2017, p. 28-29) a forma “é o aspecto visível, exterior, de um objeto,
seja visto isoladamente, seja considerando-se o arranjo de um conjunto de objetos,
formando um padrão espacial. Uma casa, um bairro, uma cidade e uma rede urbana
são formas espaciais em diferentes escalas. Ressalta-se que a forma não pode ser
considerada em si mesma, sob o risco de atribuir a ela uma autonomia que não
é possuidora. Se assim fizermos estaremos deslocando a forma para a esfera da
geometria, a linguagem da forma, caindo em um espacialismo estéril. Por outro lado,
ao considerarmos isoladamente a forma espacial, aprenderíamos apenas a aparência,
abandonando a essência e as relações entre esta e a aparência”.
Milton Santos em seu livro “A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção” afirma
2

que “quando a sociedade muda, o conjunto de suas funções muda em quantidade e em


qualidade. Tais funções se realizam onde as condições de instalação se apresentam como
melhores. Mas essas áreas geográficas de realização concreta da totalidade social têm papel
exclusivamente funcional, enquanto as mudanças são globais e estruturais e abrangem a
sociedade total, isto é, o Mundo, ou a Formação Socioeconômica” (2006, p. 74).
106 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

Entender essas mudanças é parte do processo de educação.


Nesse sentido, cabe às disciplinas do currículo escolar, em espe-
cial História e Geografia, ou mesmo no Ensino Superior quando
abordam a cidade, a exemplo a Arquitetura e Urbanismo, dar as
bases para que seja realizada pelo estudante a leitura do espaço
nos diversos tempos, por meio de seus conceitos e categorias ana-
líticas. Essa leitura pode ser iniciada pelo lugar no qual o estudan-
te vive, a partir de um conhecimento sistemático do local. Para
que o aluno consiga desempenhar tal entendimento, o professor
pode elaborar metodologias de ensino que ao serem articuladas
aos pressupostos teóricos e pedagógicos que estruturam sua dis-
ciplina, consigam orientar a construção da leitura do mundo.
Esse entendimento pode ser iniciado com perguntas que
chamem a atenção para a observação sistemática do espaço vivi-
do: O que tem na sua cidade que é parte do passado? Como se
estruturou? Que processos lhe deram origem? Como esse lugar/
forma/objeto era no passado? O uso desse espaço sempre foi
assim? O que mudou? Por que mudou? A problematização aju-
da na observação sistemática das formas. O descobrimento das
diferentes funções que as formas foram adquirindo ao longo do
tempo podem ser compreendidas por meio da pesquisa em fon-
tes históricas, em entrevistas com moradores locais, entre outros
meios que podem ser excelentes possibilidades de conhecer os
processos que as estruturam e estruturaram.
É importante que os estudantes entendam que as formas
urbanas são resultado de um jogo de forças do capital que foi se
expandindo e dando novos usos e significados a essas formas nos
diferentes lugares do espaço. Para que as novas gerações possam
compreender as formas e funções originárias de determinado
local ou objeto, contudo, é importante que seja construído um
conhecimento crítico sobre a sua preservação fortalecendo o sen-
timento de identidade e pertencimento. Para tal, é essencial que
as discussões sobre a educação patrimonial perpassem o estudo
e o ensino da cidade.
Para Horta, Grunberg e Monteiro (1999, p. 4), a educa-
ção patrimonial busca levar os sujeitos “a um processo ativo de
conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultu-
ral, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e pro-
piciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num
processo contínuo de criação cultural”. Nesse sentido, o objetivo
CAPÍTULO 6 – A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DA CIDADE E A FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA 107

desse texto é pensar uma proposição metodológica para o ensino


da educação patrimonial, que ao ser aportada nos pressupostos
teóricos e didático-pedagógicos de sua disciplina de referência,
pode contribuir para o reconhecimento e preservação das formas
urbanas e, assim, para a formação humana e cidadã dos sujeitos.

