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Sobre a Apropriação de
Elias Canetti pelas universidades brasileiras pp. 225-238
Plumilla Educativa
Resumo
Este trabalho pretende abordar os movimentos recepcionais das obras de
Elias Canetti no Brasil, e seus processos de apropriação pelas Humani-
dades ora como objeto, ora como referencial teórico, ora como ilustração,
reportando a importante contribuição de seus escritos autobiográficos
como campo de estudo dos processos (auto)formativos. Do ponto de
vista metodológico, para a elaboração deste artigo, foi desenvolvido um
levantamento das entradas de nosso autor nos principais bancos de dados
nacionais, este levantamento foi organizado tendo em vista as categorias
de Apropriação Incidental, Apropriação Conceitual Tópica, Apropriação do
Modo de Trabalho e Apropriação de Conteúdo. Em sua faceta teórica este
artigo se aproxima do conceito chartieriano de apropriação, que procura
lançar uma luz aos processos pelos quais os sentidos são produzidos e,
em seguida, apropriados nas Humanidades. No caso específico de Canetti,
é a que nos permite ver como este autor foi e está sendo lido nos espaços
acadêmicos brasileiros, apontando os modos como os textos canettianos
estão sendo lidos, utilizados como categorias de análise ou funcionado
como operadores para interpretações no campo das artes, da literatura,
das ciências humanas e da educação.
Palavras-Chave: Pesquisa Autobiográfica, Elias Canetti, Apropriação,
Recepção.
Abstract
As a writer is read? About Appropriation of
Elias Canetti by Brazilian universities
This research article addresses the flow of readers’ reception of Elias Ca-
netti’s work in Brazil and its appropriation processes by Human Sciences
be it as an object of study, as a theoretical framework, or as an illustration,
revealing the important contribution of his autobiographical writings as a
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Elias Canetti nasceu em 1905, na cida- A recepção dos textos de Elias Ca-
de Ruschuk, hoje Ruse, na região nordes- netti no Brasil se dá por conta das tra-
te da Bulgária, a 300 km da Capital Sófia, duções6 desenvolvidas por ocasião de
no lado direito do rio Danúbio, na fronteira sua premiação com o Nobel em 1981,
com a Romênia. Viveu em Londres, Vie- um fenômeno pós-Nobel como nos diz
na, Frankfurt e Zurique se reduzirmos Irene Aron (1994a). Entre 1982 e 1990
bastante o trânsito transnacional desse são publicados os livros Auto-de-fé (em
sujeito para quem o termo cosmopolita 1982, editado originalmente pela Nova
se justifica. Judeu sefardita4, teve como Fronteira e atualmente pela CosacNaify),
idioma materno o Ladino5, sendo o búl- Massa e Poder (em 1983, editado origi-
garo sua segunda língua e o alemão sua nalmente pela EdUNB/Melhoramentos e
língua de expressão intelectual, dentre atualmente pela Companhia das Letras),
outros idiomas que aprenderá nos 32 anos A Língua Absolvida (primeiro volume de
cobertos por seus textos autobiográficos: sua trilogia autobiográfica, em 1987, pela
A Língua Absolvida (2010a), Uma Luz em Companhia das Letras que, junto com os
Meu Ouvido (2010b), O Jogo dos Olhos outros dois volumes de sua trilogia auto-
(2010c). Morreu em Zurique em 1994, tre- biográfica, encontra-se atualmente em
ze anos após ser laureado com o prêmio sua coleção de bolso, a Companhia de
Nobel de literatura. Bolso), As Vozes de Marrakech (em 1987,
pela Editora L&PM e atualmente pela
4 Os sefarditas foram os judeus expulsos da 6 Seus nove tradutores no Brasil são Markus Lasch
península ibérica no final do século XV , que se (Festa sob as Bombas), Kristina Michahelles
dispersaram por toda Europa e América, mas, (Sobre os Escritores), Rita Rios (Sobre a Morte),
sobretudo, encontraram acolhida no Império Samuel Titan Jr (Vozes de Marrakech – Cosac-
Otomano, ao qual pertencia a Bulgária até 1908, Naify, Hebel e Kafka), Marijane Lisboa (Vozes de
quando proclamou sua independência (KENIG, Marrakesh – L&PM), Ruth Röll (Canetti: o teatro
1995; BRAVO, 2012). terrível), Sérgio Telarolli (Massa e Poder, Jogo
5 Idioma dos sefarditas em diáspora, muito se- dos Olhos), Kurt Jahn (A Língua Absolvida, Uma
melhante ao Castelhano, cujo vocabulário se Luz em Meu Ouvido) e Herbert Caro (Auto-de-fé -
completava pelo uso de palavras francesas, Nova Fronteira e CosacNaify-, O Outro Processo:
turcas, romenas, alemãs entre outros idiomas, As cartas de Kafka a Felice e A Consciência das
porém ladinizadas. Palavras, este último com Márcio Suzuki).
