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CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C

SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”


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ADMINISTRAÇÃO DE
CONTRATOS
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
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Cadernos Técnicos do IBDiC


Série: “Administração de Contratos”

Sumário

O IBDiC 7
Carta do Presidente 8
Apresentação dos Cadernos Técnicos 9
Homenagem 10

CT-1 Panorama da Administração Contratual em Obras e Serviços de Infraestrutura 11


1. Introdução 11
2. Fundamentos de Administração Contratual 12
2.1. Definição 12
2.2. Alcance e requisitos 12
2.3. Objetivos 13
2.4. Estratégia e ciclo 13
3. Operações da Administração Contratual 14
3.1. Processos incluídos 14
3.2. Atividades 15
4. Contrato 16
4.1. Distinção essencial 16
4.2. Bases de estruturação ou análise 16
4.3. Importância da interpretação do contrato 17
5. Surgimento da Administração Contratual – Interface com Análise de Risco 18
6. Implantação e prática 18
7. Revisões contratuais 19
8. Conclusão 20
9. Referências bibliográficas 21
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CT-2 Interpretação dos contratos e seu impacto na análise de risco do
empreendimento 23
1. Introdução 23
1.1. Considerações Gerais sobre a análise de risco do negócio 23
1.2. A importância do conhecimento e da interpretação das condições de contratação para a
adequada análise de risco do negócio 24
2. A análise das condições do contrato 25
2.1. Considerações iniciais 25
2.2. Aspectos contratuais relevantes 26
2.2.1. Legislação aplicável 27
2.2.2. Modalidade contratual 27
2.2.3. Considerações preliminares 28
2.2.4. Definições 28
2.2.5. Ordem de prevalência entre anexos 28
2.2.6. Cláusulas que trazem comandos genéricos 28
2.2.7. Mecanismos de resolução de controvérsias 29
3. A interpretação dos contratos 29
3.1. Considerações iniciais 29
3.2. Regras básicas de interpretação dos contratos 30
3.3. Prevalência da finalidade pretendida pelas partes (art. 112) 30
3.4. Boa-fé (art. 113, caput e § 1º, III) 31
3.5. Usos do lugar de celebração do contrato (art. 113, caput) 32
3.6. Usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio (art. 113, § 1º, II) 32
3.7. Forma como o contrato é conduzido (art. 113, § 1º, I) 33
3.8. Sentido mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo (art. 113, § 1º, IV) 34
3.9. Sentido que corresponda à razoável negociação sobre a questão discutida (art.113,§1º,V) 35
3.10. Outras regras de interpretação especificamente pactuadas pelas partes (art. 113, § 2º) 36
3.11. Interpretação extensiva e restritiva 37
4. Conclusão 38
5. Referências Bibliográficas 37
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CT-3 Qualificações e condicionamentos de propostas 40
1. Introdução 40
2. Considerações gerais sobre propostas 40
2.1. Natureza da proposta 40
2.2. A aceitação da proposta como elemento de formação do contrato 41
2.3. A análise de risco do negócio como etapa precedente à formulação da proposta 42
2.4. Os pedidos de esclarecimento 42
3. Qualificações e Condicionamentos da proposta 43
3.1. Considerações iniciais 43
3.2. Qualificações e condicionamentos 44
4. Aspectos práticos 45
4.1. O posicionamento do cliente diante das qualificações e condicionamentos efetuados pelo
proponente e as consequências daí advindas 45
4.2. Recomendações quanto a qualificações e condicionamentos nas propostas 45
4.3. Qualificações e condicionamentos mais comuns 46
5. Conclusão 47
6. Referências bibliográficas 48

CT-4 Melhores práticas para contratação de Seguros e Garantias em projetos de


engenharia e construção 50
1. Introdução 50
2. Mercado de seguros brasileiro 50
3. Contratos de construção de obras públicas e privadas 52
3.1. Atividades prévias a assinatura de contrato de construção 52
3.1.1 Quem será responsável pela contratação das apólices de seguros do empreendimen-
to a ser construído? O Contratante ou o Contratado? Quais apólices de seguros? 53
3.1.2. Tipos de apólices de seguros normalmente utilizadas em obras públicas e privadas 54
3.2. Seguros de Riscos de Engenharia 54
3.3. Seguros de Responsabilidade Civil 56
3.4. Seguros de Perdas Financeiras 58
3.5. Seguros Garantia 58
3.6. Seguros de Veículos e Equipamentos 62
3.7. Seguros de Pessoas 62
3.8. Seguros Especiais 63
4. Conclusão 63
5. Referências bibliográficas 64
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CT-5 Administração Contratual durante a execução do contrato 66
1. Introdução 66
2. Administração Contratual no curso da execução do contrato 67
2.1. Conhecer – e entender – o contrato 68
2.2. Acompanhar e medir a execução dos trabalhos 68
2.3. Registrar as ocorrências 69
2.4. Gerenciar as comunicações 70
2.5. Seguir o processo de alterações contratuais 70
3. Registros 71
3.1. Principais meios e documentos para registros 71
3.2. Prova de envio dos registros 72
3.3. Atualização das linhas de base do cronograma (baseline) 73
3.4. Conteúdo dos registros 73
4. Gerenciamento de ocorrências e reivindicações 73
4.1. Responsabilidade civil 74
4.2. Fundamentos contratuais e/ou legais das reivindicações 75
4.3. Uso de metodologias apropriadas para cálculo dos danos ou impactos 75
4.4. Mecanismos de prevenção e de solução de disputas 77
5. Conclusão 77
6. Referências bibliográficas 78

CT-6 Resolução de conflitos 80


1. Introdução 80
2. Negociação 81
2.1. Conceito e origem 81
2.2. Utilização nos contratos 81
2.2.1. Contratos de construção 82
2.2.2. Contratos de concessão 82
2.3. Aplicação usual 82
2.4. Vantagens e desvantagens 82
3. Mediação 83
3.1. Conceito e origem 83
3.2. Utilização nos contratos 83
3.2.1. Contratos de construção 83
3.2.2. Contratos de concessão 84
3.3. Aplicação usual 84
3.4. Vantagens e desvantagens 84
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4. Dispute Boards 85
4.1. Conceito e origem 85
4.2. Utilização nos contratos 86
4.2.1. Contratos de construção 86
4.2.2. Contratos de concessão 86
4.3. Aplicação usual 87
4.4. Vantagens e desvantagens 87
5. Arbitragem 88
5.1. Conceito e origem 88
5.2. Utilização nos contratos 88
5.2.1. Contratos de construção 89
5.2.2. Contratos de concessão 89
5.3. Aplicação usual 90
5.4. Vantagens e desvantagens 90
6. Judiciário 90
6.1. Conceito e origem 90
6.2. Utilização nos contratos 91
6.2.1. Contratos de construção 91
6.2.2. Contratos de concessão 92
6.3. Aplicação usual 92
6.4. Vantagens e desvantagens 92
7. Adjudicação 92
7.1. Conceito e origem 92
7.2. Comentários 92
8. Conclusão 93
9. Referências bibliográficas 93
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O IBDIC

O Instituto Brasileiro de Direito da Construção (IBDiC) é um fórum democrático criado para


fomentar a discussão acadêmica e técnica dos temas ligados à construção entre os envolvidos
em toda a cadeia do setor e está aberto à discussão de políticas públicas voltadas ao setor e
áreas correlatas.

A partir da integração de conhecimento técnico e de mercado de seus integrantes, o IBDiC,


por meio de estudos, publicações, eventos, atividades integrativas e outras atuações
institucionais, pretende dar importante contribuição à normatização, melhorias práticas e
fomento à atividade da construção e ao desenvolvimento econômico do Brasil.

O IBDiC é composto por advogados, engenheiros, consultores, projetistas, peritos, empresas


de incorporação, construção, indústrias e outras entidades que congregam profissionais e
empresas ligados aos setores de infraestrutura e construção.
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CARTA DO PRESIDENTE

Prezados(as) Associados(as),

É com imensa satisfação que publicamos a primeira série dos Cadernos Técnicos do IBDiC,
tratando de temas relacionados à administração contratual, com artigos de autoria de
referências dos setores da construção e infraestrutura e relevantes apoiadores do Instituto.

Os Cadernos Técnicos do IBDiC são uma publicação de caráter técnico que procura abordar,
de forma prática e com linguagem simples e acessível, temas específicos de interesse de tais
setores.

O objetivo dos Cadernos Técnicos do IBDiC é compartilhar opiniões técnicas e experiências de


profissionais com ampla expertise no setor sobre temas de interesse, buscando contribuir no
enfrentamento dos desafios que são enfrentados nos projetos de construção e infraestrutura.

Nesta série “Administração de Contratos”, os autores proporcionam uma visão multifuncional


e interdisciplinar sobre matérias sensíveis à gestão de contratos de obras, apresentando
propostas concretas de soluções para encarar tais obstáculos.

Agradeço, em nome do IBDiC, pela imensa contribuição que os autores desta série dos
Cadernos Técnicos do IBDiC deram ao setor com seus artigos e espero que estes sejam úteis
aos nossos Associados(as).

Boa Leitura!

Victor Madeira Filho


Presidente do IBDiC – Instituto Brasileiro de Direito da Construção
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APRESENTAÇÃO DOS CADERNOS TÉCNICOS

Esta série de Cadernos Técnicos compõe-se de 6 (seis) temas relevantes à Administração de


Contratos, abrangendo os seguintes títulos:
• Caderno Técnico 1: Panorama da Administração Contratual em Obras e Serviços
de Infraestrutura;
• Caderno Técnico 2: Interpretação dos Contratos e seu Impacto na Análise de
Riscos do Empreendimento;
• Caderno Técnico 3: Qualificações e Condicionamentos de Propostas;
• Caderno Técnico 4: Melhores Práticas para Contratação de Seguros e Garantias
em Projetos de Engenharia e Construção;
• Caderno Técnico 5: Administração Contratual Durante a Execução do Contrato;
• Caderno Técnico 6: Resolução de Conflitos.

Esta série destina-se aos profissionais de quaisquer formações, que lidam com contratos de
construção e infraestrutura, especialmente ao profissional de engenharia incumbido da
administração contratual de obras públicas e privadas. Os temas aqui desenvolvidos aplicam-
se a empreendimentos de todos os tamanhos e a sistemas complexos, e tratam de aspectos
relativos tanto à parte Contratante como à Contratada. Em razão da amplitude e
complexidade dos temas aqui tratados, as opiniões contidas neste trabalho não
necessariamente representam a visão de todos os associados do IBDiC, mas refletem a grande
experiência prática dos autores nos setores de infraestrutura e construção.

Denomina-se “Contratante” a parte que promove a contratação pública ou privada e


“Contratada” aquela que é contratada para executar o objeto do contrato. Emprega-se o
termo “projeto” na sua acepção ampla, como sinônimo de “empreendimento”, salvo onde
indicado de forma diferente.

Para ser útil aos leitores, os pontos de vista jurídico, administrativo, técnico, econômico e
financeiro são apresentados com enfoque prático, a partir da experiência profissional dos
autores, sem que isto signifique o abandono dos conceitos.

As visões aqui apresentadas traduzem as melhores práticas que os autores recomendam,


embora não sejam as únicas.
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HOMENAGEM

Jorge Pinheiro Jobim

O engenheiro Jorge Pinheiro Jobim faleceu em 22/10/2020, antes de chancelar o texto do


Caderno Técnico 1, tal como posto.

As contribuições do engenheiro Jobim foram inseridas em todos os Cadernos Técnicos, sendo


que seu talento para debater e trocar ideias, aliado a conhecimento, visão e habilidade
analítica foram decisivos na elaboração desta série de cadernos.

Os autores desta série de cadernos registram sua gratidão ao amigo Jobim.


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CADERNO TÉCNICO 1
PANORAMA DA ADMINISTRAÇÃO CONTRATUAL EM
OBRAS E SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA

1. INTRODUÇÃO

O setor de construção brasileiro apresenta uma triste realidade: descontinuidade na


execução e na conclusão de empreendimentos, refletida na grande quantidade de “obras
paradas”.
Auditoria operacional realizada pela União Federal constatou que, em 2020, “dos
27.126 contratos consolidados, cerca de 7 mil se encontram paralisados, representando cerca
de 29% das obras que deveriam estar em andamento. Os valores totais previstos destes
contratos paralisados somam R$ 15 bilhões” 1, cujas principais causas seriam: “(i) deficiência
técnica, (ii) deficiências no fluxo orçamentário/financeiro, e (iii) abandono das obras pelas
empresas contratadas.”
Toda obra, seja pública ou privada, necessita de bons projetos, planejamento e
administração adequada.
Outro ponto que necessita ser considerado é que o setor de obras de infraestrutura e
de grande porte tornou-se mais competitivo, inclusive pela atuação de empresas construtoras
estrangeiras no País, obrigando os concorrentes a aceitar margens de resultados cada vez mais
reduzidas.
Para lidar com tais desafios é necessário que Contratante e Contratada compreendam
a importância da negociação entre as partes, desde a fase de projeto do empreendimento até
seu final, objetivando garantir a sua conclusão no menor prazo e custo, sem perda de
qualidade. Como as contratações públicas e privadas apresentam diferentes graus de
liberdade de negociação, faz-se mister que as instituições públicas venham a ter maior
autonomia na licitação e administração das obras.
Em razão do novo panorama decorrente da pandemia, que afeta profundamente tanto
o setor público como o privado, a adoção do espírito de negociação deve coexistir com o realce
a ser dado ao processo de Administração Contratual, e a necessidade de ajustá-lo às
circunstâncias e limitações introduzidas pelo COVID-19, inclusive pela adoção de novas
tecnologias. Dentre estas destaca-se o BIM – Building Information Modeling, por constituir
uma metodologia de integração do conjunto de informações geradas e mantidas durante todo

1
Item 20 do Relatório do Acórdão Nº 1228/2021 - TCU – Plenário, proferido na Sessão do dia 26/5/2021,
Relator Ministro Vital do Rêgo.
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o ciclo de vida de um empreendimento, podendo ser aplicada com o uso de diferentes
softwares e cujo emprego deve ser avaliado para cada projeto.

2. FUNDAMENTOS DE ADMINISTRAÇÃO CONTRATUAL

2.1. Definição
Entende-se por Administração Contratual, o processo utilizado para estabelecer a
adequada relação entre as partes que celebram, em boa-fé, contrato com a finalidade de
executar um projeto de engenharia, e, também, entre outros agentes interessados, ao longo
da execução do contrato e até o seu encerramento.
A Administração Contratual se trata da mais importante função organizacional de
negociar e implementar os termos e condições de contratos de construção, obedecendo
políticas e procedimentos estabelecidos, diz o PMI - Project Management Institute (2016).
Diversos outros acontecimentos, de ocorrência simultânea, influem na modelagem do
relacionamento entre as partes que desejam contratar, destacando-se dentre eles:
• A escolha de parceiros estratégicos;
• O estudo das informações técnicas de engenharia, seja para detalhá-las, seja para
investigar a possibilidade de otimizá-las, gerando alternativas;
• A identificação e mobilização de recursos humanos com qualificação específica para
planejar e executar o empreendimento.

2.2. Alcance e requisito


A relação entre as partes Contratante e Contratada materializa-se no contrato, que é
o principal parâmetro a reger a convivência entre elas. O contrato é estabelecido pelas partes
para regulação dos próprios interesses, a partir de um conjunto de funções logicamente
estruturadas, com fundamentação legal, constituindo uma fonte de obrigações para ambas as
partes.
No setor da construção pesada, em geral, o contrato resulta de um processo de
licitação (pública ou privada) e constitui o produto final do acordo entre o comprador e o
fornecedor, derivando de uma proposta elaborada com base nos parâmetros fornecidos pelo
Contratante, compreendendo, entre outros, a minuta do instrumento de contrato, memoriais
descritivos, especificações e normas técnicas, que caracterizam o escopo a ser contratado.
O processo de Administração Contratual está inteiramente vinculado ao contrato
celebrado (“contrato principal”), que se desdobra em uma série de acordos acessórios
(contratos de financiamento, de seguros, garantias e outros), como mostra a Figura 1.
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Fonte: elaboração pelo autor.

2.3. Objetivos
Os objetivos do processo de Administração Contratual visam a obtenção de bons
resultados consequentes do processo produtivo estabelecido em um contrato.
Não obstante a provável ocorrência de fatos imprevistos e imprevisíveis ao longo da
execução do contrato, as partes atuam para assegurar que o resultado econômico-financeiro
do contrato se verifique, na medida da sua expectativa original. Para isso, é necessário que a
parte Contratada:
• Cumpra com as obrigações assumidas em contrato, bem como exija da parte
compradora o cumprimento das suas;
• Exija o cumprimento das obrigações dos seus fornecedores subcontratados, bem como
cumpra as assumidas com eles;
• Solucione eventuais conflitos, o mais rapidamente possível, evitando que o contrato
sofra descontinuidade.
Tanto o cumprimento das obrigações próprias quanto o descumprimento dos deveres
alheios necessitam ser comprovados através de documentos, e os acontecimentos registrados
por meio de documentos, tais como registro em diário de obra (RDO), atas, correspondências
e relatórios técnicos e/ou fotográficos.

