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Resumo
O presente texto apresenta os resultados de uma pesquisa de doutorado concluída que teve por
objetivo compreender o sentido e o significado dos movimentos lúdico-corporais dos alunos
do primeiro segmento do ensino fundamental, do Colégio Universitário Geraldo Reis da
Universidade Federal Fluminense - COLUNI, em atividades livres realizadas nos intervalos
de aulas e nos horários de recreio da escola. A perspectiva teórico-metodológica adotada se
fundamentou no pensamento complexo de Edgar Morin e na socioantropologia do cotidiano,
em Michel Maffesoli. As teorias do Imaginário, de Gilbert Durand, como escola de
pensamento, serviram de aporte metodológico e como meio de análise dos resultados. Os
estudos de Stanley Keleman e Le Breton sobre corpo, dentre outros que transitam no mesmo
solo paradigmático, também sustentaram a base teórica da temática de investigação; qual seja:
o movimento corporal lúdico no contexto educacional. Adotou-se uma convergência de
heurísticas envolvendo registros do campo, fotos, desenhos das crianças, falas de diferentes
sujeitos da escola e a criação de um instrumento mais específico, a cartogênese, para analisar,
simbolicamente, a poética do movimento corporal das crianças dessa escola. As
representações arquetípicas manifestas pelas heurísticas se nuclearam em torno de elementos,
tidos como imagens simbólicas, que expressaram um hibridismo das estruturas antropológicas
do imaginário, a saber: mística, heróica e sintética, assim como um trânsito dos movimentos
lúdico-corporais, pelos Regimes de Imagens, Diurno e Noturno. Os símbolos e as imagens
que emanaram desta pesquisa traduzem a força da poética dos corpos brincantes no contexto
educacional revelando um imaginário, traduzido pelas formas lúdicas de sentir, pensar e agir
nos espaços-tempos livres na escola, que dão visibilidade das diferentes fruições dessa poética
corporal.
Introdução
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Doutora em Educação pela UFF, Mestre em Educação e graduada em Educação Física. Professora Adjunta da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro- Faculdade de Formação de Professores (FFP/UERJ). Membro dos
seguintes Grupos de Pesquisa: Formação de professores, processos e práticas educativas (UERJ); CIMINE -
Cultura, Imaginário, Memória, Narrativa e Educação (UFF). E-mail: taninhary@gmail.com.
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por meio desse texto, terá seus principais resultados apresentados. Diante da observação do
cotidiano lúdico do Colégio Universitário Geraldo Reis, da Universidade Federal Fluminense-
COLUNI, campo escolhido para a pesquisa, pretendeu-se, por meio de uma escuta sensível e
um olhar apurado, acompanhar e identificar as formas como os sujeitos da escola (alunos,
professores e funcionários) compreendem os corpos das crianças em movimentos lúdicos na
escola, assim como apreender o sentido e o significado da dinâmica corporal das crianças em
atividades de livre escolha, como as recreativas e os deslocamentos pela escola.
As principais questões que sustentaram este estudo foram: qual a gênese das imagens
do movimento do corpo das crianças dessa escola? Como é tecido o enredo da vida do corpo
nesse contexto escolar? Quais as estruturas arquetípicas desse enredo? Como essas estruturas
organizam o imaginário lúdico encarnado no corpo dessas crianças? Essas indagações
irrigaram o eixo central da investigação, a opção teórico-metodológica adotada, as heurísticas
escolhidas (e uma especialmente criada - cartogênese2) e os conceitos discutidos sobre o tema.
Acredita-se que os resultados alcançados possibilitarão um diálogo mais ampliado sobre o
tema ludicidade e educação contribuindo, significativamente, para a busca de uma educação
mais complexa, que envolva a sensibilidade, assim como poderá se constituir como fonte de
reflexões diante da grandeza do embate entre os fazeres e dizeres do corpo e o cotidiano
escolar.
