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O texto que se segue foi publicado ano passado pela professora Cidinha

Brittono no blog O que há na História. Em função do 15 de novembro, data


em que se comemora a proclamação da República, e da necessidade de um
olhar crítico sobre este importante momento de nossa história, resolvemos
republicá-lo.

INTRODUÇÃO

JOSÉ MURILO DE CARVALHO INICIA SEU LIVRO “OS


BESTIALIZADOS – O RIO DE JANEIRO E A REPÚBLICA
QUE NÃO FOI” CITANDO ARISTIDES LOBO, QUE DE
ACORDO COM SUA FALA: NA OCASIÃO DA
REPÚBLICA, ASSISTIRA OS ACONTECIMENTOS
“BESTIALIZADO, SEM COMPREENDER O QUE SE
PASSAVA, JULGANDO VER TALVEZ UMA PARADA
MILITAR”. EM OUTRAS PALAVRAS O NOVO REGIME,
OU SEJA, A REPÚBLICA, TERIA PASSADO
DESPERCEBIDO ÀQUELA SOCIEDADE. ELE TAMBÉM
CITA O FRANCÊS LOUIS COUTY QUE CONSIDERAVA O
PAÍS ÓRFÃO, POIS SEGUNDO ELE, “O BRASIL NÃO
TEM POVO”. CONFORME ESSA VISÃO O POVO
BRASILEIRO NÃO TINHA NENHUMA CONSCIÊNCIA
POLÍTICA E ESTAVA COMPLETAMENTE ALHEIO ÀS
TRANSFORMAÇÕES QUE OCORRIAM À SUA VOLTA,
MESMO A POPULAÇÃO DO RIO DE JANEIRO.

CAPÍTULO I – O RIO DE JANEIRO E A REPÚBLICA

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO E A PROCLAMAÇÃO DA


REPÚBLICA TROUXERAM MUDANÇAS DRÁSTICAS
QUE AFETARAM TODO O PAÍS E
CONSEQUENTEMENTE, SUA CAPITAL. HOUVE UM
AUMENTO NO NÚMERO DE HABITANTES, PORQUE OS
NEGROS, AGORA CIDADÃOS LIVRES, MIGRAVAM
PARA A CIDADE DO RIO DE JANEIRO EM BUSCA DE
TRABALHO. TAMBÉM HOUVE UM AUMENTO NO
NÚMERO DE ESTRANGEIROS, PRINCIPALMENTE DE
PORTUGUESES. […] “EM 1890, 28,7% DA POPULAÇÃO
ERA NASCIDA NO EXTERIOR E 26% DE OUTRAS
REGIÕES DO BRASIL. ASSIM APENAS 45% DA
POPULAÇÃO ERA NASCIDA NA CIDADE”. COM O
CRESCIMENTO POPULACIONAL OS TRABALHADORES
TIVERAM QUE SE ADAPTAR A NOVAS CONDIÇÕES DE
VIDA: TRABALHO ESCASSO E BAIXOS SALÁRIOS;
FALTA DE MORADIA, ÁGUA, SANEAMENTO BÁSICO.
SEM AS CONDIÇÕES DE HIGIENE, A POPULAÇÃO
ENFRENTOU UM SURTO DE EPIDEMIAS QUE FOI O
MAIOR DE TODOS OS TEMPOS, NA CIDADE. NO ANO
DE 1891, VARÍOLA, FEBRE AMARELA, MALÁRIA E A
TUBERCULOSE, TROUXERAM DEVASTAÇÃO, COM UM
ÍNDICE DE 5,2% DE MORTES.

APÓS A ABOLIÇÃO SURGIRAM MUITOS PROBLEMAS


ECONÔMICOS QUE, CONTRIBUÍRAM PARA UMA
“FEBRE ESPECULATIVA”. DESDE O IMPÉRIO, VINHA
SENDO EMITIDO DINHEIRO PARA PAGAMENTO DE
SALÁRIOS, QUE AGORA OS CAFEICULTORES TINHAM
QUE DISPOR. […] “POR DOIS ANOS, O NOVO REGIME
PARECEU UMA AUTÊNTICA REPÚBLICA DE
BANQUEIROS, ONDE A LEI ERA ENRIQUECER A TODO
CUSTO COM DINHEIRO DE ESPECULAÇÃO” (PÁG.
20). A INFLAÇÃO, A QUEDA DO CÂMBIO, O AUMENTO
DA IMIGRAÇÃO FEZ AUMENTAR O CUSTO DE VIDA,
ALÉM DOS PREÇOS ALTOS, OS MORADORES DA
CIDADE DO RIO TINHAM DE LIDAR COM A
CONSTANTE DISPUTA POR TRABALHO, O QUE FOI A
CAUSA DO SURGIMENTO DO MOVIMENTO JACOBINO
EM 1898.