2.4. Estratégia e ciclo


A estratégia de administrar um contrato revela-se no processo de análise de risco do
projeto, como apontado no item 5 deste Caderno Técnico 1.
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O ciclo da Administração Contratual inicia-se com a assinatura do contrato entre a
Contratante e a Contratada, terminando com a conclusão de todas as obrigações nele
previstas. Esse ciclo compõe-se de todas as ações envolvidas com a entrega e aceitação das
obras e serviços, bem como do pagamento à Contratada, e está inteiramente vinculado ao
contrato celebrado.
Da perspectiva do Contratante, a observância dos termos do contrato significa
certificar-se da sua execução pelo fornecedor, no prazo e ao preço pactuados, de acordo com
a qualidade que ele, comprador, estabeleceu. Da perspectiva do fornecedor, significa garantir
que o comprador lhe dê acesso ao local da obra, desimpedido para possibilitar a execução, e
que lhe pague com pontualidade, de acordo com o contrato.
É importante destacar que:
• Administrar contrato é diferente de gerenciar projeto. O processo de Administração
Contratual está inserido no processo de contratação do projeto. ”São processos
distintos, mas indissociáveis” (AMARAL, 2010, p. 257).
• Sob o aspecto do gerenciamento de projetos, a prática da Administração Contratual
não se presta ao reparo de erros cometidos em etapas anteriores à da assinatura do
contrato.

3. OPERAÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO CONTRATUAL

3.1. Processos incluídos


O processo de Administração Contratual abrange a aplicação dos processos de
gerenciamento de projetos adequados às relações contratuais, e a integração das saídas
desses processos ao gerenciamento geral do projeto.
Entre outros processos de gerenciamento, destacam-se:
• Gestão do escopo
- Definição
- Controle
- Aceitação
• Gestão do suprimento
- Medições
- Serviços
- Fornecimentos de materiais e equipamentos
- Acompanhamento e controle de pagamentos
- Documentação fiscal
- Negociação e administração de seguros e garantias
- Documentação administrativa
- Controle de pendências
- Encerramento do contrato
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• Gestão financeira
- Controle dos fluxos de caixa da construção do empreendimento.

3.2. Atividades
A abordagem anterior permite concluir que o processo de Administração Contratual
exige trabalho coletivo, isto é, o esforço de todos os integrantes da equipe de gerenciamento
do projeto, sendo especialmente afetado por dois fatores interdependentes, cuja combinação
o condiciona e dirige: (i) legislação, doutrina e jurisprudência que disciplinam a matéria e a
execução de empreendimentos; e (ii) a cultura e características do ambiente onde o projeto é
executado.
As atividades constantes do processo de Administração Contratual são: planejamento;
controle; diligenciamento e coordenação de interfaces; informação; e registro.
a) Planejamento. Atividade desenvolvida primeiramente nas fases de licitação e
contratação do projeto, antecedentes à assinatura do contrato. Consiste na análise
crítica da minuta do contrato e das especificações técnicas do empreendimento.
Depois, num segundo momento, logo após a assinatura do instrumento de contrato
pelas partes, funda-se então na reanálise crítica dos documentos contratuais.
b) Controle. Atividade que compreende o conhecimento e acompanhamento das
obrigações assumidas e dos direitos decorrentes do contrato assinado entre as partes,
bem como das obrigações e direitos gerados por acordos suplementares, tais como os
celebrados junto a fornecedores, prestadores de serviços e instituições seguradoras.
Visa ao alerta antecipado a respeito dessas obrigações e direitos, para serem atendidos
tempestivamente.
c) Diligenciamento e coordenação de interfaces. Trata-se de acionar os mecanismos
contratuais, para que as coisas aconteçam. Coordenar interfaces significa promover a
integração dos diversos processos de gerenciamento necessários à execução do
projeto. Algumas interfaces são reguladas de forma explícita no contrato principal e
nos contratos acessórios que dele derivam; outras necessitam ser detectadas e
tratadas.
d) Informação. Atividade de gerenciamento da informação, compreendendo em especial
o fluxo, espécie e forma do seu fornecimento e registro, quer a informação de caráter
obrigatório, quer a proveniente de solicitações pontuais, endereçadas (i) às partes, (ii)
à equipe interna de cada uma das partes, (iii) a terceiros subcontratados, e (iv) a
interessados externos ao projeto.
e) Registro. Registro, documentação e arquivo de informações sobre fatos relevantes,
ocorridos durante a execução do contrato ou nele influentes, notadamente os
relativos a alterações contratuais. Na Administração Contratual, a comunicação escrita
inclui, dentre outros meios, diário de obras, atas de reunião, cartas, mensagens
eletrônicas e relatórios. Ao registro seguem-se ações visando assegurar direitos e até
mesmo otimizar oportunidades, podendo levar à apresentação de reivindicações por
qualquer uma das partes.
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4. CONTRATO

“Na gestão do contrato, existe um aspecto organizacional – como se organizar, um


aspecto procedimental – como proceder – e um aspecto a que nem sempre se dá a
devida atenção, mas que é importantíssimo: o custo. O problema é como se organizar
e proceder pelo menor custo possível e com o maior grau de eficiência e eficácia.”
(AMARAL, 2010)

4.1. Distinção essencial


O contrato é estabelecido pelas partes para regulação dos próprios interesses, a partir
de funções logicamente estruturadas, com fundamentação legal, estabelecendo uma fonte de
obrigações para ambas as partes. O instrumento do contrato e os documentos que lhe são
anexos constituem a referência para a prática da Administração Contratual.
Um bom contrato é aquele que satisfaz as partes, mas que também é bem gerido pelas
partes. Há uma distinção básica que deve ser feita entre os contratos celebrados entre
empresas privadas e os contratos em que a parte compradora é uma entidade do setor
público.
• “Nos contratos de direito privado as partes podem pactuar, ou repactuar, o que não
seja proibido por lei (autonomia da vontade). [...] Vale o princípio de que o que não é
proibido é permitido.” (AMARAL, 2010 p. 189, grifos no original)
• Contratos administrativos têm por função realizar o interesse público, que se sobrepõe
ao interesse privado do fornecedor. No contrato administrativo, o comprador pode
alterá-lo unilateralmente, desde que tenha amparo na legislação aplicável e vise à
satisfação do interesse público.
Seja no contrato de direito privado, seja no contrato administrativo, as partes têm,
segundo a extensão prevista na legislação de regência, direito à alteração do preço e de outras
condições contratuais caso sobrevenham determinadas situações específicas que alterem a
realização das obras. Essa prerrogativa à alteração contratual, nos contratos de obra pública,
é consagrada como o direito à manutenção da equação econômico-financeira que
inicialmente pactuaram. O conceito de equilíbrio econômico-financeiro é definido por Celso
Antônio Bandeira de Mello como “a relação de igualdade formada, de um lado, pelas
obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela
compensação econômica que lhe corresponderá” (MELLO, 2015), ressaltando que essa
equação é intangível.

4.2. Bases de estruturação ou análise


O acordo entre as partes Contratante e Contratada deve obedecer a uma política clara
e coerente de distribuição do risco, criando uma base firme para a resolução das controvérsias
que possivelmente irão ocorrer na execução do projeto. O formato de um contrato deve
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refletir o equilíbrio mencionado. Contratante e Contratada chegam ao acordo porque juntos
pretendem atingir um objetivo comum, embora seus interesses sejam dessemelhantes.
Memoriais, desenhos, especificações e normas técnicas (“projeto básico”; “projeto
executivo”) constituem o ponto de partida do gerente para estruturação ou análise de um
contrato de empreendimento de construção. A qualidade dos documentos técnicos citados
tem influência direta na estruturação ou na análise efetuada.
Para se elaborar ou analisar minutas de contratos de construção, é preciso conhecer
as características dos principais arranjos de contratos, levando em conta: (i) a abrangência do
objeto a ser executado; (ii) alocação de riscos pretendida, (iii) as potencialidades e limitações
da forma de remuneração do contrato; e (iv) as normas legais pertinentes.

4.3. Importância da interpretação do contrato


A interpretação que cada uma das partes dá aos termos e condições contratuais afeta
a estratégia de análise de riscos e gestão do contrato.
Interpretação e estudo crítico contínuos do contrato são requisitos indispensáveis ao
desenvolvimento do processo de Administração Contratual, pois nenhum conjunto de
documentos contratuais é perfeito. Um sistema de interpretação e esclarecimento do
significado pretendido dos documentos é muitas vezes útil, especialmente para evitar
reivindicações.
Quem interpreta um dispositivo do contrato ou de documento que o integra, busca
determinar – do seu ponto de vista – o sentido real do que as partes acordaram. O ato de
interpretar abrange primeiro a decisão sobre o significado das palavras; depois, a avaliação
dos possíveis conflitos resultantes do entendimento adotado; e, por fim, um plano para
enfrentamento e superação desses conflitos.
A informação jurídica orienta, condiciona e sustenta a ação do gerente do projeto. Por
isso lhe é indispensável deter um mínimo de conhecimento dessa natureza, sem o qual não
conseguirá planejar adequadamente suas ações, nem se posicionar frente aos
acontecimentos. Esse conhecimento mínimo pode ser caracterizado pelos seguintes aspectos:
• Restrições legais do empreendimento;
• Conhecimento elementar das leis que regem o contrato;
• Responsabilidades assumidas ao assinar o contrato;
• Princípios básicos da licitação pública;
• Conhecimento elementar dos princípios que regem os contratos;
• Características de cada tipo de contrato.
Um maior aprofundamento sobre interpretação do contrato poderá ser encontrado
no Caderno Técnico 2 desta série.
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5. SURGIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO CONTRATUAL – INTERFACE COM ANÁLISE DE
RISCO

Para ser eficiente, o processo de Administração Contratual requer planejamento, que


deve acontecer em paralelo com o processo de gerenciamento dos riscos do projeto. Este
último processo compreende outros, de (i) identificação de fatores de risco, (ii) realização das
análises qualitativa e quantitativa dos fatores de risco identificados, (iii) planejamento das
respostas aos riscos, e (iv) implementação das respostas e monitoramento de riscos ao longo
da execução do contrato.
Os três primeiros processos são utilizados durante a formulação da proposta e
negociação do contrato, proporcionam o surgimento do plano estratégico de Administração
Contratual – além de ensejar outros planos fundamentais ao orçamento do projeto. O quarto
processo desenvolve-se após a assinatura do contrato, assinalando o progresso da
Administração Contratual, como representado na figura abaixo. Os quatro processos descritos
anteriormente compõem a matriz do processo de gerenciamento de riscos do projeto,
comumente denominada Matriz de Risco.

Fonte: elaboração pelo autor.

6. IMPLANTAÇÃO E PRÁTICA

Para coordenar o esforço coletivo demandado pelo processo de Administração


Contratual, bem como integrar as diversas atividades que o compõem, convém que o gerente
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
19
do projeto designe um responsável pela condução do referido processo – se bem que tais
funções, embora distintas, possam ser exercidas pelo mesmo gestor.
O ideal é que o gestor tenha participado da análise de riscos do contrato.
Gestão do contrato público ou privado é uma atividade necessariamente
multidisciplinar, sujeita a controles internos e externos. Nos contratos de direito privado, o
controle é dos sócios ou acionistas, exercido com o auxílio de auditorias internas e/ou
externas. Nos contratos administrativos, o controle externo é feito por entidades públicas,
especificamente destinadas ao fim, tais como Tribunais de Contas e Controladorias Gerais, e
Agências regulatórias.
O gestor não é um órgão de controle. Ao gestor cabe ser eficiente na implantação das
atividades de Administração Contratual e buscar a eficácia da contratação, o que somente se
consegue mediante o cumprimento das obrigações das partes compradora e fornecedora.
Como passo inicial para implantação da Administração Contratual, é papel do gestor
estudar o contrato, (i) interpretando-o com apoio jurídico e (ii) resumindo os pontos críticos,
com apoio dos responsáveis pelas fases de execução. Isto significa:
• Relacionar e fazer sumários do contrato e dos Anexos que o integram, por ordem de
prevalência dos documentos;
• Elaborar fluxogramas das principais rotinas contratuais, articulando cláusulas,
dispositivos e eventuais esclarecimentos prestados na contratação;
• Estabelecer uma “Matriz de Compromissos” contratuais, indicando atividades, seus
prazos de execução e os responsáveis por cumpri-las;
• Organizar o registro, padronizando a comunicação formal e fixando a sistemática de
recepção, expedição e rastreamento de informações;
• Realizar treinamento da equipe responsável por apoiar o Gestor.
Também é papel do gestor monitorar o desenvolvimento do contrato, não ignorar
alterações contratuais, e acompanhar a avaliação do desempenho de fornecedores.

7. REVISÕES CONTRATUAIS

Durante a execução da maioria dos projetos de construção, com frequência se


mostram necessárias revisões contratuais por motivos diversos, tais como erros ou omissões
na documentação técnica, alterações solicitadas pela Contratante e ocorrência de eventos
imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis que exijam uma alteração da obra,
de suas condições de execução ou até mesmo o ressarcimento de prejuízos sofridos por uma
das partes.
Quando existe uma convergência entre as Partes sobre a necessidade e os termos de
tal revisão, é recomendável que estas celebrem um competente aditivo contratual, a fim de
formalizar as modificações dos termos do contrato e/ou de seus anexos.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
20
A participação do gestor do contrato na confecção e negociação de tal aditivo
contratual se mostra relevante, já que este poderá contribuir com informações importantes
não apenas em relação à revisão pretendida, como também no tocante aos eventuais
impactos do referido aditamento (por exemplo, reivindicações da Contratada não cobertas
pelo aditamento, entre outros).
Note-se que é comum não haver consenso sobre a revisão do contrato, especialmente
quando o assunto envolve o tema da alteração das condições contratuais, como o preço e o
prazo de execução das obras.
Por conta dessa realidade, é extremamente importante que o gestor do contrato tome
determinadas precauções quando da ocorrência de eventos que possam desencadear tal
alteração das condições contratuais.
Neste sentido, recomenda-se que, inicialmente, ocorrendo um evento que impacte ou
que tenha o potencial de afetar as condições de execução das obras, o gerente do contrato
examine os termos do contrato, a fim de verificar o tratamento que foi dado a tal ocorrência
no contrato (por exemplo, se alguma das partes assumiu a responsabilidade pelo evento, os
prazos de comunicação etc.).
Feita tal verificação inicial, é relevante que o gestor do contrato: (i) registre a
ocorrência no prazo e forma estabelecidos no contrato, para evitar quaisquer alegações
futuras de inobservância dos termos contratuais e de perda do direito de reivindicar a revisão;
e (ii) tenha em conta o dever de mitigar os danos causados pelo evento impactante, agindo
em boa-fé, evitando a inércia e buscando soluções menos gravosas a todos os envolvidos.
Outrossim, cumpre ao gestor do contrato coletar e armazenar todas as evidências do
evento e dos impactos que o evento deu causa. Tais evidências serão essenciais tanto na
negociação amigável da revisão contratual, quanto em eventual litígio envolvendo o assunto.
Desse modo, verifica-se ser crucial a importância da Administração Contratual na
revisão dos contratos.

8. CONCLUSÃO

A sobrevivência e o crescimento da empresa atuante em empreendimentos de obras


e serviços de infraestrutura exige competência em gerenciamento. Além disso, também
depende, entre outros fatores, do contínuo aprimoramento do processo de contratação e
execução de projetos, requerendo o aperfeiçoamento incessante de práticas que reduzam o
risco e otimizem os resultados esperados.
A Administração Contratual é uma dessas práticas, constituindo um instrumento
indispensável à preservação do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, bem como
ao seu restabelecimento, no caso de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, mas de
consequências incalculáveis.
O planejamento da Administração Contratual surge durante a elaboração da proposta
que a parte fornecedora apresentará à parte compradora. As diretrizes desse planejamento
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
21
provêm do plano de resposta aos riscos de execução do projeto, fruto do esforço coletivo da
equipe de gerenciamento do projeto, sob a coordenação do seu gestor.
É de fundamental importância que:
• O contrato possua cláusulas definidoras de riscos e responsabilidades entre as
partes, bem como apresente como anexo uma matriz de riscos bem estruturada;
• A equipe de gerenciamento do projeto analise e interprete continuamente os
documentos contratuais, mantendo atualizado o processo de Administração
Contratual.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Antônio Carlos Cintra. Licitação e contrato administrativo – Estudos,


pareceres e comentários. 3ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
BERNARDES, Edson Garcia (Org.). Administração contratual & claim – Coexistência
pacífica dos aspectos jurídicos e de engenharia em obras. São Paulo: Pini, 2015.
CARNELUTTI, Francesco. Cómo nace el derecho. 3ª ed. Bogotá: Editorial Temis, 2000.
CAVENDISH, Penny; MARTIN, Martin D. Negotiating and contracting for project
management. In: PMI - Project Management Institute. Principles of Project
Management. Newtown Square: Project Management Institute, 1997.
CIBINIC, John Jr.; NASH, Ralph C. Jr.; NAGLE, James. F. Administration of government
contracts. Washington DC: Wolthers Kluwer, 4th ed., 2006.
FIDIC – FÉDÈRATION INTERNATIONALE DES INGÉNIEURS-CONSEILS. Conditions of
contract for EPC/Turnkey projects. 2nd ed. Geneva: FIDIC, 2017.
FISK, Edward. R.; REYNOLDS, Wayne D. Construction project administration. New
Jersey: Prentice Hall, 9th ed., 2010.
HEWITT, Andy. Construction claims & responses – Effective writing & presentation.
Chichester: Wiley, 2011.
HINZE, Jimmie. Construction contracts. New York: McGraw-Hill, 3rd ed., 2011.
JOBIM, Jorge Pinheiro; RICARDINO, Roberto; CAMARGO, Rui Arruda. A Experiência
Brasileira em CRD: O caso do Metro de São Paulo. In: TRINDADE, Bernardo Ramos
(Coord.). CRD Comitê de Resolução de Disputas nos Contratos de Construção e
Infraestrutura – Uma abordagem prática sobre a aplicação de Dispute Boards no
Brasil. São Paulo: PINI, 2016, pp. 169-191.
LIEBING, Ralph H. Construction contract administration. New Jersey: Prentice Hall,
1998.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2015.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
22
PMI – PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Construction extension to the PMBOK
Guide. Newtown Square: Project Management Institute, 2016.
__________. Um Guia do conhecimento em gerenciamento de projetos – Guia
PMBOK – Sexta Edição. Newtown Square: Project Management Institute, 2017.
RICARDINO, Roberto; ALENCAR, Cláudio Tavares. Administração de contrato em
projetos de construção pesada no Brasil – Um estudo da interface com o processo
de análise do risco. Boletim Técnico. São Paulo: EPUSP, 2008.

