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Cartilha de

Orientação ao
Luto Parental
pelo direito de sentir.
Compilação de Conteúdo
Tatiana Maffini e Flávia Rott

Revisão, Projeto Gráfico e Diagramação


Luísa Silveira

Imagens
Freepik, Pixabay, Daniela Battastini, Arquivos Pessoais

Colaboração
Karina Polido
Franciele Sassi
Maria Helena Franco
Adriana Thomaz (In Memorian)
“ Nossa
história
lembra
muito mais
amor do que
dor.
TATIANA MAFFINI
Presidente da ONG amada Helena
Índice
Apresentação.......................................................................6
Luto é o amor que fica.........................................................7
A ONG amada Helena.........................................................9
Quem é Helena?..................................................................9
O que queremos?..............................................................10
Por que queremos?...........................................................10
O Luto...............................................................................12
O que é o luto?..................................................................13
Por que o luto é um tabu?.................................................13
O luto tem prazo de validade?...........................................14
O Luto Complicado............................................................15
Luto x Melancolia...............................................................16
O Luto e a Sociedade Atual...............................................17
Por que falar sobre o luto?................................................18
O Luto no Brasil.................................................................19
O Luto Não Reconhecido...................................................19
O Luto e o Sistema Único de Saúde.................................21
O Luto e a Internet.............................................................22
O Luto Coletivo..................................................................23
O Luto pela Morte Súbita ou Violenta................................24
O Luto e os Jovens............................................................25
O Luto e os Homens..........................................................25
O Luto e as Crianças.........................................................27
O Luto pela Perda Gestacional ou Neonatal.....................29
O Luto e as Mulheres.........................................................31
O Luto e os Rituais de Despedida.....................................33
O Luto e a Saúde...............................................................35
Para Você.........................................................................37
Vocês ainda são uma família.............................................38
Ouça com o coração..........................................................39
A Lei do Direito de Sofrer....................................................40
Você poderá sentir..............................................................42
O que pode te ajudar..........................................................44
Tarefas do Processo de Luto.............................................45
Aos Avós............................................................................48
A hora de pedir ajuda.........................................................53
Como é o tratamento?........................................................53
A Escrita como Recurso Terapêutico.................................54
É melhor sofrer ou esquecer?............................................55
Anestesiar a dor é a saída?................................................56
Como fica a religião/espiritualidade?.................................57
Os filhos que ficaram..........................................................58
Como fica o casamento?....................................................58
Engravidar, adotar ou nenhuma das opções?....................60
Como conviver com amigos e família?..............................61
Como celebrar se a felicidade não existe?........................62
A dor de ver um filho partir..................................................63
Para quem quer ajudar.....................................................66
No Velório...........................................................................68
No dia-a-dia........................................................................69
Nas Festividades................................................................70
Ajuda da Família.................................................................71
Ajuda dos Amigos...............................................................72
No Trabalho........................................................................72
A empresa pode ajudar?....................................................73
Saiba Mais........................................................................75
Por que ajudar essa causa?...............................................76
Endereços Importantes......................................................77
Fontes de Pesquisa............................................................78
Apresentação

A Cartilha de Orientação
ao Luto Parental foi
elaborada pela ONG amada
momento difícil.
Reunimos informações
de profissionais experientes
Helena e pelo movimento no auxílio às famílias que
nacional “Amor que guia” perderam sev us filhos.
com o intuito de auxiliar Especialistas agruparam
as famílias que perderam dicas para que você possa,
seus filhos. Entendemos da melhor forma possível,
quão difícil é esta perda e conviver com a ausência/
entendemos ser de extrema presença do seu filho.
relevância abordar este tema Trouxemos depoimentos de
como forma de trabalho mãe s que passaram pelo
social. momento que você enfrenta
Ao longo da cartilha, e que, com o devido apoio,
destacamos que você não deram continuidade às suas
está errada (o) ao sentir vidas.
o que está sentindo. Este Esperamos que você
momento é todo seu. Cabe possa extrair de cada página
a nós entender e respeitar algum ensinamento, ou
estes sentimentos. Por simplesmente o conforto de
isso, nos preocupamos saber que sempre haverá
em elaborar um material alguém disposto a ajudá-
que seja útil também para la(o). Uma ótima leitura!
aqueles que convivem com
você: avós, amigos, colegas
de trabalho. Todos devem
ler este conteúdo para saber Abraços fraternos,
como se portar diante este Time amada Helena

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Luto é o amor que fica

S e podemos dizer que, ao


nascer um filho nasce
uma mãe, será possível
uma espécie de “fracasso
social”, como se tivesse
falhado na função materna
afirmar que, simbolicamente, de proteger e garantir a
ocorre a morte da mãe sobrevivência do filho. Por
quando morre o filho? isso, em termos de números,
As palavras “morte” muito mais mulheres do que
e “luto” remetem, de homens sucumbem ao luto
imediato, a sentimentos complicado.
de dor, fracasso e solidão. Considerando que a
Pensar sobre a morte é se experiência do sofrimento
deparar com a experiência é de natureza interna,
de esvaziamento, falta privada e individualista – e
de sentido, definição e que o processo de luto é
explicação. A mais vazia das externo, público e cultural
ideias vazias. O conteúdo – a obrigação de sofrer às
“morte” é impensável, escondidas e a interdição
inexplorável, traumático da manifestação pública
por excelência. Quando a agravam consideravelmente
morte chega a um filho é o trauma dessa perda
descrita pelos pais como impossível de nomear*,
algo dilacerante, capaz de tamanha a singularidade e
desequilibrar até o mais intensidade.
equilibrado dos seres Morrer é a nossa única
humanos. Contradiz a certeza, mas temos um
“ordem natural da vida”. Não compromisso cultural/
se imagina, nem nos piores social com a felicidade.
pesadelos. Logo, o luto vivido Nossa e dos outros.
pelos pais é particularmente Agimos, instintivamente,
severo. Quanto à mãe, na direção da eliminação
além da perda, ela vive da dor, consequentemente

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não aprendemos a conviver perda de um filho jamais é
com a morte. Isso é essencial superada, impondo à família
para saúde mental da um novo modo de vivenciar a
população como um todo, maternidade/paternidade na
bem como a necessidade da ausência/presença do filho.
discussão do tema de forma
natural.
Daí a importância de uma *Em outras perdas
educação para a morte, pois o status social do
ainda hoje as pessoas que enlutado muda: de
convivem com quem vivencia casado para viúvo, de
o luto não sabem como agir filho para órfão. Os
e acabam acreditando que pais não adquirem um
logo após a morte do filho novo lugar. Continuam
a aceitação se concretize. a ser pais, agora,
Crêem, erroneamente, que porém, de um filho
este será um processo rápido. morto.
Embora o luto se modifique
ao longo do tempo, a

}
“Ninguém
deveria
ver partir
aquele que
viu nascer.”
ORLANDO ALVES, pai de anjo.

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A ONG amada Helena

A ONG amada Helena é


uma organização sem
fins lucrativos que busca
uma transformação efetiva
na vida das milhares de
pessoas que sofrem com o
a humanização do luto abandono emocional após a
parental, afim de promover perda de um filho.

Quem é Helena?

U ma menina tão delicada,


com uma personalidade
latente, grandiosa, que
chamava por segurança no
colo da mãe, pela proteção
do pai, mas tudo foi em vão.
encanta a todos até hoje pela Helena perdeu a luta contra
história de vida e luta. Helena o tempo, contra o descaso.
teve uma existência intensa, O sonho transformado em
imersa em um mundo de pesadelo e o futuro imaginado
novidades, que parecia saber interrompido para sempre.
não ter tempo de conhecer. Entretanto, o legado
Com apenas 17 dias ela deixado por ela foi maior do
se despediria da vida.Tão que se imaginou. Para honrar
pequena, lutou durante sua memória, a família
12 horas a espera de um fundou a ONG que leva, além
leito de UTI neonatal em do nome dela, o adjetivo que
Gravataí, no Rio Grande identifica esse ser tão puro
do Sul. Queria permanecer, e repleto de luz: amada!

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O que queremos?

O objetivo dessa cartilha é


detalhar recomendações
de boas práticas em relação
de suas necessidades e
sentimentos. Estimulando,
assim, uma melhora na
ao luto parental, buscando qualidade de vida após
estabelecer um diálogo sobre a perda e prevenindo
a perda e quebrar o tabu complicações associadas ao
acerca do tema no País. luto.
Temos o propósito de Também projetamos
que todas – ou boa parte ressaltar a importância de
– das famílias que passam vínculos sociais e familiares
por essa tragédia tenham no processo, despertando
acesso a informação sobre empatia e ajudando a
o decorrer do processo do compreender melhor as
luto, de forma prática e de carências das famílias, para
fácil entendimento, ajudando que seja exitosa a adaptação
a torná-las mais conscientes à nova realidade.

Por que queremos?

N ão podemos mudar
a tragédia que atinge
muitas famílias, mas
que sofrem caladas e
reprimem o amor ao filho
em uma sociedade que
podemos auxiliá-las na não compreende tal dor.
compreensão do luto como Acreditamos que todas as
um processo a ser vivido e pessoas são capazes de
não evitado. Assim o fazemos sorrir novamente após a
por meio da informação e fatalidade, desde que lhes
orientação. sejam oferecidos recursos,
Pretendemos ajudar condições e ferramentas
milhares de famílias favoráveis para tanto.

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Infelizmente a nossa e Karina Polido (ambas
realidade está longe desse especialistas em terapia
“cenário ideal”. A maioria do luto), construímos a
das famílias enlutadas não terceira edição do primeiro
recebe nenhum suporte, material impresso no Brasil,
justamente no momento distribuído gratuitamente,
em que se sentem mais abordando o tema “luto
fragilizadas. Investir parental”.
em políticas públicas e Acreditamos na relevância
campanhas focadas na do conteúdo aqui compilado
possibilidade de recuperação para o processo do luto,
e promover a comunicação sendo um instrumento de
eficaz entre estas pessoas e fundamental importância
a sociedade é fundamental na valorização e no
para a melhora da qualidade empoderamento feminino.
de vida dessas famílias. Por isso, reiteramos o peso
O luto não é apenas um deste material, que trará
processo psicológico, é esperanças a essas famílias
uma questão social que que, mesmo em condições
precisa de atenção. Hoje tão adversas, sobrevivem
no Estado existem poucos com determinação
grupos de apoio, nenhum e expectativa de um
mantido pelo Sistema Único futuro onde o respeito, o
de Saúde (SUS). Pensando acolhimento e a orientação
nisso, com a consultoria das estejam presentes. Ninguém
psicólogas Franciele Sassi passa por isso por escolha.

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o luto
“O luto não é um obstáculo que deve ser superado.
E sim, uma experiência da maior importância que
precisa ser vivida, para que seu significado seja
construído e entendido. Ninguém pode fazer isso
pelo outro, embora todos tenhamos a vontade de
proteger as pessoas de sofrerem.”

DRA. MARIA HELENA FRANCO,


psicóloga.
O que é o luto?

E ngana-se quem acredita


que o luto é apenas choro,
lamentação, doença, depressão
em um artigo publicado
pelo psiquiatra George L.
Engel, em 1961, ele afirma
e, portanto, deve ser evitado que a perda de alguém
ao máximo. O luto nada significativo pode ser tão
mais é que o processo de traumática psicologicamente
readaptação da realidade como seria fisiologicamente
sem a pessoa que faleceu. uma queimadura grave. Nessa
Cada processo é singular perspectiva, a elaboração do luto
e não pode nem deve ser funciona como uma espécie de
comparado e medido para processo de cura, que termina
justificar a profundidade do com o restabelecimento da
amor por aquele que partiu. pessoa e a retomada do
Para se ter uma ideia, equilíbrio abalado.

Por que o luto é um tabu?

A morte ainda é vista como


uma incógnita, rodeada
de paradigmas da sociedade
que, embora doloroso, seja
discutido de forma natural
entre todos. O luto como
moderna. As palavras “morte” processo individual está
e “luto” remetem de imediato a diretamente relacionado ao
sentimentos de dor, fracasso luto como processo social. Isso
e solidão. Aprender a aceitar porque cada indivíduo está
e a conviver com a morte é inserido em uma sociedade
essencial para a saúde mental que exerce influência direta
da população como um todo. sobre os sentimentos e
Portanto, torna-se necessário comportamentos.
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gerados pela morte de uma a morte como parte natural
pessoa. da vida os lutos tendem a ser
Por esta razão, a menos sofridos. Em outra,
elaboração psicológica do que percebe a morte como
luto está atrelada à maneira o afastamento indesejável
como um grupo social pensa de alguém querido, o luto
a morte e se comporta diante costuma ser doloroso, com
dela. Em uma cultura que vê sentimentos intensos.

O luto tem prazo de validade?