[…] “OS PRIMEIROS ANOS DA REPÚBLICA FORAM DE


REPETIDAS AGITAÇÕES E DE QUASE PERMANENTE
EXCITAÇÃO PARA OS FLUMINENSES. OS MILITARES
JULGARAM-SE DONOS E SALVADORES DA
REPÚBLICA, COM O DIREITO DE INTERVIR ASSIM
QUE LHES PARECESSE CONVENIENTE. REBELAVAM-
SE QUARTÉIS, REGIMENTOS, FORTALEZAS, NAVIOS, A
ESCOLA MILITAR, A ESQUADRA NACIONAL EM PESO.
[…] OS OPERÁRIOS, OU PARTE DELES,
ACREDITARAM NAS PROMESSAS DO NOVO REGIME,
TENTARAM SE ORGANIZAR EM PARTIDOS,
PROMOVERAM GREVES, SEJA POR MOTIVOS
POLÍTICOS, SEJA POR DEFESA DE SEU PODER
AQUISITIVO ERODIDO PELA INFLAÇÃO.
FERROVIÁRIOS, MARÍTIMOS, ESTIVADORES,
COCHEIROS E CONDUTORES DE BONDES FIZERAM
SUA ENTRADA NO CENÁRIO POLITICO,
PROMOVENDO AS PRIMEIRAS PARALISAÇÕES DA
CAPITAL. PEQUENOS PROPRIETÁRIOS,
EMPREGADOS, FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS TAMBÉM
SE MOBILIZARAM PELA PRIMEIRA VEZ NO BOJO DA
XENOFOBIA FLORIANISTA, ORGANIZANDO CLUBES
JACOBINOS E BATALHÕES PATRIÓTICOS.” (PP. 22 E
23).

AINDA NESSE CLIMA DE TENSÃO, HAVIA OS


CAPOEIRAS, E OS ANARQUISTAS ESTRANGEIROS, OS
CAPOEIRAS QUE NÃO ENCARARAM A PRISÃO,
FORAM, ASSIM COMO OS ANARQUISTAS,
DEPORTADOS. NÃO PODEMOS ESQUECER-NOS DA
REAÇÃO DOS INTELECTUAIS,  INFLUENCIADOS PELO
LIBERALISMO, POSITIVISMO E AINDA PELO
SOCIALISMO, QUE INVADIRAM A CÂMARA
MUNICIPAL EM 15 DE NOVEMBRO DE 1889,
“ENVIARAM UM MANIFESTO DE APOIO AO GOVERNO
PROVISÓRIO, EM QUE SE REFERIAM À ALIANÇA
ENTRE OS HOMENS DE LETRA E O POVO”. NO
GOVERNO DE FLORIANO PEIXOTO, DIVIDIRAM-SE E
TIVERAM DE FUGIR PARA QUE NÃO SEREM PRESOS
POR CAUSA DE SUAS IDEIAS. DE ACORDO COM O
AUTOR, AS TRANSFORMAÇÕES TAMBÉM SE
ESTENDERAM ÀS ELITES:

  “[…] A MUDANÇA PARECE TER SIDO IMPORTANTE,


SOBRETUDO NO QUE SE REFERE A PADRÕES DE
MORAL E HONESTIDADE. […] PODERÍAMOS DIZER
QUE SE DEU UMA VITÓRIA DO CAPITALISMO
DESACOMPANHADO DA ÉTICA PROTESTANTE. A
QUEBRA DE VALORES ANTIGOS FOI TAMBÉM
ACELERADA NO CAMPO DA MORAL E DOS
COSTUMES. […]” (PP. 26 E 27).

CONTRADITORIAMENTE SE POR UM LADO O


GOVERNO PERSEGUIA OS CAPOEIRAS, REPRIMIA O
JOGO E TENTAVA ACABAR COM O ENTRUDO, POR
OUTRO, APADRINHAVA A “JOGATINA DA BOLSA”. “O
FATO DE A REPÚBLICA TER FAVORECIDO O GRANDE
JOGO DA BOLSA E PERSEGUIDO CAPOEIRAS E O
PEQUENO JOGO DE BICHEIROS SUGERE UMA
RECEPÇÃO DIFERENTE DO NOVO REGIME POR
PARTE DO QUE PODERIA SER CHAMADO DE
PROLETARIADO DA CAPITAL”. HAVIA UM EMPENHO
POR PARTE DOS SETORES PRIVILEGIADOS, EM
ANULAR O PODER DE INFLUÊNCIA DO RIO DE
JANEIRO SOBRE OS ESTADOS POR CONTA DE
INTERESSES ECONÔMICOS PRINCIPALMENTE OS
DIRETAMENTE RELACIONADOS À EXPORTAÇÃO.