COORDENADORA:
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
AUTORIA:
Jorge Pinheiro Jobim (In memoriam).
Roberto Ricardino, engenheiro civil pela Escola de Engenharia da Universidade
Mackenzie – São Paulo. Mestre em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo, com especialidade em Gerenciamento de Empresas e
Empreendimentos de Construção Civil. Experiência em projetos públicos e privados de
infraestrutura e construção pesada, no Brasil e no exterior, nos setores de Energia
(geração, transmissão e distribuição), Edificações e Construção Civil, Plantas
Industriais, Transportes (aeroportuário e metroviário), Meio Ambiente e Saneamento.
Atuação no planejamento e licitação de contratações, análise do risco, negociação de
contratos, administração contratual, gerenciamento de reivindicações. Atuação como
Árbitro, Mediador, Perito de Engenharia e Assistente Técnico em procedimentos de
disputas contratuais, sobretudo Dispute Boards. Membro do Instituto de Engenharia.
Membro e integrante do Conselho Deliberativo do IBIDiC – Instituto Brasileiro de
Direito da Construção. Sócio-diretor de Roberto Ricardino Consultoria S/S Ltda.

COLABORADORES:
André Dabus
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
Luís Otávio Pasquale Rosa
Marlon Shigueru Ushiro Ieiri
Solange Majella Jones
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
23

CADERNO TÉCNICO 2
INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS E SEU IMPACTO NA
ANÁLISE DE RISCOS DO EMPREENDIMENTO

1. INTRODUÇÃO

1.1 Considerações gerais sobre a análise de risco do negócio


As contratações relacionadas à área da Construção, de um modo geral, envolvem
atividades de elevado risco visto que, além dos eventos imprevistos inerentes à própria
natureza do serviço, também estão sujeitas a fatos imprevistos externos, cujas consequências
podem ser refletidas em termos de prazos e custos.
Essa natureza mais complexa e desafiadora de tais contratações torna imprescindível
a realização de uma análise criteriosa de riscos do negócio, que deve compreender as
seguintes avaliações: risco técnico (escopo, definição de requisitos, tecnologia envolvida,
processos técnicos, desempenho, segurança, confiabilidade, teste e aceitação, dentre outros);
risco gerencial (gerenciamento do projeto, organização, recursos, informação, política
corporativa, reputação, SMS, dentre outros), risco comercial (termos contratuais tais como
condições de pagamento, suspensão e rescisão do contrato, garantias, seguros,
financiamento, subcontratações, aquisições internas, estabilidade financeira dos eventuais
parceiros, estabilidade do cliente, leis aplicáveis) e risco externo (experiência dos parceiros,
legislação e regulação, taxa de câmbio, instalações, concorrência, política, fatores
meteorológicos, força maior, grupos de pressão, dentre outros) 2.
Pode-se dizer que a análise de riscos do negócio tem um importante papel preventivo,
na medida em que traz a conscientização sobre possíveis impactos na execução do contrato,
permite evitar ou mitigar os respectivos riscos e oportuniza às partes o ajuste adequado e
criterioso das respectivas condições comerciais e distribuição de responsabilidades. Ela deve
ser materializada na elaboração de uma matriz que identificará as seguintes categoriais de
riscos:
• Riscos evitáveis: são aqueles que devem ser objeto de planos e estratégias para evitar
a ocorrência do evento;
• Riscos transferíveis: são aqueles que são transferidos para terceiros, a exemplo das
seguradoras;

2
DINSMORE, p.192. Consultar também o exemplo de Estrutura Analítica de Risco apresentada no Guia PMBOK
– 6ª edição, 2017, p. 406, e a Norma ABNT NBR ISO 31000:2018 - Gestão de Riscos – Princípios e diretrizes.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
24

• Riscos residuais: são aqueles que devem ser considerados no registro de riscos e
deverão ser objeto de análise qualitativa e quantitativa, para que seja elaborado o
necessário planejamento do gerenciamento de riscos.
A análise qualitativa dos riscos é destinada à identificação dos principais riscos
individuais do projeto, ou seja, daqueles que possuem alto nível de criticidade, explicitando
as probabilidades de ocorrência e os respectivos impactos sobre os objetivos do projeto, de
modo a permitir que sejam concentrados esforços em riscos considerados de alta prioridade.
A análise quantitativa consiste na utilização de valores numéricos para representar as
consequências e probabilidades dos riscos identificados.
A adequada análise de riscos constitui elemento fundamental para que seja elaborado
o Plano de Gestão de Riscos do negócio, que deverá estabelecer a abordagem, os
componentes de gestão e os recursos a serem aplicados durante todo o processo de
gerenciamento de riscos no curso do contrato.
O processo de Gestão de Riscos, a ser implementado ao longo da execução do
contrato, traz inegáveis benefícios às partes contratantes, que se revelam nos princípios
elencados na Norma ABNT NBR ISO 31000:2018 (Gestão de Riscos – Princípios e diretrizes),
dentre os quais merecem destaque a criação e proteção de valores e a tomada de decisões:

a) A gestão de riscos cria e protege valor.


A gestão de riscos contribui para a realização demonstrável dos objetivos e para a
melhoria do desempenho referente, por exemplo, à segurança e saúde das pessoas,
à segurança, à conformidade legal e regulatória, à aceitação pública, à proteção do
meio ambiente, à qualidade do produto, ao gerenciamento de projetos, à eficiência
nas operações, à governança e à reputação.
[...]
c) A gestão de risco é parte da tomada de decisões.
A gestão de riscos auxilia os tomadores de decisão a fazer escolhas conscientes,
priorizar ações e distinguir entre formas alternativas de ação.

1.2. A importância do conhecimento e da interpretação das condições de contratação


para a adequada análise de risco do negócio
É muito comum que a análise de riscos do negócio seja concentrada nos riscos técnicos
e comerciais, sendo que, em relação a estes últimos, a avaliação acaba se restringindo às
condições de pagamento. Em contratações mais complexas outros aspectos também recebem
atenção, tais como alterações de prazo e de escopo, mas a análise das disposições contratuais
em toda a sua inteireza é geralmente desprezada.
Note-se também que, na maioria das vezes, o exame da minuta do contrato é feito por
profissionais de áreas técnica e comercial, sem a participação de advogados. Esta situação é
ainda mais comum em contratações públicas precedidas de licitação, onde não há espaço para
a negociação e modificação das condições dispostas nas minutas de contrato. Neste caso,
dispensa-se a participação do advogado, como se fosse ele um profissional a ser utilizado
exclusivamente para alteração de cláusulas contratuais ou somente para a resolução de
conflitos, quando, na verdade, deveria ser engajado desde o momento inicial da avaliação do
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
25
negócio, com vistas à participação na respectiva análise de riscos por meio da adequada
interpretação do contrato e definição de eventual impugnação aos termos do edital.
A avaliação de aspectos exclusivamente técnicos e financeiros em detrimento de
outras condições contratuais acarreta expressivo aumento dos riscos assumidos por uma das
partes, sem que tal fato seja por ela percebido.
O contrato é um documento de máxima relevância, pois é o instrumento que retrata
o acordo das partes para a consecução do negócio, traduzindo suas intenções e objetivos
comuns, obrigações e responsabilidades assumidos por cada uma, as condições de
desenvolvimento do negócio e de seu eventual rompimento antecipado, as hipóteses de
inadimplemento, as previsões e alocações dos riscos incidentes sobre o ajuste, as eventuais
indenizações e limites de responsabilidade e os mecanismos de solução de controvérsias.
É comum haver nos contratos cláusulas redigidas de forma pouco clara, com sentido
ambíguo, ou por demais genéricas, e que dão ensejo a inúmeras divergências entre as partes
quando do surgimento de algum problema. Também são comuns os conflitos entre
disposições contratuais e anexos técnicos, omissões, imprecisões de definições e conceitos,
ausência de regras procedimentais no que concerne a assuntos relevantes, dentre outros
incontáveis problemas que frequentemente dão origem a desavenças entre as partes.
A análise integral do contrato e a correta interpretação de suas disposições é
fundamental não só para a identificação dos riscos do negócio, como também para a gestão
desses riscos ao longo da execução dos serviços e/ou fornecimentos.
Como se verá adiante, é um grave equívoco menosprezar a análise do contrato,
considerando que a leitura de apenas algumas cláusulas, apartadas do contexto geral, será
suficiente para a perfeita compreensão de seu conteúdo e da extensão de seus efeitos.
Igualmente equivocada é a ideia de que a interpretação de um contrato se restringe à
literalidade de suas cláusulas e de que prescinde de conhecimento técnico especializado para
tanto, inclusive quanto ao conhecimento da jurisprudência sobre a matéria.

2. A ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DO CONTRATO

2.1. Considerações iniciais


Como mencionado anteriormente, o contrato é o instrumento que refletirá o acordo
de vontades das partes e todas as condições ajustadas para a consecução do negócio.
Observe-se que o contrato escrito (visto ser possível haver contratos verbais) pode ser
formado apenas por um corpo principal, no caso de contratações muito simples, ou pode ser
ainda acompanhado de documentos anexos, que dele fazem parte integrante. Neste caso, o
contrato se constitui por um conjunto de documentos formado pelo instrumento principal,
que aqui denominaremos de corpo do contrato, e pelos documentos anexos. Embora seja
comum a referência a “contrato e seus anexos”, a simples menção ao contrato já engloba
também todos os documentos que constituem seus anexos.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
26
Na área de infraestrutura os contratos são quase sempre acompanhados de vários
documentos anexos, em sua maioria de natureza técnica, onde constam detalhes a respeito
do objeto a ser executado e dos requisitos exigidos, a exemplo de desenhos de projeto,
especificações técnicas e cronograma físico-financeiro.
Essa grande quantidade de documentos torna o contrato volumoso e, portanto, menos
atrativo para fins de leitura e análise. Por conseguinte, é muito frequente a falta de domínio
do contrato por parte das equipes envolvidas na sua execução, inclusive por parte do próprio
gestor. Também é frequente o conhecimento segmentado do contrato, de acordo com a área
de atuação de cada equipe alocada ao projeto. Por exemplo, a equipe encarregada de SMS
tem total domínio das regras que versam sobre essa área, inclusive dos respectivos anexos
contratuais, mas não tem pleno conhecimento das demais condições contratuais, verificando-
se o mesmo com a equipe de produção, a equipe de qualidade e assim por diante.
A ausência de uma criteriosa análise do contrato para fins de identificação dos
respectivos riscos e implementação do processo de Gestão de Riscos figura dentre as
principais causas de problemas surgidos ao longo da execução dos serviços, resultando em
significativos prejuízos na apresentação de reivindicações, muitas vezes não atendidas, e em
inevitáveis conflitos entre as partes.

2.2. Aspectos contratuais relevantes


Nas contratações da área de infraestrutura destacam-se os aspectos contratuais mais
relevantes, que merecem absoluta atenção:
• Enquadramento jurídico do negócio, com as consequentes implicações dos riscos
inerentes à natureza e à modalidade contratual escolhida, bem como à legislação
aplicável;
• Considerações preliminares, se houver, pois constituem as razões determinantes do
negócio;
• Definições, caso haja cláusula neste sentido;
• Documentação anexa e regras de prevalência, inclusive entre anexos, conforme o caso;
• Delimitação clara do escopo contratual;
• Matriz de riscos;
• Prazos de vigência do contrato, de execução de seu objeto e cronograma físico-
financeiro;
• Preço ajustado e tudo aquilo que nele está compreendido, incluindo as respectivas
contingências para cobertura de riscos 3;

3
De acordo com a Recomendação n. 10S-90 da AACE Internacional – Terminologia de Engenharia de Custos
(Cost Engineering Terminology) – contingência é um montante adicionado a uma estimativa de custos para
fazer frente a itens, condições ou eventos, cujo estado, ocorrência ou efeito é incerto e que a experiência
demonstra que sua ocorrência irá provavelmente resultar, no agregado, em custos adicionais.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
27

• Forma e condições de pagamento;


• Extensão e natureza das obrigações assumidas;
• Natureza e limites de responsabilidades das partes;
• Relação entre autor do projeto e construtor, implicando diferentes aspectos da
responsabilidade civil;
• Seguros;
• Garantias oferecidas e seus mecanismos de execução;
• Hipóteses de rompimento antecipado do negócio e respectivas consequências;
• Penalidades legais e contratuais;
• Mecanismos de solução de controvérsias.
É importante observar que, quanto mais longo e complexo for o contrato, maior a
necessidade de cuidado redacional, sob pena de haver dubiedades, omissões, contradições
ou obscuridades.
Muitos países têm a tradição de adotar os chamados contratos standards, que são
contratos de construção padronizados pela indústria internacional, dentre os quais se
destacam os standards da FIDIC, NEC, JCT, FAC-1, prática que visa, entre outros objetivos,
reduzir o risco de ambiguidades e de uma redação contratual dúbia. No Brasil, os contratos
standards ainda são de aplicação menos recorrente.
Listamos a seguir alguns aspectos geralmente ignorados na análise do contrato,
principalmente por parte de profissionais que não são do meio jurídico, mas que merecem
atenção especial para fins de análise e interpretação dos contratos.

2.2.1. Legislação aplicável


É imprescindível, para fins de análise e interpretação do contrato, o conhecimento de
sua natureza jurídica e da legislação aplicável. Isto porque há obrigações e responsabilidades
estabelecidas em lei e que se aplicam independentemente de estarem previstas no contrato.
Merece atenção especial o regime jurídico da empreitada, previsto nos artigos 610 a 626 do
Código Civil, pois algumas das normas legais atinentes a este tipo contratual poderão conflitar
com a alocação de riscos que as partes intencionaram adotar em determinados casos
concretos.

2.2.2. Modalidade contratual


A modalidade contratual escolhida é determinante na alocação de riscos do negócio.
Por exemplo, um contrato de empreitada firmado pelo regime de preço global implica, como
regra, a assunção, pelo empreiteiro, de riscos de variação de quantidades. Já no regime de
preço unitário, o empreiteiro não responde por variações de quantidades, visto que receberá
pelos quantitativos efetivamente executados.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
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Também implica necessária análise de risco a relação estabelecida entre as partes
quanto à sequência do planejamento, elaboração do projeto e construção. É comum, nos
contratos de construção, que sejam estabelecidos diferentes arranjos contratuais entre
contratante, projetista e construtor, chamados regimes de contratação. O regime de
contratação vai implicar assunção de obrigações e responsabilidades que se somam àquelas
estabelecidas em relação à modalidade de execução contratual.

2.2.3. Considerações preliminares


Geralmente desprezadas na análise dos contratos, as considerações preliminares têm
papel extremamente relevante, pois retratam as razões determinantes do negócio. São
fundamentais no processo de interpretação dos contratos, uma vez que traduzem a finalidade
pretendida pelas partes, além de outros aspectos relevantes para a plena compreensão dos
objetivos colimados.

2.2.4. Definições
No processo de análise do contrato as definições são geralmente relegadas a segundo
plano pelos profissionais que não são da área jurídica. Percebidas, equivocadamente, como
mera retórica, muitas vezes elas vão além de uma simples descrição, trazendo em seu bojo
condições contratuais de extrema relevância. Cita-se, como exemplo, uma definição de
“Projeto”, descrito como sendo o objeto contratual, bem como “tudo o mais que se fizer
necessário ao perfeito cumprimento do contrato”.
Veja-se que, no exemplo acima, a definição de projeto traz uma disposição genérica
que tem por consequência a maior abrangência do escopo contratual.

2.2.5. Ordem de prevalência entre anexos


Em praticamente todos os contratos há disposição determinando a prevalência entre
o instrumento de contrato sobre seus anexos. Nem sempre, porém, é estabelecida ordem de
prevalência entre os anexos.
É preciso ter a máxima atenção ao estabelecimento de ordem de prevalência entre
anexos, pois se trata de documentação técnica volumosa, tornando-se difícil a verificação
criteriosa dessa prevalência de um documento sobre outro.