P or que desejamos tanto


abreviar e delimitar um
tempo? Quem sabe porque
permitir que se desenrole
cada um no seu ritmo e,
lentamente, se organizar
assim imaginamos que o diante deste sofrimento.
final do sofrimento seja Porque no luto não há
possível. Infelizmente não é cronômetro, mas vale
tão simples. Mas pensando lembrar, que o primeiro ano
em tempo cronológico (para costuma ser o mais difícil por
a família enlutada o tempo se tratar das primeiras datas
não é linear, nem mesmo (aniversário, dia das mães,
o do relógio) o processo dos pais, Natal, etc) sem
do luto pode durar anos, aquele que partiu. Outro
sem que isso signifique lembrete importante é que
que haja qualquer tipo de o tempo – curto ou longo –
complicação. Logo, não há de recuperação não mostra
como precisar um tempo o tamanho, profundidade e
final. Além disso, não longevidade do amor pelo
falamos em fim do processo filho.
e sim, final da elaboração.
Então, o mais coerente é

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O luto complicado

É difícil precisar
duração “normal” para
uma

o luto. Ele pode durar anos


expectativas e esperanças
que os pais tinham, em
relação àquela criança
sem que caracterize qualquer específica, são perdidos.
complicação. Então como se Isso é particularmente
define um processo dificultoso ameaçador para a maioria das
não é o tempo, nem a presença famílias.
de determinados sintomas Um mundo antes
ou comportamentos, já que experimentado como seguro e
muitos deles também estão ordenado, pode passar a ser
presentes no luto “normal” percebido como injusto e fora
(como a revolta, a culpa, de controle. Pais enlutados
etc). O que define este precisam reconstruir seu
transcurso é a intensidade, mundo interno, que ganhará
a frequência e a duração novos significados, pois a
dessas manifestações. perda de um filho provoca
Há algumas perdas impactos na saúde física e
reconhecidamente difíceis psicológica de um terço das
de serem elaboradas. Um pessoas que passam por
exemplo é a morte de um filho, esse tipo de experiência.
vivenciada quase sempre O restabelecimento da
como uma tragédia, uma vida e do equilíbrio após a
perda cruel, especialmente perda é difícil e isso pode
quando se trata de uma gerar o risco de o enlutado
criança. É considerado desistir da vida, ou levar a
um dos mais complicados
enlutamentos, gerando
*O psicólogo William
sintomas duradouros. Isso
James definiu self como
se deve ao fato de que
o conhecimento que
“quando uma criança morre,
o indivíduo tem de si
parte do self* dos pais
próprio.
morre também”. Os sonhos,

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pessoa ao adoecimento. Contudo, esta realidade não
Por estes motivos a perda necessariamente gerará
de um filho requer atenção lutos complicados.
e compreensão peculiares.

Luto X Melancolia

O desânimo profundo e
penoso, a perda de
interesse pelo mundo externo
pode prolongar o estado
de estar “em suspenso” por
uma vida toda.
e da capacidade de amar, “O luto, a aceitação da
a redução das atividades morte, pende para o lado da
ao mínimo necessário, são vida, enquanto a melancolia
características marcantes nos encerra na mesma
e normais, pois se devem morte que ela recusa. O
ao fato de o enlutado estar melancólico é aquele que
voltado para o seu próprio não para de sofrer”. Quando
sofrimento. Isso faz com o filósofo Sponville disse
que se interesse por poucas isso, não quis minimizar a
coisas além daquilo que está dor de quem vive a perda,
sentindo. como se fosse possível
Essas reações tendem a desligar um botão imaginário
desaparecer naturalmente da dor.
com o tempo. A inevitável Ele quis dizer que o
“aceitação” da realidade processo de ressignificação
começa no processo de da vida após a perda precisa
apaziguar a dor, ensinando- ser feito, para que tudo não
os a viver apesar de tudo, vire uma grande despedida
a usufruir apesar de tudo, de si mesmo e da própria
a amar apesar de tudo. E é vida que “vai junto” com a da
isso que distingue o luto da pessoa querida que partiu.
melancolia, sentimento que

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O Luto e a Sociedade Atual

E sse mundo, imediatista


e anti demonstrações
de sofrimento, clama pela
ritos são mais breves e é
necessário mais tempo para
a recuperação.
rapidez e ocultação de Realmente é triste ver
qualquer emoção negativa quem amamos partir, por
ou que remeta à nossa isso escondemos esta
vulnerabilidade, levando-nos realidade, negando fazer
a uma abordagem prática, parte da própria vida. Além
que tenta afastar a morte disso, vivemos um momento
do cotidiano. Como prova social desafiador, obcecados
disso, citamos o fato que pela felicidade como sistema
hoje as mortes acontecem, de vida. Na era das selfies,
na sua maioria, em hospitais, viagens e vidas perfeitas,
acompanhada de médicos. não há espaço para o sofrer.
Não mais em casa, junto Tristeza virou fraqueza, luto
da família. Ao invés de virou doença.
velórios realizados no lar, a Essa ocultação pode
cerimônia é feita em locais também ser percebida, dentre
especializados, da forma outras maneiras, na idéia de
mais rápida possível, em que conversar sobre a morte
meio a uma rotina cada vez é algo mórbido. Incentiva-se
mais acelerada. que os enlutados pensem em
Não queremos nos outros assuntos e expressem
deparar com a realidade suas emoções de maneira
própria da finitude humana. contida, como se elas fossem
Como consequência, o sinais de fraqueza. Estas são
encobrimento não permite práticas comuns neste século,
aos enlutados uma em que a morte passou a
despedida prolongada, por ser vista como uma ruptura
conta do sofrimento que inoportuna, que gera uma
visivelmente provoca. Os dor intolerável. Celebramos a

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vida como se ela nunca fosse para que a tristeza interrompa
acabar e não abrimos espaço seu ritmo.

Por que falar sobre o luto?

O processo de elaboração
do luto poderá ser
diretamente influenciado pela
“Quando perdemos alguém,
ficamos com raiva, zangados,
desesperados; deveriam
presença ou ausência de uma deixar que extravasássemos
rede social que ajude a família estas sensações” (Elisabeth
enlutada a lidar com a perda. Kübler-Ross, psiquiatra).
Por não receberem suporte, Ainda assim, os estudos
algumas pessoas enfrentam são poucos. Essa carência
sozinhas esse período, o que de abordagem do tema faz
o torna particularmente difícil, com que se torne cada vez
aumentando o risco do luto mais difíci compreendê-lo
complicado. e enfrentá-lo. Abrir espaços
A “proibição” da expressão acolhedores e conscientizar a
dos sentimentos tem sociedade sobre a importância
preocupado muitos psicólogos de permitir expressões de
que enfatizam a necessidade sentimentos vai aliviar o fardo
de as pessoas externarem atual do luto e do sofrimento
os sentimentos. Fazer isso ocultos. Falarmos ou não
favorece um processo sobre ele não vai mudar o fato
saudável, que resulta no de que ocorre, mesmo sendo
restabelecimento após a um tema árido, difícil de ser
conclusão. abordado e compreendido.
Os profissionais ressaltam Precisamos aprender a lidar
que tentar reprimir ou oprimir com a morte e a tristeza.
o que é sentido pode ser Afinal, elas fazem parte da
prejudicial à elaboração do luto: vida.

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O Luto no Brasil

N o geral, a sociedade
brasileira impõe um
silêncio absoluto em torno
Aprofundá-los
novos
agregará
conhecimentos,
beneficiando não somente a
do tema. Pela total falta comunidade científica, mas
de compreensão sobre o também os indivíduos de
luto, ele é cada vez mais modo geral.
mistificado, promovendo O caminho a ser
errônea abordagem diante percorrido é longo, mas se
da realidade da perda. Além faz necessário. Mesmo que
de frases prontas e pouco brevemente, precisamos
empáticas, muitos ditam a compreender a temática,
maneira como o processo oportunizando uma acolhida
de luto deve ser vivido, como efetiva aos enlutados, sem
se ele fosse adequado a pressões e, portanto, sem
modelos e regras. rótulos. Entender o processo
É notável a falta de de morte, assim como se
estudos sobre o luto entende a vibração da
decorrente da morte de um vida, é fundamental para
filho, devido à complexidade desmistificar o processo do
que o tema abrange. luto no País.

O Luto Não Reconhecido

O luto não reconhecido


é aquele “não aceito”,
por não se enquadrar
julgamento, o luto decorrente
de suicídio, por exemplo,
muitas vezes é taxado de
nas regras – explícitas ou vergonhoso. Dependendo
implícitas – estabelecidas da interpretação, ele pode
pelo contexto social. evidenciar a “covardia” do
Envolvido por preconceito e filho por ter tirado a própria

amada Helena . 19
vida e/ou o abandono da “Foi uma punição?! Uma
família por não ter conseguido mensagem?!”...
perceber e evitar. Quanto mais próxima a
Já o luto pela morte de relação de quem morreu
um criminoso (assassino, com o enlutado, maior tende
estuprador, traficante, etc), a ser a culpa deste por não
geralmente é invalidado ter percebido. Segundo a
pelo estigma de que esta Associação Brasileira de
pessoa “merecia morrer”. Estudos e Prevenção de
De forma similar acontece Suicídio (Abeps), estima-
com as famílias cujos filhos se que 60 pessoas sejam
morreram em consequência intimamente afetadas por
do uso excessivo de drogas, cada morte por suicídio.
são igualmente acusadas de Família, amigos, colegas, etc.
negligência por não evitar o Famílias que vêem
que era previsto. seus filhos perderem para
O luto decorrente o submundo do crime e
de situações como as não conseguem trazê-
exemplificadas pode los “de volta”, geralmente
provocar repúdio, causando são culpabilizadas e têm a
vergonha às famílias que dor negligenciada já que,
demonstram seu pesar. aparentemente, sabiam que
Muitas ainda escondem o o fim seria este. Além da
acontecimento, evitam falar dor e do tabu que é o luto,
sobre o assunto para não ser ainda precisam conviver com
alvo de julgamentos. julgamentos e abandono
Em um suicídio, a pessoa emocional por parte de
deixa de ser reconhecida familiares, amigos e colegas.
como realmente era. Por Podemos comparar amor
exemplo, o “filho estudioso” e dor? Por que consideramos
passa a ser o “filho que s que uma mãe que perde
matou”. Em torno deste um filho jogando futebol
acontecimento paira uma merece mais solidariedade
infinidade de perguntas do que a mãe que perdeu
sobre o motivo: “Como o filho com nove tiros na
poderiam ter evitado?!”, favela? Como lidar com os

amada Helena . 20
julgamentos trazidos por o fato de que existe amor
um estigma tão grande em na relação parental,
nossa cultura? Podemos, ao independente do caráter do
invés de nos rendermos à filho. Queremos trazer à tona
marginalização que envolve os sentimentos represados
situações tão controversas, pelo silêncio e mostrar a
tentar nos desprender de urgência de trabalhar o
julgamentos e respeitar as tema em uma sociedade
famílias que geraram estes que não tolera o sofrimento
filhos, educaram, amaram e e contextualiza as mortes
conheceram a dor de perdê- voluntárias e situações que
los. Não estamos justificando fogem ao suposto controle
nem determinando certo ou social.
errado, mas evidenciando

O Luto e o Sistema Único de Saúde (SUS)

P recisamos garantir que


as equipes de saúde
conheçam os preceitos
Atualmente há pouco
ou nenhum apoio dos
profissionais no atendimento
básicos de conduta hospitalar inicial e, quando
nessas situações (muitos recebido, acontece apenas
já previstos nos manuais nos primeiros momentos após
de práticas em saúde); a perda. Em contrapartida,
capacitar e acompanhar os a assistência profissional
profissionais nos hospitais é um ponto importante
para que possam sustentar relatado por muitas famílias
e apoiar famílias nessa que perdem seus filhos,
situação de crise; orientar trazendo à reflexão o
para que tenham condutas valor de um atendimento
humanizadas não somente eficaz e acolhedor, bem
no papel, mas também no como as conseqüências
trato, no olhar e na escuta da forma como a mulher
dessas famílias. enlutada vivencia a situação,
amada Helena . 21
especialmente na perda no Sistema Único de Saúde
perinatal, quando ela (SUS). Podemos citar
provavelmente permanecerá aqui os grupos de apoio
internada. Neste caso, há psicológico realizados nas
necessidade de a equipe Unidades Básicas de Saúde
de saúde estar sensível (UBS), que reúnem pessoas
às demandas (não apenas com várias realidades
físicas) dessas pacientes, (dependentes químicos,
oferecendo assistência por exemplo), fazendo as
integral, humanizada e famílias vivenciarem toda a
abrangente, contribuindo angústia do filho que morreu
assim para que a mulher se em decorrência disso. Então
sinta segura e bem assistida. fica a pergunta: a família,
Os profissionais de saúde vulnerável socialmente,
relatam despreparo na deve buscar ajuda aonde?
formação para lidar com O acolhimento sensível a
este tipo de luto e, devido todas as famílias que perdem
à falta de conhecimento, filhos é possível! Percorrendo
se envolvem pessoalmente um longo caminho em
na situação ou esquivam- direção à humanização do
se do atendimento. Já a luto parental, por meio de
psicologia, com enfoque no conhecimento e atualização
luto, tem um longo caminho de toda a rede de apoio e
até estar devidamente dos profissionais inseridos
inserida nos serviços de nesse contexto (enfermeiros,
saúde. Vale lembrar que, médicos e até o serviço
atualmente, não há nenhuma funerário), bem como da
assistência específica para rede familiar e social que
mulheres que perdem filhos dará atenção posterior.

O Luto e a Internet

O luto não é vivenciado


da mesma forma
em todas as sociedades,
épocas e culturas. Ele sofre
modificações à medida
que os anos passam, as

amada Helena . 22
sociedades se modificam trata de uma nova maneira
e novas formas de de vivenciar o processo.
relacionamentos aparecem. Abre-se um espaço
Atualmente, o uso do mundo público, típico da sociedade
virtual para manifestação contemporânea, onde temos
das emoções e mostra liberdade para publicar o que
como algo normal, mais quisermos, porém, tudo é
democrático e no ritmo de mais fácil em frases prontas,
cada indivíduo. sem sentimentos reais.
A exposição do luto no E como na vida offline, no
ambiente online aumentou muno online também estão
e hoje pessoas distantes as pessoas sem respeito
podem partilhar sentimentos. ao próximo. Pessoas que
Diferente dos hábitos offline, visitam perfis não para
onde a demonstração é cada buscar auxílio na elaboração
vez mais privada, rápida e do luto, mas para saciar uma
superficial. curiosidade mórbida, ou
Os tipos de mensagem, ainda para publicar ofensas,
a interação e as falas com sem reconhecimento de
relação à elaboração do limites que a vivência
luto, têm mudado a forma física impõe e sem tempo
como o encaramos. Não se delimitado.