A Educação Patrimonial para o Reconhecimento


e Preservação das Formas Urbanas
A educação constitui-se pelo acesso ao conhecimento e pela
compreensão da realidade em que vivemos e nesse sentido que-
remos uma educação pautada na condição social de vida digna a
todos. Isso fundamenta-se na capacidade de entendimento que
tenha em si o uso de argumentos para fazer a crítica do que é
necessário mudar. A transformação da sociedade só será possível
quando a educação estiver elencada fundamentalmente como uma
estratégia de ação, sendo oportunizada a todos e todas por meio
de um ensino de qualidade e que produza significado na vida
daquele que aprende. Por isso, a educação em seu sentido amplo
precisa ser vista como processo de desenvolvimento intelectual e
sistemático do sujeito, especificamente como uma forma de propi-
ciar construção de conhecimentos que levem o estudante a desen-
volver atitudes éticas e estéticas perante os outros e o mundo.
Nesse contexto, Lima (2012) observa que a educação pre-
cisa ampliar seus horizontes, ultrapassando os muros da escola e
ir ao encontro da comunidade, articulando, mobilizando, forta-
lecendo vínculos, compartilhando responsabilidades e traçando
os caminhos para a transformação social desejada. Aproximar o
conhecimento sistemático construído na educação formal com o
mundo da vida do sujeito, ou seja, que delimita o local no espa-
ço onde ele e sua família vivem, torna-se uma possibilidade de
conhecer e reconhecer seu lugar e os objetos que nele se mate-
rializam como parte do mundo.
Assim, entendemos que por meio da construção de conhe-
cimentos e conceitos a partir dos conteúdos, tem-se a possibi-
lidade de reconhecimento das mudanças da paisagem ao longo
do tempo. E uma das possibilidades de reconhecimento pode
ocorrer quando por intermédio da educação é propiciado o diálogo
108 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

entre os sujeitos e o mundo como uma forma de comunicação que


facilita a apropriação consciente das formas urbanas que fazem
parte desse mundo. Esse processo possibilita “a troca de conhe-
cimentos e a formação de parcerias para a proteção e valorização
desses bens” (Horta; Grunberg; Monteiro, 1999, p. 4). A educa-
ção patrimonial é parte do processo educativo e possibilita um
conhecimento crítico e de apropriação consciente do patrimônio
“indispensáveis no processo de preservação sustentável desses
bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos de identi-
dade e cidadania” (Ibidem, p. 4).
Para reconhecimento e preservação das formas é que pode
ser desenvolvida a metodologia da educação patrimonial, a qual
pode ser trabalhada em vários contextos e campos do conheci-
mento. A educação patrimonial iniciou nos museus e teve ações
educativas intensificadas em vários países no século 20 após
a década de 19703,4. A inserção dessa metodologia de ensino e
aprendizagem em espaços de educação (formais e não formais) é
uma proposta nova, na qual os objetos estudados pertencem ao
cotidiano dos sujeitos.

3
No mundo, algumas experiências dessa natureza foram relatadas em uma edição
especial da Revista Museum, em 1984, com o tema Le rôle éducatif du musée.
Nesta publicação oficial da Unesco encontram-se relatos de diferentes países, como
Canadá, França, Estados Unidos, Equador e Quênia. No Brasil, muitas experiências
educativas foram desenvolvidas por museus brasileiros a partir da década de 80. Em
1983 ocorre o 1º Seminário sobre o Uso Educacional de Museus e Monumentos,
realizado no Museu Imperial de Petrópolis/RJ. Nesse evento introduz-se a
expressão educação patrimonial como uma metodologia inspirada no Modelo da
Heritage Education. Este Modelo consiste em trabalhos pedagógicos desenvolvidos
na Inglaterra sobre educação patrimonial, por meio de um conjunto de novas
experiências educativas em museus e instituições culturais, das quais resultaram
novas relações entre os sujeitos e seus patrimônios. A partir desse Modelo é marcado
o surgimento da expressão educação patrimonial no Brasil.
4
A partir do Modelo da Heritage Education, importantes discussões acerca da
necessidade de se aprofundar o conhecimento e a preservação do patrimônio
foram observadas no Brasil. Em 1999, então, Maria de Lourdes Parreiras Horta,
Evelina Grunberg e Adriana Queiroz Monteiro lançam o Guia Básico de Educação
Patrimonial, que se torna o principal material de apoio para ações educativas
realizadas pelo Iphan. A partir de uma proposta pedagógica que envolve quatro
etapas progressivas de apreensão concreta de objetos e fenômenos culturais –
observação, registro, exploração e apropriação – as autoras reivindicam a natureza
processual das ações educativas, não se limitando a atividades pontuais, isoladas e
descontínuas.
CAPÍTULO 6 – A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DA CIDADE E A FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA 109