2.2.6. Cláusulas que trazem comandos genéricos


Merecem ainda a máxima atenção as cláusulas que trazem comandos genéricos, muito
comuns nos contratos complexos. Um dos exemplos clássicos reside nas cláusulas descritivas
do objeto contratual, dispondo que caberá ao contratado a execução de tudo o mais que se
fizer necessário ao cumprimento do contrato, ainda que não esteja nele expressamente
relacionado.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
29
Embora demandem algumas cautelas pela parte executora, não são cláusulas
incomuns, pelas quais o dono do negócio procura se proteger contra pleitos de custos
adicionais decorrentes de algo que não teria sido previsto na proposta do contratado. A
proteção contra esse comando genérico residirá, então, na listagem de exclusões de escopo,
ou seja, na menção a atividades que podem gerar dúvidas quanto a estarem ou não incluídas
no escopo contratual.

2.2.7. Mecanismos de resolução de controvérsias


As disposições contratuais relativas à resolução de controvérsias são, muitas vezes,
ignoradas, apesar de essas disposições serem muito utilizadas, especialmente no âmbito de
contratos complexos. Infelizmente, tais cláusulas não são devidamente valorizadas nem
analisadas com a necessária atenção.
Ocorre que os mecanismos de solução de controvérsias são peças fundamentais para
a prevenção e solução de problemas surgidos no curso do contrato e constituem uma
ferramenta valiosa de gestão contratual, como detalhadamente descritos no Caderno Técnico
6 desta série.
Muito se teria ainda a falar sobre a estrutura geral de um contrato, um tema
extremamente rico, mas que fugiria aos objetivos do presente Caderno Técnico, cujo foco é a
interpretação dos contratos.
Passaremos, assim, a discorrer sobre as regras básicas de interpretação dos contratos,
com o objetivo de trazer ferramentas úteis aos profissionais que não são da área jurídica.

3. A INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS

3.1. Considerações iniciais


Um dos maiores equívocos usualmente cometidos nos processos de análise de risco
de negócios é a suposição de que a interpretação de um contrato se resume à mera
compreensão de seu texto. Essa concepção simplista sobre a interpretação de contratos, via
de regra, conduz a graves erros, não só na fase de análise de risco do negócio,
comprometendo a elaboração adequada da proposta, como também no próprio exercício da
administração contratual.
Como se verá adiante, um contrato não se interpreta apenas pela literalidade de suas
cláusulas. Ele deve ser analisado dentro do contexto geral de sua concepção, avaliado em sua
integralidade, à luz da finalidade pretendida pelas partes e de acordo com as regras legais que
lhe são aplicáveis.
Portanto, assim como ocorre com a interpretação das leis, a interpretação dos
contratos se submete a uma série de regras específicas, que devem ser observadas para evitar
distorções em sua leitura. É necessário advertir que não se trata de tarefa simples. Muito pelo
contrário, envolve grande complexidade e dá ensejo a inúmeras polêmicas, a começar pelo
fato de que, na interpretação das leis há uma função apenas objetiva, pela qual o intérprete
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
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busca esclarecer dúvidas e ambiguidades presentes no texto, enquanto na interpretação dos
contratos há também uma função subjetiva, que envolve a análise da vontade das partes
contratantes sob o pressuposto da boa-fé.
Por fim, cabe ressaltar dois aspectos:
• Não se pretende aqui aprofundar o tema, pois o objetivo desta explanação é apenas o
de propiciar conhecimentos elementares a todos os profissionais que lidam com a
administração contratual e não têm formação jurídica;
• As orientações aqui fornecidas não são suficientes para assegurar a necessária
capacitação na interpretação de contratos, servindo, tão somente, para a aquisição de
conhecimentos básicos sobre as regras aplicáveis e para a conscientização acerca da
relevância do assunto.
A complexidade da tarefa de interpretação de contratos torna imprescindível,
portanto, a participação de advogados.

3.2. Regras básicas de interpretação dos contratos


As regras básicas de interpretação dos contratos estão previstas no Código Civil
brasileiro (Lei nº 10.407/2002), que institui normas gerais sobre diversos temas, aplicáveis a
todos os ramos do Direito. Em cada caso, porém, será necessário analisar a natureza jurídica
do contrato e a modalidade escolhida pelas partes para que seja avaliada a aplicação de regras
legais específicas pertinentes a outros ramos do Direito. Dessa forma, devem ser observadas,
por exemplo, as regras do Direito Administrativo em se tratando de contrato administrativos,
as regras pertinentes ao Direito do Consumidor quando há uma relação contratual da área
consumerista, e assim por diante.
Ainda, cabe citar como importante direcionador interpretativo de contratos públicos
ou privados, os dispositivos constantes da LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/1942), que contêm diretrizes para interpretação das normas
sobre gestão pública, sobre a necessidade de se estabelecer regimes de transição em caso de
novas interpretações, o dever de se atuar para aumentar segurança jurídica, entre outras.
De todo modo, restringiremos as orientações aqui constantes às regras gerais previstas
no Código Civil, que, em grande medida, aplicam-se também aos contratos da área de
construção celebrados sob o regime de direito público. Elas estão dispostas nos artigos 112,
113 e 114 do Código Civil. Em relação ao artigo 113, vale observar que ele foi complementado
em 2019 pela Lei nº 13.874, de 2019, conhecida como Lei de Liberdade Econômica.

3.3. Prevalência da finalidade pretendida pelas partes (art. 112)


A primeira regra básica de interpretação dos contratos, prevista no artigo 112 do
Código Civil, diz respeito à prevalência da finalidade pretendida pelas partes:

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção


nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
31
Significa, portanto, que na interpretação dos contratos (que são declarações de
vontade), a intenção dos contratantes prevalece sobre o sentido literal do texto.
Muito embora esta determinação esteja claramente expressa em lei, pode-se
constatar que, na prática, muitas vezes não é observada. São frequentes as controvérsias
surgidas em decorrência da interpretação literal de determinadas cláusulas, sem a
identificação da finalidade pretendida pelas partes ao estabelecerem tais disposições
contratuais.
Cabe alertar, neste aspecto, que embora a identificação da finalidade envolva
elementos subjetivos, o contexto geral do contrato e as discussões negociais empreendidas
pelas partes na fase pré-contratual constituem elementos fundamentais para tanto.
Entretanto, esses documentos são muitas vezes desprezados e literalmente “esquecidos” em
pastas não mais consultadas durante a execução do contrato. Não bastasse isso,
frequentemente estão dispersos em múltiplos documentos (cartas, mensagens em mídias
eletrônicas, atas de reunião), restritos aos membros da equipe que participou dessa fase pré-
contratual e não compartilhados com a equipe de gestão do contrato.
Vale ressaltar, ainda, ser comum a existência de disposição contratual indicando que o
contrato substitui todos os documentos anteriormente produzidos. Tal disposição,
entretanto, pode não ser suficiente para excluir esses documentos como elementos de prova
da intenção das partes quando da celebração do contrato.

3.4. Boa-fé (art. 113, caput e § 1º, III)


A boa-fé na celebração e condução dos contratos, que era um consagrado princípio de
direito, passou a figurar como obrigação legal expressamente imposta pelo artigo 422 do
Código Civil:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão


do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa
fé 4.

Assim sendo, uma das mais relevantes regras de interpretação dos contratos é a
avaliação do sentido conferido pela redação dada, à luz da boa-fé, conforme dispõe caput do
artigo 113 e o inciso III do parágrafo 1º do Código Civil:

Art. 113 Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a


boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. (Grifamos)
§1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:
[...]
III - corresponder à boa-fé [...]

Observe-se que as disposições legais acima tratam da chamada boa-fé objetiva, ou


seja, aquela que corresponde a um dever de conduta social externamente percebida e aceita

4
Observe-se que o termo “conclusão” se refere, neste caso, à celebração do contrato, quando é concluída sua
formação.
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32
sob o ponto de vista legal, contratual e ético. Ou seja, uma conduta plenamente identificável,
com vistas ao adimplemento contratual e que corresponde aos padrões aceitos pela
sociedade.
A consideração da boa-fé na interpretação das disposições contratuais vem sendo cada
vez mais importante e valorizada aqui no Brasil, tal qual é valorizada nos ordenamentos
jurídicos de inúmeros outros países. Infelizmente, porém, quando surgem controvérsias
verifica-se, com frequência, a tentativa de distorção da interpretação de dispositivos
contratuais para favorecimento de uma parte em detrimento dos direitos da outra, em
flagrante afronta à boa-fé contratual.
Um cuidado específico, quanto à boa-fé, diz respeito ao fato de, em muitos regimes
jurídicos da common law, ela não ser um comando jurídico automático, mas sim, depender de
expressa disposição contratual. Por tal razão, se, durante a negociação contratual, as partes
escolherem um regime jurídico diferente do brasileiro, o que acontece em muitos projetos
com empresas estrangeiras, verifique se, no seu caso concreto, não será prudente criar
obrigação expressa de adoção de boa-fé contratual.

3.5. Usos do lugar de celebração do contrato (art. 113, caput)


Além da boa-fé, o caput do artigo 113 também traz como regra de interpretação dos
contratos os usos do lugar de sua celebração.

Art. 113 – Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a


boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. (Grifamos)

A consideração do que é usualmente praticado no lugar da celebração do contrato


assume papel de grande relevância no âmbito dos contratos de construção, especialmente
quando há empresas estrangeiras envolvidas e o contrato é regido pela legislação brasileira.
Significa que, diante do surgimento de dúvidas quanto ao que foi redigido, a análise do que é
usual no local da celebração do contrato pode ajudar a elucidar a finalidade pretendida pelas
partes ao estabelecerem determinadas disposições contratuais.
Merece a máxima atenção o fato de se estar falando do “local da celebração do
contrato” e não do local da execução do contrato. Assim sendo, se uma empresa estrangeira
celebra um contrato no exterior, embora regido pela legislação brasileira e executado no
Brasil, poderá, em caso de dúvidas, evidenciar que se pautou nos usos de seu país.

3.6. Usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio (art. 113, § 1º, II)
Além da observância dos usos do local da celebração do contrato, a lei também
estabelece que se considere na interpretação dos contratos os usos, costumes e práticas do
mercado relativas o tipo de negócio.

§1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:


[...]
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II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas
ao tipo de negócio; [...] (Grifamos)

Trata-se de regra fundamental no âmbito dos contratos de construção, visto que,


inúmeras vezes não ficam claras as premissas adotadas pelo contratado na formulação de sua
proposta. Por exemplo, são frequentes as controvérsias acerca de abrangência de escopo ou
dos riscos ordinários que teriam sido assumidos, situações em que a avaliação do que é usual
naquele tipo de negócio, de acordo com os usos, costumes e práticas de mercado, pode ser
de grande valia para a identificação do que foi considerado (ou deveria ter sido) pela parte
incumbida da execução do objeto contratual.

3.7. Forma como o contrato é conduzido (art. 113, § 1º, I)


A análise da forma como o contrato é conduzido constitui uma das regras de
interpretação dos contratos, prevista no inciso I do § 1º do artigo 113. Significa que as
disposições contratuais serão também interpretadas pelo modo como as partes vêm
executando o contrato:

§1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:


I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à
celebração do negócio; [...] (Grifamos)

Certamente esta é uma regra extremamente relevante no que tange à área da


Construção. Isto porque, geralmente, os contratos passam a ser conduzidos de maneira
diversa da que foi prevista, em muitos aspectos. Tal situação tanto pode decorrer da
necessidade de se contornar dificuldades imprevistas e buscar soluções urgentes, levando as
partes a abandonar ou flexibilizar determinados procedimentos estabelecidos no instrumento
contratual, como do fato de que, durante a execução, o espírito das partes seja muito mais
focado na solução dos problemas, em si, e não na alocação do risco jurídico-contratual
pertinente. O perigo reside, justamente, no desconhecimento de que as alterações
implementadas na prática podem vir a interferir na própria interpretação do contrato,
caracterizando a modificação das disposições que, inicialmente, expressavam a vontade das
partes em outros termos.
Quando essas condutas são continuadas, a depender do contexto, há doutrina e
jurisprudência que entendem ter havido modificação das condições contratuais pactuadas,
seja pelo não exercício de determinados direitos, seja pela adoção de algo diferente do que
fora previsto gerando direitos ou obrigações.
Assim sendo, a inércia de uma das partes quanto à adoção de providências que lhe
competiam pode criar uma legítima expectativa na outra parte de que não lhe seria mais
exigido o cumprimento daquela obrigação, levando ao entendimento de que teria havido uma
renúncia por parte do credor. Essa situação é conhecida no mundo jurídico como teoria da
supressio. São exemplos clássicos nos contratos de construção: a não aplicação de penalidades
contratuais, caracterizando possível renúncia por parte do contratante diante do
inadimplemento do contratado; a celebração de aditamentos contratuais de prorrogação de
prazo sem que o contratado ressalve seu direito à cobrança de custos adicionais.
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34
O inverso também ocorre, quando há uma situação continuada que caracteriza uma
prática diversa do que foi pactuado no contrato, criando na outra parte a legítima expectativa
de um direito que não havia sido previsto. Essa situação é conhecida no mundo jurídico como
teoria da surrectio. Cita-se, como exemplo clássico nos contratos de construção, a adoção de
determinados critérios de medição diversos do que consta no contrato.
Cabe aqui um alerta final a respeito da chamada “cláusula de tolerância”, muito
comum nos contratos da área de construção. Ela tem por finalidade afastar a caracterização
de possíveis alterações contratuais diante de práticas distintas daquelas previstas no contrato,
minimizando os riscos de invocação dos institutos da supressio e da surrectio. Assim sendo,
cita-se como exemplo a usual previsão de que a não aplicação de penalidades ou a tolerância
quanto ao não cumprimento de quaisquer obrigações constitui mera liberalidade, não
implicando renúncia aos direitos que defluem do contrato, nem modificação das condições
pactuadas pelas partes.
Observe-se, porém, que a presença de tal disposição contratual, embora possa servir
como argumento para discussões, não é suficiente para descaracterizar eventuais mudanças
nas condições contratuais diante de determinadas situações continuadas. Cada caso deverá
ser analisado concretamente, à luz de todas as suas peculiaridades, para que seja possível
extrair uma conclusão.
Qualquer perito, árbitro ou advogado experiente na área de construção sabe que não
poderá se limitar ao exame do instrumento contratual, sendo imprescindível o conhecimento
da forma como o contrato foi conduzido para que se torne possível a plena compreensão de
eventual problema ou esclarecimento de dúvidas surgidas.

3.8. Sentido mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo (art. 113, § 1º, IV)
O legislador se preocupou em conferir alguma proteção à parte que não foi a autora
da redação do dispositivo contratual, diante de alguma dúvida quanto à respectiva
interpretação. Trata-se de um mecanismo que vem privilegiar a boa-fé na interpretação do
contrato e, sem dúvida alguma, presta-se a coibir a utilização proposital de redações ambíguas
ou obscuras em detrimento dos direitos da outra parte:

§1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:


[...]
IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se
identificável; [...] (Grifamos)

Esta regra figura dentre aquelas introduzidas pela Lei de Liberdade Econômica e, pode-
se dizer, veio socorrer as empresas contratadas para a execução de serviços, nas situações em
que firmam um contrato cuja minuta já foi disponibilizada pelo contratante, sem chances de
negociar seus termos.
Muitas vezes, a complexidade do contrato e o grande volume de anexos dão ensejo a
dúvidas de interpretação, em relação às quais poderá ser observada a regra acima,
juntamente com as demais regras de interpretação aplicáveis ao caso.
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3.9. Sentido que corresponder à razoável negociação sobre a questão discutida (art. 113,
§ 1º, V)
O inciso V do parágrafo 1º do artigo 113 assim dispõe:

§1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:


[...]
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre
a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da
racionalidade econômica das partes, consideradas as informações
disponíveis no momento de sua celebração. (Grifamos)

O conteúdo deste dispositivo legal é riquíssimo porque traduz, na verdade, a


imprescindível obrigação de se interpretar o contrato em sua integralidade, considerando-se:
• o contexto geral do negócio;
• a interligação entre as diversas cláusulas;
• a racionalidade econômica das partes, conceito relacionado à área de economia, e que
se traduz não só pelo lucro almejado, mas também pela eficiência, em conformidade
com aquilo a que cada um dos contratantes se propõe para satisfazer suas
necessidades; e
• as informações disponíveis no momento, aspecto fundamental a ser levado em conta
pelas partes, pois remete às premissas adotadas e demais elementos técnicos
considerados para fins de ajuste do preço.
Observe-se que, na área da construção, todos esses aspectos assumem papel da
máxima relevância na interpretação dos contratos. É usual que os profissionais sem formação
jurídica interpretem cláusulas isoladamente, sem considerar o contexto geral e sem
correlacioná-las com as demais disposições contratuais. Tampouco se busca a racionalidade
econômica das partes.
Da mesma forma, são frequentes as controvérsias decorrentes da minimização da
importância das informações técnicas disponíveis à época da contratação. Neste aspecto, no
curso da execução dos contratos surgem inúmeras divergências sobre o que poderia ter sido
previsto em termos de riscos a serem mitigados ou contingenciados para fins de elaboração
do orçamento.
Na verdade, há uma espécie de zona cinzenta entre as informações técnicas
disponíveis à época da contratação e o que a experiência do executor da obra poderia
acrescentar na análise de riscos do negócio.
Pode-se dizer que esta regra de interpretação dos contratos serve de reforço à
imperiosidade do exame da qualidade, consistência e suficiência das informações técnicas
disponíveis, para que seja efetuada a devida análise de riscos do negócio, cujos resultados
deverão ser adequadamente refletidos nas disposições contratuais.
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3.10. Outras regras de interpretação especificamente pactuadas pelas partes (art. 113, §
2º)
O parágrafo 2º do artigo 113 do Código Civil dispõe que as partes podem, livremente,
estabelecer outras regras de interpretação dos contratos, nos seguintes termos:

§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de


preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos
diversas daquelas previstas em lei.