O Luto Coletivo

Q uem viu pela televisão, por


exemplo, a tragédia da
Boate Kiss, ocorrida em 2013,
tamanha dor. Não há como
ficar indiferente. Assim também
ocorreu após o acidente aéreo
na cidade de Santa Maria, Rio do time Chapecoense. Ambas
Grande do Sul? O incêndio tragédias envolveram jovens
matou mais de 200 pessoas e e geraram muita comoção
deixou quase 700 feridos. Quem por estarem entrelaçadas ao
acompanhou a narrativa sofreu, sofrimento em massa que estas
pois as vítimas simbolizavam situações incitam. Neste caso, o
os jovens da própria família e luto coletivo ajuda na elaboração
círculo social. Mas também do processo, pois os afetados
por se imaginar vivenciando são irmanados pela dor.
amada Helena . 23
O Luto pela Morte Súbita ou Violenta

É
que
possível observar as
inúmeras
estão
mudanças
ocorrendo
saudade e pesar, fica revolta
e indignação.
Portanto, a morte repentina
drasticamente em nossa é universalmente abominada
sociedade, como o acentuado e costuma gerar comoção
avanço da violência urbana, especial. No luto decorrente
o uso excessivo de drogas e deste tipo de perda, a
álcool e, consequentemente, sensação de que ela não
acidentes fatais. O que se ocorreu de verdade pode ser
observa é um verdadeiro mais intensa e prolongada,
descaso com a vida que, ao não conceber a morte
muitas vezes, culmina em do filho como um fato real.
morte. O enlutado pode iniciar um
De modo geral, quando comportamento de busca
ocorre a perda, esta é vista como considerado excessivo se
um evento ameaçador, que comparado ao que vemos
causa impactos tanto no grupo em outros processos. O luto
social como nos indivíduos advindo de mortes violentas
que a experimentam envolvendo ação humana
repentinamente. Para o (suicídio, assassinato, etc.)
grande grupo, este tipo de representa um risco especial
morte é percebido como à saúde mental, podendo
algo que escapa ao gerar processos
controle social e, por complicados, além
consequência, de ser potencial
evidencia a causador de
fragilidade p r o b l e m a s
da condição familiares que
humana. Já no podem ter impacto
enlutado, além até trigeracional.
das sensações de

amada Helena . 24
O Luto e os Jovens

M uitos adolescentes têm


dificuldade de identificar
o que sentem. Por isso,
se deve esperar que o
desenvolvimento
continue como se nada
escolar

durante o luto, tendem a tivesse acontecido. O luto


se fechar e não exprimir pode colocar a escola,
emoções, parecendo ou o trabalho, em modo
indiferentes e fazendo com “suspenso”. Isso é normal.
que, consequentemente, Os adultos devem entender
não recebam a atenção e inclusive encorajar essa
devida dos adultos. Por troca de prioridades.
isso a importância das Conversar sobre a morte
amizades. Elas são ajuda a dissipar medos
capazes de desempenhar e a caminhar em direção
um valioso papel, já que à aceitação. Escute sem
são a oportunidade de julgamentos e honre o
compartilhar sentimentos, combinado. Não divida
amenizando assim a solidão com outras pessoas falas
e favorecendo a elaboração íntimas. Preste atenção
do luto. também na comunicação
A escola (e às vezes não verbal. A ação de ouvir
o trabalho) também é e estar presente envolve
um ambiente legítimo e olhar nos olhos, inclinar-
necessário. Estes espaços se em direção à pessoa e
ajudam o jovem a se manter uma postura aberta
encontrar, porém, não (sem braços cruzados).

O Luto e os Homens

N ormalmente uma mãe


que não expressa seu
pesar de maneira gritante se
torna vítima de comentários
e assusta a sociedade com
sua aparente frieza.
amada Helena . 25
O mesmo estranhamento demonstrar o pesar com
acontece quando um lágrimas e emoções.
pai expressa emoções Essas demonstrações são
publicamente. O sofrimento geralmente associadas a
masculino tende a não ser fragilidade, o oposto do que
reconhecido, logo, quando a sociedade espera: homens
um homem o demonstra de silenciosos e conectados
maneira inesperada passa com o futuro, menos passivos
a ser alvo de preconceitos e e mais voltados para a ação.
julgamentos maliciosos. Além disso, eles têm o dever
Além de toda a tristeza pela de expressar mais raiva do
morte do filho, o pai pode sentir que qualquer outra emoção e,
culpa, fracasso, impotência e por consequência, encontrar
incapacidade por achar que sentimentos ligados ao luto
falhou nos cuidados, que não de acordo com essa raiva.
conseguiu protegê-lo como Há ainda a maior necessidade
deveria. Mas, no contexto de autonomia, o que dificulta
social, o homem é geralmente o cuidado, a busca por ajuda
remetido ao mero apoio no e a constatação de que
luto feminino, ligado ao que é não conseguem resolver
concreto e prático em relação os problemas sozinhos. A
à morte, como o funeral, o necessidade de auxílio frustra
sepultamento, etc. as expectativas colocadas
“Como você viveu a perda sobre eles. Isso os leva a
da sua esposa?” é uma acreditar que a perda, que
pergunta recorrente que eles também sofrem, não
mostra que não conseguimos deve incomodar os outros,
largar verdadeiramente pois dizem respeito única
nossos preconceitos. A e exclusivamente a eles. E
pergunta é errada porque por isso tendem a limitar
a perda foi dos dois e não demonstrações de sentimento
apenas da mulher. O luto no período imediato após a
masculino é estigmatizado perda (nos rituais fúnebres,
(mais uma vez) devido a por exemplo), camuflando a
regras sociais que impõem dor, já que a sociedade faz
que os homens não devem com que eles acreditem que
amada Helena . 26
quanto menos se fala da o porquê. Sentem como se o
morte do filho, mais se poupa papel de suporte total tivesse
do sofrimento. sido cumprido, permitindo-se
O silêncio e a repressão então aflorar o pesar.
masculinos podem ocasionar
diversas reações fisiológicas,
como insônia, mal estar, "Fere meu luto
estresse e fadiga. Mas quando dizem
dificilmente o homem associa
que a mulher
essas reações à perda do filho.
O que muitas vezes acontece sofre mais ou que
é que quando a mulher eu não sofro."
atinge certa estabilidade GIOVANE MAFFINI,
emocional, acaba o homem pai da Helena.
por desabar, sem entender

O Luto e as Crianças

S e fosse
resguardaríamos
possível,

crianças desse momento.


as
entender a morte de forma
racional. A capacidade
de entendê-la como um
Mas não é! Falar sobre acontecimento irreversível
morte não é agradável, é adquirida ao longo
mas é necessário. Explicar do desenvolvimento.
a natureza do luto contribui Inicialmente, ela associa o
para o crescimento infantil. falecimento ao sono, ou a
Além disso, existem uma viagem, por exemplo.
fatores de risco ligados à As crianças tendem a
não-elaboração de uma aceitar a realidade da morte
perda, impossibilitando o em “doses”, permitindo
desenvolvimento emocional, a entrada de “um pouco”
cognitivo e relacional na de dor e depois voltam a
infância e, posteriormente, brincar. Esta dosagem não
na vida adulta. só é normal, mas também
Quanto menor a criança, necessária para tornar os
menos condições terá de primeiros momentos do luto
amada Helena . 27
mais suportáveis. avisar que haverá pessoas
Portanto, existem pontos chorando e que a pessoa no
relevantes a serem levados caixão não sente mais dor,
em conta na hora de um adulto frio ou qualquer desconforto.
contar a uma criança sobre a Após a explicação, é
morte o que ela implica. Por importante perguntar se é
estar em desenvolvimento, da vontade da criança ir
ela é mais vulnerável. É ao velório e só levá-la em
importante usar linguagem caso de resposta afirmativa.
simples, com termos claros Não é legal obrigá-la a
e objetivos. Elas querem e ir em hipótese alguma,
merecem saber a verdade, tampouco negar o direito de
mas não precisam de participação. Posteriormente
detalhes. Metáforas como “foi a criança também vai se
para o céu”, “está dormindo” deparar com sentimentos
ou ainda “virou estrelinha” do luto, podendo apresentar
apenas causam confusão agressividade, tristeza,
e fazem surgir fantasias e raiva. Lembre-se de oferecer
dúvidas maiores. Por isso, compreensão. Isso é mais
é preciso falar claramente importante do que obrigá-la a
e dar tempo para que haja comer corretamente, fazer a
compreensão. Também é lição ou ir para a cama cedo.
importante responder aos É importante autorizar
questionamentos e respeitar a expressão de qualquer
seus limites e capacidades, emoção, fazendo sempre o
sobretudo em ambientes melhor dentro do possível
carregados d emoções como em cada momento, mesmo
no caso dos velórios. Aí admitindo que a morte faz
cabe prover o amparo, além parte de um mistério da
de explicar como será este vida e que ninguém sabe
“durante”, contando que o exatamente o que acontece
corpo da pessoa que morreu depois. É possível fazer uso
fica numa caixa especial, para das crenças familiares e
que os familiares e amigos reconhecer a existência de
possam vê-la uma última outras, exercitando assim
vez. Também é importante a diversidade. Você pode

amada Helena . 28
chorar junto da criança, através de perguntas
mostrando que mesmo que como “Por que as pessoas
sinta falta de quem partiu, morrem?”, “O que acontece
há esperança de que a depois que morrem?”. Não
dor diminua e que existem tente responder todas as
formas de ficar um pouco perguntas sobre o significado
melhor. da vida. Não tem problema
Dar uma volta, ligar para – e talvez seja até melhor
um amigo, escrever um – admitir que você também
diário, desenhar... Crianças se sente confuso com as
precisam de diferentes mesmas questões.
formas de expressão dos Nem sempre
sentimentos. Quando alguém conseguiremos proteger a
que amamos morre, vive em criança da dor e poupá-la do
nós através das memórias. sofrimento. Mas podemos
É bom que a criança veja – e devemos – ampará-las,
fotos, ou assista vídeos, ouvir para descobrir o que
relembrando o passado. Isso está na mente dela. Escolha
torna o futuro mais possível. alguém próximo à criança,
Não tente tirar as memórias que esteja em melhores
dela como uma tentativa, condições emocionais para
equivocada, de tirá-la da dor. dar a notícia. Coloque-a
N a t u r a l m e n t e nos braços, acolha-a
questionamos o propósito fisicamente. Elas vivem o luto
e o significado da vida. As de diferentes maneiras, mas
crianças tendem a fazer o não deixam de experimentá-
mesmo de forma simplificada lo.

O Luto pela perda Gestacional ou Neonatal

A gravidez exige adaptação


às mudanças físicas e
psicológicas que envolvem
um lugar simbólico na
família, onde os pais também
assumem um novo papel,
inserir um filho na vida. Ele não mais de filhos ou casal,
ocupa, desde a concepção, mas de pai e mãe.

amada Helena . 29
A reação diante da familiar já formado:
perda gestacional pode ser avós, bisavós, tios, etc.
paralisante. Para a mulher, Quando ocorre (se
afeta o corpo. A eliminação ocorre) uma nova gestação
das características de os familiares vão temer
gestante e a realização de e lembrar tantas e tantas
procedimentos médicos vezes do fato que precisam
muitas vezes tornam a perda se esforçar duplamente para
cruel e psicologicamente a manutenção do equilíbrio
desconcertante. Mesmo físico e psicológico. Esse tipo
assim, a sociedade de perda precisa ser visto
desconsidera o luto pela perda como um item de risco para
gestacional, minimizando a a elaboração de um processo
proporção. É considerado um de luto saudável,considerando
luto “não-autorizado”, sendo que, na maioria dos casos,
frequente algumas pessoas mulheres que perdem os filhos
solicitarem à família que em algum estágio da gestação
esqueça o que ocorreu. recebem menos compaixão
Quanto aos homens, que aquelas que perdem
eles geralmente não têm depois do nascimento. Muitos
a identidade definida pela ainda julgam a família como se
paternidade, enquanto que o que eles sentem seja a dor de
ser mãe é uma realização uma frustração e não da perda
plena do feminino, segundo a de uma pessoa real. Por conta
sociedade. Esse tipo de perda da falta de compreensão,
atinge aspectos relacionados as famílias optam por falar
à identidade da mulher, aos somente o necessário acerca
valores sociais, aos costumes, da perda sofrida e assim se
às expectativas da sociedade autopreservar. Por isso fogem
quanto à competência de situações, pensamentos e
generativa da mãe. Além idéias angustiantes.
disso, afeta as possibilidades Outros agravantes são:
do casal quanto à formação de a falta de informação
uma família, e a expectativa sobre a causa da morte; a
do desenvolvimento de ausência de rituais (para
novos papéis no grupo que eles não constranjam

amada Helena . 30
as pessoas, mesmo que os pais perdas gestacional e neonatal,
tenham o desejo de realizar); e o único que resta é o que as
a falta de memórias palpáveis. famílias viveram durante a
Quando se perde um filho com gravidez. O registro da própria
o qual se conviveu há fotos e memória é acessível aos
lembranças que amenizam a demais somente através do
dor e a saudade. No caso das relato.

Por dia, cerca de 7.200 bebês nascem mortos no mundo, e


98% dos casos ocorrem em países de baixa e média renda
(WHO, 2011). No Brasil, a taxa atual (sic) de nascidos
mortos é de 19,3 para 1000 nascidos vivos, considerada
equivalente à taxa que os países desenvolvidos apresentavam
na década de 1960 (Brasil, 2009). Quase metade de todos
os óbitos (1,3 milhões) ocorre durante o trabalho de parto
e o nascimento. A maioria resulta de condições evitáveis, tais
como infecções maternas (principalmente a sífilis e a malária),
doenças não-transmissíveis e complicações obstétricas. Uma
minoria de mortes é devido a condições congênitas, algumas
das quais também são evitáveis.