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das editoras em seus estados e pela o prêmio Nobel de literatura (THE ECO-
distribuição sem maiores entraves para NOMIST, 31 de março de 1982) – quem
as livrarias – fato só minimizado após leu A Língua Absolvida sabe que não é
o surgimento do comércio eletrônico de elogiosa sua relação com o lado “inglês”
livros. Mas isto não significa dizer que da família, cujos retratos são coloridos
ele seja bem editado, como ocorre na pelo rancor – e seu editor americano, à
Espanha, na Alemanha e nos Estados época, em resposta aos questionamentos
Unidos, onde existem edições completas da revista diz: “Canetti não quer sua auto-
do autor ora em estudo. biografia publicada na Grã-Bretanha. Ele
A localização histórica da recepção de não vai falar sobre isso, mas não quer isto,
Elias Canetti no Brasil não destoa de sua e isto é definitivo7” (THE ECONOMIST, 31
recepção no restante do mundo, que só se de março de 1982).
popularizou por causa de sua láurea pela Retomando o objetivo central deste
Academia Sueca, como anota Irene Aron artigo, no Brasil, a leitura de nosso autor
(1994) em seu artigo sobre o autor, no qual aumenta conforme suas edições vão se
indica como a recepção dele ao redor do tornando frequentes e o interesse acadê-
mundo sempre foi difícil, com muitos reve- mico por seus textos, mesmo que modes-
zes, e mesmo em língua alemã o autor só to, apresenta um panorama de como ele
era reconhecido pelo que havia escrito até foi – ou pode - ser lido nas últimas déca-
1938, um romance, Auto-de-Fé (1982) e as das nas universidades brasileiras. Para a
peças de teatro O Casamento e Comédia elaboração deste artigo foi desenvolvido
da Vaidade (2000), recebidos de forma um levantamento das entradas8 de nosso
negativa e reticentes como as críticas diri- autor nos principais bancos de dados na-
gidas a ele por Hans Magnus Eisenberger cionais9, este levantamento foi organizado
e Marcel Reich-Ranick, que qualificaram
o livro Auto-de-Fé como insuportável e 7 “Canetti does not want his autobiography pub-
monstruoso (apud ARON, 1994, p. 157). lished in Britain. He will not talk about it, but
Se, parte de seu desconhecimento he does not want it and that is final” [Tradução
Nossa]. Devo este fragmento, e mais um outro,
pode ser creditado à dificuldade imediata
da revista The Economist, ao leitor K. Liepmann
que seus livros podem despertar num que, diligentemente, guardou-os em seu volume
leitor neófito, à sua conhecida reclusão de Die Fackel Im Ohr (1980), que pude (re)
e modéstia – no sentido de não buscar encontrar num sebo paulistano em 2012.