Verifica-se, pelo texto acima, que foi permitido às partes criarem regras específicas de
interpretação do contrato. Ressalta-se, porém, que essa liberdade de pactuação não é
ilimitada; há obrigatoriedade de respeito à lei. Assim sendo, não é possível, por exemplo,
pactuar que para fins de interpretação do contrato não será considerada a boa-fé das partes.
Na área da construção, particularmente em contratos de maior porte, esse dispositivo
legal acima transcrito é largamente utilizado pelas partes. São comuns, assim, regras
específicas de interpretação, que não estão expressamente previstas na lei, tais como:
• Estabelecimento de ordem de prevalência entre documentos;
• Desvinculação entre o conteúdo das disposições contratuais e os títulos e subtítulos
das respectivas cláusulas;
• Uso de expressões grafadas no singular que também incluem o plural;
• Referências a pessoas que também compreendem pessoas físicas ou jurídicas,
associações ou outros entes.
Assim sendo, é muito importante que, além do conhecimento das regras legais de
interpretação dos contratos, os operadores da administração contratual atentem para as
regras específicas contratualmente estipuladas.
Cabe, ainda, alertar quanto ao risco de, algumas vezes, as regras de interpretação
extrapolarem esta finalidade para abranger conceitos e definições que impactam a alocação
de riscos. Embora seja uma impropriedade questionável do ponto de vista técnico, esta prática
tem sido adotada em contratos mais complexos. Cita-se, a título de exemplo, o trecho de uma
cláusula contratual, que estabelece a seguinte regra de interpretação:
Qualquer menção a escopo da Contratada, será havida por menção aos serviços
descritos no presente contrato e na declaração de escopo, bem como a quaisquer
outros serviços que se façam necessários, ainda que não expressamente relacionados
no contrato e em seus anexos.

Observa-se que a disposição acima não traz, na verdade, uma regra de interpretação,
mas sim uma disposição contratual que diz respeito à abrangência do objeto do contrato,
influindo diretamente na alocação de riscos do negócio. Sua inserção na cláusula que trata da
interpretação do contrato é perigosa, e pode passar despercebida aos olhos de profissionais
que, sem formação jurídica, têm por hábito desprezar disposições relativas à interpretação
contratual.
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3.11. Interpretação extensiva e restritiva
O art. 114 do Código Civil traz uma regra que diz respeito ao que se denomina de
interpretação restritiva dos contratos, ou seja, aquela que se restringe ao que está
expressamente previsto na redação, sem possibilidade de ser estendida a outros aspectos:

Art. 114 Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se


estritamente. (Grifamos)

Como se verifica, duas são as situações em que se aplica a interpretação restritiva do


contrato: os negócios jurídicos benéficos e a renúncia.
Negócios jurídicos benéficos são aqueles em que apenas uma das pessoas obtém
vantagem com sua celebração, não existindo equilíbrio entre os benefícios e as obrigações
assumidas pelas diferentes partes. Cita-se como exemplo a doação.
A renúncia, por sua vez, é todo o ato de abdicação de um direito. Como os negócios
jurídicos benéficos não são comuns na área da construção, o foco de interesse desse
dispositivo legal reside na figura da renúncia.
No universo dos contratos de construção há vários exemplos de renúncia, sendo o mais
comum a cláusula pela qual uma parte desiste de apresentar reivindicações quanto a custos
adicionais ou indenizações de qualquer espécie.
Usuais também são as cláusulas de renúncia em termos aditivos, quando a parte
outorga quitação e renuncia à apresentação de quaisquer outros pleitos relativos ao assunto
objeto do aditivo.
A regra de interpretação restritiva em casos de renúncia atende a uma lógica vinculada
à boa-fé.
Especial atenção deve ser dada aos contratos administrativos, na medida em que
renúncias por parte do particular podem se dar mediante eventual acordo com o Contratante
Público, o qual, submetido aos órgãos de controle, pode ter seu posicionamento revisto sem
que seja reconsiderada a renúncia feita pelo Contratado.
Enfim, a interpretação de cláusulas que envolvem renúncia de direitos é matéria
complexa, que envolve uma série de outros aspectos, razão pela qual demanda a participação
obrigatória de profissionais da área do Direito.

4. CONCLUSÃO

Por tudo o que foi acima explanado, ficou claro que a interpretação de contratos não
se resume à simples leitura dos respectivos instrumentos. Muito pelo contrário, a literalidade
das cláusulas não pode ser privilegiada em detrimento de outros tantos aspectos de máxima
relevância, cujo exame permitirá a correta interpretação da vontade declarada pelas partes.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
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Como ressalvado, trata-se de atividade da mais alta complexidade, envolvendo a
aplicação de regras legais específicas, de acordo com a natureza jurídica e modalidade
contratual escolhida.
A não valorização da interpretação do contrato, seja na fase prévia de análise de riscos
do negócio, seja no curso da gestão contratual, pode acarretar vultosos prejuízos a uma ou a
ambas as partes, inclusive sujeitando-as à aplicação de penalidades e à rescisão do contrato.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1983. Dispõe sobre licitações e contratos da
administração pública.
BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.
BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Dispõe sobre liberdade econômica.
BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Dispõe sobre licitações e contratos
administrativos.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 36ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
DINSMORE, Paul C. American Management Association. Manual de Gerenciamento de
Projetos. Rio de Janeiro: Brasport, 2009.
MARQUES NETO, Floriano; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; LEONARDO, Rodrigo
Xavier. Comentários à Lei da Liberdade Econômica. Rio de Janeiro: Revista dos
Tribunais, 2019.
PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Contratos. Vol. III. 23ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019.
SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio Contratual e Dever de Negociar. São Paulo: Saraiva
Educação, 2018.
TEPEDINO, Gustavo. O papel da vontade na interpretação dos contratos. Revista
Interdisciplinar de Direito, [S.l.], v. 16, n. 1, p. 173-189, jun. 2018. ISSN 2447-4290.
Disponível em: <https://revistas.faa.edu.br/index.php/FDV/article/view/492>.
Acesso em: 20 nov. 2020.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Manual de Gestão de Riscos. Segepres/Seplan.
Brasília: maio de 2018.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos
Contratos. Volume 2. 16ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016.
COORDENADORA:
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
AUTORIA:
Solange Majella Jones, advogada, com LL.M em Direito Corporativo pelo IBMEC-RJ, e
pós-Graduação em Desenvolvimento Gerencial. Formação em mediação de conflitos e
práticas colaborativas pelo Mediare Diálogos e Processos Decisórios. Certificada para
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atuação em Dispute Boards e SCDR pela Dispute Resolution Board Foundation (DRBF).
Integrante do quadro de mediadores da Câmara Mediare – Diálogos, membro e
integrante da Diretoria do Instituto Brasileiro de Direito da Construção (IBDiC).
Experiência de 37 anos em advocacia empresarial na área de Direito da Construção,
com atuação em grandes contratos públicos e privados nos segmentos de óleo e gás,
infraestrutura, obras marítimas e plantas industriais.

COLABORADORES:
André Dabus
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
Jorge Pinheiro Jobim
Luís Otávio Pasquale Rosa
Marlon Shigueru Ushiro Ieiri
Roberto Ricardino
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CADERNO TÉCNICO 3
QUALIFICAÇÕES E CONDICIONAMENTOS DE PROPOSTAS

1. INTRODUÇÃO
A elaboração de propostas é questão da mais alta relevância no âmbito de qualquer
contratação e, em particular, naquelas relativas à área de Engenharia, pois a proposta é o
marco inicial da formação de um contrato, sendo o ponto de partida das negociações a serem
implementadas pelas partes.
A despeito da relevância do tema, a fase pré-contratual é com frequência
negligenciada, notadamente em empreendimentos de menor complexidade, nos quais as
propostas acabam sendo reduzidas à mera elaboração de orçamentos, sem maiores
considerações sobre outros aspectos de suma importância.
Este Caderno Técnico é, assim, dirigido a todos aqueles que lidam com contratações
na área de engenharia, e tem por objetivo despertar a atenção para aspectos relevantes a
serem rigorosamente observados quando da formulação de propostas.
Ressalta-se que os temas aqui desenvolvidos têm melhor aplicação às contratações de
infraestrutura e sistemas complexos, mas não são exaustivos e tampouco se limitam a esse
tipo de empreendimento. Portanto, as orientações adiante fornecidas são úteis para diversos
segmentos de negócios.

2. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE PROPOSTAS

2.1. Natureza da proposta


A proposta é o ato pelo qual uma pessoa física ou jurídica declara à outra pessoa física
ou jurídica sua vontade de celebrar um contrato, nela contendo os elementos essenciais que
integrarão o negócio jurídico a ser celebrado, tais como objeto da pretendida contratação,
preço, condições de pagamento e especificações do produto ou serviço, além da forma de
resolução de conflitos.
Trata-se de uma figura prevista nos artigos 427 a 435 do Código Civil Brasileiro (Lei nº
10.406 de 10/01/2002), inserida na seção de Formação dos Contratos, e cuja principal
característica é o fato de obrigar o proponente, conforme dispõe o artigo 427 5.
Importante salientar que, na sequência da referida disposição legal, há exceções à
obrigatoriedade da proposta, assim como também há outras normas legais que regulam

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Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da
natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.
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diversos aspectos relativos a propostas, tais como o Código de Defesa do Consumidor e a
legislação sobre licitações e contratos administrativos. No presente caso, o foco está centrado
nas contratações da área de engenharia, tanto no setor público quanto no privado, razão pela
qual não serão efetuadas considerações atinentes a outros tipos de negócio.

2.2. A aceitação da proposta como elemento de formação do contrato


Segundo o artigo 427 do Código Civil, “A proposta de contrato obriga o proponente, se
o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do
caso”. Assim sendo, não ocorrendo qualquer das hipóteses previstas na parte final deste
dispositivo legal, em princípio, uma vez aceita a proposta, estarão estabelecidos direitos e
deveres entre as partes, independentemente de haver um documento posterior com o título
de “contrato”.
Este aspecto é de máxima relevância, pois os profissionais que não são da área jurídica
supõem haver contrato somente quando assinado um documento assim denominado. É usual
a crença de que os serviços iniciados apenas com base em uma proposta apresentada ainda
“estão sem contrato”, situação muito comum no âmbito das subcontratações de obras.
Assim, ressalvadas as exceções acima mencionadas, é possível que a simples aceitação
de uma proposta apresentada, por si só, seja suficiente para a formação de um contrato,
conforme o caso. E mais, em se tratando de relações privadas, nem sequer é necessária a
aceitação expressa, a não ser que haja disposição específica a esse respeito. Neste sentido, há
fartos exemplos encontrados na área de Engenharia, também em subcontratações, sendo
usual o início de serviços ou fornecimentos sem que o contratante tenha manifestado
expressamente a aceitação dos termos da proposta. Há casos em que a própria proposta e
respectiva aceitação se dão por telefone, tamanha é a informalidade empregada nessa fase
pré-contratual, comprovando-se a contratação com o início efetivo dos serviços ou
fornecimentos.
Também ocorrem casos em que a proposta é apresentada e as partes negociam
alterações apenas por telefone, acordando em assinar posteriormente o contrato. Como há
pressa, o fornecedor inicia as atividades sem que lhe tenha sido encaminhado o instrumento
de contrato. Nesta hipótese, se sobrevier algum desentendimento entre as partes, há
considerável risco de prevalecerem os termos da proposta apresentada, considerando-se ter
sido formado o contrato, ante a inexistência de prova documental das demais tratativas
efetuadas apenas por contato telefônico. É importante ressaltar que a troca de e-mails com
comprovação de recebimento e mensagens enviadas por outros meios eletrônicos são hoje
aceitos como meio de prova de tratativas empreendidas pelas partes.
Os relatos acima demonstram a importância da figura da proposta e os efeitos dela
resultantes, não só para o proponente, como também para quem a recebeu e, ainda que
tacitamente, a aceitou. Vale lembrar que, diante da pressa em serem iniciados os serviços ou
fornecimentos, caso haja alguma divergência em relação ao que foi proposto, é imperioso
haver trocas de mensagens expressas neste sentido, para que não se configure a aceitação da
proposta nos termos em que foi originalmente apresentada.
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Idealmente as propostas devem indicar, de forma clara e precisa, quais são as
condições que embasam o preço, prazo e cronograma propostos, as condições de execução e
a metodologia executiva, as obrigações legais (inclusive socioambientais e tributárias), ou seja,
as premissas diversas que levaram à sua composição. Importante evidenciar os elementos
técnicos, econômicos, financeiros e jurídicos que foram efetivamente levados em
consideração quando de sua elaboração, como, por exemplo, a disponibilidade de mão de
obra, de equipamentos, as condições meteorológicas do sítio, o tipo de solo, a existência de
jazidas, legislação aplicável, entre outros.
As premissas da proposta fundamentam o equilíbrio econômico-financeiro da
contratação e podem vir a subsidiar eventuais discussões entre as partes contratantes, caso,
no futuro, venham a ser constatadas mudanças em relação a essas condições, conforme o
caso.

2.3. A análise de risco do negócio como etapa precedente à formulação da proposta


Nos Cadernos Técnicos 1 e 2 desta série foi comentada a importância da análise de
riscos do negócio, etapa essencial a ser percorrida para a formulação da proposta. Somente a
partir dessa análise criteriosa, preferencialmente com a definição clara das responsabilidades
de cada parte em uma Matriz de Risco, será possível identificar os potenciais problemas
envolvidos na consecução do negócio, para que sejam delimitados, quantificados, mitigados
e contingenciados os riscos a serem assumidos.
Essa análise deverá levar o proponente a solicitar, do futuro contratante, os
esclarecimentos porventura necessários, assim como lhe permitirá indicar as premissas
adotadas e demais questões relevantes para a plena compreensão do que está contemplado
no orçamento constante de sua proposta.
Portanto, a qualidade, clareza e a completude da proposta dependem,
essencialmente, de uma criteriosa análise de riscos efetuada pelo proponente. E o sucesso da
contratação, por sua vez, está intrinsecamente ligado à qualidade e consistência da proposta
apresentada.

2.4. Os pedidos de esclarecimento


Durante a fase de elaboração de propostas abre-se uma importante oportunidade de
formulação de pedidos de esclarecimento, prática esta obrigatória no âmbito das licitações
públicas, cujas respostas são vinculantes e, também, absolutamente usual nos processos
seletivos de natureza privada.
Muitas vezes os processos seletivos públicos e privados não trazem condições
suficientemente claras a respeito de alguns aspectos da contratação, tornando-se necessários
esclarecimentos adicionais para a adequada formulação das propostas. A formulação de
pedidos de esclarecimento, todavia, é decisão estratégica, que deve ser devidamente avaliada
à luz da necessidade e dos interesses do proponente, visto que as respectivas respostas do
futuro contratante passam a integrar os documentos contratuais, complementando
informações e constituindo fonte de interpretação do contrato.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
43
Na medida em que tenham sido adequadamente prestados os esclarecimentos e
sanadas as dúvidas surgidas, os proponentes estão aptos a redigir suas propostas, fazendo as
considerações que julgarem necessárias à clareza do contrato e ao resguardo de seus direitos.
No item 3 a seguir passaremos ao exame de algumas destas considerações relevantes que,
uma vez colocadas nas propostas, podem ser determinantes na condução dos contratos e na
solução de eventuais controvérsias surgidas.