The Lancet, volume 385

O Luto e as Mulheres

P ara muitas mulheres, ser


mãe é a realização do
feminino, embora saibamos
o caminho da maternidade.
Quando se trata da vontade
da mulher, a idealização do
da maior liberdade de filho pode começar cedo, de
escolha que temos hoje em forma inconsciente, desde
dia e que nem todas seguem o brincar da infância até as

amada Helena . 31
projeções e expectativas da Socialmente, ela passa a ter
vida adulta. prioridade nos atendimentos
Em outras situações, a e, em alguns casos, apenas
maternidade vem de forma a presença de uma gestante
inusitada, sem qualquer mobiliza as pessoas a um
planejamento. De qualquer cuidado especial. No âmbito
maneira existe o processo emocional, pode apresentar
de adaptação para receber fragilidade, irritabilidade,
o filho e a confirmação da hipersensibilidade, enfim,
gravidez vem carregada de um mundo de opções.
imaginação. Um novo filho assume um
Na gestação, além da papel simbólico na família
preparação psicológica que vai o receber desde a
comum de qualquer pessoa sua concepção. Todo mundo
que se prepara para receber assume um novo papel,
uma criança, na mulher, o inclusive a mulher que deixa
corpo também passa por de ser apenas esposa/
intensa metamorfose: sono, companheira e passa a ser
enjoos, ganho de peso, “mãe”. Quando ocorre a
alterações hormonais, perda, além da própria dor,
mudança na pele, na ela convive com um fracasso
identidade... Com tudo isso social, como se houvesse
vêm algumas privações, a falhado na função materna
rotina também se altera com (imposta pela sociedade)
algumas consultas de proteger e garantir a
de rotina, banheiro sobrevivência do filho.
durante Muitas destas mulheres,
a noite... infelizmente vivem o luto
em completa solidão. Em
decorrência de tudo isso,
não há dúvidas de que as
pessoas que sucumbem
ao luto complicado são
mulheres, em sua maioria.
A morte de um filho rouba
e priva todos de momentos
especiais, mas das mulheres na memória da família.
a morte rouba uma parte de Conviver com a morte de
si mesma, biologicamente um filho é uma tarefa árdua.
falando. Ter que matá-lo por dentro,
Não importa com que dia após dia, perante a falta
idade se vivencie essa dor, de empatia da sociedade é
tampouco a idade do filho ainda pior. Mulheres vivem
que partiu, pois o amor seus lutos em plena solitude,
de mãe não é medido no sofrendo dores adicionais,
relógio. Muitas mulheres com problemas de saúde
após a perda gestacional decorrentes da perda,
ou ainda o parto de um em profunda depressão e
natimorto, se envergonham desespero. Silenciadas por
perante a sociedade que um sistema social que não
as julga enquanto chora por legitima a dor do próximo.
uma criança que não foi para Trabalhar o luto parental é
casa nem deixou registros urgente!

Estima-se que 4,2 milhões de mulheres vivem com


depressão associada à perda de um natimorto. A longo
prazo, o estigma e o tabu aumentam o trauma das famílias.

The Lancet, 2016

O Luto e os Rituais de Despedida

M
como
uitas vezes, ir a rituais
fúnebres
uma
é visto
experiência
mais próximas deixam de
estar presentes, estimuladas
por aqueles que temem
insuportável. Por causar dor a emoção da despedida.
intensa, mesmo pessoas No entanto, participar
amada Helena . 33
da despedida pode ser A participação de todos é
importante para que a morte importante no processo do
comece a ser percebida adeus porque, após o funeral,
como real e, portanto, não haverá outra maneira
relevante para a elaboração de enfrentar a dor de forma
do luto. tão coletiva. A cerimônia e
Contudo, é cada vez mais seus símbolos assumem o
comum uma abordagem papel das palavras que não
“prática” dos ritos finais. saem, dos sentimentos que
Subestimamos o valor das não conseguimos traduzir.
cerimônias coletivas como Claro que seria menos difícil
se “obrigar” os amigos a a despedida se olhássemos
comparecer fosse uma apenas as boas lembranças,
espécie de incômodo social pois ver a pessoa morta
no meio da rotina acelerada. pode ser chocante demais.
Tendemos a acreditar que Mas, infelizmente, essa é
chorar os mortos com a realidade. Não tem como
discrição e de forma privada transformar o funeral em
é o mais conveniente. uma celebração da vida,
É importante que se dê ao ignorando o fato de que a
enlutado o tempo necessário aquela pessoa não está
para que a família e os amigos mais aqui.
se manifestem de maneira Mesmo que a família e o
mais confortável. Cada um próprio falecido não tenham
deles pode entregar uma nenhuma crença religiosa
parte da história de quem em particular (e não é
morreu, e isso será usado preciso tê-la para buscar
mais à frente. Relembrar e entender o sentido da vida e
celebrar quem partiu ajuda da nossa finitude), tem muito
a enfrentar a saudade e significado saber o quanto
ensina a preservar o melhor a pessoa que faleceu era
da pessoa para sempre no querida. Então, se possível,
coração. não falte ao velório. A
O velório é um momento presença de todos pode
em que é “permitido” falar significar muito. Àqueles que
de quem se foi e chorar. evitam entrar na sala onde

amada Helena . 34
acontece o velório merecem mais duro a longo prazo. Os
respeito pela escolha, mas rituais podem ser singelos e
vale lembrar que a realidade pagãos, o importante é que
dói, mas enquanto não for façam sentido para aqueles
encarada, não há progresso que estão vivenciando
na jornada do luto. a perda e assim ajudem
Como muito na vida, o na organização física e
caminho mais fácil pode ser o psíquica.

O Luto e a Saúde

O corpo se expressa
através da dor. Diz
a Dra. Taty Logiodice,
relatar dores na altura do
peito e palpitações, sintomas
da chamada “síndrome
especializada em medicina do coração partido”, um
integrativa. Ela não concorda mecanismo de defesa do
com a classificação de coração às descargas de
“dores emocionais” e “dores adrenalina que costumam
físicas” e explica que são acompanhar as situações
dores reais que podem ter de choque. Também é
igual intensidade. De fato, possível que o grau de
o luto não configura uma imunidade baixe, deixando
doença, mas isso não nos os enlutados vulneráveis a
impede de sentir fisicamente infecções. Eles muitas vezes
as suas dores. sofrem em silêncio, temendo
Em pesquisas realizadas estar adoecendo de tristeza,
pela Universidade da e podem estar! A Dra. Taty
Califórnia ficou demonstrado descreve três níveis de
que a parte do cérebro que adoecimento: o primeiro é
processa a dor física também o nível energético, capaz
processa a dor emocional. de provocar desconforto; o
Que está sofrendo por segundo nível é o funcional,
alguma perda costuma com consequentes

amada Helena . 35
desequilíbrios metabólicos; e poucos o que lhe faz sentir
o terceiro é o nível orgânico, melhor. Praticar exercícios
onde enfermidades como físicos pode ajudar não
gastrite podem se manifestar. apenas no físico, mas
Ouvir a expressão do emocionalmente também.
corpo, reconhecer as dores Durante a atividade, o corpo
e, principalmente, falar sem libera neurotransmissores
medo sobre elas é o primeiro importantes no cérebro, que
e mais importante passo dão a sensação de prazer
para deixar de senti -las. e bem-estar. Outras opções
Não ter vergonha de pedir seriam terapias alternativas,
ajuda. como reiki, meditação,
Não tem receita pronta. arteterapia, musicoterapia e
Cada um sabe da dor que acupuntura.
sente e vai descobrir aos

amada Helena . 36
para você
Inicialmente, você pode se sentir como se estivesse
vivendo em uma névoa, simplesmente atravessando os
dias no piloto automático; deve estar se perguntando
se esta dor é para sempre. De certa forma sim,
porque um vínculo com um filho é único e para
sempre. O que acontece é que a ferida aberta passa
aos poucos a cicatrizar, mesmo que nunca deixe de
doer. Você devagarinho vai se perceber produzindo,
trabalhando, enfim, vivendo novamente, mas não
será a mesma pessoa de antes, pois esta experiência
lhe fará rever uma série de valores, crenças e
comportamentos.
Vocês ainda são uma família!

A primeira mensagem é
aparentemente óbvia,
mas importante no processo:
emoções e sua condição
psicológica retornem a um
estado de equilíbrio. Talvez
seu filho existiu e existirá esteja se questionando:
para sempre, no amor que Será que estou louca(o)? De
deixou dentro de vocês. certa forma sim! Porque é de
Provavelmente você está enlouquecer mesmo, você
lendo essa cartilha algum foi amputada(o), falta um
tempo após a perda. É pedaço, seu plano de futuro
estranho perceber que o foi brutalmente alterado.
mundo não parou e que Você, provavelmente, tem
tudo se mantém em curso, a certeza de que, neste
mesmo quando o horror momento, nada é capaz de
de perder um filho se amenizar teu sofrimento ou
tornou uma realidade. Será te consolar.
que ninguém percebe? Então como outras
Infelizmente não há meios de pessoas sobrevivem a isso?
se mudar isso e também não Dê tempo ao tempo, quando
há como alguém viver essa menos esperar, você estará
experiência tão dolorosa no em movimento novamente,
seu lugar. reaprendendo a viver. A dor
A partir da perda, seus se transformará e em seu
estados físico, psicológico e lugar haverá um pesar triste,
social serão diferentes. Não mas não desesperador. E
adianta tentar brigar com para isso, não é preciso
isso. Apesar de não estar realizar nada espetacular,
doente, você também não apenas que o mínimo de
está absolutamente saudável esforço seja o seu máximo.
como já foi um dia. Você vai Nas páginas a seguir
precisar de um tempo para serão compartilhadas
que seu organismo, suas algumas estratégias de

amada Helena . 38
enfrentamento que podem ausência. As instruções são
ajudar você a passar por gerais, mas o progresso é
esse momento tão difícil e individual, assim como o luto.
doloroso. Absorva apenas o Porém, nunca esqueça que o
que lhe fizer algum sentido, que o tornou mãe, ou pai, é o
afinal, como cada pessoa é amor pelo filho e ele persiste
única, não há um manual de ao longo da vida. Vocês ainda
como vivenciar a perda e a são a família que formaram.

Ouça com o coração!

E mbora as observações
abaixo possam ser bem-
intencionadas, não são
que a pessoa teve em tentar
te confortar. Seu sofrimento
angustia as pessoas, que
construtivas e podem ser até muitas vezes não sabem o
mesmo torturantes se aceitá- que dizer, não guarde mágoa,
las como verdades. Por isso, lembre-se de que a intenção
capte somente a boa intenção foi amenizar o seu sofrimento...

"Ele não "Eu sei muito


gostaria de te bem o que
"Pare de
ver sofrendo." você está
chorar, sua
passando."
família precisa
de você ."
"Você vai "O tempo
conseguir porque cura todas
é guerreira." as feridas."
"Deus quis
assim.
Guarda algo "Reaja ,
"O tempo
melhor." vamos. A vida
cura todas as
feridas." continua!"

amada Helena . 39
A Lei do Direito de Sofrer
A seguinte lista destina-se, primeiramente, a orientar (na fase
inicial do luto) e logo, ajuda a decidir de que modo os outros
podem ajudar ou não; filtrando apenas as respostas úteis,
separando-as das ofensivas e incoerentes, e diferenciando
as frases prontas dos sentimentos verdadeiros. Você tem o
direito de...
Viver sua própria dor de fé, vontade de desistir...
Ninguém vai reagir Outros podem tentar te dizer
exatamente da mesma forma, que a raiva, por exemplo,
então quando os outros se é errada. Não dê ouvidos.
oferecerem para ajudar, não Ao invés disso, encontre
lhes permita dizer o que deve ouvintes que aceitem seus
ou não fazer ou sentir. sentimentos sem condições.

Falar sobre sua dor e seus Conhecer física e


sentimentos emocionalmente seus
Falar sobre sua dor vai ajudar, limites
procure pessoas que lhe Provavelmente se sentirá
permitam falar tanto quanto cansada(o) de lutar para
precisa e que ouça quantas parecer bem. Respeite o que
vezes forem necessárias. seu corpo e mente estão
Se às vezes tem vontade de dizendo. Descanse todos
falar, tem dias que tudo o que os dias, coma refeições
você quer e precisa é ficar equilibradas, não deixe os
em silêncio. outros te obrigarem a fazer
coisas que não esteja pronta(o)
Sentir uma infinidade de para fazer. Mas deixe-os
emoções ajudar de alguma forma.
Medo, culpa, esperança, falta
amada Helena . 40
Experimentar “o fundo do Por que desta forma? Por
poço que agora? Algumas de
Mesmo após um tempo suas perguntas podem ter
de luto, uma forte onda de respostas, outras não. E
tristeza pode chegar e pode cuidado com as respostas
ser assustador, mas é normal clichê que algumas pessoas
e natural. Busque alguém podem te dar. Comentários
que entenda e deixe você insensíveis do tipo: "Deus
falar sobre tudo isso. deu e Ele decide a hora de
levar"; "Você é nova, logo terá
Participar de um ritual outro"... eles não são úteis e
O funeral faz mais do que você não precisa aceitar.
reconhecer a morte, ele ajuda
a receber cuidados, atenção Defender e guardar como
e carinho das pessoas. Mais tesouro suas lembranças
importante ainda, ele é uma Elas são os melhores legados
oportunidade de chorar. Se que existe após a morte de
os outros te dizem que o um filho, nunca esquecemos
ritual é desnecessário, não nem superamos, mas ao
escute. Faça como se sentir invés de ignorar as memórias,
bem. busque pessoas com quem
você possa compartilhá-las.
Abraçar sua espiritualidade
Se a fé é uma parte da sua Vivenciar o processo do
vida, manifeste de maneiras luto ao seu tempo
que lhe ajudem. Deixe-se Ocultar ou reprimir a dor
ajudar por pessoas que não vai fazer com que ela
entendam e apoiem as suas passe rápido. Lembre-
crenças. Se sentir raiva de se: é um processo, não
Deus, usque alguém para um evento. Seja paciente
conversar que não vai ser e tolerante cnsigo e evite
crítico sobre este sentimento pessoas impacientes e
de dor e abandono. intolerantes. Ninguém deve
tentar esquecer a morte de
Procurar um significado um filho, pois ela muda a vida
Pode se perguntar o porque. para sempre.

amada Helena . 41
Você poderá sentir...

