Você está na página 1de 40

LENDAS

E FÁBULAS
BRASILEIRAS


Para Crianças


JOSSI BORGES






© 2017 de Jossi Borges.

Revisão e diagramação: Justtech Informática
Capa: Jossi Borges / Justtech Informática
Ilustrações: Pixabay / Free Bible Images /Jossi Borges
Impressão: Clube de Autores


SUMÁRIO
O NASCIMENTO DE JESUS

A MOURA TORTA E A MOURA DA MELANCIA

HOSPITALIDADE E GENEROSIDADE

TUPÃ, DEUS-TROVÃO

MELANCIA E COCO MOLE

O URUBU E O SAPO

A LENDA DE SÃO CRISTÓVÃO

A AUTORA
O NASCIMENTO DE JESUS

O NASCIMENTO DE JESUS CRISTO é uma bela história, contada na Bíblia.


Também é uma história que já virou filme, história longa, história curta e até
novela. Mas na cultura popular do Brasil também foi contada! Entre nosso povo
do interior, os caboclos e as pessoas simples, há uma pequena fábula que conta o
seguinte:
Quando Jesus nasceu, todos os animais participaram desse evento tão bonito.
Os pássaros, cavalos, cães e gatos, aves de criação, bois e vacas, ovelhas,
burrinhos... até os animais mais selvagens, como raposas, lobos, esquilos.
Conta uma fábula popular, que o primeiro animal a anunciar o nascimento de
Jesus foi o galo, que logo cantou:
– Jesus nasceu, Jesus nasceu!
E a vaca, que pastava numa colina próxima, já pergunta:
– Aoooooondeeee? – Ela queria dizer: Aonde?


Um carneiro que já tinha
conversado com seus companheiros e porque alguns deles foram levados à gruta
por seus pastorzinhos, onde Jesus nasceu, responde:
– Em Be-léeeem! – ele disse, se referindo à cidade de Belém.
Toda a bicharada ficou na maior alegria! Pássaros cantaram mais alegremente,
o gado mugiu forte, carneiros e ovelhas baliram tão alto que até doía nos ouvidos
das pessoas!
O porco, entretanto, era um bicho teimoso. Não gostava dos carneiros e
enfiando o seu grosso focinho contra a cerca do chiqueiro, roncou com raiva:
– Não crreeee-io... não crreeee-io... – ele queria dizer: Não creio...
Os animais não deram bola para o porco teimoso e todos se dirigiram ao
presépio, que era uma gruta na cidade de Belém, visitar o Menino Jesus.
O Galo foi abençoado, segundo a fábula popular, porque foi o primeiro a
anunciar o nascimento de Jesus.
A Vaca, porque chegando na gruta, ajudou a aquecer o Menino Jesus com seu
bafo quentinho.
O Carneiro também foi abençoado, porque ajudava a todos a encontrar a
gruta, já que o cincerro (sininho) que tinha ao pescoço, ia tilintando... e o som
atraía pessoas e bichos.
Até a velha e manhosa Raposa, vejam só!
Foi abençoada, porque ofereceu seu leite à Virgem Maria, mãe do Menino Jesus,
para que ela o desse ao recém-nascido. Mesmo recusando a oferta da Raposa,
esse animal foi também abençoado.
E o Porco? Bem, o Porco, coitado... Era tão teimoso, tão teimoso, que não
acreditou no que o Galo anunciara. E assim, não teve a bênção de ver com os
próprios olhos o Menino Jesus e a sua família.

Essa é uma fábula, ou seja, uma historinha inventada pelo povo, que foi
ouvida pelo escritor Oswaldo Elias Xidieh, nas seguintes cidades do Estado de
São Paulo: Jabuticabal, Taiaçu e Taiúva.
Elas constam no seu livro “Estórias de Nosso Senhor Jesus Cristo e mais
São Pedro andando pelo Mundo”.

A MOURA TORTA E A MOURA DA MELANCIA

NAS LENDAS ANTIGAS de Portugal


existem muitos relatos sobre as famosas mouras encantadas. Segundo essas
lendas, as mouras ou moiras (como também são conhecidas), eram belas jovens
ou princesas de deslumbrante beleza, que estavam sob algum tipo de encanto
mágico. Também há lendas sobre as mouras velhas e feias, que eram como
bruxas malvadas nas lendas.
A história que vou contar é baseada na lenda da Moura Encantada mais
famosa no Brasil, contada pelo escritor Sílvio Romero.
Era uma vez...
Um homem já idoso, velhinho mesmo, sentiu que estava no fim da vida.
Lembrando-se dos seus três filhos, pensou numa herança boa para deixar a
eles.
Ele era um homem pobre, morava com a família num pequeno e humilde
rancho, no sertão do Brasil e ele pensou: Só temos essa casinha velha. O que eu
poderia dar aos meus filhos como herança, uma coisa que fosse útil ou que
pudesse deixá-los felizes?
E então ele se lembrou: Sim, ele tivera quando criança uma madrinha.
Uma madrinha fada. Quando já era adulto ela lhe dera, no dia que ele fez dezoito
anos, quatro pacotes grandes, com a seguinte advertência:
– Tome, meu afilhado. Esses são presentes mágicos, mas veja bem, apenas
um deles é seu.
– Só um? Mas e os outros três? O que tem dentro? Posso abri-los?
Ela meneou a cabeça:
– Nunca! Abra apenas um, qualquer um desses. Os outros três devem ser
guardados, muito bem guardados. Quando seus filhos nascerem, você dará um
pacote desses a cada um deles.
Ele pegou o primeiro pacote e abriu, surpreendendo-se com o que ele
continha: apenas uma melancia!
Olhou de volta para a madrinha-fada. Ela sorriu e disse:

– Sim, parece apenas uma melancia...