3. QUALIFICAÇÕES E CONDICIONAMENTOS DA PROPOSTA

3.1. Considerações iniciais


Como já mencionado anteriormente, a elaboração de uma proposta de serviços e de
determinados fornecimentos na área de Engenharia não pode se restringir à confecção do
respectivo orçamento. Esse aspecto é bem observado em empreendimentos de maior porte
e complexidade, mas não tem merecido a devida atenção em negócios de menor envergadura.
A identificação dos riscos envolvidos, a adequada descrição e delimitação do escopo
contratual, as premissas adotadas e as condições de execução do contrato são questões
fundamentais a serem observadas na elaboração da proposta. Para tanto, é indispensável que
da proposta constem as devidas qualificações e os condicionamentos porventura necessários,
bem como o método de resolução dos conflitos.
Ao comentar o tema, o jurista Caio Mario da Silva Pereira destaca, com muita
propriedade, que a proposta deve ser séria e precisa, pois constitui o impulso inicial de uma
fonte obrigacional (PEREIRA, 2007).
Nem sempre, porém, é possível inserir nas propostas as considerações necessárias.
Isto ocorre, com grande frequência, nas licitações públicas cujo critério de escolha é o de
menor preço, onde só é permitido ao proponente o preenchimento da planilha de preços
unitários. Nesses casos, é imprescindível que o licitante faça uma criteriosa avaliação das
condições previstas no Edital, seguida da imprescindível análise de riscos, visto que não
poderá apor qualquer tipo de qualificação em sua proposta e a submissão da proposta
implicará aceitação das condições do Edital. Nesses casos, de grande relevância estratégica
também a possibilidade de realização de perguntas e de impugnação ao edital.
Merece especial atenção a indicação e composição do BDI considerado na proposta.
No tocante às obras públicas, cabe observar que o Decreto Nº 7893/13 é claro ao dispor que
o BDI deve ter como parcelas mínimas: (i) taxa de rateio da administração central; (ii) tributos
incidentes sobre o preço do serviço, (iii) taxa de risco, (iv) seguro e garantia do
empreendimento e (v) taxa de lucro. Ou seja, não veda a inserção de outros custos caso a
planilha de preços seja omissa.
Nas situações em que é possível redigir a proposta, o proponente deve se preocupar
em colocar todas as considerações que entender necessárias, representadas por qualificações
e condicionamentos, como a seguir será explanado.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
44
3.2. Qualificações e Condicionamentos
Qualificação é o ato de esclarecer pontos fundamentais da proposta, restringindo e
melhor definindo seu conteúdo, de forma a evitar futuras dúvidas ou a registrar aspectos
relevantes. Essas qualificações assumem papel de máxima relevância quando há disposições
de caráter muito genérico nos documentos de referência disponibilizados pelo futuro
contratante.
Para a consideração das qualificações é necessário levar em conta as premissas e
restrições do projeto. Segundo o Guia PMBOK (2017) (Project Management Body of
Knowledge), as premissas de um projeto “são eventos ou circunstâncias que se espera que
ocorram durante o ciclo de vida de um projeto”. Ou seja, são fatores considerados
verdadeiros, e que servirão de auxílio aos stakeholders e à equipe que conduzirá o
empreendimento para fins de elaboração do planejamento e definição de estratégias. As
restrições, por seu turno, traduzem tudo aquilo que limita e restringe a atuação do gestor do
projeto, dentre as quais se destacam o orçamento e os prazos. Note-se que a própria
declaração das premissas adotadas pelo proponente pode figurar dentre as qualificações
inseridas na proposta.
Condicionamento é o estabelecimento de condições a que se subordinam
determinados aspectos da proposta, e ocorre mediante a instituição de novas condições ou
de ressalvas em relação àquelas já indicadas pelo futuro contratante. Geralmente tem por
finalidade assegurar direitos e/ou prevenir responsabilidades.
A distinção acima é importante visto que, nem sempre a simples qualificação é
suficiente para proteger o proponente, sendo necessário fazer também a ressalva, criando o
necessário condicionamento. Deve-se avaliar, porém, a conveniência ou não dessa medida
pois, ao fazê-la, pode-se correr o risco de ter a proposta desclassificada ou rejeitada.
As qualificações e os condicionamentos podem ter natureza distinta:
• Qualificações e condicionamentos técnicos: pontuam aspectos técnicos da proposta.
• Qualificações e condicionamentos comerciais: pontuam aspectos relativos ao
orçamento apresentado, às condições de pagamento ou outras questões econômico-
financeiras.
• Qualificações e condicionamentos jurídicos: são todos aqueles que dizem respeito a
aspectos jurídicos da proposta, tais como obrigações e responsabilidades impostas por
lei. Cita-se, como exemplo, o registro de terem sido considerados os encargos
tributários previstos na legislação vigente na data da proposta.
Cabe observar que as qualificações e condicionamentos de natureza técnica e
comercial trazem também implicações jurídicas, o que não se confunde com qualificações e
condicionamentos de natureza jurídica propriamente dita.
Por fim, é importante atentar para a existência de restrições às qualificações e
condicionamentos:
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
45

• Restrições legais: decorrem de imposições ditadas pela legislação. Exemplo clássico


reside nas licitações públicas, em que eventuais qualificações e/ou condicionamentos
podem implicar a inabilitação ou desclassificação do proponente;
• Restrições negociais: decorrem de obstáculos colocados pelo futuro contratante
quanto a determinadas qualificações e/ou condicionamentos. Note-se que nas
contratações de natureza privada há certa liberdade de qualificar ou condicionar,
mesmo diante de eventuais vedações, muito embora seja necessário avaliar o risco de
fazê-lo.

4. ASPECTOS PRÁTICOS

4.1. O posicionamento do cliente diante das qualificações e condicionamentos efetuados


pelo proponente e as consequências daí advindas
É bastante frequente a ocorrência de reações negativas por parte do cliente diante de
determinadas qualificações e, principalmente, diante de condicionamentos. Obviamente, não
pode haver radicalismos por parte do proponente, sob pena de perda do negócio. Por outro
lado, é preciso definir: (i) o que é de fato inegociável; e (ii) as consequências da decisão de
suprimir ou alterar determinadas qualificações e condicionamentos.
Muitas vezes o proponente não se prepara para essa fase de negociações e vai para a
mesa sem suficiente clareza quanto aos próprios limites de decisão. Não tem noção do que
realmente é inegociável e do que pode vir a ceder, assim como deixa de avaliar as
consequências de eventuais alterações ou supressões de qualificações e condicionamentos.
Essa postura geralmente resulta em decisões equivocadas a respeito do assunto, com
inevitáveis comprometimentos na fase de execução do contrato.

4.2. Recomendações quanto a qualificações e condicionamentos nas propostas


De um modo geral, as qualificações e condicionamentos técnicos, comerciais e
jurídicos se inter-relacionam, repercutindo uns nos outros e tornando difícil sua distinção
prática. Assim sendo, é da máxima relevância que sejam elaborados em conjunto pelos
diversos profissionais envolvidos na elaboração da proposta, com a finalidade de se ter uma
visão global do contexto, de modo que tais mecanismos de proteção sejam utilizados em toda
a sua plenitude.
Cabe salientar que as qualificações e condicionamentos mal elaborados podem trazer
resultado inverso ao pretendido, representando uma armadilha para o próprio proponente.
Muitas vezes existem restrições às qualificações e aos condicionamentos que podem
submeter o proponente a elevados riscos e, se violadas, podem levá-lo à perda da
oportunidade de negócio. Outras vezes, embora não existam restrições, pode não ser
conveniente a aposição de qualquer qualificação ou condicionamento na proposta.
Assim sendo, a aposição de qualificações e condicionamentos deve ser precedida da
análise dos aspectos abaixo relacionados, sem prejuízo de qualquer outro julgado necessário:
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
46

• Existência de restrições legais – Qualificações ou condicionamentos que violem


disposição legal são considerados nulos, não produzindo efeitos.
• Repetição de previsões legais existentes – Qualificações ou condicionamentos que já
estejam claramente previstos em algum dispositivo legal, além de inócuos, apenas
avolumam a proposta e podem provocar desgastes desnecessárias com o cliente.
• Interpretação da lei e das condições de contratação – Deve ser explorada a
possibilidade de utilização de qualificações e condicionamentos que possam aclarar
dúvidas resultantes de lacunas ou imprecisões na interpretação de disposições legais
e das condições de contratação.
• Perfil do cliente e existência de parcerias – O perfil do cliente e a existência de parcerias
em outros projetos indicarão o tipo de relacionamento a ser desenvolvido na condução
do contrato e as dificuldades que daí advirão, o que tem reflexos diretos na avaliação
das qualificações e condicionamentos a serem efetuados.
• Compromisso com obrigações não solicitadas – Não é recomendável que, a título de
qualificação, sejam assumidas obrigações não solicitadas pelo cliente ou
compromissos de cumprimento duvidoso.
• Cautelas com a redação – O cuidado com a redação das qualificações e/ou
condicionamentos é essencial, de forma que realmente atendam ao fim pretendido,
evitando-se equívocos, distorções e dubiedades.
• Conveniência – Obviamente, deve-se avaliar a conveniência e a eficácia de
qualificações e/ou condicionamentos, assim como a conveniência de se formular
pedidos de esclarecimento durante a elaboração da proposta, na medida em que
podem precipitar uma reação indesejável por parte do cliente em situações que, ao
longo da execução do contrato, seriam facilmente contornadas.

4.3. Qualificações e condicionamentos mais comuns


Dentre as qualificações e condicionamentos mais comuns, sempre tendo em vista o
regime de contratação e de todos os aspectos anteriormente mencionados, destacam-se as
seguintes:
• Definição e delimitação clara do escopo contratual, bem como exclusões de escopo,
principalmente nos contratos sob a modalidade de empreitada por preço global, em
virtude da abrangência de escopo usualmente inserida nessas contratações;
• Limitações e exclusões de responsabilidade, quando elas não constarem da
documentação disponibilizada pelo cliente, ou houver necessidade de alterações;
• Considerações sobre o planejamento executivo, prazo e cronograma considerados;
• Datas de cumprimento de certas obrigações por parte do Cliente ou de terceiros, que
possam impactar a execução do contrato, tais como, entregas de projetos, interfaces
com fornecedores etc.;
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
47

• Exclusões ou limitações de riscos, considerações sobre suficiência da documentação e


sobre a responsabilidade do cliente pelas informações disponibilizadas;
• Regras para tratamento de serviços adicionais, alterações de projeto e de escopo;
• Ressalvas quanto a responsabilidades ambientais, especialmente no que se refere ao
atendimento de exigências posteriores, feitas pelas autoridades competentes, e os
respectivos custos daí decorrentes;
• Definições claras acerca do fornecimento da infraestrutura necessária, jazidas e
materiais para a execução do projeto, conforme o caso;
• Qualificações acerca de obrigações relativas a licenças necessárias, visto que
geralmente este tipo de disposição contratual é pouco clara;
• Considerações sobre questões relacionadas a reajustamento de preços, tais como
eventuais defasagens decorrentes de variação cambial;
• Proteções contra alterações nos encargos fiscais vigentes considerados na proposta;
• Apresentação de histogramas de mão de obra e de equipamentos;
• Apresentação do detalhamento do BDI, com sua composição e a indicação dos
percentuais considerados para cada item;
• Informação dos Encargos e Leis Sociais considerados;
• Indicação adequada da metodologia executiva dos serviços. Recomenda-se, para
evitar problemas com os órgãos de controle, que o método executivo apresentado na
proposta seja eficiente, econômico e em consonância com a boa técnica da
engenharia. Por exemplo, não se deve indicar que a produção do concreto será
realizada em betoneira quando a quantidade exigida recomenda sua produção em
central de concreto.

5. CONCLUSÃO

As questões abordadas neste Caderno Técnico dizem respeito à fase pré-contratual


que, apesar de consistir em etapa crucial do processo de contratação, é frequentemente
relegada a segundo plano. Há equívocos clássicos na condução dessa fase, ditados pela pressa
na conquista do negócio, pela falta de cultura de planejamento e pela confiança otimista de
que eventuais problemas serão resolvidos mais adiante, mediante negociações de pleitos.
O cuidado na análise da documentação disponibilizada pelo cliente, a devida análise
de riscos do negócio e a criteriosa elaboração de uma proposta consistente constituem passos
fundamentais para que a execução do contrato seja bem-sucedida.
Esse zelo na elaboração da proposta representa, além do mais, obediência ao dever de
boa-fé na celebração do contrato, conforme dispõe o artigo 422 do Código Civil Brasileiro (“Os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé”).
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
48
Portanto, as qualificações e condicionamentos, quando viáveis, devem ser encarados
como parte desse cuidado na elaboração da proposta, contribuindo para sua clareza e
objetividade. Sem dúvida alguma são ferramentas que contribuem para a correta
interpretação do contrato e facilitam as negociações de eventuais pleitos diante de problemas
supervenientes, a exemplo de alterações de escopo e custos adicionais.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1983. Dispõe sobre licitações e contratos da


administração pública.
BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.
BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Dispõe sobre liberdade econômica.
BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Dispõe sobre licitações e contratos
administrativos.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. 36ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Contratos. Vol. III. 23ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019.
PMI – PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Um Guia do conhecimento em
gerenciamento de projetos – Guia PMBOK – Sexta Edição. Newtown Square:
Project Management Institute, 2017.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Manual de Gestão de Riscos. Segepres/Seplan.
Brasília, maio de 2018.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos
Contratos. Volume 2. 16ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016.
XAVIER, Carlos Magno da Silva. Gerenciamento de Projetos. Como definir e controlar
o escopo do projeto. São Paulo: Saraiva, 2005.

COORDENADORA:
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
AUTORIA:
Solange Majella Jones, advogada, com LL.M em Direito Corporativo pelo IBMEC-RJ, e
pós-Graduação em Desenvolvimento Gerencial. Formação em mediação de conflitos e
práticas colaborativas pelo Mediare Diálogos e Processos Decisórios. Certificada para
atuação em Dispute Boards e SCDR pela Dispute Resolution Board Foundation (DRBF).
Integrante do quadro de mediadores da Câmara Mediare – Diálogos, membro e
integrante da Diretoria do Instituto Brasileiro de Direito da Construção (IBDiC).
Experiência de 37 anos em advocacia empresarial na área de Direito da Construção,
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
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com atuação em grandes contratos públicos e privados nos segmentos de óleo e gás,
infraestrutura, obras marítimas e plantas industriais.

COLABORADORES:
André Dabus
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
Jorge Pinheiro Jobim
Luís Otávio Pasquale Rosa
Marlon Shigueru Ushiro Ieiri
Roberto Ricardino
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
50

CADERNO TÉCNICO 4
MELHORES PRÁTICAS PARA CONTRATAÇÃO DE SEGUROS E
GARANTIAS EM PROJETOS DE ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO

1. INTRODUÇÃO

Este caderno técnico do IBDiC, que aborda as melhores práticas para contratação de
seguros e garantias em projetos de engenharia e construção, tem como objetivo oferecer ao
leitor uma visão abrangente dos principais elementos que precisam ser observados antes,
durante e após a contratação de um programa de seguros para obras públicas ou privadas,
visando proporcionar ao construtor (Contratado), ou ao proprietário (Contratante), segurança
e tranquilidade na execução do contrato.
Para tanto, será necessário harmonizar o conhecimento sobre conceitos básicos do
mercado de seguros antes de iniciar nossa jornada rumo ao desenvolvimento do processo de
contratação das apólices de seguros em projetos de engenharia e construção.
Assim como no ambiente jurídico e de engenharia, o mercado segurador possui
conceitos próprios, que precisam ser compreendidos para dar sustentabilidade à
interpretação das cláusulas constantes nas apólices de seguros, exigindo do leitor uma análise
minuciosa para evitar falhas de entendimento. A grande maioria das apólices de seguros
aplicáveis aos empreendimentos de engenharia e construção foram traduzidas de clausulados
adotados em outros países, os quais possuem características próprias e ambiente de
contratação de obras e serviços distintos do Brasil, e que nem sempre foram “tropicalizadas”
adequadamente para o nosso ambiente.

2. MERCADO DE SEGUROS BRASILEIRO


Vivemos no Brasil um ambiente regulado pela SUSEP – Superintendência de Seguros
Privados, que tem por finalidade preservar a solvência do mercado e proteger os
consumidores em relação aos produtos comercializados, fiscalizando os seguradores,
resseguradores, corretores de seguros e resseguros, que são os principais atores deste
mercado.
Os seguradores são empresas legalmente constituídas para assumir riscos de diversos
segmentos, em conformidade com sua capacidade de retenção. Desta forma, não será
somente o balanço do segurador que dará sustentabilidade a indenizações futuras, mas sim a
forma como o programa de resseguros foi estruturado, obedecendo parâmetros de retenção
e transferência de riscos previamente aprovados junto à SUSEP.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
51
O ressegurador tem como principal objetivo assumir o excedente de capacidade de
riscos que os seguradores optarem em transferir para amenizar eventuais perdas em caso de
sinistros, principalmente de grande vulto. Desde 2008, com a quebra do monopólio de
resseguros no Brasil, além do IRB – IRB Brasil Resseguros, existem várias empresas
resseguradoras nacionais e internacionais que oferecem aos seguradores, além de capacidade
para ampliar a participação no mercado, soluções diferenciadas para gestão, análise de riscos
e produtos existentes em outros países. O resseguro é celebrado entre o segurador e
ressegurador, por meio de contratos automáticos de resseguros (abrangendo a totalidade de
riscos do segurador) ou facultativos (operações ou projetos específicos).
Os corretores de seguros são pessoas físicas ou jurídicas que comercializam produtos
dos seguradores, oferecendo aos seus clientes suporte técnico e comercial durante todas as
etapas da contratação das apólices de seguros, inclusive durante o processo de regulação de
sinistros, que consiste no processo de apuração de prejuízos indenizáveis e não indenizáveis.
Ao término dos trabalhos, o segurador apresentará seu parecer sobre o pagamento do
sinistro, ou caso venha a negá-lo, deverá esclarecer os motivos que o impedem de pagar a
indenização ao segurado e/ou terceiro. Tratando-se de empreendimentos de engenharia e
construção, recomenda-se que o corretor de seguros tenha experiência prévia e comprovada
na análise e contratação de apólices de seguros desta natureza devido à complexidade dos
produtos que demandam conhecimento jurídico e de engenharia.
Já os corretores de resseguros são empresas que atuam na transferência de riscos dos
seguradores aos resseguradores e não estão diretamente vinculados aos contratos de
seguros.
Recentemente, a SUSEP tornou pública a resolução 407 de 29/03/2021 do CNSP –
Conselho Nacional de Seguros Privados que dispõe sobre os princípios e as características
gerais para a elaboração e a comercialização de contratos de seguros de danos para cobertura
de grandes riscos. A ideia é permitir a flexibilização de produtos para riscos acima de R$ 15
milhões de LMG (Limite Máximo Garantido). Desta forma, novos produtos poderão ser
implementados, além de ser possível ajustar os atuais, mantendo-se um regramento mínimo
exigido para proteção do interesse dos consumidores.
Durante este período de transição, e dadas as limitações para contratação de apólices
de seguros para empreendimentos de engenharia e construção, é importante conhecer a
forma como são construídas e a importância das informações prévias, necessárias para
emissão das apólices de seguros. A base de precificação de todas as apólices de seguros
comercializadas no Brasil consiste em uma somatória de dados atuariais sobre os riscos a
serem cobertos, além de informações de qualidade sobre os projetos a serem executados,
estrutura contratual, financeira, experiência dos construtores, projetistas e fornecedores de
máquinas e equipamentos. Ao receber o conjunto destas informações, que deverá ser enviado
pelos corretores de seguros, os quais, por sua vez, precisam compreendê-lo e organizá-lo em
um documento de subscrição dos riscos, o segurador avaliará a qualidade e abrangência
destes dados e, após confrontá-los com sua experiência, informará a taxa média a ser aplicada
sobre o valor total do empreendimento ou sobre o montante da Importância Segurada que
representa o valor da cobertura de seguros contratado). Portanto, informações de qualidade
sobre o construtor e projeto a ser executado, bem como sobre a minuta do contrato a ser
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
52
assinado entre contratante e contratado, além do memorial descritivo da obra, são os
principais elementos de precificação das apólices de seguros, independentemente da
modalidade de seguros a ser contratada. Daí a importância do preenchimento dos
questionários e informações, pois todas as informações enviadas também poderão ser
utilizadas pelos seguradores durante o processo de regulação de eventuais sinistros.