Teve-se então por ser objetivo perceber a linguagem dos gestos das crianças na escola,
especialmente quando estão envolvidas em atividades recreativas e livres, considerando que
estas nos possibilitam pensar no sentido e significados dos movimentos e permitem-nos
articular um pensamento que nasce, em conjunto, do consciente, do inconsciente e da
capacidade corporalmente criadora do indivíduo. Essa riqueza material impulsionou a
pesquisa e subsidiou a busca por meios de interpretar, compreender e analisar a poética do
corpo das crianças no contexto escolar, visto que essa gestualidade, como razão encarnada,
aciona a ação expressiva do corpo fazendo com que ele se mova para significar, para
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A cartogênese é uma forma investigativa sobre os movimentos do corpo num dado espaço que não atende aos
apelos de uma descrição, mas que busca o desvelamento de mitos, arquétipos e imagens simbólicas. É um jogo
suave de sombra e luz no objeto de investigação. Há uma cartografia por trás da cartogênese, que é fixa, que
apresenta o contorno da cena a ser descrita, mas há um aprofundamento nas imagens que a compõem, que busca
a sombra. Logo, há uma geografia imaginal que revela as coisas do íntimo, de dentro para fora a partir da
constelação de imagens que se apresentam. Essas coisas não são, portanto, simples objetos neutros, matérias
frias diante de nós. Cada uma delas simboliza e evoca para nós uma mensagem. A descrição das coisas na cena
faz parte da cartogenia, mas não de forma expositiva, pois deve estar envolvida pela percepção no sentido mais
amplo possível: a escuta, o sentir o cheiro do local, a textura das coisas que ali se instalam, o tamanho dos
espaços e objetos, as vibrações dos componentes materiais, enfim, essa gama de coisas quase imperceptíveis
compõem a cena que a cartogênese pretende capturar (NHARY, 2011).
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comunicar, para inaugurar sentidos. Este texto se propõe então a apresentar esses sentidos por
meio de algumas imagens simbólicas que revelaram o imaginário lúdico do corpo das
crianças da escola em tela.
Com a intenção de ampliar reflexões sobre o tema que irriga o trabalho, recorreu-se
aos estudos sobre o corpo, pela vertente do pensamento mítico-simbólico, de Stanley
Keleman e Le Breton, dentre outros. Os estudos sobre o imaginário se constituíram como base
teórico-metodológica mestre, sobretudo os conceitos de Gilbert Durand (2002; 2004) de
Estruturas Antropológicas do Imaginário e Trajeto Antropológico, visto que este estudo
considera o processo de formação das imagens, quer do indivíduo, quer da cultura de um
grupo, em suas polarizações e em seus dinamismos presentes nas ações humanas.
Transitou-se pelo solo paradigmático ancorado na tríade do ideário de Edgar Morin,
Michel Maffesoli e Gilbert Durand, que, além de representar a grande inspiração para esse
trabalho, forneceu o embasamento teórico e o referencial hermenêutico necessário à
interpretação das produções, permitindo um olhar mais apurado para cultura lúdica das
crianças dessa escola. Em síntese, o objetivo da tese foi compreender as práticas lúdicas que
envolvem o corpo como forma de expressão dos modos de sentir, pensar e agir, logo, como
reveladores da cultura de um grupo.
Falando de coisas específicas, de lugares e contextos da vida do corpo brincante na
escola, de particularidades, de diferenças, explicando fatos, ações, dando exemplos, colhendo
pequenos relatos, observando situações ocorridas, fazendo analogias e comparações, narrando
a vida dos corpos das crianças do COLUNI, obtivemos resultados de pesquisa que não se
fecham em sua materialidade, mas que ao unir partes, por vezes tão subjetivas e abstratas, se
amplifica para possíveis entendimentos do imaginário do corpo na escola. Percebeu-se que há
uma fusão explosiva impondo um ponto de encontro, de convergência de diferentes
linguagens e imagens condensadas e encarnadas na poética do corpo em movimento. Foi a
partir dessas imagens, metáforas vivas que revelam a gestualidade das crianças, que chegamos
às interpretações e análises da investigação que aqui descrevemos, assim como também
apresentamos nas partes a seguir as abordagens sobre os temas tratados e o desenvolvimento
da pesquisa.
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Conhecer o corpo é, antes de tudo, conhecer os princípios que nele se impõe e também
a significação e valor dos gestos que ele executa, logo, é ter acesso à sua história de vida, pois
só assim dele poderemos apreender a ‘vida simbólica’. Cada história, por sua singularidade,
vai, do mesmo modo, tornando os corpos singulares em sua existência, pois vivemos e
tomamos as experiências do mundo à nossa volta de modo único, à nossa maneira,
negociando nossas pulsões internas em relação ao mundo objetivo que nos é dado. Nesse
sentido, nosso mundo consciente e as imagens de nosso inconsciente (JUNG, 2008) são
determinantes em nossos modos de expressão corporal, verbal, artística, seja velando ou
desvelando nosso ‘sistema de montagens simbólicas’, visto que nosso corpo é uma entidade
atuante, individual, limitada e ímpar. Nosso corpo é absolutamente envolvido em nosso
“trajeto antropológico” (DURAND, 2002).