o espaço da autopromoção e deixar que 8 ����������������������������������������������
Foram utilizados os seguintes descritores: Ca-
seus livros falem por ele. Outra parte, netti, Elias Canetti, Veza Canetti, Musil, James
muito significativa, pode ser creditada à Joyce, Karl Kraus, Hermann Broch, Língua
consciência dos efeitos que seus escritos, Absolvida, Jogo dos Olhos, Uma luz em meu
sobretudo suas autobiografias, poderiam ouvido, romance de formação, bildungsroman,
romance autobiográfico, autobiografia, Canetti
provocar nos personagens ali retratados,
Bulgária, Canetti Massa, Canetti Metamorfose,
além de retardar ao máximo a publicação Canetti Kafka, Canetti autobiografia, Canetti lite-
de seus escritos autobiográficos, até o ratura alemã, memória de leitura e combinações
ponto em que três deles recebessem de- entre estes descritores.
dicatórias póstumas nos três volumes de 9 ������������������������������������������������
O Levantamento foi feito na biblioteca da Facul-
suas memórias (ao irmão mais novo e as dade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da
suas duas esposas), proibiu a publicação Universidade de São Paulo (USP), no acervo da
imediatamente após seu falecimento de CCS/EDUSP, no Banco de Teses da CAPES,
seus diários e espólio intelectual, que só no sistema BIBinet USP, no Catálogo Athena
da Universidade Estadual Paulista – Júlio de
serão abertos em 2024, trinta anos após
Mesquita Filho (UNESP), no portal SBU Univer-
sua morte (OJEDA, 2012); e proibiu a sidade Estadual de Campinas (UNICAMP), na
publicação de sua autobiografia no Reino Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica
Unido, mesmo após sua consagração com de São Paulo (PUC-SP), no banco de teses da
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É importante ressaltar que este relato de forma mais extensas e com localizações
leitura não é fruto de um memorial inicial precisas de seu uso como elemento de
da tese, mas ���������������������������
como um introito aos resul- comparação com outros autores que
tados de sua pesquisa de doutoramento, trabalharam nas Ciências Humanas, com
nos quais se debate as representações do os conceitos chave presentes no título
menino autor epistolar como exemplos da canettiano. Diferente das abordagens
escrita escolar e da condição autoral neste anteriores, estas revelam certa localização
contexto, no qual são tecidas críticas aos e descaracterização do projeto canettiano
processos escolarizantes que retiram do de crítica à manipulação dos coletivos
sujeito a possibilidade de experimentar, humanos, como sendo um projeto me-
a não ser pela leitura da experiência de nor, seja na comparação com teóricos de
outrem (é um excesso, no qual a autora ofício, que dedicaram mais de uma obra
força por demais as situações vividas por e a própria carreira ao conceito de Poder,
Canetti, a maioria delas não aprendidas como no caso de Michel Foucault (RIBEI-
nem incentivadas pela escola, como pro- RO, 2000). Ou no caso mais evidente de
cessos vividos no ambiente escolar. É o descaracterização do projeto canettiano, a
caso das cartas escritas à mãe ou dos in- tentativa feita por Gustavo Oliveira (2010,
teresses literários e estéticos, muito mais p. 12) de trabalhar Canetti em termos opo-
fruto de sua relação com as moradoras de sitivos aos estudos dos comportamentos
sua pensão, de descobertas individuais e coletivos, da psicologia, que ele acredita
do legado parental). ser imaginativo, pouco sistemático e não
O título O Outro Processo: cartas de muito bem documentado, ignorando o
Kafka a Felice aparece também em um caráter ensaístico do texto Massa e Poder
único e óbvio uso na comunicação Lingua- (2011).