3. CONTRATOS DE CONSTRUÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS E PRIVADAS


Nos últimos anos, observa-se uma grande evolução da estrutura de contratação de
obras e serviços de engenharia no Brasil, impulsionada por novos modelos e estruturas
jurídicas/contratuais, mecanismos alternativos de solução de conflitos, ferramentas de
tecnologia que permitem melhor acompanhamento das obras em execução como, por
exemplo, o BIM, utilização de drones, dentre outros recursos mecânicos e digitais que são
constantemente desenvolvidos para a indústria da construção.
Infelizmente, no mercado segurador, vivemos no mundo “analógico”, em que salvo
raríssimas exceções, os seguradores ainda adotam mecanismos tradicionais para análise e
acompanhamento dos contratos de seguros, para a realização de inspeções e para as vistorias
quando do início das obras ou ocorrência de sinistros. Este será o principal desafio da indústria
de seguros no Brasil: antecipar-se à evolução da indústria da construção, desenvolvendo
mecanismos para gestão e acompanhamento dos contratos, com interfaces tecnológicas que
poderão dialogar com instrumentos de gestão e acompanhamento dos contratos celebrados
entre construtores e contratantes.
E este desafio se intensifica pelas disposições da Lei n. 14.133/2021, a nova Lei de
Licitações e Contratos Administrativos, que estabeleceu uma série de novas diretrizes
securitárias para obras de grande vulto (assim consideradas aquelas com valores estimados
superiores a R$200 milhões), não apenas estendendo o limite do seguro garantia até 30% do
valor do contrato (art. 99), como estabelecendo a possibilidade de se prever a obrigação de a
seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assumir a execução e concluir o
objeto do contrato (art. 102), a exemplo do que já acontece em outros países.
Trata-se de uma inovação significativa com a intenção precípua de reduzir as obras
inacabadas no País e que exige preparação, capacitação e reorganização do mercado de
seguros.
Caberá a todos atores, portanto, programarem-se para antever eventuais problemas
e, com as ferramentas disponíveis, auxiliar os segurados na contratação e gestão de
programas de seguros eficientes para obras e serviços de engenharia e construção.

3.1. Atividades prévias a assinatura do contrato de construção


O ambiente de contratação de obras e serviços de engenharia, além de dinâmico, é
caracterizado por uma gama de contratos que são celebrados por diversos fornecedores e
prestadores de serviços, e que nem sempre são compatibilizados antes de serem assinados. A
celebração dos contratos de seguros não foge deste ambiente, sendo que, em muitos
projetos, as apólices são contratadas após o início da mobilização do canteiro de obras ou até
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
53
mesmo do início das obras, sob o pretexto de que não houve tempo suficiente para avaliação
e coleta de todas as informações solicitadas. Trata-se de uma prática equivocada que poderá
prejudicar o recebimento de indenizações, em caso de eventual sinistro, devido à
inobservância das condições previstas na apólice, que deveriam ser avaliadas antes desta
etapa. Recomenda-se, portanto, antes do início das obras e ainda no ambiente de discussão
da estrutura jurídico-contratual, definir os seguintes aspectos do processo de contratação das
apólices de seguros:

3.1.1. Quem será responsável pela contratação das apólices de seguros do


empreendimento a ser construído? O Contratante ou o Contratado? Quais apólices
de seguros?
Não existe uma metodologia única para endereçar esta discussão. Dependerá da
estrutura jurídica, da matriz de riscos e dos aspectos voltados à negociação do contrato como
um todo. Observa-se, com frequência, que este tema não é previamente abordado nas
discussões contratuais preliminares, de tal forma que a discussão deste assunto pode surgir
em um ambiente já desgastado e termina quase sempre em uma queda de braço entre o
contratante e contratado sem que ambos tivessem a chance de encontrar o modelo mais
eficiente para contratação do programa de seguros do empreendimento. Para evitar situações
desta natureza, recomenda-se inserir no contrato de obras e serviços um capítulo específico
versando sobre as apólices de seguros que deverão ser contratadas, indicando quem será o
responsável por esta contratação, deixando claro que a outra parte deverá constar como
cossegurado nas apólices, os montantes mínimos de importância segurada e franquias
máximas, pagamento dos prêmios (custos), assim como os prazos para apresentação das
apólices de seguros que deverão ser contratadas junto a seguradores previamente aceitos
pelas partes.
Notamos com alguma frequência, nos contratos de obras e serviços, a utilização de
terminologias como “seguradoras de primeira linha”. Todavia, diante da inexistência de um
rating do mercado segurador, não é possível afirmar de forma objetiva quais são os
seguradores que se enquadram nesta categoria. Considerando que o contratado e
contratante normalmente possuem seus corretores de seguros, não será difícil entrar em
consenso sobre quais seguradores poderão ser consultados, desde que haja tempo suficiente
para tal. Uma lista tríplice entre as partes pode ser uma boa forma de priorizar os seguradores
nesta etapa do processo, lembrando que o preço nem sempre é a melhor forma de escolher
o segurador, pois existem outros elementos nas apólices que precisam ser comparados, tais
como: clausulados, limites máximos de indenização, franquias, riscos cobertos, excluídos,
dentre outros.
Tão importante quanto definir quem contratará as referidas apólices é a definição de
quais apólices de seguros deverão ser contratadas para proteger o empreendimento dos
riscos aos quais se estará exposto. A primeira etapa a ser vencida será a análise da matriz de
riscos que demostra quais são os riscos já identificados, definindo quem será responsável por
cada um deles ou até mesmo criando regras de compartilhamento.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
54
Além da distribuição de riscos, será necessário classificá-los entre seguráveis e não
seguráveis. Os riscos seguráveis, também conhecidos como “transferíveis” como o próprio
nome diz, encontram amparo no mercado de seguros e poderão ter as consequências
econômicas e financeiras de sua materialização mitigadas por apólices de seguros. Já os riscos
não seguráveis, também conhecidos como “residuais”, deverão ser tratados por cláusulas de
contratos, como por exemplo, reequilíbrio, garantia, dentre outras, visando estabelecer logo
no início do contrato, como poderão ser tratados caso venham a materializar-se. Vale lembrar
que mitigar riscos não significa eliminá-los, pois estes poderão existir independentemente de
nossa vontade. O que podemos fazer é tratá-los de forma inteligente, adotando ferramentas
disponíveis no mercado financeiro e de seguros, tais como fianças ou seguros, que atenuem
as consequências sociais, físicas, econômicas e financeiras de sua materialização.

3.1.2. Tipos de apólices de Seguros normalmente utilizadas em obras públicas e privadas


Empreendimentos de engenharia e construção são compostos por diversos elementos
que formam um grande mosaico que, para produzir o efeito esperado, não pode haver espaço
ou sobreposição entre suas peças. Desta forma, os estudos preliminares de engenharia,
sondagens de solo, geotecnia, projetos básicos e executivos (incluindo de utilities),
cronograma físico e financeiro, além, é claro, da matriz de riscos, deverão ser considerados e
avaliados antes da especificação e definição das apólices de seguros que serão contratadas
para oferecer proteção e tranquilidade a todas as partes interessadas.

3.2. Seguros de Riscos de Engenharia


Os Seguros de Riscos de Engenharia, também conhecidos como seguros ALL RISKS,
cobrem todos os danos materiais dentro da obra, decorrentes de acidentes de origem súbita
e imprevista que resultem em dano ou destruição aos bens segurados. Podem ser contratados
junto aos seguradores com especialidade neste tipo de produto, em diversas configurações.
Entretanto, as mais utilizadas são apólices de seguros especificamente para obras civis ou
apólices que também contemplam cobertura para instalações e montagens de máquinas e
equipamentos. Poderão constar como segurados os proprietários contratantes da obra, a(s)
construtora(s) ou o consórcio responsável pela execução dos serviços técnicos e de
engenharia, demais empreiteiros e subempreiteiros, além de agentes financeiros, quando
previstos em contratos de financiamento, através de cláusulas beneficiárias.
O início de vigência da apólice deverá coincidir com a data da entrega dos materiais na
obra, sendo que seu término dar-se-á após emissão do termo de aceitação provisória ou
definitiva, ou até mesmo, colocação em uso, mesmo que parcialmente ou em apoio ao
projeto. Para determinação dos limites segurados, deverão ser avaliados o cronograma físico
e financeiro, bem como o montante previsto do contrato, devendo corresponder ao valor
integral dos bens segurados, após concluída a construção, incluindo as parcelas de mão-de-
obra, frete, despesas aduaneiras, impostos e emolumentos, assim como os materiais ou itens
fornecidos pelo proprietário, excluindo-se, no entanto, valores e bens não seguráveis, tais
como: terrenos, projetos da obra, demolições, modelos e moldes, registros informatizados,
ou quaisquer documentos que representem valores monetários.
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Salvo estipulação expressa na apólice, não serão considerados bens segurados os
equipamentos móveis ou fixos que não sejam instalados na obra, tais como: as estruturas
temporárias (canteiro de obra, escritórios, refeitórios, alojamentos, almoxarifados de
materiais etc.) e quaisquer ferramentas ou instrumentos empregados na montagem. Daí a
importância e relevância em conhecer antecipadamente os estudos que deram origem ao
projeto, para evitar utilização de modalidades ou cobertura de seguros inadequadas.
Todas as apólices de seguros comercializadas no Brasil são compostas por condições
gerais, especiais e particulares, gerando dúvidas aos segurados que desconhecem a
metodologia para formulação dos contratos de seguros.
Algumas seguradoras definem Condições Gerais como aquelas cláusulas comuns a
todas as coberturas e/ou modalidades de seguro, que estabelecem as obrigações e os direitos
das partes contratantes, ou seja, do segurado e da seguradora. Fazem parte delas, por
exemplo: aceitação da proposta, vigência, renovação, pagamento de prêmio, foro, prescrição,
entre outras.
É denominado Condições Especiais o conjunto de cláusulas relativas a cada cobertura,
normalmente descrevendo quais são os riscos cobertos, os riscos não cobertos, bem como o
limite máximo de indenização por cobertura, franquia e/ou a participação mínima obrigatória
do segurado nos prejuízos, quando couber. Salientamos ainda, que as Condições Especiais
poderão alterar, modificar ou até cancelar disposições existentes nas Condições Gerais.
São denominadas Condições Particulares aquelas cláusulas que alteram as Condições
Gerais e/ou Especiais da apólice de seguro, projetadas para atender as peculiaridades do
Segurado, modificando ou cancelando disposições já existentes, ou, ainda, introduzindo novas
disposições, eventualmente ampliando ou restringindo coberturas.
Quando as Condições Particulares e/ou Especiais de uma determinada cobertura,
incluírem dentre os riscos cobertos algum(s) risco(s) excluídos(s) e/ou abranger algum(s)
interesse(s) não compreendido(s) conforme estipulado nas condições previstas,
respectivamente, das Condições Gerais, haverá expressa ressalva da revogação das exclusões
na respectiva condição especial e/ou particular.
Conclui-se, portanto, que parte dos riscos excluídos nas condições gerais poderá ser
coberta nas condições especiais e/ou particulares. Um bom exemplo refere-se aos riscos de
fundação e serviços correlatos que, normalmente, são excluídos na cobertura básica.
Entretanto, podem estar amparados nas condições particulares da mesma apólice mediante
pagamento de prêmio adicional, assim como os acidentes decorrentes de erro de projeto
(com ou sem it-self), manutenção ampla e garantia, despesas extraordinárias, tumultos,
greves e lockout, desentulho, propriedades circunvizinhas, obras concluídas, afretamento de
aeronaves, ferramentas de pequeno porte, equipamentos móveis e estacionários, salvamento
e contenção de sinistros, honorários de peritos, dentre outras coberturas que poderão ser
incluídas para permitir melhor aderência da apólice de seguros ao risco segurado.
Se, por um lado, essa metodologia de contratação das apólices de seguros pode
provocar dificuldades de interpretação, por outro lado, permite aos seguradores precificar de
forma diferenciada os projetos de engenharia e construção, que poderão estar protegidos
somente pela cobertura básica, ou, dependendo da complexidade do projeto e/ou dos riscos
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identificados, haverá necessidade de contratação de inúmeras coberturas acessórias,
alterando, nesta hipótese, o custo de sua contratação.
Assim como apenas um engenheiro deve ser responsável pelos estudos e projetos de
engenharia, o advogado na representação de seu cliente nas demandas jurídicas, ou um
médico ao receitar remédios ao seu paciente, o corretor de seguros especialista é o
profissional que saberá recomendar aos seus clientes a melhor forma e o melhor conteúdo da
apólice de seguros de riscos de engenharia e respectivas coberturas acessórias.
A contratação do seguro poderá ser específica, ou seja, para cada obra, ou geral, pelo
conjunto de obras da empresa de engenharia, por meio de uma apólice por endossos, também
conhecida como apólice aberta ou compreensiva, que possui condições previamente
negociadas com seguradores. Este tipo de apólice, além de reduzir os custos operacionais das
equipes envolvidas com a contratação de seguros, permite a otimização de custos, na medida
em que os seguradores terão um volume maior de prêmios para ser considerado na
formulação da proposta. Considera-se prêmio, o custo do seguro que é pago pelo segurado à
seguradora para fazer frente aos riscos assumidos, visando honrar compromissos com
indenizações futuras.
Vale lembrar que, durante a vigência da apólice, sempre que houver alteração no
cronograma de obras, mesmo sem modificar os valores do contrato, o segurado deverá
solicitar à seguradora proceder às alterações necessárias. Do contrário, em caso de sinistros,
o segurador poderá negar o pagamento da indenização.
Não existe uma tabela única e padronizada definindo as taxas para contratação dos
seguros de riscos de engenharia. Cada seguradora possui critérios próprios de subscrição e
precificação, seguindo experiências anteriores e/ou tendências futuras. Além do mais, cada
projeto de engenharia e construção deve ser considerado como um risco especial. Cada risco
deve ser taxado individualmente, de acordo com o seu projeto e levando-se em consideração
diversas variáveis, dentre elas a execução técnica da obra, localização do risco, a experiência
dos construtores, as condições geológicas, climáticas, e a segurança do local.