Para contribuir com a proposição de trabalhar com a educa-


ção patrimonial recorremos a estudiosos da temática para indicar
como pode ser compreendida. Scifoni (2012, p. 37) considera-a,
[...] como um campo ampliado de atuação, que não se
limita apenas às atividades de visitação nos museus ou
em bens patrimoniais, incorporando, assim, outras ações
educativas de caráter diversificado, principalmente aque-
las de caráter participativo, que possam permitir a inserção
da população local no desafio de pensar a proteção dos
bens referenciais de sua memória coletiva.
Avançando, o mesmo autor destaca que a educação patri-
monial tem características que a demarcam, pois possui
[...] papel fundamental, colocando-se para além da sim-
ples divulgação do patrimônio: não se trata de estratégia
de marketing ou de difundir conhecimentos e reproduzir
informações e discursos a um maior número de pessoas
possível. Trata-se, antes de tudo, de construir uma relação
com as comunidades e os lugares, possibilitando a apro-
priação social de conhecimentos do qual o patrimônio é o
suporte (Scifoni, 2012, p. 37).
O importante nesse processo é atingir grande parcela da
população, pois as iniciativas educativas podem ser encaradas
como um recurso fundamental para a valorização da diversidade
cultural e para o fortalecimento da identidade local. Para isso o
envolvimento ocorre fazendo uso de múltiplas estratégias e situa-
ções de aprendizagem construídas coletivamente, o que é impor-
tante no processo de educação e de socialização dos sujeitos.
Na ótica de Teixeira (2008), a educação patrimonial viabi-
liza a formação de indivíduos capazes de conhecer a sua própria
história cultural, tendo assim elementos para compreender as
suas histórias de um modo particular e da comunidade em que
se inserem. É nessa linha que, ao trabalhar questões referentes ao
patrimônio, oferecem-se subsídios para a construção do conheci-
mento e da valorização e preservação desses bens culturais, sejam
eles materiais, imateriais, naturais ou construídos. Nesse sentido,
Figueiredo (2002, p. 57) assevera:
110 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

[...] a idéia básica da educação patrimonial é, em primeiro


lugar, sensibilizar os alunos (tanto do nível fundamental
como médio) para a importância da valorização e preser-
vação do patrimônio, em outras palavras, despertar a sen-
sibilidade da comunidade escolar sobre a importância de
valorizar e entender os sinais e registros do passado.
As diversas possibilidades formativas ante as metodologias
de educação patrimonial podem ser aplicadas em qualquer tipo de
evidência cultural e/ou material. Isso porque consistem em dialo-
gar de maneira a facilitar e estimular a comunicação e a interação
entre os sujeitos e os atores responsáveis pela gestão do patrimô-
nio, consolidando cooperações para a proteção e valorização desses
bens. Entendemos que ao conhecer e valorizar o patrimônio os
sujeitos abrem caminho para valorizar suas vidas, a si próprios e
dar sustentação à preservação das suas histórias.
Cabe destacar, conforme Machado (2010), que a proposta
de educação patrimonial foi pensada mediante o processo de
modernização das cidades, pois percebia-se a constante desva-
lorização e desconhecimento em relação ao patrimônio cultural,
tanto material quanto imaterial. Essa constante desvalorização
alia-se à lógica do capital que produz a ideia de que o tempo é
linear, e que a história tem um sentido e direção únicos. Para
Santos (2002), esse sentido e direção únicos têm sido formulados
de diversas maneiras nos últimos 200 anos: progresso, moderni-
zação, desenvolvimento e globalização. Assim, tudo que remete
ao passado é tido como atrasado e assimétrico em relação ao que
é avançado, desvalorizando a história e a cultura que nos consti-
tuiu. A valorização do futuro, das formas urbanas modernas ante
o passado tem sido estimulada pelas novas formações socioeco-
nômicas.
Nesse sentido, para que haja uma nova percepção da
importância do passado para compreender o presente é preciso
ações educativas para construção e compartilhamento de conheci-
mentos, investigar para conhecer melhor, entender e transformar
a realidade que nos cerca. Brandão (1996, p. 293) afirma:

Ações destinadas a proporcionar à comunidade os meios


para participar, em todos os níveis, do processo educacio-
nal, de modo a garantir que a apreensão de outros con-
CAPÍTULO 6 – A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DA CIDADE E A FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA 111

teúdos culturais se faça a partir dos valores próprios da


comunidade. A participação referida se efetivará através
da interação do processo educacional às demais dimensões
da vida comunitária e da geração e operacionalização de
situações de aprendizagem com base no repertório regio-
nal e local.
O processo educacional e as políticas de educação patrimonial
são essenciais no processo de ensino e aprendizagem, bem como
atuam como estratégicas fundantes para a preservação da arquitetura,
haja vista que a ligação da educação à preservação do patrimônio é
fundamental para a formação cidadã dos sujeitos. Entender o patri-
mônio como um bem de interesse público não basta para mobilizar a
sociedade, na medida em que esta não conhece seu valor e a neces-
sidade de preservá-lo.
Para que essa discussão possa ser parte do ensino da cidade,
montamos um roteiro que pode ser utilizado como base para a
educação patrimonial. Esse roteiro pode ser adaptado à realidade
e ao nível de ensino no qual o professor entende ser importan-
te desenvolvê-lo. É indicado que o docente busque exemplos
de patrimônio e formas urbanas na cidade na qual vive (pode
ser realizado um trabalho de campo até o local), ou mesmo se
não for possível o professor pode coletar, pesquisar ou produzir
imagens do local. Nessa linha, se a cidade contar com museus,
esses podem ser utilizados como lugar em que será desenvolvido
o trabalho de pesquisa.
É importante que o professor tenha desenvolvido o seu pla-
nejamento de atividades e objetivo destas, para que haja de fato
uma intencionalidade pedagógica clara e que possa ser articulada
aos temas e conceitos da disciplina que ministra. O planejamento
envolve a escolha do lugar, a seleção dos materiais a serem consi-
derados, as formas de observação, conhecimento e busca do que
existe, bem como a avaliação da aprendizagem. De outra parte, é
preciso estar claro quem são os interessados em fazer essa tarefa,
se na escola ou universidade é importante caracterizar quem são
os promotores da busca deste material, quais os objetivos e como
serão os procedimentos. O planejamento deve sempre preceder a
tarefa a ser realizada, e precisa estar de acordo com as concepções
teóricas consideradas, a definição das estratégias a serem adotadas
devem estar de acordo com os objetivos que se tem. E princi-
palmente é importante considerar que um plano é necessário,
112 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