mas não é. Faça o que lhe disse, guarde os outros três para os seus filhos que irão
nascer e dê a eles, quando achar que deve.
O homem ficou um pouco chateado e respondeu:
– Sim, madrinha. Vou guardar... mas para que me servirá essa melancia?
Eu nem gosto tanto assim dessa fruta...
A fada falou de novo:
– Você pode guardá-la e abri-la o dia que quiser, mas só abra essa
melancia perto de um rio, de uma fonte ou de um lugar que tenha muita água.
Depois, você me conta o que achou do presente.
***
O tempo havia passado. O homem fizera exatamente como a madrinha-
fada lhe dissera e teve uma surpresa muito agradável.
Alguns anos mais tarde, ele estava casado, feliz com sua esposa e
nasceram os três meninos, exatamente como a fada tinha previsto.
***
Agora, porém, ele estava velho. Achou que chegara a hora de dar os
presentes mágicos aos filhos.
Chamou-os e deu-lhes os três pacotes, alertando-os como a fada-madrinha
fizera com ele:
– Essa é minha herança para vocês. Já estou velho e nada mais tenho para
deixar a vocês, exceto essa casinha humilde. Mas essas melancias que estão aí
são mágicas e quando vocês forem abri-las, façam isso num lugar que tenha
água, muita água! E vocês irão ter uma surpresa muito boa.
Os três rapazes se entreolharam, confusos. Não acharam que os presentes
(ou herança) fosse uma coisa assim, tão bacana... eram apenas melancias!
– Muito bem, pai. Obrigado, faremos como o senhor nos instruiu.
Disse o filho mais velho.
***
Dias depois, os três se despediram do velho pai e da velha mãe, e saíram
em viagem pelo mundo, em busca de trabalho.
O mais velho, logo que tomou uma estradinha, não muito longe do rancho
dos pais, ficou curioso e resolveu abrir a sua melancia. Estava muito ansioso
com o tal “presente mágico”.
Não havia nem sinal de rio, fonte ou poço por perto, mas ele arriscou
assim mesmo: Quebrou a melancia no chão. No mesmo instante, de dentro dela
surgiu uma visagem... ou melhor, uma visão! Era uma mulher, jovem e muito
bonita, que aos poucos foi se tornando mais e mais sólida. Não parecia mais um
“espírito” ou uma “fada”, mas uma mulher de carne e osso.
Ao ver o rapaz, a mulher piscou os olhos e disse, passando as mãos pela
boca:
– Estou com muita sede... por favor, me dê água ou leite... por favor, por
favor...
O rapaz, todo afobado, olhou em torno de si e nada de água! Nada!
– Água ou leite... por favor.
Ele ficou aflito, mas nada pode fazer. Não havia água e ele não trouxera
sequer uma garrafinha, para matar sua própria sede!
– Espere, dona. Eu vou buscar água para você, só um momento...
Mas a linda moça, perdendo os sentidos, caiu ao chão. O rapaz se apressou
em ajudá-la, tentou erguê-la, mas infelizmente ele percebeu que ela tinha
morrido...
***
O segundo dos filhos do velhinho, afastando-se muito da casa paterna,
sentiu a mesma curiosidade do outro irmão. Pensou consigo: Quero só ver o que
meu pai me deu... quero só ver se essa melancia tem alguma coisa mágica nela!
E lept! Jogou a sua melancia contra uma pedra.
A mesma coisa ocorreu: Uma moça lindíssima, de cabelos longos e
negros, surgiu diante dele, pedindo:
– Água, me dê água ou leite... preciso matar a sede... depressa...
O rapaz coçou a cabeça e pensou:
Pois meu pai estava certo! A coisa é
mágica mesmo... essa moça linda e maravilhosa é um presente mágico. Mas
onde vou achar água, agora?
– Moça, vou até minha casa. Num instantinho volto com sua água.
Era tarde demais. A moça apertou o peito, soltou um profundo suspiro de
dor e caiu morta no instante seguinte.
O pobre rapaz não pode fazer mais nada, a não ser chorar.

***
O filho mais novo do velho, porém, era mais prudente que os outros dois.
Resolveu seguir os conselhos de seu pai à risca.
Andou muito a cavalo, até chegar à beira de um riachinho. Apeou do
cavalo, sacou o pacote e abriu-o. Tirou também um facão do cinto e se
aproximou das margens.
Usou seu facão e abriu com um golpe a melancia.

Deu um passo para trás, diante da belíssima donzela que surgiu diante de
seus olhos.
– Água, por favor... – ela pediu, olhando para ele com a face pálida de um
anjo e uns olhos mais brilhantes que o céu azul da primavera.


Ele ficou abismado com tal beleza! Mas resolveu correr até o rio, encher
uma das metades da melancia com água e trazer para a moça.
A donzela tomou a água em goles grandes, como se não bebesse há vários
dias. Pediu mais água, mais e mais.
Depois de ter tomado bastante, ela agradeceu.
Como estivesse sem roupas, ela puxou os longos cabelos cor de ouro para
ocultar-se. Ficou envergonhada. O rapaz disse:
– Você é muito linda, minha senhorinha. Eu... eu... gostaria de pedir que se
casasse comigo...
Ele também ficou rubro, ao notar que a moça estava nua. Ele disse,
constrangido:
– Oh, vejo que está sem roupas.
– Sim, estou. O senhor podia conseguir roupas para mim? Não posso sair
andando por aí, desse jeito.
O moço disse que sim, ia até a cidade e traria um vestido para ela.
– Mas e como vou ficar aqui, assim?
Ele olhou em volta. Numa das margens do rio havia uma árvore de largos
e frondosos galhos. Ele teve uma ideia:
– Venha, você pode subir nessa árvore. Fique oculta lá em cima, no galho
mais largo. Ninguém irá vê-la ali.
A moça olhou e viu que a árvore era realmente frondosa e suas folhas
largas iam abrigá-la muito bem. Ninguém a veria.
Subiu à árvore, enquanto o rapaz se apressou em ir até a cidade.
– Volte logo, ela pediu.
– Sim, ele respondeu, sorrindo para ela.
Claro que voltarei o mais depressa possível, ele pensou. Essa lindíssima
jovem será minha esposa. Mal posso esperar para leva-la até a cidade, comprar
um par de alianças e pedir ao padre para nos unir em matrimônio. Meus pais
ficarão orgulhosos de minha sorte!
O rapaz sumiu na curva da estrada.
Enquanto isso, por outra estrada, vinha andando até o rio uma velha mulher, a
quem todos chamavam de ‘Moura Torta’. Assim era chamada, não tanto por sua
feiúra, mas por ser uma pessoa maldosa, invejosa e muito reclamona.