P ermita que todo


sentimento tenha lugar,
manifestando cada um deles.
conseguir entender o porquê
de estar vivendo uma dor tão
intensa.
Negá-los somente te deixará
confusa o e sobrecarregada Falta de fé: Pode sentir uma
o, favorecendo o surgimento sensação de vazio espiritual.
de sintomas complicados. Pode ainda experimentar
sentimentos de amargura,
Entorpecimento: Funciona raiva e decepção em sua
como um para-choque. religião, afinal, se o Deus
Sem ele, seria uma dor em que acredita é tão bom,
esmagadora e insuportável. como permitiu a morte de
Agora, caracteriza-se por seu filho?
uma descrença na morte do
filho que pode durar dias ou Raiva: É normal ficar com
meses. Parece viver em uma raiva do mundo que continua
realidade que não é sua. feliz e ignora a sua dor, é um
círculo cruel: quanto mais a
Tristeza: O sentimento raiva aumenta, mais afasta
mais normal que expressa as pessoas, o que a deixa
a saudade que sente. Luto com mais raiva. Vem de
e tristeza são diferentes de duas fontes: da sensação
depressão, pois a depressão de frustração por não haver
tem características nada que pudesse fazer
peculiares e geralmente é para prevenir a morte do filho
tratada com medicamentos, e de um tipo de experiência
que não é o caso do luto. regressiva, onde você se
sente incapaz de existir
Revolta: Com tudo o que sem ele. Formas ineficazes
a cerca: médicos, parceiro, de lidar com a raiva são
família, Deus. Por não deslocá-la ou direcioná-la
amada Helena . 42
erroneamente para outras Se estivesse em plenas
pessoas, culpando-as pela condições não suportaria,
morte ou virando contra si concentrando tudo na dor.
próprio. Por este motivo também se
distrairá facilmente e terá
Culpa: Não é racional! Você dificuldade de concentração.
sabe que não poderia ter Não se preocupe, aos poucos
evitado que acontecesse, as funções voltarão.
mesmo assim, às vezes,
se auto acusa de eventos Ansiedade: Pode variar de
passados: não o protegeu, uma ligeira sensação de
não o levou mais cedo para insegurança até um forte
o hospital... isso é normal, ataque de pânico. Quanto
já que os pais assumem a mais intensa e persistente
responsabilidade de proteger for a ansiedade, mais
o filho. É atribuído à eles o sugere a reação de um luto
dever de zelar pelo bem-estar complicado.
em todos os âmbitos da vida. A
culpa já está presente quando Solidão:Ninguém compreende
o filho enfrenta problemas seu pesar.
em vida, imagina depois da
morte. Também pode se sentir Fadiga: Perda da vontade de
culpado por se pegar rindo ou sair e da energia para viajar,
relaxado e pensar: - "Como é limpar a casa, trabalhar....
que posso estar me divertindo Pode ser experimentado
quando meu filho está morto?". como apatia ou indiferença.
Pode culpar-se por estar "se
esquecendo dele". Impotência: Você não
conseguiu fazer nada para
Perda de memória: O evitar, para ao menos diminuir
sistema nervoso central te a dor do filho. Sem dúvidas
protege para que aguente daria a vida para salvá-lo, mas
toda essa dor e tristeza. Você não pôde. Infelizmente não
perde a memória porque depende de você, a morte
perde a possibilidade de é a maior experiência de
focar e manter a atenção. impotência que podemos ter.

amada Helena . 43
Vontade de morrer: Não coerente, irão ajudar na
necessariamente de tirar sua adaptação à nova
a própria vida, mas de realidade por meio do
não viver mais. Há dois autoconhecimento e contínuo
motivos que justificam esse aprendizado. Poderá
sentimento. A esperança de sentir raiva, medo, revolta.
permanecer junto do filho e Mas também, em alguns
a falta de perspectiva de um momentos, serenidade e
futuro além da sensação de tranquilidade. O importante
que nada mais tem valor. é compreender que não
há nada de errado com
Estes sentimentos são nenhum dos sentimentos
comuns a todas as pessoas experimentados.
e, se sentidos de forma

O que pode te ajudar...


• Praticar exercício físico mais significativos, isso não
(consulte seu médico); irá lhe fazer mal. Se pode
• Escrever o que sente em usar as roupas dele em
um diário. outro filho? Se ele estivesse
• Confeccionar um álbum de vivo você não usaria? Eles
fotos favoritas. continuam sendo irmãos!
• Buscar a companhia • Lembrar do filho, não o
de quem lhe respeite e vinculando somente a
compreenda. morte dele, essa foi uma
• Manter rituais nas datas parte, e os sonhos? E as
significativas. Você pode lembranças?
preparar a comida que • Aprofundar-se na
ele gostava, celebrar com espiritualidade.
crianças carentes, ver um • Não pensar no que é
filme... 'normal', mas sim no que te
• Decidir quando estará faz bem, já que o processo
pronta(o) para se desfazer do luto é individual e
dos pertences. Guarde os intransferível.

amada Helena . 44
Tarefas do Processo de Luto

O luto não é um caminho


linear. Para vivenciá-
lo da melhor maneira, pode
incessantemente, em outro
desviar o assunto, também
oscilar entre buscar e
ser útil compreender que evitar os locais que tragam
você é ativa(o) no processo, recordações. Você pode
já que cabe apenas a você ainda estar bloqueando
agir diante deste sofrimento. em sua mente tudo o que
No entanto, alcançar a lembre o que tem vivido
costa quando estamos nos sem o filho, negando para
afogando parece impossível. si próprio a dura realidade,
Porém, apesar de levar um além disso pode apresentar
tempo, chegar a um estado o esquecimento seletivo,
similar ao de equilíbrio levando as memórias
é viável. Acredite. Estas de dor e angústia,
tarefas são suas! arriscando bloquear as
boas lembranças também.
Experimentar a dor da Embora inicialmente a
perda e aceitar a realidade: resposta a uma perda possa
Sua consciência sabe que envolver entorpecimento, a
seu filho faleceu, mas seu primeira tarefa envolve algo
coração não consegue supostamente simples, mas
encarar a verdade. Então, aparentemente insuportável:
como uma forma de defesa experimentar a dor. Isso é
para suportar a dor, cria a algo muito difícil e para ajudar
ilusão de que talvez tudo na aceitação da realidade,
não tenha passado de os rituais de despedida são
um pesadelo. Foge, faz muito valiosos. Também
possível para não lembrar é importante que procure
e, às vezes, quer voltar a entender o que causou a
vida “normal” como se nada morte de seu filho, leia a
tivesse acontecido. Em um certidão de óbito, descubra
momento pode querer falar o que realmente aconteceu,

amada Helena . 45
concretize o fato dentro essencial, pois é quando
de você. Não há problema reconhecerá dentro de você
em nutrir inicialmente um a imutabilidade da perda, e
desejo de se unir a ele, esse a esperança intermitente,
é um sentimento normal, termina: não vai mais ver
mas o desejo permanente seu filho e hoje dentro do
e obsessivo desta reunião, seu coração sabe que nunca
não. A percepção de que a mais vai sentir seu cheiro, ver
morte realmente aconteceu ou pegar/abraçar. É possível
é gradual. Mesmo que que prefira se resguardar,
você esteja ciente disso, também que se instale a
emocionalmente a aceitação apatia e uma grande fadiga,
da realidade não é imediata, até para executar as coisas
porém, não acreditar e negar mais simples. Este período
a morte pode resultar em ma aparenta ser debilitante, pois
paralização nessa primeira o processo para superar
tarefa, lembrando que o esses sentimentos é lento
sofrimento não é superado e doloroso, mas também
por ser evitado, mas sim por libertador.
se trabalhar através dele.
Ajustar-se ao ambiente
Elaborar a dor da perda: onde está faltando a
Lembre-se de seu filho, olhe pessoa que faleceu:
fotos, pense nele, mesmo Seus dias eram em função
que sinta dor, isso a(o) do filho, organizando
ajudará no processo, no seu enxoval, arrumando
reestabelecimento. Evitar seu quarto, banhando,
os pensamentos dolorosos alimentando, brincando,
a(o) impede de elaborar levando à escola, fazendo
o luto. Embora isso a(o) o almoço, enfim, cuidando.
entristeça, lembrar somente Quando ele partiu, levou
das coisas boas, evitar junto a realidade que você
lembranças tristes e fazer conhecia, modificou seu
uso de medicamentos não olhar para o passado e seus
vai lhe ajudar. Este é um sonhos para o futuro. Quando
momento doloroso, mas se vivencia um processo

amada Helena . 46
reestruturador tão profundo mas saiba que você também
como é o luto, há a necessidade pode conseguir. Essa tarefa é
de se adaptar ao mundo caracterizada pela adaptação
que ficou, experimentando da vida sem seu filho, não-
realizar outras atividades, aceitação, jamais vai aceitar
preenchendo as lacunas de o que aconteceu, mas vai
tempo com algo que ajude a se adaptar. Será de forma
se sentir um pouco melhor. gradual, com a percepção de
Muitas pessoas, após a que é necessário reconstruir
perda, promovem seu próprio a sua vida, direcionado seu
desamparo. Trabalham amor a algo que para você
contra si mesmo, se retirando representa o amor a seu filho.
do mundo, lutando contra Não se trata de esquecê-lo
um possível ajuste à nova e sim de o colocar em um
realidade. Já outras decidem novo local em seu coração,
desempenhar papéis que a saudade vai continuar
não estavam acostumadas, para sempre, mas não será
se modelando e adaptando desesperadora e por vezes,
ao mundo em que ficou, conseguirá voltar a sorrir.
construindo uma nova Reposicionar seu amor é
existência a partir daí, pois perceber que amar outras
infelizmente não há modos de pessoas não é deixar de amar
retornar ao mundo de antes. seu filho.
Embora não haja cronograma, Seria um equívoco dar um
à medida que se caminha para limite de tempo cronológico
a recuperação, a aceitação de para que termine esse
uma nova realidade começa processo, já que cada pessoa
lentamente a emergir. é única assim como o filho,
a família, a situação da
Reposicionar em termos perda e as ferramentas de
emocionais a pessoa que enfrentamento. Épocas de
morreu e continuar a vida: muito estresse ou extrema
Pode lhe parecer impossível fadiga podem causar um
hoje, que alguma pessoa tipo de regresso, voltando ao
tenha conseguido tocar a vida, normal assim que descansar
apesar da saudade e da dor, o suficiente.

amada Helena . 47
Aos avós...

A vós são especialistas


quando se trata de
estragar os netos com amor
tragédia.
A dor da perda nos pais
está no topo da escala da dor
e carinho. Sendo eles bebês, humana e há uma imediata
crianças ou adultos, os avós manifestação de simpatia
sempre terão um lugar e preocupação pelos pais
especial em seus corações enlutados, enquanto outros
para os filhos de seus amados membros da família são
filhos. Por isso, é difícil lidar frequentemente vistos como
com a perda quando um quem deve fornecer apoio,
neto morre. Muitos têm um principalmente os avós,
relacionamento próximo mas não lembramos que o
com os netos e podem ser luto deles é duplicado. Eles
parecidos com os pais aos sofrem a perda do neto e
olhos deles. a dor do filho ao mesmo
O luto dos avós pode ser tempo.
especialmente devastador Quando alguém amado
e extremamente solitário. morre, todos nós refletimos
Isso porque, mesmo que sobre o significado da
sem intenção alguma, eles vida e da morte. Quando
são esquecidos até mesmo um neto morre, a busca
por familiares. As pessoas por significado pode ser
imaginam que, como não especialmente dolorosa, os
foi o filho deles que morreu, jovens não devem morrer,
a dor seja menos intensa essa morte viola a ordem
e por serem mais velhos, natural da vida e parece
ter mais experiência de terrivelmente injusta para os
vida, são frequentemente avós, que podem ter vivido
considerados como vidas longas.
mantenedores de melhores A luta para entender a morte
habilidades para lidar com a pode provocar sentimentos

amada Helena . 48
de culpa: "Por que Deus não ser reconhecido, mas
não me levou em vez disso? ainda assim é poderoso.
"Por que não poderia ter sido Se você é um avô\avó que
eu?". Tais sentimentos são perdeu um neto, tem todos
normais e necessários. os motivos para se lamentar
O amor profundo e profundamente. A presença
carinhoso compartilhado do neto ainda é sentida. O
por muitas crianças e amor não morre e, portanto,
seus avós é um vínculo o relacionamento não morre.
extraordinariamente profundo Acima de tudo, seja
e pode ser igualmente paciente consigo mesmo e...
doloroso quando é quebrado
pela morte. E esse luto pode

• Não tente suprimir sua dor.