“A SOLUÇÃO PARA CAMPOS SALES ERA FORMAR UM


GRANDE PARTIDO DE GOVERNO COM SUSTENTAÇÃO
NAS OLIGARQUIAS ESTADUAIS. O PRÓPRIO
PRESIDENTE RESUMIU…” (PP. 33).  […] “É DE LÁ
[DOS ESTADOS] QUE SE GOVERNA A REPÚBLICA,
POR CIMA DAS MULTIDÕES QUE TUMULTUAM
AGITADAS, NAS RUAS DA CAPITAL DA UNIÃO”
(CITAÇÃO DE CITAÇÃO, PP. 33).

O GOVERNO DE CAMPOS SALES CONSEGUIU


ESTABILIZAR A ECONOMIA E PRODUZIR UM
EXCEDENTE FINANCEIRO QUE POSSIBILITOU A
EXECUÇÃO DE OBRAS “DE SANEAMENTO E
EMBELEZAMENTO DA CIDADE”. AS REFORMAS
MODIFICARAM O CENTRO DA CIDADE E OS
MORADORES QUE JÁ VIVIAM “AMONTOADOS”
TIVERAM QUE SE DESLOCAR PARA A PERIFERIA.

“MAS, SE O NOVO RIO CRIADO PELA REPÚBLICA


AUMENTAVA A SEGMENTAÇÃO SOCIAL E
DISTANCIAMENTO ESPACIAL DA POPULAÇÃO, AS
REPÚBLICAS DO RIO, VINDAS DO IMPÉRIO,
CONTINUARAM A VIVER […] EM CERTOS MOMENTOS,
ELAS PODIAM MANIFESTAR-SE POLITICAMENTE E DE
MODO VIOLENTO, TODAVIA, NA MAIORIA DAS VEZES
ELAS CRESCIAM EM MOVIMENTOS LENTOS E
SUBTERRÂNEOS… […] DAS REPÚBLICAS RENEGADAS
PELA REPÚBLICA FORAM SURGINDO OS ELEMENTOS
QUE CONSTITUIRIAM UMA PRIMEIRA IDENTIDADE
COLETIVA DA CIDADE, MATERIALIZADA NAS
GRANDES CELEBRAÇÕES DO CARNAVAL E DO
FUTEBOL” (PP. 41).

CAPÍTULO II – REPÚBLICA E CIDADANIAS

A REPÚBLICA ABRIU MÃO DA EXIGÊNCIA DE RENDA


PARA O ELEITORADO, MAS MANTEVE A EXIGÊNCIA
DE ALFABETIZAÇÃO. NO ENTANTO, NÃO PROMOVIA
ESSA ALFABETIZAÇÃO, SENDO ASSIM OS CIDADÃOS
NÃO PODIAM USUFRUIR O DIREITO DO VOTO.
INFLUENCIADA PELA CONSTITUIÇÃO FRANCESA DE
1791, A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA “SEPARAVA” OS
CIDADÃOS BRASILEIROS EM: CIDADÃOS ATIVOS,
QUE POSSUÍAM DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS; E
CIDADÃOS INATIVOS, QUE SÓ POSSUÍAM OS
DIREITOS CIVIS E NÃO ERAM CONSIDERADOS APTOS
PARA OPINAR SOBRE QUESTÕES POLÍTICAS.

O MOVIMENTO REPUBLICANO ERA COMPOSTO POR


VÁRIOS SEGUIMENTOS DA SOCIEDADE DENTRE
ELES: “ESCRAVOCRATAS E ABOLICIONISTAS,
MILITARES E CIVIS, FAZENDEIROS, ESTUDANTES,
PROFISSIONAIS LIBERAIS, PEQUENOS
COMERCIANTES” UNIDOS PELO MESMO IDEÁRIO. EM
1890, COM INCENTIVO DOS POSITIVISTAS, CRIOU-SE
O PARTIDO OPERÁRIO, PARA DEFESA DE SEUS
DIREITOS “DENTRO DAS REGRAS DO SISTEMA
REPRESENTATIVO”. O PARTIDO CONSEGUIU MUDAR
O CÓDIGO PENAL A SEU FAVOR, AS GREVES E A
COLIGAÇÃO OPERÁRIA JÁ NÃO ESTARIAM NA
ILEGALIDADE. “VÁRIAS TENTATIVAS FORAM FEITAS
NAS DUAS PRIMEIRAS DÉCADAS REPUBLICANAS DE
FORMAR PARTIDOS SOCIALISTAS OPERÁRIOS, TANTO
NO RIO QUANTO EM SÃO PAULO E OUTROS
ESTADOS, NENHUMA DELAS COM ÊXITO” (PP. 55).