Se o homem é socialmente criador dos movimentos do corpo e essa criação passa por
arquétipos, por mitos, porque “os mitos também ajudam o corpo a organizar e incorporar a
experiência” (KELEMAN, 2001, p. 18), ele é submetido corporalmente às condições do
próprio mundo cultural em que vive. Essa criação é singular; ela é representação da visão de
mundo de cada indivíduo em sintonia com sua consciência imaginativa. Viver corporalmente
é, antes de mais nada, participar do fluxo e das pulsões do mundo, do mundo que está em nós.
O corpo lúdico, referendado pelo entendimento de Johan Huizinga (2004) de Homo
ludens, é o corpo que se diverte; é o corpo que brinca, joga, se entrega a um arrebatamento
embebido em prazer e divertimento. É sobre esse corpo que falamos; um corpo que revela
uma vida simbólica rica em prazer, em diversão, que vive um simulacro numa via paralela ao
mundo real (HUIZINGA, 2004), mas sem dele se descolar totalmente. Assim, o lúdico é
campo das fruições do homem, tem sentido de evasão do real, permitindo que vivenciemos
um outro tempo/espaço, fazendo valer a liberdade e a sua criação. Vivido como em um ‘lugar
outro’, fora da mundanidade, as vivências lúdicas assumem uma dimensão plena de escape se
consubstanciando, principalmente, por meio de jogos e brincadeiras. Nesse sentido, o jogo é
“uma ação livre, vivida como fictícia e situada para além da vida corrente, capaz, contudo, de
absorver completamente o jogador” (HUZINGA, 2004, p.16), e que se realiza “num tempo e
num espaço expressamente circunscritos, decorrendo ordenadamente e segundo regras dadas e
suscitando relações grupais que ora se rodeiam propositadamente de mistério ora acentuam,
pela simulação, a sua estranheza em relação ao mundo habitual” (ibidem).
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O espaço lúdico, onde corpo e linguagem tomam forma e vida, é um dos espaços de
produção de sentidos das crianças na escola. Neste espaço a criança se defronta com os
outros, com o real, faz descobertas, sente alegrias, dores, vive apegos e conflitos que
possibilitam uma (re)significação de mundo, uma (re)leitura do contexto sócio-cultural.
Tomando consciência de suas possibilidades de ação e seus limites, a criança vai evocando o
sonho, a imaginação, o conhecimento. Torna-se um ator social que modifica e é modificado
pelo meio, que produz e é produzido pela cultura. Neste movimento dialético entre seu mundo
imaginativo e o real, o racional, a criança vai se constituindo como sujeito que, sob diferentes
formas de linguagem, exprime uma visão de mundo povoada por produções imaginárias
encarnadas no corpo. Constitui-se uma cultura lúdica infantil com a participação do corpo.
Como espaço de diferentes vivências práticas corporais, atividades lúdicas livres como
a dança, os jogo, as brincadeiras, o teatro e o desporto são manifestações humanas que se
revelam numa socialidade em ato (MAFFESOLI, 1984), onde o indivíduo, se utilizando de
suas habilidades e estilos como formas de linguagem, faz emergir sua noção de mundo.
Transmitidas, não simplesmente como instrumento metodológico do professor, mas se
traduzindo num saber-fazer simbólico e cultural, as atividades lúdicas na escola devem ser
entendidas como atividades de uma prática pedagógica pertencente não apenas ao campo da
educação física, mas, que se entrelaça por diferentes saberes do contexto educacional.
Espaços que podem ser as salas de aula, a quadra, os pátios, o horário de recreio, a rampa da
escola, as festas e ritos ou os simples deslocamentos das crianças pela escola. Uma das vias de
estudo da dimensão simbólica imaginária nos remete a esses espaços lúdicos onde o corpo,
como forma de expressão, revela os modos de sentir, pensar e agir. Logo, o pensamento
simbólico é expresso também pela gestualidade e revelador de uma cultura.