• Selecione os parentes ou amigos que lhe dão
conforto e diga como se sente.
• Não aceite uma comparação do seu pesar com o
dos outros; ele é único para cada pessoa.
• Tire uma folga do seu sofrimento ocasionalmente.
Vá visitar um amigo ou tire férias curtas em um
lugar que você goste.
• A perda de um neto é um duro golpe, mas evite
pensar que a vida não tem mais a oferecer.
• Algumas das maiores músicas e literatura do
mundo foram criadas a partir de uma tragédia
pessoal, encontre sua própria expressão da perda
e sua busca por significado - veja se você pode
criar seu próprio réquiem.

amada Helena . 49
Como ajudar os avós enlutados:
• Se forem religiosos, os nas palavras que serão
avós poderão se revoltar compartilhadas;
por Deus levar o neto, • Os avós enlutados podem
sentir raiva pela morte e querer compartilhar a
pela injustiça e culpa ou mesma história sobre
vergonha por sentirem-se a morte várias vezes,
assim. Nesse momento, é como se falar sobre
não que a eles que não a morte tornesse-a um
deveriam sofrer porque pouco mais suportável
o neto "foi para o céu". O a cada vez. Escute com
luto e a fé podem não ser atenção, perceba que
mútuos; essa repetição faz parte
• Eles podem lutar com do processo luto deles.
sentimentos de dúvida Simplesmente ouça,
sobre o plano de Deus mesmo que não consiga
ou sobre a vida após a entender ou que tenha
morte e podem se sentir ouvido repetidas vezes.
culpados por sua raiva, • Outras vezes os avós
pois para ele, Deus não não querem falar sobre a
deve ser questionado. morte por, por exemplo,
Incentive-os a falar sobre terem sido criados
seus sentimentos; para acreditar que falar
• Ouça com o coração, sobre sentimentos é
você pode ajudar frívolo, egoísta ou não
simplesmente ouvindo. masculino. Mas não faz
Sua presença física e o mal, eles não precisam
desejo de ouvir sem julgar falar. Simplesmente
são ferramentas de ajuda passe tempo com eles
cruciais. Não se preocupe e demonstre seu amor e
tanto com o que vai dizer, preocupação.
apenas se concentre • Tenha compaixão e

amada Helena . 50
permita que expressem difíceis, como por
seus sentimentos sem exemplo: "Deus precisava
medo de críticas. Aprenda de outro anjo no céu" ou
com eles, não instrua "não se preocupe, você
ou defina expectativas terá outros netos" ou
sobre como devem ainda "você precisa ser
responder. Nunca diga forte para o seu filho".
"eu sei exatamente como Comentários como esses
você se sente". Você não são construtivos, ao
não sabe. Pense no seu contrário, diminuem a
papel de ajudante como perda real e dolorosa de
alguém que “anda com” uma pessoa única.
não “atrás” ou “na frente” • Ofereça ajuda prática,
do avô enlutado. seja para preparar a
• Permita que o avô comida, lavar as roupas,
experimente toda a limpar a casa. Encontre
mágoa, tristeza e dor maneiras práticas de
que está sentindo no mostrar que você se
momento. Entre em importa. E, assim como
seus sentimentos, acontece com a sua
mas nunca tente tirá- presença, esse apoio é
los de lá. Reconheça necessário no momento
que as lágrimas são da morte, bem como
uma expressão natural nas próximas semanas e
e apropriada da dor meses.
associada à morte. • Escreva uma nota
• Evite palavras e frases pessoal. Cartões e cartas
que podem magoar, escritos à mão expressam
particularmente clichês, sua preocupação, não
podem ser extremamente há substituto para suas
dolorosas para um avô palavras pessoais.
enlutado. Os clichês Compartilhe uma
são comentários banais, lembrança favorita do
muitas vezes destinados neto que morreu.
a fornecer soluções • Relacione as qualidades
simples para realidades especiais que valorizava

amada Helena . 51
nele ou nela. Estas dor como uma extensão
palavras serão um natural do processo de
presente amoroso para luto.
os avós, palavras que • Sempre procure estar
serão relidas e lembradas ciente de quando seria
sempre. um momento apropriado
• Use o nome do neto para visitar os avós.
que morreu em sua nota Se não tiver certeza,
pessoal e ao falar com escreva uma carta ou
o avô. Ouvir esse nome simplesmente faça um
pode ser reconfortante e rápido telefonema. Seu
confirma que você não apoio contínuo será
esqueceu dele e do quão apreciado.
importante é, e ainda • Incentive-os a expressar
estará demonstrando que também sua fé, se
sabe que o avô ama e isso ajudar a aliviar o
sente falta. sofrimento;
• Esteja ciente de feriados e
outros dias significativos,
pois os avós podem passar "Eles sofrem
por momentos difíceis
a perda do
em ocasiões especiais,
como o aniversário de neto e a
nascimento ou a data da dor do filho
morte. Esses eventos
enfatizam a ausência
ao mesmo
do neto, respeite essa tempo."
A hora de pedir ajuda...

É importante perceber
se você não consegue
passar pelo processo do
personalidade de seu
filho;
• Tem sintomas físicos
luto sozinha (o), há sinais como os experimentados
claros que podem te ajudar pelo seu filho antes da
a entender que está na hora morte;
de pedir ajuda. Procure • Excluiu os amigos e os
apoio se você: membros da família;
• Não consegue relacionar-
• Tem pensamentos se com os filhos que
autodestrutivos; ficaram;
• Não sente vontade de
comparecer a eventos Tudo vai depender do
sociais; tempo e da intensidade das
• Sente muita dificuldade reações. Ninguém melhor
de compartilhar o do que você para avaliar
sofrimento; quando está na hora de
• Não aceita a nova pedir ajuda. Muitas vezes
realidade e não consegue um aconselhamento é o
assumir novos papéis; suficiente, não necessitando
• Se sente obrigada(o) a de um acompanhamento
imitar ou assumir hábitos especializado.
e características da

Como é o tratamento?

A abordagem
no
utilizada
aconselhamento
psicológico em situações
de luto promove um espaço
seguro para lhe ajudar a
reconhecer sua dor como

amada Helena . 53
parte natural do processo, mostra caminhos para você
permitindo que sinta as suas voltar a reinvestir nas relações
emoções, assim como as afetivas e no viver, ainda
sensações de vazio e perda que a separação causada
de sentido na vida sem pela ausência de seu filho,
julgamentos, considerando seja razão de tamanha dor,
seus próprios recursos e o processo inerente à sua
estratégias de enfrentamento elaboração, ao longo da
da dor, além de lhe auxiliar a vida, é fundamental para a
retomar sua rede de apoio sua saúde mental, ao passo
familiar e social. que promove a reconstrução
A psicologia contribui dos seus recursos psíquicos
também de forma importante e readaptação frente às
na adaptação de sua mudanças. Pense nisso,
nova realidade e no ajuste conversar sobre a sua
da discordância entre a perda com um psicólogo
realidade atual e vida que é um ato de coragem mas
tanto sonhou, assim como não se esqueça, formação
assume caráter preventivo é fundamental para um
frente à possibilidade de cuidado de qualidade,
complicações maiores procure sempre um
advindas desta experiência. profissional especializado
Ao longo da abordagem, em terapia do luto.

A Escrita como Recurso Terapêutico

C omo falar sobre o que


não seria possível a
princípio sequer considerar?
muito marcante. Atualmente
é habitual encontrar espaços
online sobre sentimentos
Por sentir esta dificuldade, íntimos após a perda, além
muitas pessoas recorrem de poder se expressar, há
a escrita em diários, sites e muito apoio social presente
blogs. A falta de espaço para nesses locais, fator inegável
demonstrar o luto é algo de auxílio. Além disso, a

amada Helena . 54
escrita foi compreendida escrita também melhora
como terapêutica, pois condições gerais de saúde
organiza a vivência física e mental, contudo o
traumática e elabora a perda ato de escrever pode não
invisível socialmente. ser unicamente suficiente
O discurso falado, para suprir as necessidades
ferramenta fundamental emocionais após perda,
de trabalho na psicologia, porém, esse é um recurso
impossibilita a retomada valioso já que mantém viva a
depois de emitido, já a lembrança do filho que partiu,
escrita permite maior caráter além de ter a possibilidade
reflexivo, considerando de auxiliar outras famílias
que permite a releitura. que passam pela mesma
A expressão emocional experiência.

É melhor sofrer ou esquecer?

C
ou
ada uma tem seu
momento
esquecer.
de sofrer
Ambos
descobrir que ela retorna
à noite. O mais certo é
respeitar seu momento, seus
merecem respeito. Vale sentimentos e não tentar
lembrar que ninguém fingir que não aconteceu.
segura uma experiência Procurar demonstrar que
assim para sempre. não foi afetadao pela perda,
Além disso, há grandes evitando entrar em contato
possibilidades de isso com a dor, parece estar
acarretar consequências. O ligado ao desejo de não
caminho não é evitar a dor, escutar mais comentários
e sim atravessá-la. Muitas que minimizam sua dor e
pessoas que passam pelo que fazem com que lembre
luto parental se envolvem do seu sofrimento. Mas é
em atividades excessivas importante que saiba que
na tentativa de bloquear essa dor, esse sofrimento,
a tristeza apenas para são consequências do amor

amada Helena . 55
que você sente por seu filho. a parte boa do recordar. Não
Você está longe dele, mas admita que as lembranças
um dia já esteve perto. Você boas se esvaiam junto com
tem o direito de derramar a busca pela anulação da
cada lágrima que vier, e dor, essa é a direção mais
também de permitir que um coerente para quem busca
sorriso apareça ao lembrar conviver com a ausência de
dos dias felizes com, esta é um filho.

Anestesiar a dor é a saída?

O luto é um processo normal


que infelizmente se faz
necessário para que você
quadros psiquiátricos que
acompanham o processo,
como transtornos de
se reestabeleça. A tristeza é ansiedade ou depressão
profunda, quase insuportável, clínica. Não se automedique.
mas não deve ser medicada. Suas emoções vão se
Para que o luto transcorra organizar com o passar
naturalmente será preciso do tempo, à medida que o
lidar com emoções dolorosas cotidiano é reorganizado,
que oscilam sem o auxílio a adaptação à nova rotina
de medicamentos. Apesar acontecerá de forma lenta
de parecer que ajudam, no com o apoio da família e
momento em que as ingerir, amigos. Às vezes se faz
haverá consequências na sua necessária uma intervenção
recuperação. psicológica que pode ser em
A medicação psiquiátrica caráter de aconselhamento
é indicada para casos ou psicoterapia com enfoque
específicos, quando há no luto.

amada Helena . 56
Como fica a religião/espiritualidade?

V ocê poderá se sentir sem


direção, suas crenças
anteriores agora não farão
amor que só vocês sabem o
quanto é forte.
Entre esses sentimentos
mais sentido, não apenas haverá também dúvidas que
em relação à religiosidade. se estendem a Deus ou ao
Por exemplo: acreditava na ser superior em quem você
bondade da humanidade e acredita. O importante é que
perdeu seu filho assassinado, procure não fazer perguntas
então questionará o que concentradas no passado,
sempre acreditou. Ao longo por exemplo, "por que isso
do tempo, novas crenças aconteceu?". Ao invés disso,
podem ser adotadas e as busque fazer a pergunta que
velhas serão revalidadas ou abre a porta para o futuro:
transformadas. Um exemplo "Agora que isso aconteceu,
é que, na maioria das vezes, o que eu posso fazer?".
mesmo não compreendendo Essa parte da vida chamada
ou não seguindo a doutrina espiritualidade é essencial,
espírita, pessoas procuram pois é uma alternativa à
centros em busca de uma interrupção repentina da
carta do filho e quando convivência com seu filho,
finalmente conseguem, além disso desempenha
veem que não buscavam o papel fundamental de
aquilo e sim o filho em si. confortar e, por meio dela,
Reflita se há a necessidade muitas vezes conseguirá
de um intermediário entre se relacionar com ele.
você e seu filho. Afinal de
contas a maior autoridade
amorosa foi dada a você!
Tente fechar os olhos, fazer
contato com o que considera
sagrado, observando dentro
do seu coração aquele

amada Helena . 57
Os filhos que ficaram...

E m meio ao caos, por tantas


vezes nos esquecemos
que eles também sofrem. Na
dor.
É importante considerar
que podem se sentir
ânsia de buscar e relembrar responsáveis e incapazes
incessantemente tudo o que de amenizar a nossa
vivemos com nosso filho dor, o que pode trazer
morto, esquecemos dos sérias complicações
filhos que estão vivos. para o desenvolvimento
Eles podem sofrer psicológico. Também se
não só pela perda do pode gerar uma situação
irmão, mas também pela de revolta em relação ao
nossa dificuldade de lhes irmão que faleceu mesmo
proporcionar estrutura, que tenham vivido uma
estabilidade e cuidados relação muito especial
protetivos. Além disso, juntos. Para que isso não
sofrem ao nosso lado e se aconteça, é preciso mostrar
entristecem por verem tanta o nosso amor, para que eles
tristeza à nossa volta. Nossos saibam que são igualmente
filhos vivos têm de ser salvos amados, evitando sempre
do nosso desespero, temos comparações entre os filhos
de pausar a nossa mágoa e vivos e o filho idealizado que
compreender também a sua morreu.

Como fica o casamento?

O casamento pode sofrer


um grande impacto
com a perda de um filho.
As características do

amada Helena . 58
relacionamento obviamente Um começará a trabalhar
serão afetadas pela maneira sem parar, enquanto o
como cada um dos parceiros outro se sentirá sempre
expressa sua dor. cansado, um gostará de
A comunicação tende a se lembrar recordações e o
complicar, pois a mãe pode outro querer esquecê-las. É
sentir-se sozinha em seu preciso muita compreensão
luto, enquanto o pai pode e tolerância para deixar que
se ver lutando para conter cada um viva o seu
sua dor a fim de poupar o luto à sua maneira,
sofrimento da companheira. sem se sentir
Muitas vezes também, ameaçado.
um dos cônjuges tende a A morte
acusar o outro pela morte do de um
filho, mesmo que de forma filho pode
velada. Aparece como falta perturbar
de paciência e irritabilidade também
para com o "culpado". A a vida
intensidade emotiva do sexual
luto de um dos pais poderá do casal.
parecer desproporcional Um pode
em relação a do outro, viver o aumento
geralmente cada um vive do apetite sexual,
um período de dor aguda enquanto com o o u t r o
seguido de certa melhoria. acontecerá o contrário.
Quando consegue atingir É muito importante que,
este momento, sente-se desde cedo, haja diálogo
arrasado pelo outro que e paciência entre os
entra num novo momento cônjuges para que esta triste
de tristeza. Os pais têm que realidade não provoque um
perceber que são pessoas distanciamento, chegando
únicas e que vão viver o luto muitas vezes à separação,
de formas diferentes. Que um pois é no companheiro
poderá exprimir abertamente que por muitas vezes se
as suas emoções enquanto encontrará apoio.
o outro as guardará para si.

amada Helena . 59
Engravidar, adotar ou nenhuma das opções?