“[…] AS PROPOSTAS DAS ORGANIZAÇÕES ERAM AS


DO SOCIALISMO DEMOCRÁTICO, NENHUMA DELAS
TEVE LONGA VIDA, MUITAS NÃO CHEGARAM A
COMPLETAR UM ANO. […] OS SOCIALISTAS
BRASILEIROS VIRAM-SE ENTRE DOIS FOGOS: DE UM
LADO OS QUE DEFENDIAM A COOPERAÇÃO DIRETA
COM O GOVERNO, A ESTADANIA; DE OUTRO, OS
ANARQUISTAS QUE REJEITAVAM TOTALMENTE O
SISTEMA POLÍTICO” (PP. 56).

CAPÍTULO III – CIDADÃOS INATIVOS: A


ABSTENÇÃO ELEITORAL

O AUTOR PROPÕE UMA ANÁLISE DAQUELES QUE


ELE CHAMA DE “CANDIDATOS A CIDADÃOS” E DO
SEU COMPORTAMENTO FRENTE ÀS QUESTÕES
POLÍTICAS A PARTIR DA FALA DE ALGUNS
OBSERVADORES COMO: LOUIS COUTY, BIÓLOGO
FRANCÊS – “O BRASIL NÃO TEM POVO”; BLONDEL –
O POVO, “ANTES SURPRESO QUE ENTUSIASMADO,
NÃO PODE COMPREENDER O QUE SE PASSA”; O EX-
EMBAIXADOR AMELOT – “NO RIO NÃO HÁ NEM
POVO, NEM OPERÁRIOS, NEM ARTÍFICES, [APENAS]
ALGUMAS PESSOAS DE COR, FÁCEIS PRETORIANOS
CUJAS ACLAMAÇÕES SE COMPRAM A BAIXO PREÇO”;
ADAM, REPRESENTANTE INGLÊS: “O GROSSO DA
POPULAÇÃO NÃO SE INTERESSA POR POLÍTICA, OS
MILITARES PODERÃO IMPOR QUALQUER GOVERNO
QUE O POVO ACEITARÁ COM SUBMISSÃO COMO
ACEITOU A REPÚBLICA EM NOVEMBRO DE 1889”; E
RAUL POMPÉIA, ESSE, BRASILEIRO – “QUEM
OBSERVA O BRASIL DIRIA QUE ELE ESTÁ MORTO”,
POIS “O ESPÍRITO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO É
UM AUSENTE”.

TAIS DECLARAÇÕES CONTINHAM INTENSO TEOR


PRECONCEITUOSO EM RELAÇÃO AO POVO
BRASILEIRO, QUE SEGUNDO ELES, NÃO PASSAVAM
DE “MASSA DE MANOBRA” NAS MÃOS DAS CLASSES
DOMINANTES. OBVIAMENTE, O CIDADÃO AQUI
IDEALIZADO TINHA OS MOLDES EUROPEUS E ESSE,
NÃO EXISTIA MESMO. MAS EXISTIA UM POVO ATIVO
“DESDE A INDEPENDÊNCIA…, SOBRETUDO
DURANTE O PRIMEIRO REINADO E A REGÊNCIA”. É
SABIDO QUE SUA PARTICIPAÇÃO NÃO FOI A
ESPERADA NA OCASIÃO DA PROCLAMAÇÃO DA
REPÚBLICA, TENDO DEPOIS DISSO, MARCADO
PRESENÇA ATRAVÉS DE MANIFESTAÇÕES
POPULARES. AQUELES QUE ANTES DUVIDAVAM DA
EXISTÊNCIA DO POVO, AGORA JUSTIFICAVAM ESSAS
MANIFESTAÇÕES DIZENDO QUE:

[…] “O PROBLEMA NÃO ERA A AUSÊNCIA DE POVO:


ERA POVO DEMAIS. “AQUI HÁ POVO: HÁ MAIS QUE
POVO: HÁ POVOS”. ENTRE OS POVOS, HAVIA O BOM
E O MAL POVO: O BOM ERA O BRASILEIRO
REPUBLICANO, NACIONALISTA, FLORIANISTA; O
MAL, O ESTRANGEIRO, PRINCIPALMENTE O
PORTUGUÊS, ANTINACIONAL, MONARQUISTA OU, NA
MELHOR DAS HIPÓTESES, POLITICAMENTE APÁTICO:
“OS POVOS, PORTANTO, NÃO COMPARECEM ÀS
MANIFESTAÇÕES EM QUE O POVO SE MANIFESTE
POR FLORIANO; E ASSIM A MULTIDÃO QUE
COMPARECE PROPORCIONALMENTE À QUE EXISTE
NA CIDADE PARECE PEQUENA” (PP. 73).