Alguns, no povoado, diziam que ela era bruxa e de fato, tinha aparência de
bruxa mesmo: Era muito alta e magra, a tal ponto que precisava se curvar um
pouco. Seu rosto era comprido, enrugado como uma passa e seus cabelos, meio
avermelhados, estavam já pintalgados de fios brancos. Eram volumosos,
espichados e arrepiados como um tufo de espinheiro.
A Moura chegou perto do rio, com um grande pote para coletar água e se
debruçou nas margens, sob a árvore onde a donzela estava escondida.
– Ora, que coisa mais irritante... toda hora falta água... que coisa mais
chata. Não aguento mais isso...
De repente, ao se debruçar para a água, que estava lisa e brilhante, viu ali
refletida a face belíssima da donzela, que estava na árvore. A Moura, sorrindo
contente, disse em voz alta:
– Puxa, sou eu! Mas... afinal, sou bonita! Muito bonita! Ah, por que esse
povo miserável do povoado diz que sou feia? Olha para esse meu rosto, tão claro
e macio! E meus cabelos? São longos e dourados... eu devia ter comprado um
espelho antes! Como sou linda! Sim, sim, sou linda!
A donzela, que também era uma moura – só que de outro tipo, filha de
uma fada – achou graça no engano da velha bruxa. E soltou uma gargalhada alta.
A bruxa, ao ouvir aquilo, ergueu os olhos e viu lá em cima, escondida
entre os galhos, a pequena moça de beleza inigualável.
Ficou muito irritada. Bateu o pé no chão, mas sua mente maligna imediatamente
pensou em algum tipo de vingança.
Disse, com voz mansa:
– Oh, é você, minha queridinha? Ora, ora... que faz aí? Não quer descer e
conversar um pouco com uma velhinha solitária?
A jovem concordou e desceu da árvore.
A bruxa, já pensando no que faria com aquela criatura que se atreveu a
debochar dela, tomou do bolso um alfinete que usava nas suas feitiçarias e disse:
– Quem é você, filhinha?

A jovem, confiante,
contou sua história à Moura Torta, que se aproximou dela, com um sorriso
meloso nos lábios enrugados.
– Hum... sim. Então vai se casar com um belo moço, heim? Ah, que sorte
a sua. Venha cá, vou ajeitar esses lindos cabelos. Posso pentear você?
A jovem deixou que a bruxa pusesse as mãos nos seus longos e brilhantes
cabelos. A Moura continuou a falar e fingia pentear as madeixas louras com as
mãos. De repente, ela segurou o alfinete e o enfiou com força na cabeça da
jovem, que deu um gritinho.
Imediatamente, o feitiço que ela fizera surtiu efeito: A moura encantada, a
linda fadinha, se transformou numa pomba e saiu voando. Sumiu no céu.
A Moura Torta sorriu e sentou-se na pedra à margem do rio.
Passou uma ou duas horas, até que o rapaz voltou da cidade. Viu a velha
andrajosa e olhou ansioso para a árvore. Nada viu e perguntou por sua noiva.
– Sou eu – disse a Moura Torta.
– Como?! – Assustou-se o rapaz.
– Sou eu, sua noiva, saída da melancia.
– Mas minha noiva era loura... era pequena e graciosa... e...
– Oh, meu querido! Não percebe? Eu fiquei muito tempo naquela árvore,
cansei... tive dor nas costas, acho que isso me fez a coluna entortar assim. E
meus cabelos tão louros e brilhantes ficaram ressecados nesse sol forte. Minha
pele tão macia ficou queimada e enrugada. Não tenho culpa. Acho que você
demorou muito. Eu precisava de mais água. Você não chegava, eu desci da
árvore e tomei mais água, porém não adiantou. Agora estou assim, com essa
aparência de velha!
O rapaz ficou muito entristecido, porque saíra deixando uma fada e ao
voltar, encontrara uma velha com cara de bruxa. Aquilo parecia mais um castigo!
Porém ele era um homem honrado: Prometeu casar-se com a mourinha
encantada da melancia e resolveu assumir o compromisso.
Fez que sim, meneando a cabeça e, com uma dor no coração, conduziu a
Moura Torta até a cidade, onde se casou com ela.
***

O pai do rapaz ficou


muito desapontado quando conheceu a nora! A mãe, que um dia também fora
uma Moura Encantada, ficou triste e confusa: como aquilo fora acontecer? Por
que sua nora não tinha nenhuma beleza? Seria aquilo efeito do sol ou da falta de
água, como a Moura dissera?
Mas ninguém podia fazer nada... O rapaz se resignou ao casamento com a
Moura Torta e passaram a viver numa bonita casa, que ele comprou na aldeia.
Um dia, quando o menino que cuidava do jardim aparava as plantas, viu
pousar junto ao galho da árvore mais florida do jardim, uma linda pombinha
branca.
Ficou um tempão admirando o bichinho. Da janela da casa, seu patrão
também olhava inquieto para aquela pombinha tão graciosa, de bico fino e
rosado, plumas brilhantes.
No dia seguinte, aconteceu o mesmo. O rapaz ficou na janela, na mesma hora e
viu de novo a pombinha linda, que olhava para ele com olhos brilhantes.
Afinal, a Moura Torta ficou curiosa com aquela atitude do marido e veio
olhar também. Reconheceu a pombinha da árvore como a Moura da Melancia e
estremeceu de ódio. Disse:
– Oh, meu senhor marido! Ando sentindo alguns desejos estranhos.
Ontem, tive vontade de comer fígado de pato. Hoje, vendo aquele pombo ali, me
deu uma vontade de comer carne de pombo assado! Diga para alguém pegar esse
pombo para mim, por favor...
O rapaz estremeceu de horror, mas a Moura insistiu. Ficou insistindo com
isso por vários dias, até que o marido, aflito, pediu ao jardineiro que laçasse a
pombinha.
O menino primeiro lançou uma cordinha, mas ouviu o bichinho dizer:
“Jardineiro, oh, jardineiro... como está indo o meu amado, com aquela Moura
Torta?”.
O menino correu e contou ao patrão o que ouviu o animal dizer. O rapaz,
assustado, pensou na magia da melancia. E foi ele mesmo tentar laçar a
pombinha: usou primeiro um laço com fios de ouro, não conseguiu. No segundo
dia, usou um laço de prata, mas nada da pomba cair. No terceiro dia ele teve uma
ideia: usou um laço de cordinha, enfeitado com várias pedrinhas de diamante.
O brilho das pedras atraiu o animalzinho, que caiu na armadilha. O rapaz a
segurou entre as mãos trêmulas. Como era bonita aquela pombinha! Que penas
macias, que olhinhos vivos e doces!
– Oh, lindo animalzinho...! Imagina se terei coragem de matar você, só
para satisfazer o apetite louco da minha esposa!
De repente, ao passar a mão pela cabecinha da ave, ele sentiu um caroço,
uma coisinha esquisita. Abriu as penas e viu ali, enfiado, um alfinete grosso. –
Que é isso? – ele disse, perturbado e nervoso.
Tirou, com delicadeza, o tal alfinete enfeitiçado. Na mesma hora, a pomba
começou a mudar: pareceu crescer, crescer, tomar forma humana, as penas
encompridaram, se transformaram em uma longa e loira cabeleira, os olhos
ficaram enormes e azuis como céu de primavera, o biquinho róseo se
transformou um uns lábios delicados.
Era a sua noiva, sua
verdadeira noiva! A Moura da Melancia!
– Ah, a minha bela e querida fadinha! Quem fez isso, quem? Quem a
transformou em pomba?
Então a moça contou tudo: ele ficou indignado com a maldade da velha
Moura Torta, que ao vê-los juntos, tentou fugir.
Usou de vários truques de feitiçaria, mas no seu nervosismo, nada pareceu
funcionar.
O ex-marido da Moura Torta chamou os amigos e vizinhos para
perseguirem a velha malvada, antes que ela fugisse.
Um deles disse:
– Sim, essa mulher é uma feiticeira, vivia numa aldeia próxima. Muitas
pessoas sofreram por conta de suas maldades. Deve ser castigada severamente.
O rapaz disse:
– Sim, alguém capaz de uma maldade tão grande merece um castigo do
mesmo tamanho.
A bruxa, porém, tinha conseguido fugir, montando em um cavalo que
encontrou nas cocheiras.
Sua maldade, entretanto, foi seu próprio castigo: ao fugir, o cavalo sentiu-
se mal com seu peso – talvez o bicho pressentisse sua maldade – e empinou,
raivoso. A Moura Torta caiu no chão, batendo a cabeça em uma pedra e
morrendo em seguida.