Assim, a pretensão da pesquisa em tela foi conhecer a linguagem corporal lúdica dos
alunos do COLUNI através de suas gestualidades reveladas nos ‘pequenos nadas’
(MAFFESOLI, 1984), ou seja, conhecer a corporeidade das crianças através de um olhar mais
sensível focado em seus modos de agir, seus gostos, suas expressões espontâneas e criativas
nos momentos de jogos e brincadeiras. Colocou-se em foco a cultura do movimento vivida
cotidianamente pelas crianças do COLUNI. Segundo Maffesoli (1984), o que é vivido no
cotidiano revela uma latência social, o que o autor denomina por socialidade, como uma
trama social que envolve as manifestações humanas mais banais (pequenos nadas) e
efervescentes como ritos, festas e atividades lúdicas. Para este autor, o essencial da trama
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social está na atenção aos pequenos fatos da vida cotidiana, assim como no reconhecimento
dos microagrupamentos (família, associações, partidos, escolas, etc.) como reveladores desta
trama de relações.
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O termo imaginário ora aparece com letra maiúscula ora com minúscula. A intenção é distinguir o primeiro
como Escola de pensamento, e o segundo como noção/conceito de abordagem de temas.
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excede e foge à lógica cartesiana e racional de docilidade corporal no âmbito das instituições.
Percebe-se que em diferentes cenários que envolvem o corpo na escola surge um colorário de
imagens simbólicas que traduzem sentidos e enfatizam significados da cultura do movimento
de grupos que partilham um mesmo cotidiano; há um movimento de harmonia entre mente e
psique, entre corpo e alma, entre razão e emoção dos corpos que se movimentam no espaço;
há uma representação corporal que é fonte de imagens simbólicas, que as alimenta e que é por
elas alimentada.
da nossa condição humana tecido por uma rede de imagens simbólicas reveladora de nossas
idéias/imagens força.
A partir desses pressupostos, adotou-se a “antropologia do imaginário” desenvolvida
por Gilbert Durand (2002), pois ela é sustentada pelo estudo do modo como as imagens são
produzidas e transmitidas, o que envolve o conjunto de todas as imagens possíveis produzidas
pelo homo symbólicus. Essas imagens, como linguagem da alma (psique), se expressam no
corpo, como menciona Durand (ibdem) em sua arquetipologia geral do imaginário, e ficam
amalgamadas em nosso trajeto antropológico. O imaginário é então concebido como função
de equilibração antropológica e é alimentado pela produção de imagens que circulam sob
diferentes formas de interações sociais. Segundo Durand (2002), nossa gestualidade “suscita
um material imaginário” (p.54) e nosso corpo cunduz à conscientização do mundo da psique
em sua inteireza. O imaginário se expressa por imagens e por discursos que pretendem
configurar uma realidade, o que requer um investimento também do corpo.
Para melhor compreender essa Escola de pensamento, esclarecemos que as estruturas
do imaginário transitam em torno de schèmes4 que são matriciais: separar (estrutura heróica),
incluir (estrutura mística) e dramatizar (estrutura sintética). Os schèmes produzem arquétipos
e símbolos e sua ativação constitui os dois Regimes de Imagens (Noturno e Diurno). Para
Durand (2002), essa bipartição do imaginário em dois Regimes (Diurno e Noturno) resulta em
uma posterior tripartição em estruturas (acima mencionadas) de acordo com a natureza das
imagens. Essas três estruturas são dinâmicas e desvelam as representações imaginárias.
Quanto aos Regimes, o Diurno está relacionado às ‘faces do tempo’. Pressupõe
imagens epifânicas imaginárias da angústia humana diante da temporalidade. Um estado de
vigília, com armas prontas para o combate, corresponde à atitude heróica do imaginário. Este
Regime está relacionado a símbolos ascensionais em torno da noção de poder. O arquétipo do
herói é sua grande marca significando potência, elevação, purificação. É um Regime de
estrutura essencialmente heróica que se relaciona à atitude de atividade e de agressividade,
cujas técnicas são ascensionais e de purificação.