O sonho de um novo
filho após a perda
(nos casos de perda
novo filho não vai substituir o
que faleceu e possivelmente
também não provocará
gestacional ou neonatal) mudanças na dor.
tem se tornado uma faca Além disso, muitas mães
de dois gumes. em muitos não querem ou ainda não
grupos de redes sociais e podem ter outros filhos por
aplicativos destinados a questões biológicas. Estas
falar sobre o chamado "bebê mães não deveriam ver
arco-íris" (termo escolhido esperança de dias melhores?
para designar uma luz Precisamos entender que
que chega após situação cada um encontra os motivos
traumática) se nota uma e razões confortáveis
busca quase desenfreada para viver, dentro de suas
por uma nova gestação. realidades específicas. as
Geralmente, isso revela a razões podem ser também
busca por uma espécie de um trabalho, um novo amor,
cura, inconscientemente um animal de estimação...
difundindo a ideia de que Não importa o que seja, o
um novo filho substituirá o importante é que consiga
anterior ou aliviará a dor da suavizar a dor e seguir
perda. adiante. Compreendendo
Realmente a chegada de isso temos empatia e
um filho traz alegria para percebemos o luto como um
a vida, mas precisamos processo indivudual.
refletir sobre a chegada Portanto, a decisão de
deste bebê. Entender se ter ou não outros filhos
ele terá um ambiente sadio caberá apenas a você e
a sua espera, para crescer seu companheiro (a) no
com amor e carinho, sempre momento que julgarem
lembrando que a ideia de oportuno. Compreenda
cura é errônea e que este realmente que filho nenhum

amada Helena . 60
ocupará o lugar do que pessoa é única e carrega a
faleceu e que é possível que sua própia história. Muitas
você sinta medo durante dúvidas surgirão, e isso
toda uma nova gestação é absolutamente normal.
e pode superproteger a O conselho é o mesmo:
criança depois de nascer. respeite seu tempo e seus
Lembre-se também que cada sentimentos.

Como conviver com amigos e família?

N ão adianta
tentar abafar a dor.
A comunicação familiar é
nada o pressionarem a às
atividades cotidianas. É
normal não desejar participar
vital durante o percurso da sociedade e fazer apenas
de adaptação à perda e, o estritamente necessário.
além disso, um ambiente Não tenha pressa! Permita-
de confiança com empatia se “curar” ao seu próprio
e tolerância é essencial. tempo. Seja fiel ao que sente,
Amigos e familiares mesmo que isso signifique
bem-intencionados, mas decepcionar outras pessoas.
desinformados, podem Com o tempo você se
tentar fazer com que você restabelecerá, mas antes
desenvolva um autocontrole, disso terá de chorar e falar
mascarando ou fugindo sobre o filho repetidamente,
do luto, causando-lhe será mais impaciente e às
ansiedade, confusão, vezes irritada. Você não
angústia e até depressão. deve esquecer que datas
O melhor é não deixar que importantes poderão ser
interfiram, apenas aceite particularmente difíceis,
sua presença e apoio. então aceite convites para
Impeça quando insistirem participar ativamente na
permanentemente para preparação das celebrações,
que se recomponha e pois poderá ajudar a não
refaça sua vida ou quando se sentir tão sozinho. Se

amada Helena . 61
preferir ficar em casa, fique. telefonema, uma flor, uma
Desde que isso não seja visita, um abraço... aceite
uma autoponição por não se esses gestos, mas por favor,
achar merecedor de diversão não tente forçar alegria.
por ter perdido um filho. Simplesmente demonstre
Permita-se viver o luto que aprecia a atitude, pois
e ajude a si próprio não a pessoa apenas está
aceitando interferências. expressando o quanto o
Às vezes você receberá um estima.

Como celebrar se a felicidade não existe?

Q uando se perde alguém


tão único, não se
enxerga motivo algum para
• Acenda uma
ouça uma música que
aproxime você
vela,

das
comemoração. Fingir que lembranças de seu filho;
está tudo bem, que nada • Crie um memorial, um
mudou ou que não é um blog, um diário, algo on-
momento difícil, tende a piorar line ou não, onde você
todo esse sentimento de vazio, possa se expressar;
e o desespero acaba surgindo • Compartilhe uma história
nas datas significativas. favorita sobre ele;
Aqui elaboramos dicas • Cancele as festividades.
básicas de como externalizar Isso mesmo. CANCELE.
o que você sente, e assim Mais importante do que
enfrentar as festividades da fingir estar bem ou estar
melhor forma possível: em um lugar onde não
quer, é cuidar de si e ficar
• Dê a você um tempo e um realmente melhor.
lugar para homenagear • Lembre-se que não existe
seu filho; uma maneira correta ou
• Faça um ritual errada de lidar com o
conectando-se ao seu luto durante os Feriados.
filho; Você pode decidir o que

amada Helena . 62
é certo para você e tem todo o o significado novamente nas
direito de mudar de ideia. tradições, descobrindo até
mesmo uma nova forma de
É muito natural sentir que celebrar. Busque agir com
você nunca mais poderá naturalidade, é possível que
desfrutar as festas novamente, as pessoas que a cerquem
você e também seus compreendam que é uma
familiares certamente nunca realidade díficil, mas lembre-
serão os mesmos, no entanto se que muitas vezes eles
com o tempo, a maioria das também não sabem como
pessoas é capaz de encontrar agir.

A dor de ver um filho partir...*

E u sei que o movimento


parece contrário, há uma
desordem estabelecida por
lhe o coração, colocar-
lhe um sopro de vida que
fosse capaz de vencer o
que uma regra foi quebrada movimento contrário que
crescemos acreditando que levou o filho embora. A
filhos deverão sepultar seus morte parece possuir o
pais, mas o contrário não! poder de estacionar o tempo
É como se a vida se de estacionar das horas, os
perdesse dos trilhos. dias, os meses, os anos, a
Sepultar um filho é a maneira vida.
mais estranha de iniciar o O sofrimento que fica pode
sepultamento de si mesmo. ser comparado a um grande
Dor que não tem nome, dor baú, que não cabe em lugar
que não tem jeito, dor que nenhum da nossa casa, há
não tem remédio que pare uma inadequação, entre o
de doer. Dor de parto, mas acontecimento e o nosso
ao contrário. O desejo que sentimento, o fato é cruel!
resta é o de devolver-lhe Seu filho esta morto! Mas
a vida, o sorriso brilho dos dentro de você esta notícia
olhos, o reaquecimento do não quer se acomodar.
corpo, desejo de reinaugurar Morte não combina com

amada Helena . 63
maternidade/paternidade. recurso que nós temos para
Você que tantas vezes fazer permanecer aquele que
correu atrás de situações já não esta mais entre nós,
que facilitasse a vida de seu não esquecendo tudo o que
filho, agora, tem diante de ele ensinou e o que vivemos.
seus olhos uma sensação Você foi transformada (o),
de impotência inegável e não é mais a mesm, perceba
a lágrima teimosa corre que seu filho continua vivo
no silencio de seu rosto entre quem o amou através
indignado, com tanta e de tudo aquilo que ele
profunda ausência. esqueceu em vocês.
Eu quero colocar uma A ressureição antes de
palavra que possa lhe fazer ser a experiência miraculosa
bem, não é uma palavra de vencer a morte, é a
mágica nem tampouco que experiência simples e bonita
queira iludir sua lucidez, da percepção de que seu
não! Diante da perda nós filho partiu mas está contigo,
temos duas possibilidades, ele não morrerá por uma
ou reagimos para alcançar razão muito simples: porque
algum bem com aquilo que continua vivo em você em
perdemos ou estendemos todos que o amam. Nessa
a perda no tempo e assim ressureição que você pode
perderemos sempre. promover você fará com
O seu filho não pode ter que seu filho, continue na
morrido em vão, e este é o história através de você.
momento de fazer justiça a Tenho certeza que em
sua partida tão inesperada, muitos momentos de sua
fazer justiça aquele que se vida, sentiu o amor por
foi, é o mesmo que promover seu filho pulsante, então
de alguma forma a sua não deixe que ele morra
ressurreição, Gabriel Marcel, totalmente, evidencie aquilo
um grande filósofo dizia que que ele esqueceu em você,
amar, consiste em olhar o aquilo que o fará sobreviver
outro nos olhos e dizer: “Tu no tempo, ainda que a morte
não morrerás!” O amor, este o tenha levado.
atributo humano e divino, é o Ressuscite-o pelo amor

amada Helena . 64
que existe em seu coração, estranho nesse mundo que
mantenha-o vivo em sua faça falar seu filho, mais
memórias, fale com seu filho, do que você. Atualize a
pai e mãe não precisam de presença de seu filho no
terceiros para fazer isso, mundo por meio do amor, ele
a maior autoridade afetiva continuará no meio de nós.
já lhes foi dada. Não há

*Trecho de vídeo do Padre Fábio de Melo

Daniela Battastini

"Nunca estamos
sós, os anjos
é que são
silenciosos"

FLÁVIA ROTT,
madrinha de anjo.

amada Helena . 65
para quem
quer ajudar
Enquanto pessoas dispostas a auxiliar, é possível ser
empático, fazendo o exercício de se colocar no lugar
dos pais, oferecendo um espaço para amparo, seja
por intermédio do preparo para escutar, do abraço
que conforta ou mesmo do silêncio que compreende
e acolhe. Essa é a melhor forma de cuidar sem
invadir e confortar sem utilizar discursos prontos e
desnecessários.

FRANCIELE SASSI,
psicóloga.
A utomaticamente a morte
nos cala, e quando a
perda inverte a ordem natural
pessoas não
preparadas para dar o
estão

suporte de que precisam. E


da vida, é uma experiência de fato não estão. Sabemos
destruidora. Como resultado que tocar neste assunto não
dessa, sobram os pais e é algo fácil. Se fosse, não
uma vida em reconstrução. nos reservaríamos diante
Ajudar alguém em sofrimento das impossibilidades, das
é sempre uma tarefa difícil. exceções e dos dias de dor
Se você tem essa intenção, que a morte registra nas
seja compassivo e esteja nossas vidas.
disponível nas semanas Nesse caso deve estar
e meses que virão. Sua se perguntando: “Então o
presença, paciência e apoio que posso fazer para ajudá-
os ajudará mais do que você los?”, afinal são os familiares
imagina. e/ou amigos que estão em
O mundo continua feliz e a contato direto com os pais
vida alheia segue enquanto enlutados e que fazem toda
eles perderam um filho. Não diferença no processo de
permitir que manifestem os luto. Existe muita informação
sentimentos é uma agressão. inadequada e insensível
Por temerem muito que o que pode prejudicar o curso
filho seja esquecido, acabam natural e esperado após a
ficando com a tarefa, muitas perda. Em hipótese alguma,
vezes incômoda, de lembrar qualquer pessoa pode sair
a todos que ele existiu, falando o que pensa. Por
que teve uma história e fez isso, colocamos algumas
diferença na vida deles e de dicas abaixo, elaboradas
outros. Por isso, quando não por especialistas, de como
são afastados, muitas vezes ajudar. O principal você já
se sentem indesejáveis tem: a vontade! Vamos lá?
nos seus círculos e
acabam se distanciando,
se sentindomuito sozinhos,
porque acham que as

amada Helena . 67
No Velório...

A intenção pode ser boa,


mas grande parte do que
se faz para tentar conter a
vezes inconsciente, de gestos
e atitudes “convencionais” em
direção aos pais. No caso de um
dor do luto alheio tem o efeito funeral pela perda gestacional,
contrário. Se queremos ajudar não pense em faltar, você
podemos evitar que ela seja não faltaria ao enterro de uma
amplificada pela prática, muitas criança.

O QUE NÃO DIZER? MELHOR DIZER


"Como você está?" "Deve estar sendo muito difícil..."
Provavelmente responderá "estou bem", Reconhece o momento doloroso e dá a
ao invés de se expressar genuinamente. chance de a pessoa sofrer sem cobrança.

"Ele está em um lugar melhor." "Eu sinto muito!"


Como você sabe?! Você realmente evitaria o ocorrido.

"Há algo que eu possa fazer por você?" "Vou fazer suas compras de supermer-
Receber muitas propostas de ajuda pode cado."
ser opressor. Ajudas específicas são mais fáceis de
aceitar.

"Você é jovem, pode ter outro filho." "Fale sobre isso, se quiser."
Filhos são insubstituíveis. Permita que a pessoa compartilhe
memórias, sendo ouvinte ativo.
"Eu sei o que você está sentindo!" "Posso imaginar o que você sente."
A experiência do luto é absolutamente Dê a chance de a pessoa mesmo dizer
individual. como se sente.

"Ele preferia assim..." "Eu gostaria de homenageá-lo assim..."


A menos que o filho tenha deixado Use suas próprias memórias e fale sobre o
instruções claras, não saberíamos suas relacionamento de vocês.
preferências.

"Você está lidando com isso melhor do “Está tudo bem se você não estiver
que eu esperava" bem.”
Sua afirmação pode sugerir que ela Dê à pessoa a liberdade de se sentir como
deveria estar sofrendo mais. for.
“...” (NADA) “Lembra quando...?!”
Muitas pessoas simplesmente nunca Dividir a memória do filho. Ao contar algo dá
mencionam à família o nome do filho. a chance de eles conhecerem o filho de outra
perspectiva.

amada Helena . 68
No dia-a-dia...
AJUDA NÃO AJUDA
Olhar no olho, ser simples e sincero. Agir como se nada tivesse acontecido.

Estar presente: ligar, fazer visitas... Fugir da família.

Ter paciência e entender que não há tem- Impor à família um limite de tempo
po "normal" para o processo de luto. cronológico para viver o luto.

Compreender que não há maneira correta Fazer comparações entre as reações


de elaborar todo esse processo. desta e de outras famílias.

Entrar em contato nas datas difíceis. Reprimir as lágrimas das famílias em


momentos complicados.

Encorajar a família a falar e permitir que Pressionar a família a falar quando não
conduza a conversa. estiver confortável ou disposta.

Ouvir as histórias que a família gosta de Não encorajar as histórias por acreditar
relembrar. que deixa as pessoas mais tristes.

Dizer o nome do filho que morreu. Se referir ao filho que morreu como
alguém sem existência única, que não
existe mais (mesmo em casos de perda
gestacional).
Deixar que a família compartilhe o que Pretender saber o que a família sente sem
sente, genuinamente. consultá-los.