gem, Pensamento, Escrita e Existência Já a abordagem feita do texto Vozes de
– um breve estudo sobre as narrativas Marrakech pelos dois textos identificados,
animalistas de Kafka (ALMEIDA, 2013), A Propaganda Política do Islamismo Xiita
no qual se discute a questão da fala, da (GAULAND, 2007) e Aprender pela Arte
linguagem e do pensamento na relação a Arte de Narrar: educação estética e
entre os sujeitos e a influência destes artística na formação de contadores de
processos na construção das identidades. histórias (ROCHA, 2010), ambas teses
Kafka é o pano de fundo para este debate. de doutoramento na Escola de Comu-
Curiosamente, apesar de inscrever esta nicações e Arte da USP, apontam usos
abordagem sob o signo da Apropriação distintos do mesmo receituário. Gauland
Conceitual Tópica, preciso alertar o leitor (2007) utiliza das imagens construídas
de que há certa arbitrariedade nesta clas- pelo autor viajante em sua estadia num
sificação, pois a autora utiliza Canetti mais país de cultura islâmica – o Marrocos –
como apud, do que como objeto concei- para discutir a representação orientalista
tual a ser trabalhado em seu estudo. No construída no ocidente, que circunscreve
entanto, o mantive aqui por perceber que territorialmente o outro, indicando-lhe o
quase todas as citações indiretas do texto lugar de pertencimento ao exótico, ao
de Kafka apontavam, antes ou depois de diferente de “nós”, sistematizado por Ed-
sua inserção textual, para uma indicação ward W. Said em O Orientalismo (1990).
de como nosso autor leu o autor de A E o texto de Rocha (2010) que, tomando
Metamorfose a partir de suas epístolas à as imagens dos contadores beduínos do
sua pretendente, Felice Bauer. deserto marroquino, propõe uma aproxi-
De modo diferente do apresentado na mação identificadora com fenômeno
categoria Apropriação Incidental, quando semelhante em todo o mundo, que é do
apareciam em enumerações, as citações contador público de história, este que
de Massa e Poder aparecem agora de frequenta as feiras nas periferias de todo
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Neste texto expõe a autora, à luz dos O texto de Silva (1998, p. 51), informa
exemplos canettianos, críticas ao proces- a autora, não está dando continuidade
so formativo e do trabalho do professor, ao texto de Denice Catani (1990-1991),
para o qual se exige racionalidade e mas aproveitando alternativas apresen-
objetividade, deixando à margem a criati- tadas no referido artigo; e discrimina as
vidade, a fruição e a imaginação presen- representações de professor no texto de
tes na atuação de personagens como o Canetti (2010a) como proposições ques-
professor Witz, sujeito da instabilidade tionadoras dos valores impressos em uma
e, por isso, atraente aos olhos do jovem cultura didática (em linhas gerais o artigo
Elias; convoca seus leitores a pensar a pouco avança em relação ao de Catani,
multiplicidade de sentidos impressos no deixando evidente no excesso de citações
tema da formação e a pensar a escola e em considerações que pouco se apar-
como espaço em que comportamentos tam das apresentadas em Pedagogia e
se homogeneízam ao mesmo tempo em Museificação, seu caráter pragmático de
que abre espaço para a diferença; amplia exercício didático de disciplina de pós-
suas críticas ao universo pedagógico graduação que foi publicado).
percebendo-o como espaço que excluí o Somente 19 anos após a publicação
que desconcerta e o que é inesperado: do texto de Denice Catani (1990-1991) é
[…] a pedagogia agarrada à ilusão que teremos, em Educação, outra apro-
dos controles justifica-se elaborando priação de Elias Canetti, mais uma vez de
o discurso do “museu”: classifica e A Língua Absolvida, oriunda de um debate
organiza, isola e dirige o olhar, além metodológico do qual emergirá uma re-
de imprimir os folhetos que ensinam flexão sobre o uso da autobiografia como
a percorrer os conhecimentos sele- fonte para o estudo histórico-educacional
cionados como dignos, destituídos (OSINSKI, 2011).