Os jovens noivos, novamente unidos, casaram-se na igreja do povoado.
Dessa vez fizeram uma enorme festa e a Moura da Melancia foi a noiva mais
linda que aquelas terras jamais viram.
Viveram felizes por toda sua longa vida, que foi abençoada com o
nascimento de muitos filhos.
HOSPITALIDADE E GENEROSIDADE

ESSA É UMA PEQUENA ESTÓRIA, que o povo brasileiro conta a respeito da
vida e obras de Jesus Cristo. Não é uma história verdadeira, porque não consta
nem na Bíblia, nem em livros de História. Porém é contada pelo povo como uma
pequena “lição”, mostrando a adultos e crianças que todos nós devemos ser
generosos e hospitaleiros. Pois dessa forma, seremos sempre abençoados por
Deus.
Essa estória, que o grande folclorista Luís da Câmara Cascudo recolheu
em um de seus livros, ele classifica de religious stories ou religious tales (como
é chamado na língua inglesa). Ou seja: estórias ou contos religiosos.
Era uma vez...
Numa cidade, há muitos e muitos anos atrás, havia dois homens. O
primeiro chamava-se Elazar e era muito rico, dono de grandes fazendas, muito
gado e de uma casa enorme e cheia de serviçais.
O segundo, chamado João, era dono de uma pequena casa de tijolos,
simples e muito humilde.
Certa feita, eles conheceram Nosso Senhor Jesus Cristo na aldeia, quando
Jesus realizava um dos seus inúmeros milagres. Jesus conversou com ambos,
que demonstraram a Jesus sua admiração e amor.
Jesus olhou para ambos e pensou: “Vamos ver qual desses dois homens
ama realmente a Deus”.
Dirigiu-se a Elazar e João e disse:
– Será que posso ir jantar com vocês, um dia desses?
Os dois homens menearam a cabeça, felizes, dizendo quase ao mesmo
tempo:
– Sim, Senhor! Será uma grande honra!
Marcaram o dia, para alegria dos dois homens.
Eles de imediato correram às suas casas e conversaram com suas esposas,
felicíssimos pela oportunidade de darem um jantar em honra do Mestre Jesus.
Elazar, que era rico, avisou aos seus criados que preparassem uma ceia
farta e variada. Queria muita carne assada, grandes pratos de legumes, muitas
saladas, peixes, pães e bolos deliciosos e vinho.
João, que era muito humilde, pediu que a esposa matasse uma galinha –
porque não tinha gado, nem grandes rebanhos de ovelhas ou porcos – e a assasse
com todo capricho.
Prepararam-se as mesas: Na casa de Elazar, forraram uma mesa imensa de
toalha branca e encheram-na com os pratos de alimentos gostosos e cheirosos e
vários jarros de vinho.
Na casa de João, a esposa dele arrumou a mesinha da sala do melhor jeito
que pode, colocando sua melhor toalha e o frango assado ao centro. Também
colocou ali um jarro com água e um pão caseiro, que ela acabara de tirar do
forno.
As duas famílias, após arrumarem suas mesas, ficaram aguardando a
chegada de Jesus.
Pouco antes do horário marcado, alguém bateu à porta da casa do Sr.
Elazar. Ele mesmo correu para abrir, ansioso. Entretanto, fechou a cara, fazendo
uma carranca.
Ao invés do Senhor Jesus, ali à sua porta estava um mendigo, um homem
coberto de roupa velha, uma touca torta sobre a cabeça, rosto todo enrugado. O
velhinho, com voz rouca, pediu ao rico senhor que lhe desse um bocadinho de
comida.
– Ah, não posso. Hoje estou esperando Nosso Senhor Jesus Cristo para
jantar comigo. Não vou deixar que um mendigo entre e suje minha casa e
desarrume minha mesa.
E fechou a porta, fazendo com que o mendigo se retirasse.
Porém, mal ele retorna à sua bela sala, de novo batem à porta. Lá vai de novo
Elazar abri-la, e de novo se depara com outro mendigo: esse parecia mais jovem,
mais limpo, porém ainda usava roupas velhas e estava descalço.
– Oh, não de novo! Não, não posso dar-lhe nenhuma esmola ou alimento
hoje.
Bateu outra vez a porta na cara do segundo mendigo, que baixou a cabeça
muito triste e foi embora.
Quando Elazar se sentou em seu rico divã cheio de almofadas, outra vez
batem à porta. Ele pensa: “Dessa vez deve ser o Mestre, o Senhor Jesus”!
E corre de novo para abrir a porta.