O POVO DOS CENSOS

O AUTOR BUSCA UM DIAGNÓSTICO DA SOCIEDADE


DO RIO DE JANEIRO A PARTIR DOS CENSOS DE 1890
E O DE 1906. ELE FOCA NA DIVISÃO DAS CLASSES:
NO TOPO ESTAVAM OS BANQUEIROS, CAPITALISTAS
E PROPRIETÁRIOS; NUM SETOR MÉDIO –
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS, COMERCIÁRIOS,
PROFISSIONAIS LIBERAIS, ARTISTAS, OPERÁRIOS DO
ESTADO, TRABALHADORES DAS INDÚSTRIAS TÊXTEIS
E EMPREGADOS DA ÁREA DE TRANSPORTES; E A
CLASSE MAIS BAIXA COMPOSTA POR
TRABALHADORES DOMÉSTICOS, JORNALEIROS, E
PESSOAS SEM PROFISSÃO CONHECIDA OU MAL
DEFINIDAS. VALE RESSALTAR QUE DENTRE OS
PROLETÁRIOS, METADE ERAM ESTRANGEIROS,
SENDO 20% NATURALIZADOS BRASILEIROS SEGUNDO
A GRANDE LEI DA NATURALIZAÇÃO.

O POVO POLÍTICO

PELO MENOS 80% DA POPULAÇÃO FICOU SEM


VOTAR, A PEQUENA PARTICIPAÇÃO DEVEU-SE ÀS
RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA REPÚBLICA, ISTO É,
ANALFABETOS E MULHERES NÃO PODIAM EXERCER
ESSE DIREITO. E A UM GRANDE NÚMERO DE
CIDADÃOS CONSIDERADOS APTOS PARA VOTAR, MAS
QUE SE MOSTRARAM INDIFERENTES, SEJA PELA
FRAUDE ELEITORAL QUE NÃO ERA NOVIDADE, OU
POR TEMEREM REPRESÁLIAS POR PARTE DOS
CANDIDATOS QUE CONTRATAVAM CAPOEIRAS PARA
VIGIAREM O POVO DURANTE AS ELEIÇÕES. COMO
NÃO HAVIA INTERESSE DA POPULAÇÃO EM VOTAR,
TAMBÉM NÃO HAVIA PARTIDOS POLÍTICOS.
“O EXERCÍCIO DA CIDADANIA POLÍTICA TORNAVA-
SE ASSIM CARICATURA. O CIDADÃO REPUBLICANO
ERA O MARGINAL MANCOMUNADO COM OS
POLÍTICOS; OS VERDADEIROS CIDADÃOS
MANTINHAM-SE AFASTADOS DA PARTICIPAÇÃO NO
GOVERNO DA CIDADE E DO PAÍS. OS
REPRESENTANTES DO POVO NÃO REPRESENTAVAM
NINGUÉM, OS REPRESENTADOS NÃO EXISTIAM, O
ATO DE VOTAR ERA UMA OPERAÇÃO DE
CAPANGAGEM” (PP. 89).

CAPÍTULO IV – CIDADÃOS ATIVOS: A REVOLTA DA


VACINA

COM A SAÍDA DE CAMPOS SALES DO GOVERNO,


RODRIGO ALVES SEU SUCESSOR, INICIOU UM
PROGRAMA DE OBRAS NA CIDADE. DEU “CARTA
BRANCA” “AO ENGENHEIRO PEREIRA PASSOS,
NOMEADO PREFEITO, E PARA O MÉDICO OSWALDO
CRUZ, NOMEADO DIRETOR DO SERVIÇO DE SAÚDE
PÚBLICA”. A PRIMEIRA PROVIDÊNCIA DO MÉDICO
OSWALDO CRUZ FOI COMBATER A FEBRE AMARELA,
ATRAVÉS DA EXTINÇÃO DOS MOSQUITOS E DO
ISOLAMENTO DOS DOENTES EM HOSPITAIS. FEZ A
DESINFECÇÃO DAS RUAS E CASAS PARA
EXTERMINAR RATOS E PULGAS A FIM DE COMBATER
A PESTE BUBÔNICA. O PREFEITO PEREIRA PASSOS,
POR SUA VEZ, COM O INTUITO DE FAZER DO RIO,
UMA “PARIS” COMEÇOU UMA ONDA DE “LIMPEZA”
NA CIDADE:

[…] “PROIBIU CÃES VADIOS E VACAS LEITEIRAS NAS


RUAS; MANDOU RECOLHER A ASILOS OS MENDIGOS;
PROIBIU A CULTURA DE HORTAS E CAPINZAIS, A
CRIAÇÃO DE SUÍNOS, A VENDA AMBULANTE DE
BILHETES DE LOTERIA. MANDOU TAMBÉM QUE NÃO
SE CUSPISSE NAS RUAS E DENTRO DOS VEÍCULOS,
QUE NÃO SE URINASSE FORA DOS MICTÓRIOS, QUE
NÃO SE SOLTASSE PIPAS” […] (PP. 95).

A REVOLTA

NESTE MESMO PERÍODO OSWALDO CRUZ DEU


INÍCIO A CAMPANHA DE VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA
CONTRA A VARÍOLA. NÃO ERA A PRIMEIRA VEZ QUE
A VACINA SE TORNAVA OBRIGATÓRIA, MAS ATÉ
ENTÃO, A POPULAÇÃO SEMPRE ENCONTROU UM
MEIO DE NÃO ADERIR. SENDO ASSIM, O GOVERNO
LEVOU UM PROJETO DE OBRIGATORIEDADE AO
SENADO, QUE MESMO NÃO TENDO UNANIMIDADE
NOS VOTOS, FOI APROVADO. OS JORNAIS CORREIO
DA MANHÃ E O COMMÉRCIO DO BRAZIL FORAM
FERRENHOS NO COMBATE A ESSA LEI. […] “EM 1904,
NA IMINÊNCIA DA NOVA LEI, RECORRERAM A
VERDADEIRO TERRORISMO IDEOLÓGICO,
APONTANDO NA VACINA INÚMEROS PERIGOS PARA A
SAÚDE, TAIS COMO CONVULSÕES, DIARREIAS,
GANGRENAS, OTITES, DIFTERIA, SÍFILIS, EPILEPSIA,
MENINGITE, TUBERCULOSE” […].

FORAM ENVIADOS AO CONGRESSO, VÁRIOS ABAIXO-


ASSINADOS, ORGANIZADOS POR EMPRESAS OU POR
ASSOCIAÇÕES OPERÁRIAS REIVINDICANDO O FIM DA
EXIGÊNCIA. QUESTIONAVA-SE A BUROCRACIA PARA
A VACINAÇÃO COM UM MÉDICO PARTICULAR (PARA
AQUELES QUE PODIAM PAGAR POR ISSO). NESSE
CASO “O ATESTADO TERIA DE TER FIRMA
RECONHECIDA”.

“O ATESTADO DE VACINA ERA EXIGIDO PARA TUDO:


MATRÍCULA EM ESCOLAS, EMPREGO PÚBLICO,
EMPREGO DOMÉSTICO, EMPREGO NAS FÁBRICAS,
HOSPEDAGEM EM HOTÉIS E CASAS DE CÔMODOS,
VIAGEM, CASAMENTO, VOTO, ETC. MULTAS ERAM
PREVISTAS PARA OS RECALCITRANTES. […] HOUVE
REAÇÃO VIOLENTA. O PAIZ FICOU ALARMADO.
OSWALDO CRUZ FOI TACHADO PELO JORNAL DE
CIENTISTA DESLIGADO DAS REALIDADES DO PAÍS
[…] A ESSA ALTURA A REVOLTA JÁ ESTAVA NA RUA”
(PP. 99 E 100).

OS REVOLTOSOS

AO CORREIO DA MANHÃ REFERINDO-SE À


POPULAÇÃO COMO “O POVO” OS POPULARES,
“INTERESSAVA-LHE DEMONSTRAR A IDENTIDADE
SOCIAL E DE INTERESSES ENTRE A POPULAÇÃO EM
GERAL E OS MILITARES, A FIM DE LEGITIMAR A
TOMADA DE PODER PELOS ÚLTIMOS”. O PAIZ POR
SUA VEZ TENTA MOSTRAR “A REVOLTA COMO
EXPLORAÇÃO INESCRUPULOSA DA POPULAÇÃO
IGNORANTE POR PARTE DOS POLÍTICOS E
MILITARES AMBICIOSOS E ATRIBUIR A AÇÃO DE RUA
ÀS CLASSES PERIGOSAS” (PP. 114). PARA RUI
BARBOSA E OLAVO BILAC, “O VERDADEIRO POVO”
NÃO PARTICIPOU DA REVOLTA, MAS AS “MASSAS
INCULTAS”, QUE FORAM ENVOLVIDAS NO TUMULTO.
E VICENTE DE SOUZA DIZIA QUE “A REAÇÃO À
VACINA FOI INICIATIVA POPULAR IRRESISTÍVEL QUE
NINGUÉM PODERIA NEM IMPELIR NEM DETER” (PP.
115 E 116).