mas que ele não é mágico na busca dos resultados e nem pode
ser uma “camisa de força” a ser cumprida, mas é adequado ter e
considerar o movimento no decorrer das ações, que podem gerar
reordenação dos caminhos.
Horta, Grunberg e Monteiro (1999) afirmam que uma vez
definido o objeto, fenômeno ou tema de estudo, a prática educa-
tiva pode se desenvolver ao longo de etapas metodológicas, e com
esta base apresentamos um plano de ação a ser seguido.
Quadro 1 – Etapas metodológicas para o estudo do patrimônio
Etapas Recursos/Atividades Objetivos
1. Observação Percepção visual/sensorial. Identificação do
Elaboração de questionamentos; objeto função e
significado.
Manipulação do objeto.
Medição.
Comparação.
2. Descrição/ Anotação e descrição escrita Aprofundamento da
Registro ou por meio de desenhos das observação e análise
formas e suas particularidades. e das informações
Registro fotográfico. coletadas.
Maquetes.
Plantas baixas do local.
3. Exploração Análise das formas. Análise crítica e
Levantamento de hipóteses e interpretação dos
questionamentos. dados coletados
tendo como base
Busca de fontes como
os conceitos e
bibliografias, biblioteca,
bibliografias
arquivos, instituições como a
estudadas.
prefeitura, jornais, entrevistas.
4. Construção Recriação, releitura, Compreensão
de interpretação por diferentes do movimento
Conhecimento meios de expressão como realizado e possível
desenhos, textos, charges, valorização e
música, poesia, filme. reconhecimento
do bem cultural
pesquisado.
Fonte: Adaptado de Horta, Grunberg e Monteiro (1999, p. 9).

Segundo os autores que estudam essa temática dos quais


tomamos as referências, lembramos que para o estudo de um
determinado sítio histórico pode-se sustentar na elaboração de
CAPÍTULO 6 – A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DA CIDADE E A FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA 113

um roteiro de estudo do lugar, de forma a fazer a relação entre o


presente e o passado. Neste planejamento é interessante agregar a
produção de fotos, desenhos, croquis, vídeos, enfim, todo material
que possa ser registro do que se observa.
Quadro 2 – Roteiro de estudo do lugar
Presente Passado Influência do passado no
presente
Como é o lugar hoje? Como era este lugar Que elementos do passado
no passado? podemos ver hoje?
Por que este lugar é Por que este lugar Que influência estes
assim, hoje, e como era deste modo no elementos tiveram sobre
se diferencia ou passado? Como este lugar, e como esta
se assemelha com e por que ele se influência se diferencia
outros lugares? diferenciava ou se ou se assemelha ao que
assemelhava com aconteceu em outros
outros lugares no lugares?
passado?
De que maneira este De que maneira De que modo as relações
lugar se relaciona este lugar estava existentes no passado
com outros lugares? relacionado cominfluenciaram este lugar e o
outros lugares? modo como ele se relaciona
hoje com outros lugares?
Como este lugar está Que mudanças Como as mudanças
mudado, e por quê? aconteceram neste ocorridas estão refletidas
lugar ao longo do hoje, neste lugar?
tempo e por quê?
Como seria viver Como seria viver Como o passado influencia
neste lugar, hoje? neste lugar, no o modo e a experiência de
passado? viver neste lugar, hoje?
Fonte: Adaptado de Horta, Grunberg e Monteiro (1999, p. 16).

E, nesse sentido, todo o espaço que proporcione, viabilize e


propicie o desenvolvimento de experiências de ensino e aprendi-
zagem torna-se um espaço educativo. Qualquer espaço, portanto,
pode se tornar educativo, desde que os sujeitos que dele se apro-
priem possam estabelecer relações pedagógicas transformando-o
num instrumento ativo e dinâmico. Isso requer a capacidade de
argumentação e pensamento crítico que precisa ser sustentado
com base nas conexões entre elementos advindos do acesso aos
conhecimentos da ciência, a dimensão pedagógica no trato das
informações e conhecimentos que são da realidade que é o mundo
das crianças.
114 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