Já o Regime Noturno de Imagens está sob o signo da conversão e do eufemismo e se
relaciona com o simbolismo da intimidade. Nele as imagens se constelam em dramaticidade e
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Não há palavras na língua portuguesa que possam traduzir o sentido do termo schème. Não podemos dizer que
diga respeito à esquema, mas, em linhas gerais, podemos afirmar que schème se relaciona à uma atitude, uma
ação, um verbo. É uma generalização dinâmica e afetiva da imagem. Faz a junção entre os gestos inconscientes
(sensório-motor), as dominantes reflexas e as representações. Os schèmes formam o esboço funcional da
imaginação e aparecem como o ‘apresentador’ dos gestos e das pulsões inconscientes.
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escola, embaixo das árvores, são práticas pertencentes ao Regime Noturno que revelam esse
imaginário de estrutura mística. Os elementos simbólicos que perpassam tais atividades, tanto
em sua execução quanto em sua representação nos desenhos feitos pelas crianças ou pelos
registros em fotos e falas que serviram de base de análise da pesquisa, estão nucleados em
torno da intimidade, que tanto pode ser dada pelo chão-terra, como vimos, como também
pelas cavidades de refúgio. Uma espécie de ‘escondidinho’ para ‘estar-junto-com’
(MAFFESOLI, 1984). As áreas livres do COLUNI, principalmente o andar inferior, formam
um manancial de espaços de aconchego. A base em que se apóia a caixa d’água, a parte de
trás da biblioteca, da arquibancada, os jardins da entrada na escola, os cantinhos formados por
paredes são espaços para se viver o universo místico que o corpo suscita. Tornam-se espaços
de uma convivência partilhada. Vive-se uma “socialidade em ato” (MAFFESOLI, 1998).
Ocorrem nesses espaços leituras de livros, jogos de Uno, troca de figurinha e diferentes
brincadeiras. São pontos de (re)união ritualizados que fazem emergir a força do viver junto.
Os movimentos cíclicos de subida e descida, o sentido de repetição do tempo, o desejo
de unir o começo ao fim a fim de descobrir o sentido da existência presentes nas brincadeiras
de repetição, vem se constelar na estrutura sintética. Esse universo de estrutura sintética,
cíclica possibilita uma espécie de transcendência. O movimento corporal das crianças do
COLUNI de subida e descida (que neste estudo é visto no brinquedo ‘trepa-trepa’, na rampa,
na escadaria da entrada da escola, no espaço de terra íngreme, inclinado, na frente da escola,
na arquibancada, nas árvores, nos mastros da bandeira e das redes da quadra esportiva), se
apresenta como iniciativa imaginativa e também como vontade corporal. Ambas põem em
jogo a fantasia e o corpo, que dá vida a esta, e vice-versa. Essas coisas ‘falam das
configurações que assumem’. Ascender e descer de brinquedos e de planos inclinados são
realidades que se efetuam pela própria experiência corporal, que, neste caso, são inseparáveis
do sentimento lúdico. As imagens analisadas nestas atividades nos possibilitam ver o sentido
de repetição do tempo, visto que, o homem não faz mais do que repetir o ato da criação
(ELIADE, 2006). Ele precisa voltar atrás e chegar ao ‘princípio do mundo’(op.cit.). As
crianças sobem e descem dos brinquedos, da rampa e da arquibancada (apenas para dar alguns
exemplos) na busca desse universo cíclico e repetitivo, em que cada subida e/ou descida se
renova e é sempre nova. Por mais que pareça, nada é sempre igual, por isso a necessidade de
repetição. A gestualidade dos meninos e meninas durante as subidas e descidas ultrapassa a
aparência. Não se trata de experimentação pura do movimento, mas transcende para uma
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Considerações Finais
da imagem de tudo que compõem estas cenas não podem se perder no esvaziamento
descritivo, pelo contrário, as imagens devem ser apresentadas em sua pluralidade de sentidos.
Se os pés das crianças se arrastam na descida da rampa de uma escola, muito mais do que
descrever que eles se arrastam é entender o que eles podem representar ao se arrastarem. Se as
muretas da escola são escaladas pelas crianças, é preciso perceber o que dá sentido a este
movimento, muito mais do que apresentar como é feito este movimento. Isso justiça as
heurísticas escolhidas, pois, por meio delas, essas “coisas” intangíveis, indescritíveis,
imperceptíveis puderam ser colocadas em evidência.
Precisamos reconhecer que há no fazer infantil um manancial de pistas a apontar como
sentem, pensam e agem nossos alunos nas escolas. Alguns professores entrevistados durante a
presente pesquisa sabem disso: “Elas querem correr, pular, brigar, mas só de brincadeira. É
a tal da ‘brinca’, como eles falam”. No meu entendimento, escola é lugar de corpo, sim.