OS MOTIVOS

EXISTEM ALGUMAS TEORIAS SOBRE OS MOTIVOS DA


REVOLTA DA VACINA. HÁ QUEM DIGA QUE AS
RAZÕES FORAM ECONÔMICAS. OUTROS DEFENDEM
QUE O DESCASO DO GOVERNO FRENTE ÀS
DIFICULDADES DA POPULAÇÃO TERIA MOTIVADO A
REVOLTA, O QUE PODE SER FACILMENTE
REFUTADO, JÁ QUE RODRIGUES ALVES
CONSEGUIRA  RETOMAR O CRESCIMENTO. HÁ AINDA
A REFORMA URBANA COMO POSSÍVEL CAUSA DA
REVOLTA, MAIS UMA VEZ NÃO PARECE SER ESSA A
EXPLICAÇÃO.  AO QUE TUDO INDICA, O MOTIVO DA
REVOLTA FOI MESMO A IMPOSIÇÃO DA LEI QUE
OBRIGAVA A VACINAÇÃO DE TODOS OS CIDADÃOS. A
POPULAÇÃO TEMIA POSSÍVEIS EFEITOS COLATERAIS
DA VACINA, ALÉM DISSO, NÃO FORA
SUFICIENTEMENTE INFORMADA SOBRE OS
PROCEDIMENTOS DA DESINFECÇÃO DAS CASAS.

[…] “MAS O QUE TALVEZ MAIS TENHA ATINGIDO A


POPULAÇÃO FOI O TOM MORALISTA EMPRESTADO À
CAMPANHA JÁ VISÍVEL NO DISCURSO DE VICENTE
DE SOUZA NO DIA 5 DE NOVEMBRO. BUSCOU-SE
ENTÃO EXPLORAR A IDEIA DA INVASÃO DO LAR E DA
OFENSA À HONRA DO CHEFE DE FAMÍLIA AUSENTE
AO SE OBRIGAREM SUAS FILHAS E MULHER A SE
DESNUDAREM PERANTE ESTRANHOS” […] (PP. 131).

A REVOLTA OBRIGOU O GOVERNO A RETIRAR A


ORDEM DE OBRIGATORIEDADE DA VACINA. O POVO
BRASILEIRO CONSEGUIU SE FAZER OUVIR E EMBORA
NÃO TENHA CONSEGUIDO TODAS AS MUDANÇAS
POLÍTICAS QUE COM CERTEZA ANSIAVAM, “ELA
CERTAMENTE DEIXOU ENTRE OS QUE DELA
PARTICIPARAM UM SENTIMENTO DE ORGULHO E
AUTOESTIMA, PASSO IMPORTANTE NA FORMAÇÃO
DA CIDADANIA”.

CAPÍTULO V – BESTIALIZADOS OU BILONTRAS?

DE ACORDO COM OS REFORMISTAS A POPULAÇÃO


DO RIO NÃO  PARECIA CONSCIENTE DOS DIREITOS E
DEVERES PRÓPRIOS DO CIDADÃO ATIVO. A
INTERPRETAÇÃO DOS REFORMISTAS ERA ERRÔNEA,
PORQUE OS CIDADÃOS SABIAM DEFENDER SEUS
DIREITOS E CUMPRIR SEU PAPEL NA SOCIEDADE,
PORÉM NÃO DA MANEIRA ESPERADA.
“O ESPÍRITO ASSOCIATIVO MANIFESTAVA-SE
PRINCIPALMENTE NAS SOCIEDADES RELIGIOSAS E
DE AUXÍLIO MÚTUO. O NÚMERO E A DIMENSÃO
DESSAS SOCIEDADES SÃO SURPREENDENTES. […]
MESMO AS ASSOCIAÇÕES MODERNAS MANTINHAM
AINDA UM ASPECTO DE GRUPO PRIMÁRIO E
ASSISTENCIAL. O PONTO ERA MAIS VISÍVEL NAS
ASSOCIAÇÕES OPERÁRIAS. FOI GRANDE A LUTA DAS
LIDERANÇAS PARA TRANSFORMAR ORGANIZAÇÕES
DE ASSISTÊNCIA E COOPERAÇÃO EM ÓRGÃOS DE
LUTA OU DE RESISTÊNCIA. A LUTA DA LIDERANÇA
RADICAL CONTRA O ASSISTENCIALISMO, O
COOPERATIVISMO, ERA ÁRDUA E FREQUENTEMENTE
INGLÓRIA” (PP. 143 E 154).