Que surpresa não teve e o quão


nervoso ficou! Era outro mendigo, diferente dos dois primeiros, porém ainda
assim mal vestido, descalço e um manto remendado em torno do pescoço.
Parecia mais velho do que o primeiro.
– Ora bolas! – Disse Elazar. – Não, não tenho nada para dar a você hoje,
saia logo.
Na casa de João, aconteceu o mesmo. O mendigo que fora à casa de Elazar
bateu à porta de João, que abriu-a com surpresa e olhou com assombro para o
velhinho.
– Só temos uma galinha para a ceia – disse João – mas entre, entre.
O velho mendigo entrou e sentou-se à mesa. João conversou em voz baixa
com a mulher:
– O que faremos? Vamos cortar o frango antes da chegada do Senhor
Jesus?
– Podemos tirar uma asa – disse a mulher.
E assim fizeram, cortaram uma das asas e puseram no prato para o
mendigo, junto com um bom pedaço de pão.
O velho comeu, agradeceu e foi embora. Passados alguns minutos, bateu à
porta o segundo mendigo, e toda a história se repetiu: João não quis deixar outro
infeliz com fome, e o fez entrar.
Dessa vez, cortaram a outra asa da galinha e deram ao mendigo, com pão
fresco.
Logo que este agradeceu e saiu, o terceiro mendigo bateu à porta. João
coçou a cabeça, apertou os lábios em dúvida.
Mandou o homem maltrapilho entrar e sentar-se à mesa. Ele serviu uma coxa da
galinha, afinal, dizendo:
– Bem, espero que essa janta esteja gostosa... esperamos pelo Senhor
Jesus, mas Ele ainda não chegou...
Quando a mulher de João serviu uma grossa fatia do pão no prato do
visitante, esse ergueu-se da mesa, tirou o manto esfarrapado e seu rosto
iluminou-se, subitamente mudando as feições.
– Obrigado por sua hospitalidade, João – desse Jesus, que era na realidade
o suposto mendigo.

E explicou ao casal surpreso, que ele fizera o mesmo na casa do rico
fazendeiro Elazar, aparecendo três vezes sob o disfarce de três mendigos ou
homens pobres. Pediu um prato de alimento. E Elazar negara o pedido as três
vezes.
João e a mulher se entreolharam, assustados e fascinados. E Jesus
prosseguiu:
– Não posso dizer que Elazar ame a Deus verdadeiramente, ele não se
mostrou generoso e hospitaleiro com os pobres. Mas você, João e sua esposa e
seus filhos, sim. Estou muito feliz porque vocês demonstraram seu verdadeiro
amor a Deus.

Jesus disse, sorrindo e olhando


para o delicioso frango assado sobre a mesa.
– Mesmo tendo tão pouco para oferecer, vocês ofereceram o que tinham,
de todo coração. Deus se agrada com a bondade e a generosidade.
E assim dizendo, Jesus os abençoou, voltou a sentar-se à mesa com João e
toda sua família e jantaram.
A humilde família sentiu uma grande alegria e conforto no coração, pois
fizeram o que era agradável aos olhos de Nosso Senhor.
TUPÃ, DEUS-TROVÃO

Era uma vez, no início do Brasil,


quando os primeiros portugueses aqui chegaram e os índios começaram a
conhecê-los... E com os portugueses colonizadores chegaram também os
primeiros padres jesuítas...
Era uma vez, entre as densas florestas virgens do Brasil...
A indiazinha estava deitada na rede, enquanto ouvia sua mãe, Inã, contar uma
história para que ela adormecesse. Entretanto, lá fora a mata estava escura como
breu, os pássaros tinham emudecido. Ao longe, ouviram ribombar uma trovoada,
lá para os lados do Grande Rio.
A indiazinha abriu muito seus grandes olhos negros, brilhantes e bonitos
como jabuticabas. Estremeceu um pouco e apontou para a porta abeta da oca,
que era a habitação dos indígenas, feita de troncos de árvores e coberta de folhas
de palmeiras.
Inã meneou a cabeça, sorrindo para a criança.
– Eu sei – disse a mãe, olhando também para a mata escura.
– Que é esse barulhão? – Pergunta a menina.
– É Tupã – disse a mãe, acocorando-se ao lado da rede da filha. – Quando ele
está aborrecido, ele grita com o mundo. Esse barulhão é o grito de Tupã.
A menina abriu a boca, arregalando ainda mais os olhos.
– Quem é Tupã? – A criança perguntou.
A mãe fez um gesto indeciso. Então lembrou-se de um homem branco, um
padre jesuíta que sempre visitava sua aldeia. Era um homem que falava muito e
explicava muitas coisas sobre a vida dos brancos.
Também explicava sobre os Seres Grandes, os que ele chamava Deuses.
A mãe disse à menina:
– Tupã é um Ser Grande, que mora nos céus. Assim me disse o homem
branco, Padre Francisco.
A menina ouviu outro rimbombo de trovão na mata.
– E esse... Tupã é mau? Ele vem nos pegar e nos levar para um lugar
ruim?
A índia Inã deu uma boa gargalhada, lembrando-se das palavras do padre
Francisco.
– Não, menina! Durma, pois os homens brancos nos ensinaram que Tupã é
um Ser grande, que criou tudo o que existe: Homens, matas, pássaros, peixes,
veados, onças, tudo... E ele gosta dos homens, mesmo quando dá seus gritos
fortes no céu.
A indiazinha ficou mais calma, principalmente porque tinha começado a
chover forte. Sentiu uma brisa úmida entrar pela porta da oca e olhou para o
outro lado, onde outras crianças dormiam tranquilas, em suas redes.
Ali dentro da oca estava quente e aconchegante, a brisa úmida e fria não
chegava até eles. Sua mãe estava ao seu lado, tomando conta dela.
E lá no alto do céu, havia um Ser Grande, que criara tudo.
Ele era Tupã, o deus-com-voz-de-trovão e gostava dos índios e dos brancos
igualmente.
Ela deitou-se sossegada na sua rede e adormeceu.
***
Tupã não era um dos mitos indígenas mais conhecidos, mas quando os
padres jesuítas chegaram ao Brasil, souberam que havia uma espécie de “deus”,
que os índios não adoravam como o nosso Deus cristão, mas tinham medo.
Era apenas um Ser Desconhecido, que os índios associavam ao barulho
dos trovões, aos quais chamavam tupã ou tupana. Assim, os padres começaram
a ensinar o Cristianismo aos índios, mas para que eles compreendessem quem
era Deus, o Criador do Universo, usaram a palavra “Tupã”.
Desde então, Deus supremo, para os primeiros indígenas brasileiros,
passou a ser conhecido como Tupã.
MELANCIA E COCO MOLE

No Sergipe há um conto popular


muito interessante, que pertence ao folclore local. Esse conto foi coletado pelo
escritor Sílvio Romero – no seu livro “Contos Populares do Brasil”.
A história é mais ou menos assim...
Era uma vez um jovem casal de namorados, que muito se amavam.
A moça era morena, de belas feições angelicais e longos cabelos mais
escuros do que um céu sem estrelas. O seu namorado era forte, de olhos negros e
feições de príncipe.