“Eles têm que se mexer, falar alto, ir correndo pelos corredores. Fazem farra mesmo, é
normal. Nós é que temos que dar limites, mas não impedir”.
A ludicidade corporal das crianças nas nossas escolas, essa rica fonte que nos
possibilita conhecer os alunos em suas formas mais complexas de se relacionar, experimentar,
vivenciar e entender o mundo alinha-se ao resgate da dimensão mítica e imaginária, cuja
expressividade esboça um ‘riscado’ da cultura lúdica revelando um dinamismo simbólico
rico. As interpretações desse ‘riscado’, a dinâmica vívida da cultura dos corpos em
movimento são flutuantes. Todavia, é notável que tais interpretações se filiem a simbolismos
específicos. Essa pesquisa se propôs a revelar alguns deles.
Pela vertente do pensamento durandiano, vimos que existem três modos de
estruturação simbólica do comportamento humano, ao que ele denomina de estruturas
antropológicas, como explicitadas no decorrer desse texto: estrutura heróica, mística e
sintética. Essas estruturas são híbridas e cambiantes. As crianças do COLUNI, em seus corpos
lúdicos, apresentam certo equilíbrio dessas estruturas. A cultura brincante dessa escola não
está delineada em ‘corpos únicos’, mas em cada corpo multifacetado. Elas, as crinaças,
transitam em seus movimentos corporais lúdicos, entre o Regime Diurno e o Regime
Noturno, conquistando uma equilibração positiva para um viver social desejável. Talvez seja
por tal motivo que as crianças apelam: “queremos brincar na escola também”, comentou um
menino
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Muitas coisas sobre o movimento corporal das crianças foram vistas e aqui descritas,
outras não, mas estão lá fazendo a ‘história do corpo’ dos alunos do COLUNI. Em meio aos
achados do campo, ao arcabouço teórico escolhido e as heurísticas adotadas, especialmente a
cartogênese, criada a partir da própria pesquisa, caminhou-se por veredas sem fim e que ainda
precisam ser trilhadas por outros pesquisadores. Há muito que se ver nesse ‘traçado’, e o que
pode ser deixado quanto à passagem por essa vereda investigativa labiríntica sinalizou que a
atividade lúdica é um tecido intersticial que integra razão e emoção, norma e vida, ordem e
desordem, sonho e fantasia, real e imaginal. Na escola, grande parte dessas atividades requer
o investimento do corpo. Se entregar ao lúdico é, em primeiro lugar, se doar de corpo e alma.
O movimento corporal das crianças do COLUNI, por si só, instaura essa tessitura. A alegria
dessas crianças, sobretudo no recreio, espaço-tempo principalmente investigado, ‘faz vibrar’ o
chão, ‘enche’ o espaço de risos e gritos de emoção, traça um vaivém de corpos entre as
rampas, entre os pátios da escola, à procura de algo cada vez mais prazeroso: um jogo, uma
brincadeira de elástico, amarelinha ou corda; há uma busca por vertigem, sorte, simulacro,
competição e que fazem da cultura lúdica do COLUNI uma experiência rica em
representações. Dessa forma, é possível dar vazão a desejos, criar movimentos, imitar tantos
outros, enfim, viver uma realidade mítica encarnada no corpo lúdico a transitar por toda a
escola.
Concluiu-se, então, é preciso investir em uma pedagogia que valorize e incentive a
expressão e comunicação do corpo na escola. Uma pedagogia da criação, da imaginação, da
libertação e do lazer que se apóie em práticas pedagógicas que valorizem as vicissitudes que
envolvem a questão do investimento do corpo lúdico.
REFERÊNCIAS
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. Tradução de Pola Civelli. 6. ed. São Paulo: Perspectiva,
2006. (Coleção Debates). 179 p.
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HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução de João Paulo
Monteiro. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. (Coleção Estudos). 243 p.
JUNG. Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinto. 2. ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 429 p.
KELEMAN, Stanley. Mito e corpo: uma conversa com Joseph Campbell. Tradução de
Denise Maria Bolanho. 3. ed. São Paulo: Summus, 2001. 116 p.
NHARY, Tania Marta Costa. A cultura lúdica na escola e o corpo imaginal. Tese de
Doutorado em Educação. UFF. Niterói: RJ, 2011.