O JACOBISMO, CASO FOSSE UM MOVIMENTO BEM


CONSTITUÍDO PODERIA TER CONTRIBUÍDO
POLITICAMENTE DE MANEIRA SIGNIFICATIVA, O
QUE NÃO ACONTECEU POR SEU CARÁTER
INCOERENTE, MAIS VOLTADO PARA O FANATISMO. 
“A POPULAÇÃO DO RIO FOI CONSTRUINDO
ALGUMAS OCASIÕES DE AUTO RECONHECIMENTO
DENTRO DA METRÓPOLE MODERNA QUE AOS
POUCOS SE FORMAVA”. O INTERCÂMBIO CULTURAL
ENTRE POBRES E RICOS, BRANCOS E NEGROS IA AOS
POUCOS DESTRUINDO AS “VELHAS BARREIRAS E
DERROTANDO AS NOVAS, QUE SE TENTAVAM IMPOR
COM A REFORMA URBANA”.

NO ENTANTO, O POVO NÃO SE ENVIA


POLITICAMENTE, O PODER NÃO LHES FAZIA
SENTIDO NENHUM, NÃO LEVAVAM A REPÚBLICA A
SÉRIO. PARA ELES, “O BESTIALIZADO ERA QUEM
LEVASSE A POLÍTICA A SÉRIO, ERA O QUE SE
PRESTASSE A MANIPULAÇÃO”. AO CONTRÁRIO DO
“QUADRO PINTADO” POR    ARISTIDES LOBO “QUEM
APENAS ASSISTIA, COMO FAZIA O POVO DO RIO POR
OCASIÃO DAS GRANDES TRANSFORMAÇÕES
REALIZADAS A SUA REVELIA, ESTAVA LONGE DE SER
BESTIALIZADO. ERA BILONTRA”.

CONCLUSÃO

O ATOR ABORDOU EM SEU LIVRO, TRÊS TEMAS E


SUAS RELAÇÕES ENTRE SI: O REGIME POLÍTICO (A
REPÚBLICA), A CIDADE (RIO DE JANEIRO) E A
CIDADANIA.

“A RELAÇÃO DA REPÚBLICA COM A CIDADE SÓ FEZ,


EM NOSSO CASO, AGRAVAR O DIVÓRCIO ENTRE AS
DUAS E A CIDADANIA. PRIMEIRO POR TER A
NEUTRALIZADO POLITICAMENTE A CIDADE,
IMPEDINDO QUE SE AUTOGOVERNASSE E
REPRIMINDO A MOBILIZAÇÃO POLÍTICA DA
POPULAÇÃO URBANA. A SEGUIR QUANDO A
REPÚBLICA UMA VEZ CONSOLIDADA QUIS FAZER DA
CIDADE-CAPITAL O EXEMPLO DE SEU PODER E DE
SUA POMPA, O SÍMBOLO, PERANTE A EUROPA, DE
SEUS FOROS DE CIVILIZAÇÃO E PROGRESSO… […]
INVIABILIZARAM A INCORPORAÇÃO DO POVO NA
VIDA POLÍTICA E CULTURAL. PORQUE O POVO NÃO
SE ENQUADRAVA NOS PADRÕES EUROPEUS NEM
PELO COMPORTAMENTO POLÍTICO, NEM PELA
CULTURA, NEM PELA MANEIRA DE MORAR, NEM
PELA CARA” (PP.162).

DE ACORDO COM AS CONSIDERAÇÕES DO AUTOR, SE


O RIO DE JANEIRO NÃO PÔDE “SER REPÚBLICA”,
NEM POR ISSO SE ANULOU. PELO CONTRÁRIO, POR
MEIO DO ENVOLVIMENTO DA SUA POPULAÇÃO NAS
ASSOCIAÇÕES E INSTITUIÇÕES, INSTRUMENTO DE
SUAS MANIFESTAÇÕES SOCIAIS, FOI ELABORANDO
SUA AUTOIMAGEM, CONSTRUINDO A IDENTIDADE
COLETIVA.

PROFESSORA CIDINHA BRITTO

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