Não julgar - julgamento moral ou social


torna o percurso mais difícil. Não existe Não julgar.
código de etiqueta para o luto.
Convidar o enlutado a sair, dar uma volta, Excluir as famílias dos convites, da
ir a um cinema, tomar um café, dar uma vida social - eles mesmos devem decidir
caminhada em um lugar agradável... participar ou não.
Oferecer-se para fazer tarefas práticas Protocolar frases como "conte comigo se
- como ajudar com as crianças, fazer o precisar", "se precisar me liga", etc.
serviço de banco, supermercado, etc...
Unir as pessoas que gostam da família Buscar culpados - isso só agrava a situ-
na representatividade de um presente ação. Mais ainda se for em tom de fofoca.
simples como um bolo, uma planta, um
chocolate....

Ter empatia! Fazer comparações!

amada Helena . 69
Nas festividades...

M uitas pessoas têm


apenas a mínima noção
da dificuldade enfrentada por
• Se a festa for em família,
honre as tradições e
crie novos rituais. Por
pais que perdem um filho e exemplo, compre um
realmente não sabem como enfeite de Natal para
agir com eles, em especial colocar na árvore e dê
em datas festivas. Pensando de presente aos pais
nisso, preparamos algumas dizendo que representa o
dicas que podem ajudar a filho. Um anjo, uma bola
tornar as festividades algo de natal com foto dele...
menos (ou nada) incômodo eles vão adorar. Será uma
para ambos: forma de demonstrar que
o filho deles está e estará
• Convide-os a compartilhar presente no coração de
o que sentem, se assim o todos.
desejarem, é importante. • Converse sobre o que
Fale, demonstre que eles gostariam de fazer
eles estão entre quem para homenagear o
os deixa confortáveis filho. Talvez todos
para falar sobre seus compartilhando uma
sentimentos. história sobre ele,
• Reconheça o sofrimento alguma memória alegre,
deles, não os peça para ou até mesmo dizendo
esquecerem. que sentem saudades,
• Não pergunte por que não falando o nome dele em
estão felizes, não peça voz alta ou cantando uma
que finjam felicidade. música que ele gostava
• Não diga que deveriam ou que lembre sua vinda.
ser gratos por algo que • Não pergunte se você
você acha que eles pode ajudar, apenas
deveriam. ajude, encontre

amada Helena . 70
caminhos; converse ou tentando muito. Mas pode
simplesmente os convide sim, não acrescentar dores
para uma caminhada breve adicionais com frases prontas
fora do ambiente das festas, e superficiais, como os velhos
pegue um doce, sirva uma “Deus quis assim” ou “era
bebida, sente ao lado deles hora dele”. Simplesmente
em silêncio, expressando a permita que a tristeza seja
disposição em ajudar. representada assim como a
alegria. Se observar bem, vai
Busque agir com vê-los tentando se adaptar à
naturalidade, pois apesar felicidade do momento.
deles sofrerem, continuam Sendo assim, deixamos
sendo as pessoas que o convite para que você
você se preocupou em partilhe dessa vontade,
querer ajudar. Não se sinta buscando compreender que
pressionado a acabar com não há como se despedir
o sentimento de tristeza e definitivamente de um filho
pesar deles, acredite: você e sorrir levemente em datas
não iria conseguir nem tão expressivas.

Ajuda da Família

O processo de luto dos pais


afeta todos os outros
subsistemas e é afetado por
com os problemas, ajudando
um ao outro, amenizando
a solidão, favorecendo a
eles. As famílias que enfrentam elaboração do luto.
melhor esse percurso são as No círculo de convivência
mais unidas. Elas são mais familiar os pais precisam ter
capazes de tolerar diferenças suas emoções acolhidas e
individuais, têm comunicação compreendidas. O grupo
mais aberta, maior pode não concordar com os
compartilhamento emocional, sentimentos expressados por
encontram mais apoio e eles, mas tentar compreender
carinho, lidam mais ativamente é tudo o que eles precisam.

amada Helena . 71
Ajuda dos Amigos

G eralmente as pessoas
que sempre foram
amigas próximas ficam sem
relembrar o que já citamos
nesta cartilha: cada luto é
singular! O momento exige,
jeito e tensas na presença antes de mais nada, respeito
dos pais que perdem um filho. e delicadeza. Não importa se
Em contrapartida, parece tem mais ou menos intimidade
que aqueles que já passaram com eles, é fundamental
por esta experiência expressar os sentimentos.
ficarão perto (mesmo não Não adianta fingir que nada
tendo amizade prévia). aconteceu e evitá-los como
Independente de quem vai se portassem uma doença
conviver com os pais, é contagiosa também não vai
sempre bom lembrar que ajudar. O melhor para quem
amigos bem-intencionados realmente quer ajudar é
mas mal informados podem dizer “eu sinto muito” e estar
forçá-los a encobrir seus à disposição para qualquer
sentimentos. Também vale auxílio solicitado.

No Trabalho

H á pessoas que, depois


de perder um filho,
mergulham no trabalho como
Na maioria das vezes é o
primeiro “RE-CONTATO” com
o mundo real após a perda.
forma de sentir que a vida Os colegas devem agir
retoma o seu rumo. Mas há com respeito, mas não devem
também aquelas que precisam alterar o ritmo ou a eventual
de mais tempo e isolamento leveza e alegria do ambiente
ou voltm ao trabalho e em função da pessoa. É
não se sintam capazes de aconselhável que os outros
desempenhar as suas tarefas demonstrem compreensão,
com igual eficiência e rapidez. mas não adotem uma postura

amada Helena . 72
desconsolada diante do quando uma genuína e
enlutado. Como em qualquer breve expressão é um gesto
relação com uma pessoa em suficientemente delicado e
luto, os colegas não devem bem-vindo. Também ajuda
cobrar a pronta recuperação convidá-la para o cafezinho
dela falando de sua perda ou oferecer companhia no
pelas costas em tom de almoço, falando normalmente
fofoca, também não devem de qualquer assunto. A pessoa
demonstrar irritação caso enlutada não quer ficar apenas
ela esteja fazendo o seu no tema do seu sofrimento,
trabalho com menos energia mesmo assim, se um dia
ou eficiência. O caminho é presenciar uma cena de choro
expressar os sentimentos ou desespero, não ignore nem
logo que ela retornar, de forma invada, apenas respeite, afinal
simples e direta: “eu sinto a realidade para ela é dura e
muito por sua perda”. “meus por vezes emerge sem motivo
pêsames”. Muitas pessoas aparente.
deixam de dizer o básico Mantenha sempre um
porque acham que precisam procedimento respeitoso e
elaborar frases muito especiais, acolhedor.

A empresa pode ajudar?

M ais do que conceder


uma licença
temporária*, existem muitas
sobre a perda,
acolhimento dos colegas
é fundamental: não fugir,
o

outras maneiras de dar a não desviar o olhar, ouvir,


assistência à pessoa que se oferecer para ajudar,
perdeu um filho e fazer a conversar, abraçar, são
diferença na retomada do atitudes muito positivas.
trabalho. Por exemplo: • Antecipação de férias:
antecipar férias pode ser
• Informar e orientar os melhor do que contar
demais colaboradores com uma licença médica;

amada Helena . 73
• Mudança temporária de documentos pós-morte
setor, sendo previamente (certidões, seguros...).
combinada para a Essas questões práticas
pessoa se sentir mais se tornam complicadas
confortável. no meio do turbilhão do
• Disponibilidade de processo de luto.
trabalho home office, se
possível.
• Flexibilidade de horário
no primeiro mês da *Esta licença está prevista
perda: permitir que em lei e estabelece que
a pessoa altere os o trabalhador pode
horários de trabalho sem faltar, sem desconto, de
ônus pode favorecer a 2 a 9 dias de trabalho,
reorganização da rotina dependendo do regime
e da vida pessoal. jurídico do colaborador
• Auxílio funeral e/ ou (CLT ou servidor público)
jurídico: custos com e do grau de parentesco
funeral, cemitério com o falecido.
e auxílio jurídico
para elaboração de

amada Helena . 74
saiba mais
Nas páginas seguintes você encontra algumas
informações que podem ser muito úteins no seu
processo de luto, como por exemplo, depoimentos
de outras famílias e uma lista de grupos de apoio
espalhados pelo Brasil. Olha só!
Por que ajudar essa causa?

C onheça um pouquinho
mais da nossa história
de luta em favor das famílias
enlutadas através
palavras delas mesmas!
das

"Se não fosse o trabalho da ong Amada


Helena, talvez tivesse esquecido meu
primogênito e partido. Agradeço pela
vida ter posto vocês em meu caminho
para poder dividir a memória da
Alanis. Vocês evitaram um suicídio e
a tristeza de uma criança ficar órfã. JULIANA RODRIGUES,
Obrigada sempre!" mãe de anjo.

"A ong amada Helena me abriu os


braços no momento de maior tristeza
da minha vida, me dando conforto e
coragem para permanecer em pé . Sou
grata pelo apoio incansável que me é
oferecido diariamente . Obrigada por me
permitirem dividir com vocês um pouco
de tudo que meu anjo Samuel foi e é para ARIANA SILVA,
mãe de anjo.
todos que o conheceram."

"Conheci a ong amada Helena um mês


após a partida da Betina. Eu estava
perdida, não entendia o que estava
acontecendo. A mistura de sentimentos era
algo muito forte. Através deste trabalho
conheci outras mães, outras histórias, e vi
que não estava sozinha nessa caminhada.
O luto é um processo doloroso, dif ícil , mas
quando encontramos pessoas com empatia VANESSA PAIM,
é gratificante." mãe de anjo.

amada Helena . 76
"Desde a primeira ligação da ONG
amada Helena nunca mais deixei de me
emocionar. Estar ao lado dessas mães,
conhecer suas trajetórias de luta, é algo
que nos enche de orgulho. Com minha
fotografia pude ser os olhos delas sobre
esse assunto tão temido pela sociedade ,
mas que deve ser exposto. Sou fã desta
instituição, estar junto nos projetos me
torna uma pessoa melhor. Sinto muita DANIELA
gratidão por essa amizade e parceria." BATTASTINI,
fotógrafa.

Endereços Importantes

N o site da ONG amada


Helena você encontra
uma lista atualizada de
é a conscientização sobre o
acolhimento social em casos
de luto.
organizações e grupos de Convidamos você a
apoio espalhados por todo conhecer os grupos, procurar
o País. Ainda não são tantos ajuda se necessário, nos
quanto gostaríamos, e por contatar para ajudar a causa
isso o movimento "Amor que e o que mais o caminho te
guia" pretende se articular mostrar.
cada vez mais e integrar Visite o nosso site e seja
organizações que trabalham bem vindo(a)!
o luto parental. A intenção é
unir para ter mais força no http://amada-helena.org/
debate tão importante que

amada Helena . 77
Fontes de Pesquisa*
• Especificidades sobre o processo do luto frente ao suicídio - Fukumistsu,
Karina Okajima; Kovács,Maria Júlia
• Morte e luto: competência dos profissionais. Hayasida, Nazaré Maria de
Albuquerque; Assayag, Raquel; Figueira, Iza; Matos, Margarida Gaspar de.
• O luto de um pai pela perda de um filho natimorto- Gamnellone, Celina.
• Caminhos na elaboração de um luto. Batistelli, Fátima Maria Vieira
• Impacto da morte de um filho na conjugabilidade dos pais. Motelli, Ana
Bárbara; Comin, Fábio Scorsolini; Santos, Manoel Antônio dos.
• O luto como experiência vital. Franco, Maria Helena Pereira.
• Tabu e a ambivalência afetiva: a experiência de sofrimento psíquico e na
cultura. Amorim, Aba Karenina de Arraes; Viana, Terezinha de Camargo.
• A escrita como recurso terapêutico no luto materno de natimortos. Lima,
Sabrina; Fortim, Ivelise
• Quando os filhos dizem adeus: a percepção sobre a morte e o processo
de luto fos pais que perderam seus filhos em situação de tragédia. Cipriani,
Kauê Sandielly; D'agostini, Carmem Lúcia Arruda de Figueiredo.
• Luto fetal: a interrupção de uma promessa. Aguiar, Helena Carneiro; Zornig,
Sílvia.
• A maior dor do mundo:o luto materno em uma perspectiva fenomenológica.
Freitas, Joanneliese Lucas de; Michel, Luís Henrique Fuck.
• O tempo do luto e o discurso do outro. Maesso, Márcia Cristina
• Despedida silenciada: equipe médica, família, paciente – cúmplices da
conspiração do silêncio. Rodriguez, Maria Inês Fernandez.
• O luto antecipado diante da consciência da finitude: a vida entre os medos
de não dar conta, de dar trabalho e de morrer. Giacomin, Karla Cristina;
Santos, Wagner Jorge dos; Firmo, Josélia Oliveira Araújo.
• Concepções Sobre Morte e Luto: Experiência Feminina Sobre a Perda
Gestacional. Lemos, Luana Freitas Simões, & Cunha, Ana Cristina Barros
da.
• Teclando com os mortos: um estudo sobre o uso do Orkut por pessoas em
luto. Silva, Mariana Santiago de Matos.
• Sustentabilidade ou insustentabilidade na teia da vida a partir da morte de
um filho. Baumgartner, Maria Cristina Della Santana.
• O luto pelo filho adulto sob a ótica das mães. Franqueira, Ana Maria
Rodrigues, Magalhães, Andrea Seixas, & Féres-Carneiro, Terezinha.

*Estes artigos foram utilizados para o auxílio na elaboração e montagem deste


material. Também fizemos uso de inúmeros sites e textos transcritos de pal-
estras.

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Anotações
Anotações
Realização

Se você se sentiu tocada(o) por este material, ajude-nos a fazer


com que ele chegue em mais pessoas que possam se beneficiar
também. Você pode fazer isso presenteando alguém com esta cartilha,
escrevendo sobre ela nas suas redes sociais, levando-a em reuniões
de grupo de apoio... Enfim, recomendando-a sempre como o material
importante que foi para você.
Agradecemos a todos que nos ajudaram na elaboração e impressão
deste material, bem como a todas as famílias que acreditam no nosso
trabalho diário. Ele é feito com muito carinho especialmente para
vocês!

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