O amor de ambos era grande e eles sempre se encontravam, quando era
possível, sob uma grande árvore nos fundos da casa da moça.
Como as famílias de ambos não sabiam do namoro, eles inventaram dois
apelidos – para que assim, quando quisessem se falar ou trocar mensagens, as
pessoas da família ou vizinhos não soubessem. A moça era “Melancia” e o
namorado, “Coco Mole”.
Um dia, estando o casal mãos dadas sob a sombra da árvore, o jovem
ergueu as mãos da sua amada até os lábios e as beijou, dizendo com um ar
tristonho:
– Minha querida, tenho uma notícia ruim para dar-lhe.
Melancia olhou-o com susto.
– O que há? O que aconteceu?
– Fui chamado para a guerra. Fui ontem ao quartel da cidade, pois tive que
alistar-me.

Ela apertou os lábios trêmulos. Seus olhos


perderam o brilho, numa tristeza imensa.
– Vai? Você vai... lutar na guerra? Oh, Deus do céu... Isso quer dizer que
vamos...
– Sim, minha adorada. Vamos ter que nos separar, por algum tempo.
Melancia não queria acreditar naquilo. Meneou a cabeça:
– Mas então não poderemos nos casar...! E não saberemos quando voltaremos a
nos encontrar! E se...
Ela não falou mais nada, com o coração apertado de tristeza.
Coco Mole replicou:
– Não se esqueça de mim, minha querida! Nunca se case com outro
homem, pois eu voltarei para casar com você! Promete?
Ela ergueu os olhos tristonhos para ele e disse, meneando a cabeça:
– Claro que prometo. Nunca poderei amar outro homem no mundo.
O rapaz deu um beijo suave nas faces da amada e assim despediram-se,
com o coração dolorido de tristeza.
Melancia, com a cabeça baixa, afastou-se da árvore, que estava cheia de
folhas secas – como se até a natureza estivesse triste – e voltou para sua casa.


****
O tempo passou.
Um ano inteiro passou e Melancia não tinha nenhuma notícia de Coco
Verde, cuja família morava numa fazenda próxima à dela.
Quando passou-se o segundo ano, o pai dela disse-lhe:
– Minha filha, vejo que você está com quase vinte e dois anos, está na
hora de se casar! Não pensa nisso?
– Não, papai! Não me quero casar. Não me obrigue a isso.
– Mas filha, é preciso. Sua mãe casou-se comigo quando tinha apenas
dezoito anos. Você já tem vinte e dois. Deve se casar, antes que se torne uma
velha e nenhum mancebo mais a queira por esposa.
Melancia disse que não, não e não. Mas seu pai e sua mãe tornaram a
tocar nesse assunto. Falavam disso o tempo todo.
Passou-se mais um ano e ela não tinha nenhuma notícia do seu antigo
namorado, do qual não conseguia esquecer. Entretanto, um belo dia, seu pai
levou à casa outro rapaz.
Era um moço de ar simpático, filho de um caboclo amigo da família. O
moço não demorou muito a se encantar pela beleza de Melancia e a pediu em
casamento.
Ela relutou, mas com a insistência dos pais, sentiu-se obrigada a aceitar;
afinal, Coco Mole nunca mais apareceu, pensou ela, muito tristonha.
***

Chegou, enfim, o dia do casamento de Melancia com o outro rapaz. A
casa estava em festa.
Por coincidência, nesse mesmo dia Coco Mole retornava da guerra, muito
abatido, com as roupas velhas e meio sujas.
Chegando à sua casa, desceu do cavalo e foi recebido com abraços e
alegria pelos seus pais e por Bentinho, um caboclo muito esperto e inteligente,
que era o companheiro de Coco Mole desde a infância.
Quando os pais se afastaram um pouco, Coco Mole dirigiu-se ao
Bentinho:
– E então, rapaz? Como estão as coisas por essas bandas?
Bentinho o informou que, naquele dia, havia muitas coisas a serem
celebradas na cidade: a volta do seu patrão e o casamento da filha dos vizinhos.
Coco Mole adivinhou... era sua Melancia que estava a casar-se!
Quando o jovem ficou triste, Bentinho perguntou o que havia de errado.
Coco Mole explicou toda a história de amor, tudo o que sentira pela jovem que
hoje se casaria. Contou como sentira falta e saudades dela durante as guerras,
como ela prometera-lhe nunca se casar com outro...
– E veja só, disse o rapaz – ela me traiu. Vai se casar! Como a vida é
enganosa...
Bentinho, porém, retrucou:
– Não se avexe, não, sinhô. Eu tenho aqui uma ideia. O casamento ainda
não aconteceu, o padre não chegou à casa da sua Melancia. Faça assim, vá até a
árvore nos fundos do sítio, aquela árvore na qual vocês se encontraram pela
última vez... antes do sinhô partir para a guerra.
– Mas por quê? – Indagou o rapaz, curioso.
– Faça o que digo, tudo vai dar certo. Pode ir, mas antes tome seu banho,
vista uma roupa mais bonita.
Coco Verde fez o que Bentinho, sempre tão vivo e inteligente, recomendou
e lá se foi, para os fundos do sítio e sob a árvore antiga.
Enquanto isso, Bentinho também vestiu seu melhor terno de domingo e
dirigiu-se a alguns lugares, antes de ir à festa de casamento.
Entrando lá, encontrou uma casa cheia de convidados. Os pais de Melancia o
reconheceram e o convidaram a participar da festa.
– Estamos felizes porque você veio, moleque – disse o pai da noiva. – Cá
estamos, aguardando o reverendo, para dar início à cerimônia.
A noiva, muito bela num vestido rendado, estava sentada ao lado de sua
mãe, enquanto o noivo conversava com os demais convivas.
Bentinho deu um passo adiante e falou, num tom alto, para chamar
atenção:
– Quero fazer uma saudação à noiva, através de uns versos que compus.
Todos pareceram achar boa a ideia, assim ele tomou da sua viola e
cantarolou, com sua voz bem modulada:

"Eu venho lá de tão longe,


Corrido de tanta guerra...
Melancia, Coco Mole

É chegado nesta terra!”