E é neste quadro de intensões e de propostas possíveis


que percebemos que estudar a cidade vai além do simples fato
de constatar o que existe nos lugares aqui e agora. São muitas as
possibilidades, e se consideramos que o presente visível é resulta-
do de histórias o passado está materializado no espaço atual pelos
objetos edificações, pelas estruturas que apresentam a organização
do espaço. A educação patrimonial é umas das possibilidades que
podemos considerar no processo de educação. Trabalhar com as
crianças sobre o patrimônio herdado pode envolver seus fami-
liares que sabem das histórias pelo fato de as terem vivido ou
simplesmente conhecido. É a tradição que se mantém presente
e que pode ser potencialmente aproveitada para estudar a cidade
e como caminho para uma formação cidadã.
Agregamos a estes entendimentos a indicação de Lima
(2012, p. 53-54), quando destaca que a educação patrimonial tem
um grande potencial, pois ela
[...] pode ser utilizada como uma estratégia pedagógica
para ampliar parcerias e buscar soluções de forma demo-
crática, principalmente promovendo uma aproximação
direta entre escolas e as casas do patrimônio, apoiadas
ou implementadas pelo Iphan, existentes em diversos
territórios brasileiros. O trabalho com Educação Patrimo-
nial contribui no processo educativo, tendo como foco o
patrimônio cultural como recurso para compreensão das
referências culturais em todas as suas manifestações, com
objetivo de contribuir para o reconhecimento, valoriza-
ção e preservação do patrimônio cultural local, regional
e nacional.
Assim sendo, a cidade e seus espaços patrimoniais devem
ser compreendidos como territórios vivos, permanentemente con-
cebidos, reconhecidos e produzidos pelos sujeitos que os habitam.
É, por isso mesmo, salutar perceber a cidade por suas infinitas
possibilidades formativas, pois ela oferece intencionalmente às
novas gerações experiências contínuas e significativas em todas
as esferas e temas da vida. É importante e interessante compre-
ender a educação patrimonial como metodologia de preservação,
pois ela possibilita que o indivíduo faça a leitura do mundo que
o rodeia, valorizando sua cultura material resultante da relação
CAPÍTULO 6 – A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DA CIDADE E A FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA 115

entre os indivíduos e seu ambiente, onde, por meio do patrimô-


nio, é possível conscientizar os sujeitos a conhecer, compreender
e preservar a própria história.
Conhecer a história, reconhecer o que foi construído mate-
rial e imaterial, possibilita ao aluno desde pequeno acessar os
elementos para elaborar um pensamento que o avisa e informa
que existe uma tradição, que os tempos e espaços expressam as
vidas vividas. Indicativos de que o mundo se apresenta com uma
complexidade que ao ser compreendida oportuniza cada um se
reconhecer com identidade e pertencimento ao lugar em que vive
e que fazer as abstrações é buscar as explicações para reconhecer
os esforços dos que ali viveram. E que tudo resulta de construções
pela produção humana que contextualizadas, no tempo que traz
em si memórias e no espaço que indica que os lugares são inter-
ligados permite elaborar os entendimentos de que ninguém vive
sozinho em nenhum lugar e que todos somos parte de um mundo
que tem marcas muito importantes. E na contrapartida encaminha
a reconhecer que mundo comum é resultado da vida humana que
vem acontecendo, e que pode indicar qual o lugar de cada um,
o que deve ser compreendido como socialmente construído. Por
isso exercer a cidadania é questão significativa para transformar
o mundo em busca de vida com dignidade para todos. Isso faz
parte de conhecer a cidade e fazer dela o espaço de vida comum.
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SOBRE OS AUTORES

Helena Copetti Callai


Licenciada e bacharel em Geogra-
fia pela Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de Ijuí (Fafi-Unijuí). Mestre e
doutora em Geografia pela Universidade
de São Paulo (USP-SP). Pós-doutora pela
Universidade Autônoma de Madrid – Espa-
nha (UAM) – com bolsa da Capes. Profes-
sora titular da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) na Gradua-
ção e no Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciên-
cias (PPGEC-Unijuí). Orienta Mestrado e Doutorado, super-
visiona Pós-Doutorado e orienta Pibic/CNPq. Pesquisadora
bolsista de produtividade em pesquisa PQ/CNPq Nível 1D;
Pesquisadora Gaúcha Fapergs. Membro da Redaladgeo – Rede
Latino-Americana de Didática da Geografia. Tem experiência
de ensino e pesquisa na área de Geografia com ênfase em Ensi-
no de Geografia/Educação Geográfica, Educação para a forma-
ção cidadã; Currículo e Formação de Professores para o Ensino
Superior e Educação Básica; Avaliação institucional. Consultora
externa da Capes, CNPq, Fapesp, Fapergs. Autora de artigos
científicos e livros e capítulos de livros na área de pesquisa.
copetti.callai@gmail.com
124 Helena Copetti Callai – Alana Rigo Deon – Maristela Maria de M o r a e s – T a rc i s i o D o r n de Oliveira