do seu “poder de sedução e inquie- No texto de Osinski não aparecem
tação” (CATANI, 1990-1991, p. 26). citações de ��������������������������
Catani nem das fontes uti-
E propõe a leitura de A Língua Absolvi- lizadas por estas na elaboração de seu
da (2010a) como leitura provocativa aos artigo, há outras filiações teóricas – e
temas da educação, bem como para o uso mais recentes – que, no entanto, aproxi-
de textos não pedagógicos no desenvol- mam a autora dos escritos desenvolvidos
vimento dos debates sobre o fenômeno no campo da pesquisa (Auto)biográfica
educacional. no país, como Benjamin (1994), Pollak
Este texto, além de inaugurar a apro- (1992), Frago (1999) dentre outros para
priação do autor provocou a abertura o desenvolvimento das discussões sobre
dos estudos sobre o autor na Faculdade narrativa, memória e literatura (OSINSKI,
de Educação USP, como pode relatar 2011). Este trabalho propõe observar na
Aguiar (2010) sobre as leituras feitas, autobiografia de Canetti seu processo
nesta instituição, do referido autor, nos formativo como intelectual no início do
cursos de licenciatura e de pedagogia século XX e de como estes processos são
e, diretamente, influenciou a escrita de indissociáveis da vida do sujeito.
outro texto identificado na categoria AC: Nos três textos não há indicação de que
A Língua Absolvida: uma especulação as produções são fruto de estudos mais
para a formação de professores (1998), verticalizados sobre nosso autor, como tese,
de Marilda da Silva, que informa em nota dissertação ou monografia. Exceto Marilda
ser o artigo uma produção para a disciplina da Silva (1998) que aponta sua inscrição na
Docência, Memória e Gênero, oferecida produção final para uma disciplina de um
pelo programa de pós-graduação em curso de pós–graduação. Esta constatação
educação da FEUSP. nos informa da precariedade dos, assim
chamarei, estudos canettianos no campo o fazemos mais por comodidade e por ser
da educação brasileira, que encontraram o país de seu nascimento, do que por sua
vazão em produções pontuais nas últimas nacionalidade final, a de suíço, também,
três décadas, com interregnos de quase dez anoto, seria difícil inscrevê-lo como austro-
anos entre suas entradas, o que poderia búlgaro-britânico-helvécio, o que seria
significar uma falta de interesse no estudo mais adequado). Identifico neste texto a
do autor de Auto-de-Fé, caso outros campos mesma relevância para o campo das letras
de conhecimento não se interessassem que o trabalho de Catani (1990-1991) tem
também pelo complexo emaranhado, misto para a educação, ambos são textos fun-
de memória, romance e ensaios que carac- dacionais, porém o impacto dos estudos
terizam a produção de Elias Canetti. de Aron (1994) não pode ser percebido
No campo dos Estudos Literários é através de citações em outros textos.
preciso ressaltar o trabalho de divul- Há, ainda, no campo dos Estudos
gação do autor perpetrado por Irene Aron Literários, uma tese de doutoramento
(1994a; 1994b; 1995) junto à Faculdade que faz uso extensivo de dois livros de
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Canetti, em língua alemã, Die Gerettete
da Universidade de São Paulo (FFLCH/ Zunge (A Língua Absolvida) e Die Fackel
USP). A autora publica no início textos im Ohr (Uma Luz em Meu Ouvido), de Luis
no formato de comunicação durante a Sérgio Krausz (2006), que busca nos dois
Semana de Literatura Alemã, Auto-de-Fé primeiros volumes da autobiografia canet-
(1994b) e Elias Canetti: testemunho de um tiana, ecos do modo de vida dos judeus
sobrevivente (1995), textos que informam, alemães no final do século XIX e início do
respectivamente, sobre a importância da século XX. Canetti é o principal informante
leitura do romance e da autobiografia de do modus operandi da vida vienense da
Canetti, tratam-se mais de textos informa- tese de Krausz (2006), no entanto, como
tivos que de análise, o que não é o caso de a tese se dedica a outro autor, Joseph
Elias Canetti: um destino judaico (1994a), Roth, as inserções dos livros canettianos
publicado pela Revista USP. citados aparecem como elementos para
Neste artigo (1994a), ela oferece ao lei- se melhor compreendê-lo.