A jovem noiva arregalou os olhos para Bentinho, relembrando da
promessa feita ao antigo namorado. Ficou comovida.
O pai e anfitrião pediu a Bentinho mais versos, e este cantou de novo:

Não há bebida tão boa


Como seja o aluá...
Melancia, Coco Mole

Vos espera no lugar!


Todos aplaudiram e pediram mais versos, todos alegres com o toque da
viola. Melancia estava cada vez mais emocionada...
Bentinho tocou mais:

Moça, que estais tão bonita


Não vos lembrais do passado?
Melancia, Coco Mole
Vos manda muito recado!
Desta vez Melancia entendeu perfeitamente o recado.
Levantou-se, deu um longo olhar ao esperto Bentinho, sorriu-lhe de leve e
disse à sua mãe que ia tomar água. Bentinho continuou a tocar sua viola,
entretendo os convivas, enquanto Melancia deixou a sala do casarão, saiu pela
cozinha e foi caminhando para os fundos do quintal.

Caminhou até a velha árvore e lá, de pé, estava o seu amado. Parecia ainda
mais bonito que antes, mais forte e garboso, mesmo com o rosto bronzeado de
sol e com algumas cicatrizes.
Aproximou-se dele e ele a recebeu de
braços abertos. Logo a seguir surgiu o padre, que fora chamado por Bentinho.
– É então verdade? – Perguntou o padre, com ar sério. – Vocês dois,
jovens, tem certeza de que querem se casar em segredo?

– Sim, sim, padre – disse Melancia – É este o meu amado, meu pai não
consentiu que eu esperasse por seu retorno. É só com ele que quero casar-me.
Coco Mole também falou:
– Sim, padre. Nós fizemos promessas, um ao outro, de que nos casaríamos
logo que eu voltasse da guerra.
Desta forma, eles se casaram, sob as bênçãos da Igreja e viveram felizes
pelo resto de suas vidas.


O URUBU E O SAPO

EIS UMA PEQUENA HISTÓRIA do nosso


folclore, muito engraçada.
Conta-se que o Urubu, um bicho orgulhoso e fanfarrão, foi convidado para
uma festa de aves, no céu. Tinha ele o Sapo por compadre.

Lembrou-se, o maldoso Urubu, de fazer uma brincadeira maldosa com o


compadre Sapo, já que este não tinha asas e, portanto, não teria como ir à festa
no céu.
Foi Urubu à casa do Sapo, à beira do banhado. Lá chegando, foi recebido
pelo anfíbio sorridente, que o fez entrar.
Depois de uma conversa, Urubu disse, rindo-se:

– E então, compadre! Soube da festança no céu? Quero convidá-lo, pois


quero ir junto com você.
O Sapo ficou pensativo e disse, após um minuto:
– Pois não, compadre Urubu. Irei, mas você tem que levar sua viola!

– Ah, isso não é problema. Claro que levo. E você leva seu pandeiro, pode
ser?
– Combinado! – disse o Sapo.
Marcaram o dia da viagem e o Urubu foi embora.
No dia combinado, Urubu voltou ao banhado, na casa do compadre. Este o
mandou entrar, dizendo:
– Minha esposa, sua comadre, quer conversar com você! Ela está lá atrás
daquele tufo de capim, dando comida aos nossos filhos.

O Urubu foi lá ter com a senhora Sapa. Quando o Urubu se afastou, o sapo
pegou a viola, que o velhaco tinha deixado sobre uma pedra, e entrou dentro
dela. E disse em voz alta:
– Bem, compadre... como eu sou lerdo, já vou na frente... te encontro lá na
festa.
O Urubu despediu-se da Sapa, pegou a viola, onde estava o Sapo bem
quietinho e voou para o céu.

A festa era na copa de uma altíssima árvore, onde vários pássaros e aves
da floresta dançavam e cantavam. Alguém perguntou ao Urubu pelo seu
compadre Sapo. Ele respondeu:
– Oras, se meu compadre anda devagar até em terra, imagina se há de
voar!
Nesse instante, quando todos estavam entretidos, o Sapo saiu de fininho de
dentro da viola e se apresentou:
– Ahá! Cheguei, amigos!
Todos se admiraram. O Urubu mal podia crer, mas voltou a dançar e
sambar com o resto do povo das alturas. O Sapo também cantou e dançou um
pouco.
Chegando ao fim da festa, o danado do Sapo esperou que o Urubu
estivesse entretido, despedindo-se de uma Garça, e entrou de volta dentro da
viola.

Mais tarde, o Urubu tomava a viola e se lançava ao voo para a terra,


quando o Sapo mexeu-se de leve, dentro do violão. O Urubu, muito malvado e
sacana, percebeu como o Sapo o enganara. E resolveu fazer uma malandragem
com o pobre compadre.
Virou a viola de boca pra baixo, fazendo com que o pobre Sapo caísse de
dentro. O infeliz gritou, quando caía:

– Socorro! Vou me arrebentar nas pedras!

O Urubu, muito sacana, riu-se e disse:


– Que nada, o compadre Sapo sabe voar tão bem...!
A sorte do Sapo é que estavam próximos do pântano onde ele morava.
Assim, ao cair, machucou-se um pouco nas pedras... saiu todo cheio de
arranhões e feridas, mas vivo, enfim.

Por isso, diz a lenda, o Sapo tem aquelas manchas meio amarronzadas
pelo corpo: marcas do tombo que levou, quando caiu da viola do compadre
Urubu.
A LENDA DE SÃO CRISTÓVÃO

CONTAM AS LENDAS DE VÁRIAS PARTES DO MUNDO, que um dia, em
tempos muito antigos, nasceu um homem muito grande.

Era considerado quase gigante, tão alto e tão forte ele era. Seu nome era
Cristóvão.
Ele queria por todos os modos servir ao rei mais poderoso da terra.
Alguém disse-lhe que havia um certo Rei – um rei riquíssimo, dono de um dos
maiores tesouros do mundo. E todos diziam que era o mais poderoso também.
Cristóvão, o homenzarrão, lá se foi atrás do tal Rei poderoso e se tornou
seu servo.