Alana Rigo Deon


Doutora (2017-2021) e mestre
(2015-2016) em Educação nas Ciências
pela Unijuí-RS. Licenciada em Geogra-
fia – Universidade Federal da Fronteira
Sul – UFFS (2010-2014). Graduanda em
Pedagogia pela Uniasselvi (2021). Inte-
grante do grupo de pesquisa EMGEOCS
na Unijuí e Gepet na UFFS. Atualmente
é professora da rede municipal de ensino em Erechim/RS. Atuou
como professora do Ensino Médio e Educação de Jovens e Adul-
tos na rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul e como
professora substituta na Universidade Federal da Fronteira Sul
– Campus Erechim. Atualmente desenvolve pesquisa nas seguin-
tes temáticas: Ensino de Geografia, Livro Didático e Cidadania.
alanardeon@gmail.com

Maristela Maria de Moraes


Pós-doutora em Educação nas
Ciências PNPD/Capes – Unijuí (2020).
Doutora em Educação nas Ciências pela
Unijuí (2017). Realizou estágio doutoral
(Doutorado Sanduíche) na Universidade
de Lisboa (UL) – PDSE-Capes. Mestre
em Educação nas Ciências pela Unijuí
(2012). Possui Graduação em Letras/
Português e Respectivas Literaturas
– Unijuí (2008). Licenciada em Pedagogia – Uninter (2018).
Atuou como professora da rede estadual de ensino (Ensinos
Fundamental, Médio e EJA). Atua como professora de Língua
Portuguesa, Literatura e Redação na Educação Básica e como
pesquisadora (Projeto Pesquisador Gaúcho/Fapergs). Participa
do grupo de pesquisa “Ensino e Metodologias em Geografia e
Ciências Sociais”. Áreas de interesse: Ensino, Pedagogia (Edu-
cação Infantil), Letras, Literatura, Interdisciplinaridade, Forma-
ção Docente, Cidadania. marismoraes15@gmail.com
SOBRE OS AUTORES 125

Tarcisio Dorn de Oliveira


Pós-doutor pelo Programa de Pós-
-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura
e Urbanismo da Instituição de Ensino
Superior Meridional (Imed/Passo Fun-
do – 2021) na área de Arquitetura, Urba-
nismo, Ensino e Aprendizagem. Doutor
pelo Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Educação nas Ciências da Uni-
versidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (Unijuí/Ijuí – 2019). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação
em Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM/Santa Maria – 2011). Bacharel em Arquitetura e Urbanis-
mo pela Universidade de Cruz Alta (Unicruz/Cruz Alta – 2009).
Atua como professor-adjunto do magistério superior nos cursos
de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Design e Engenharia
Civil (Unijuí/2014 – presente) e no Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Desenvolvimento Regional – Mestrado e Douto-
rado – da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (PPGDR/2020 – presente). Atua como avaliador
nacional de cursos de Graduação na área de Arquitetura e Urba-
nismo (Inep/MEC) e como pesquisador nos seguintes Grupos de
Pesquisa CNPq: Ensino e Metodologias em Geografia e Ciências
Sociais (EMGCS/Unijuí – pesquisador); Núcleo de Inovação e
Tecnologia Assistiva em Arquitetura e Urbanismo (Nita-AU/Imed
– estudante); Espaço Construído, Sustentabilidade e Tecnologias
(Gtec/Unijuí – Líder e pesquisador); Rede Internacional e Inte-
rinstitucional de Arquitetura, Urbanismo e Educação (Rede/URI
– Líder e pesquisador); Grupo Novos Materiais e Tecnologias
para Construção Civil e Infraestrutura (GCON/Unijuí – pesqui-
sador). tarcisio_dorn@hotmail.com

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