tor importantes questões sobre a recepção No campo da Psicologia aparecem a
canettiana na Alemanha (e nos países tese de doutoramento de Waisberg (2008)
de expressão germânica), na Inglaterra e e a dissertação de mestrado de Salvador
Estados Unidos e no Brasil, reforçando a (2011). A primeira, por se tratar de um
representação de nosso autor como um texto estudo sobre Robert Musil, faz uso
personagem da diáspora judaica, exemplo das autobiografias de Canetti, em espe-
de sujeito cosmopolita e autor de expres- cial de O Jogo dos Olhos, como fonte de
são alemã (isso pode parecer estranho informação sobre Robert Musil, contem-
de se dizer de um autor de língua alemã, porâneo e amigo não muito próximo de
mas Canetti demorou em ser reconhecido Canetti. A dissertação de Salvador (2011)
como autor de língua alemã justamente trabalha o texto Auto-de-fé de Canetti
por seu trânsito transnacional como exila- como metáfora da decadência germânica
do11, apesar de identificá-lo como búlgaro, do período que antecedeu o avanço do
nazismo. Ambos os textos aproximam o
universo da literatura das Humanidades,
11 Antes de aprender alemão, já adolescente, percebendo o texto literário mais como
Canetti falava ladino, búlgaro, inglês e francês. campo que recurso de citação.
Escrever pois, em alemão foi, de fato, uma escol-
ha, uma escolha afetiva motivada pela memória Os textos identificados sob a categoria
da língua secreta, símbolo do amor dos pais, Apropriação de Conteúdo expõe o caráter
os quais só falavam alemão nos momentos de interdisciplinar das abordagens empíricas
intimidade e felicidade (CANETTI, 2010a).
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dos textos de Elias Canetti, cujos escritos nos chegam das mais diversas matrizes
vem funcionando a mais de duas décadas conceituais e nacionais, deixando rastros
como informante do zeitgeist da cultura nas áreas das humanidades.
europeias do período entreguerras, do fin- No caso de Canetti é perceber como
de-siècle e das formas de educação - e for- seus textos ultrapassam a abordagem
mação – dos sujeitos letrados dos círculos óbvia que teriam no campo dos Estudos
da elite intelectual das primeiras décadas do Literários e encontram caminhos e senti-
século XX em grandes centros econômicos dos em outros campos de conhecimento,
e políticos da Europa, de leste a oeste, do o que nos diz alguma coisa sobre o caráter
centro a periferia, as quais circulou ora como não fechado de seus textos e de sua liber-
migrante ora fugindo das consequências do dade, mas também da capacidade criativa
conflito em o Reich e os Aliados. de nossos pesquisadores, que abordam
De certa forma, também nos diz do de forma não ortodoxa a obra canettiana.
quão pouco explorado ainda é o estudo Ainda, um levantamento dessa natureza
de Canetti no Brasil, o que ainda pode contribui, como exemplo para que pesqui-
ser aprofundado e diversificado, no sen- sas que tenham nosso autor como objeto
tido de dar ao autor de Massa e Poder a de estudo e teórico de fundamentação
relevância que já possui em outros locus possam encontrar um ponto de partida,
de produção acadêmica. no qual se possa identificar heurística das
abordagens de Canetti no país e que o
mesmo esforço comece a ser desenvolvido
Considerações Finais em outros países. Também, assim espero,
este trabalho, possa servir de exemplo para
Os trabalhos de Elias Canetii encontra- que outros processos de apropriação de
ram muitas e múltiplas formas de manifes- outros autores venham a ser feitos, contri-
tação no universo acadêmico brasileiro, buindo assim para a melhor compreensão
entender suas formas de apropriação da leitura, recepção, apropriação e – por
pode nos ajudar a melhor compreender que não? – influência que determinados
os processos de circulação e desenvol- escritores, ensaístas e teóricos exerçem
vimento dos diversos receituários teóri- sobre campos de conhecimento, universi-
cos, representacionais e literários que dades e professores brasileiros.
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