Um dia houve guerra... E o seu senhor, o Rei, foi derrotado pelos inimigos.
Cristóvão, descontente, se tornou servo do outro Rei-Vencedor.
Um dia, esse outro Rei mostrou-se temeroso com alguma coisa...
Cristóvão quis saber:

– Mas o que temes, meu senhor Rei? És vencedor dos vencedores!


– Ah, meu caro amigo... tem outro que temo mais que aos homens: o
diabo. Esse tem mais poder que todos os reis juntos!
– Mas quem é esse? Vou servir a ele!

– O que dizes, meu servo? Não, do


diabo temos que ficar longe! Ele é o Mal, nunca te aproximes dele!
Cristóvão, porém, era um homem grande no tamanho, mas com alma pura
de criança. Achou que era seu destino “servir ao maior dos reis” e imaginou que
esse “maior” seria o diabo.

Tanto andou vagando pelo mundo, que um dia encontrou o Diabo. E


fazendo com este um trato, tornou-se seu servidor. Mesmo sem saber o quanto
havia de malvado e horrível naquele seu amo...
Certo dia, quando ele acompanhava o Diabo por uma estrada, notou que
este desviou o caminho, quando viu uma cruz grande, fincada à beira da estrada.
O Diabo pareceu muito temeroso diante da cruz.
– Por que desvias daquilo? O que é aquilo?

– É uma cruz – diz o Diabo.


– E o que ela representa?
– O sacrifício do Cordeiro – disse o Demo.
Cristóvão não entendeu, mas continuou perguntando:
– Sacrifício? Do Cordeiro? Quem é assim chamado, “Cordeiro”?
O Diabo, logicamente, não podia pronunciar o sagrado nome de Jesus
Cristo, apenas deu uma risadinha.

– E tu então, senhor Diabo, tens medo da cruz?


– Claro.
– Mas não és tão poderoso? Não me disseste que eras o “senhor do
mundo”?

O Diabo deu outra risadinha e disse:


– Sim, afinal sou o Senhor da Mentira!
Ora, pensou Cristóvão. Eu vou então servir a esse Senhor da Cruz, que é
mais poderoso do que tudo!
E abandonou o Diabo, indo atrás do verdadeiro Mestre do Mundo, aquele
que diziam ser o Senhor da Cruz. Viajou, viajou, correu pelo mundo... a cada
cruz, ele parava e indagava às pessoas:
– Onde posso encontrar o Senhor da Cruz? Quero servi-lo!

– Tu o encontrarás nas igrejas – certas pessoas diziam.


– Tu o encontrarás apenas no céu – outros opinavam.
E Cristóvão continuou procurando, porque ele queria ver e falar ao
Senhor.
Correu o mundo. Um dia, parou à beira de um grande rio, construiu uma
cabana e passou a ajudar as pessoas que queriam atravessar o rio; sendo alto e
fortíssimo, erguia-as nos ombros para fazer a travessia.

Certa noite de tempestade,


alguém bateu à sua porta, e ele atendeu prontamente. Era um menininho, que
pediu para ajuda-lo a atravessar o rio.
– Ora, menino – disse Cristóvão. – Mas estás sozinho?

– Não estou, estou contigo, Cristóvão.


O gigantesco homem coçou a cabeça, mas vendo o céu escuro e a chuva
começar a cair, colocou um grosso manto sobre os ombros e tomou a criança,
colocando-a nas costas.
Notou que ela pesava demais para um menininho tão frágil. Ele pensou
que havia algo com ele mesmo, talvez estivesse ficando velho e fraco: o menino
parecia pesar uma tonelada.

Ele sofreu, arrastou-se pelo rio adentro e perguntou:


– Como podes pesar tanto, criança? És tão pequeno!
– É que trago o mundo nas mãos – disse o garotinho.
Cristóvão, então, reparou que nas mãos, o garoto trazia mesmo um globo
dourado, e em cima desse globo do mundo, havia uma cruz, também de ouro.
– Então, se trazes o mundo nas mãos, és muito poderoso... és o Senhor da
Cruz, Aquele a quem procuro?

– Sim, sou eu. – disse o Pequeno, com voz


meiga e doce sorriso.

E assim Cristóvão, o bondoso gigante, conheceu o Menino Jesus, Senhor


da Cruz. E desde então tornou-se servo desse símbolo santo do Cristianismo, a
Sagrada Cruz, mais poderosa do que todos os reinos da terra, do inferno e de
todo o universo.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS PRINCIPAIS:


Arthur Ramos – O Folclore Negro do Brasil
João Simões Lopes Neto – Lendas do Sul
Lindolfo Gomes – Contos Populares
Luís da Câmara Cascudo – Contos Tradicionais do Brasil
Luís da Câmara Cascudo – Geografia dos Mitos Brasileiros
Luís da Câmara Cascudo – Literatura Oral no Brasil
Oswaldo Elias Xidieh – Narrativas populares; estórias de Nosso Senhor Jesus Cristo e mais São Pedro
andando pelo Mundo
Raimundo Morais – Histórias Silvestres do Tempo em que Animais e Vegetais Falavam na Amazônia
Ruth Guimarães – Lendas e Fábulas do Brasil
Silvio Romero – Contos Populares do Brasil
A AUTORA

JOSSI BORGES é web designer, diagramadora e escritora. Com formação técnica em Design Gráfico,
cursando atualmente Licenciatura em Letras, durante três anos trabalhou no ramo de comércio e
informática. Participou da sua primeira antologia em “Encontro III” (concurso promovido pela Fundação
Copel, 1987), onde teve um poema publicado.
Publicou várias antologias, como “Estranhas Histórias de Amor” (2010), participando e organizando outras
quatro antologias de contos, nesse mesmo ano.
Publicou ainda muitos romances, contos, poesias e livros infanto-juvenis. Também participou da antologia
“Histórias Fantásticas” volume II, pela editora Cidadela e da antologia de tradutores da Revista Literária
em Tradução (n.t.) nº 8, com o conto Os Habitantes da Ilha Middle, de William Hope Hodgson.
Todos os livros da autora podem ser adquiridos no site Clube de Autores, pelo site da Amazon ou
diretamente com ela, nos formatos eletrônicos: PDF e Epub.
SITES E E-MAIL
romance-sobrenatural.blogspot.com
caminho-conservador.blogspot.com.br/
jossiborges@gmail.com

Você também pode gostar