3.3. Seguros de Responsabilidade Civil


Os seguros de Responsabilidade Civil cobrem o reembolso das despesas por danos
materiais e corporais, involuntariamente causados a terceiros e decorrentes dos riscos
cobertos e especificados nas apólices de seguros. Podem ser contratados por intermédio de
coberturas acessórias na apólice de seguros de riscos de engenharia, ou mediante apólices
específicas de seguros de responsabilidade civil. Normalmente as coberturas das apólices
especificas de responsabilidade civil são mais abrangentes se comparadas às cláusulas
acessórias de responsabilidade civil das apólices de riscos de engenharia.
Independentemente da forma e do conteúdo de cada apólice, trata-se de uma das
modalidades de seguros mais relevantes para o empreendimento de engenharia, pois, ao
contrário dos seguros de danos materiais, cujo valor da importância segurada pode ser
definido por critérios objetivos (cronograma financeiro, valor do contrato, avaliação dos bens
segurados), o risco de responsabilidade civil por eventuais danos causados a terceiros é
totalmente subjetivo e não permite avaliação prévia objetiva do potencial dano que pode ser
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causado a um indivíduo ou até mesmo a uma coletividade, como por exemplo o dano
ambiental provocado por um acidente durante a execução de uma obra. Deste modo, a
melhor forma de identificar os valores a serem segurados será uma análise da matriz de riscos,
com avaliação dos possíveis cenários de acidentes e incidentes que poderão ocorrer e causar
danos a terceiros. O local da obra também precisa ser considerado. Uma obra no campo
apresenta exposições de riscos de responsabilidades totalmente diferentes de uma obra em
um grande centro urbano.
As principais modalidades para contratação dos seguros de responsabilidade civil são:
• Responsabilidade Civil Geral: Reembolsa os danos materiais/corporais
involuntariamente causados a terceiros em decorrência dos trabalhos pertinentes à
obra/instalação, incluindo ou não os riscos de fundações. Os funcionários e bens dos
empreiteiros e subempreiteiros envolvidos na obra não estão abrangidos por essa
cobertura, já que não são considerados terceiros.
• Responsabilidade Civil Cruzada: Nesta cobertura a responsabilidade se estende aos
participantes da apólice, segurado e cossegurados, como se cada um tivesse feito uma
apólice em separado, ou seja, todos são considerados terceiros entre si;
• Responsabilidade Civil do Empregador: Responsabilidade Civil do Segurado
relacionada com morte e invalidez total permanente sofridas por seus empregados,
prepostos, bolsistas e/ou estagiários enquanto executam seus serviços, inclusive
durante o trajeto de ida e volta de suas residências aos locais de trabalho;
• Danos Morais: O seguro indenizará também as quantias mensuráveis pelas quais o
Segurado seja civilmente responsável a pagar, em sentença judicial transitada em
julgado ou em acordo expressamente autorizado pela Seguradora, em razão de danos
morais diretamente decorrentes de danos materiais e/ou de danos corporais causados
a terceiros e efetivamente indenizados nos termos previstos no contrato de seguro;
• Responsabilidade Civil E&O (Erros e Omissões): Trata-se de uma modalidade de
seguros ainda pouco difundida no Brasil. De acordo com POLIDO (1997):

O escopo da cobertura oferecida pela apólice, consiste na indenização,


ao segurado, das quantias que o mesmo for obrigado a pagar, por
danos e ou prejuízos causados a terceiros, consequentes de erros e
omissões no desempenho de sua atividade profissional, notadamente
em função do erro de projeto de obras civis e instalações industriais.
Os danos causados a terceiros em decorrência, por exemplo do
desmoronamento da obra mal projetada, também estarão cobertos.

Como exemplo citamos o erro cometido pelo projetista durante a realização dos
cálculos de uma determinada estrutura, que sofra um colapso durante sua execução.
Os danos físicos à obra poderão estar cobertos, excluindo-se os custos que seriam
suportados pelo segurado para corrigir o defeito original (It-self), desde que a apólice
de seguros de riscos de engenharia tenha sido contratada com a cobertura adicional
de danos físicos acidentais em consequência de erro de projeto e o segurado não tenha
participado, direta ou indiretamente, na elaboração dos projetos. Considera-se erro de
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projeto o erro de concepção, caracterizado como desobediência ao estado de arte ou
ao nível de conhecimento científico prevalecente na data em que o projeto foi
concebido. Uma vez efetivado o pagamento da indenização, o segurador poderá entrar
com ação de regresso contra o projetista. Caso o projetista tenha contratado a apólice
de seguros de E&O, estará protegido até o valor da importância segurada definida na
sua apólice.

3.4 Seguros de Perdas Financeiras


Com alguma frequência, os acidentes ocorridos durante a execução de obras e serviços
de engenharia, além dos danos materiais causados aos bens segurados e a terceiros, também
acarretam perdas financeiras às partes envolvidas devido ao atraso na entrega da obra,
motivado pela interrupção e necessidade de reparos aos bens avariados. Um bom exemplo é
a construção de um shopping center que deveria ser entregue antes do Natal, e que será
entregue com 6 meses de atraso devido à alteração do prazo para reconstrução da parte
avariada. Neste contexto, o proprietário do shopping, que já estava preparado para
inauguração e início das vendas antes do Natal, certamente sofrerá perdas financeiras
significativas, que deverão ser assumidas pelo causador dos danos.
Para evitar situações como esta, existem coberturas que podem ser contratadas na
apólice de seguros de Riscos de Engenharia, tais como:
• ALOP (Advanced Loss Of Profit - Perda de Lucro Esperado) – cobertura para perda de
lucro esperado em consequência do atraso no início das atividades decorrente de
sinistro coberto na apólice de riscos de engenharia. A importância segurada
corresponderá ao montante dos faturamentos mensais previstos para o número de
meses do período indenitário escolhido;
• DSU (Delay in Startup) - cobertura para perda de lucro esperado em consequência do
atraso no início das atividades decorrente de sinistro ocorrido com máquinas e
equipamentos durante o transporte nacional ou internacional, coberto por apólice de
seguros de transportes. A importância segurada corresponderá ao montante dos
faturamentos mensais previstos para o número de meses do período indenitário
escolhido.

3.5. Seguros Garantia


O seguro garantia teve sua primeira menção legislativa em 1966, com a publicação do
Decreto-Lei 73, prevendo a obrigatoriedade de sua utilização para construtores e
incorporadores de empreendimentos imobiliários, tendo sido revogado posteriormente.
Voltou em cena em 1967, com o surgimento do Decreto-Lei 200 e em 1986, com Decreto-Lei
2300, instituindo no artigo 46 § 1̊º o seguro garantia como instrumento de garantia nas
contratações de obras e serviços, assim como a fiança bancária e a caução em dinheiro, em
títulos da dívida pública da União ou fidejussória. Com o advento da Lei nº 8.666, de 21 de
junho de 1993, o seguro garantia tornou-se um dos principais mecanismos de prestação de
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garantias nas licitações e contratações de obras e serviços públicos e, desde então, vem
experimentando um crescimento vertiginoso no País.
A Lei nº 8.666/93 define no inciso VI do artigo 6º o seguro garantia como “o seguro
que garante o fiel cumprimento das obrigações assumidas por empresas em licitações e
contratos”. Também facultou ao licitante a adoção de outros mecanismos de garantias, tais
como a fiança bancária, caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, tanto para fase de
entrega da proposta (manutenção da proposta ou Bid Bond), estabelecendo como valor da
garantia o limite de até 1% do valor da contratação, quanto na assinatura do contrato
(Performance Bond) cujo valor poderá variar entre 5% ou 10% do valor da contratação.
O seguro garantia oferece ainda vantagens em relação aos demais instrumentos de
garantias, dentre os quais a qualificação do licitante/proponente, na medida em que este
deverá ter seu cadastro previamente aprovado pelas seguradoras, além da possibilidade de a
obra, objeto da garantia, ser monitorada durante sua execução pelos seguradores e
resseguradores envolvidos no projeto.
Uma das principais críticas da atualidade em relação às garantias previstas pela Lei nº
8.666/93 reside no fato de que os percentuais definidos podem não ser suficientes para
garantir o sobrecusto para retomada da obra, bem como cobrir multas decorrentes da
inadimplência contratual, principalmente em relação às obras públicas.
Desde 1993 já se passaram 27 anos marcados por muitas transformações em todas as
esferas do ambiente de contratações de obras de infraestrutura. Novas tecnologias,
equipamentos sofisticados, presença de investimentos e financiamentos de longo prazo,
novas modelagens jurídicas, ampliaram, em muito, os riscos envolvidos, sendo que eventuais
inadimplências, mesmo protegidas por instrumentos de garantias e considerando os mesmos
percentuais mantidos pela legislação em vigor, podem não ser suficientes para ressarcimento
dos prejuízos causados ao Poder Público.
Como citado anteriormente, em 1º/04/2021, o Presidente da República sancionou a
Lei 14.133 - Licitações e Contratos Administrativos que durante 2 anos coexistirá com a Lei
8.666/93. Este novo dispositivo legal tem por finalidade modernizar toda legislação de
contratação de Obras e Serviços Públicos e estabelece, além da elevação dos percentuais das
garantias para até 30% no caso de obras de grande vulto, implantação de matriz de riscos em
obras públicas, mecanismos alternativos de solução de conflitos, certificação de projetos,
possibilidade da exigência de outras modalidades de seguros, como por exemplo Riscos de
Engenharia, dentre outros aspectos relevantes. O Artigo 6 define o seguro garantia como
aquele que “garante o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado”. No
ambiente de contratação privada, o padrão e tipo de garantias são definidos pelo acordo de
vontades entre Contratante e Contratado, sendo que o valor garantido deve expressar o
sobrecusto que será apurado para concluir a obra, após substituição do contratado
inadimplente.
O seguro garantia tem como função básica proteger o contratante contra eventuais
inadimplências dos contratados, tudo em conformidade com o disposto nas condições gerais,
particulares e especiais das apólices. Para caracterização do sinistro, o segurado (contratante)
deverá comprovar a inadimplência do tomador (contratado) em relação às obrigações
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cobertas pela apólice de seguros, devendo, para tanto, notificar extrajudicialmente o Tomador
e a Seguradora, indicando claramente os itens não cumpridos do contrato. Caso tal medida se
torne ineficaz, o segurado terá o direito de exigir da seguradora a indenização devida.
Vale lembrar que a indenização não é o limite segurado descrito na apólice, e sim o
prejuízo sofrido pelo Segurado (contratante), causado pela inadimplência do Tomador
(contratado). Atualmente, para obrigações públicas, as apólices de seguro garantia de
manutenção da proposta (Bid Bond) podem fugir desta regra geral e prever como indenização
o pagamento de uma multa pela inadimplência do Tomador. Nas apólices de seguro garantia
de execução de contratos (Performance Bond), a seguradora, por sua vez, poderá optar em
proceder à indenização, realizando, por meio de terceiros, o objeto do contrato principal, de
forma a lhe dar continuidade e o concluir, sob a sua integral responsabilidade, ou pagando os
prejuízos causados pela inadimplência do Tomador. O pagamento da indenização, ou o início
do cumprimento da obrigação, deverá ocorrer no prazo máximo de trinta dias, contados a
partir da data de entrega de todos os documentos relacionados pela seguradora como
necessários à caracterização e à regulação do sinistro.
Aí está a grande diferença entre seguro garantia e fiança bancária. Tratando-se de uma
fiança bancária incondicional, comprovada a inadimplência do contratado, o contratante terá,
como única possibilidade, receber a indenização monetária do banco garantidor, arcando com
o ônus da contratação de novo prestador de serviços que dará continuidade ao contrato. Na
hipótese de seguro garantia, a seguradora desempenhará a função de conciliador,
respondendo integralmente por esta gestão, assumindo os prejuízos até o valor da garantia
prevista na apólice. Independentemente do fato de tratar-se de obrigações públicas ou
privadas, nas apólices de seguros regidas pela Circular Susep 477/2013, as hipóteses de perda
de Direitos do Segurado em que a seguradora poderá recusar o pagamento de indenização
são: casos fortuitos ou de força maior, nos termos do Código Civil Brasileiro; descumprimento
das obrigações do Tomador decorrente de atos ou fatos de responsabilidade do Segurado;
alteração das obrigações contratuais garantidas pela apólice que tenham sido acordadas entre
Segurado e Tomador, sem prévia anuência da seguradora; atos ilícitos dolosos praticados pelo
segurado ou por seu representante legal. O Art. 24 da nova Circular Susep 622 de 11 de abril
de 2022, que a partir de 01/01/2023 substituirá a Circular 477/2013, estabelece que o
Segurado, além de outras situações devidamente descritas nas condições contratuais do
seguro, perderá Direito de Indenização na incidência de “atos ou fatos de responsabilidade do
segurado que tenham contribuído de forma determinante para ocorrência do sinistro; ou a
inadimplência de obrigações do objeto principal que não sejam de responsabilidade do
tomador”. O Art. 25 estabelece que “Atos exclusivos do tomador, da seguradora ou de ambos
não poderão gerar perdas ou prejuízos ao segurado”.
Com relação à abrangência da apólice, existem obrigações que, apesar de previstas em
contrato, não são garantidas pelas seguradoras (com exceção de contratos públicos). Um bom
exemplo são as multas que tenham caráter punitivo. A justificativa é que o seguro garantia
tem como finalidade garantir o ressarcimento de prejuízos decorrentes de eventuais
inadimplências do contrato, e nem sempre o atraso ou não conformidade na entrega de
determinado equipamento vem a causar um prejuízo ao projeto. Exemplo: a obra atrasou,
entretanto, houve gerenciamento da crise e não houve agravamento nos custos, tanto para o
contratante quanto para o contratado. Nesse sentido, a cobertura de multas punitivas não é
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comercializada pelos Seguradores, na medida em que o valor da multa a ser aplicada poderá
não estar relacionado ao prejuízo decorrente da inadimplência contratual.
Independentemente de a garantia do projeto ser concebida por apólices de seguros
ou carta de fiança bancária, o contratante e contratado devem acompanhar rigorosamente o
andamento do contrato e o cronograma de obras e serviços, solicitando, sempre que
necessário, sua prorrogação. Do contrário, a garantia perderá sua validade.
Instrumentos de garantia (seguros ou fiança) devem ser utilizados para proteger o
Contratante de prejuízos elevados, tais como insolvência do Contratado, abandono do
contrato, perda de capacidade financeira do Tomador (contratado), dentre outros. Problemas
envolvendo pequenos atrasos, qualidade insuficiente, que não venha a comprometer a
segurança e risco do contrato, podem ser tratados com retenções e/ou outros tipos de
procedimentos contratuais, inclusive acompanhamento e fiscalização constante da obra.
As apólices de seguros e cartas de fiança bancária são elaboradas taylor-made, sendo
fundamental a conferência dos termos e condições com a finalidade de identificar eventuais
limitações e/ou ausência de coberturas pretendidas pelo contratante (segurado ou
garantido).
As principais modalidades de seguro garantia normalmente contratadas em
empreendimentos de engenharia são:
• Licitante (Bid Bond): Garante a indenização, até o valor da garantia fixado na apólice,
pelos prejuízos decorrentes da recusa do tomador adjudicatário em assinar o contrato
principal nas condições propostas no edital de licitação, dentro do prazo estabelecido;
• Adiantamento de Pagamentos: Garante a indenização, até o valor da garantia fixado
na apólice, pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento das obrigações assumidas
pelo tomador em relação exclusiva aos adiantamentos de pagamentos, concedidos
pelo segurado, que não tenham sido liquidados na forma prevista no contrato principal
e devidamente expresso no objeto desta apólice, independentemente da conclusão
deste;
• Executante Construtor, Fornecedor ou Prestador de Serviços (Performance Bond):
Garante a indenização, até o valor da garantia fixado na apólice, pelos prejuízos
decorrentes do inadimplemento das obrigações assumidas pelo tomador (fornecedor)
no contrato principal, para construção, fornecimento ou prestação de serviços.
Também conhecido como seguro garantia de fiel cumprimento ou de execução. No
caso de obrigações públicas, inclui multas e indenizações devidas à administração
pública, tendo em vista o disposto na Lei 8.666/93;
• Retenção de Pagamentos: Garante a indenização, até o valor da garantia fixado na
apólice, dos prejuízos causados pelo Tomador ao Segurado, em razão do
inadimplemento das obrigações vinculadas às retenções de pagamentos previstas no
contrato principal e substituídas pela apólice;
• Completion Bond: Tem por objetivo garantir ao financiador a conclusão do projeto
mesmo na hipótese de falta de recursos dos acionistas, ou até mesmo em caso de
sobrecustos durante a construção. Neste cenário, a seguradora poderá intervir na
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conclusão do projeto adiantando os recursos necessários para evitar a inadimplência
contratual e terá o direito de ressarcir-se do Tomador, executando o contrato de
contragarantia, celebrado antes da emissão da apólice. Deve ser contratado pela SPE,
quando da contratação de financiamento, em conformidade com escopo definido no
contrato de financiamento.

3.6. Seguros de Veículos e Equipamentos


Nas obras, independentemente da complexidade do projeto, veículos e equipamentos
são utilizados internamente e nas adjacências. As apólices de seguros de riscos de engenharia
excluem nas condições gerais da apólice acidentes envolvendo veículos e equipamentos
móveis e estacionários, sendo possível somente contratar uma cobertura acessória para
garantir os prejuízos de pequenas máquinas e ferramentas. Desta forma, veículos e
equipamentos móveis precisam ser segurados por apólices de seguros específicas, que
possuem cobertura mais abrangente, incluindo os danos decorrentes de responsabilidade civil
causados a terceiros pela circulação deles.
Trata-se de modalidades de seguros facilmente encontradas no mercado segurador.
Entretanto, somente um corretor de seguros especialista em obras de engenharia e
construção saberá personalizá-las, compatibilizando estas apólices com as demais
contratadas na obra. Outro aspecto que merece atenção é verificar se os equipamentos que
são adicionados à carroçaria de caminhões, tais como guinchos e guindastes, estão
devidamente inseridos nas apólices. Do contrário, em caso de acidentes durante operações
de carga e descarga que venha a danificá-los, o veículo poderá ser indenizado e o equipamento
instalado não. Também será necessário certificar-se que todos motoristas e operadores de
equipamentos estão treinados e habilitados para dirigir e operar veículos e equipamentos de
obras. Este é um dos procedimentos que serão analisados pelas seguradoras em caso de
sinistros.

3.7. Seguros de Pessoas


Independentemente de os sindicatos dos funcionários de empresas de engenharia
exigirem ou não a contratação de seguros de vida, de saúde e de odontologia, torna-se
fundamental proceder à análise crítica da matriz de riscos do projeto de engenharia a ser
executado, visando identificar riscos e responsabilidades que poderão ser atribuídas ao
construtor, proprietário ou até mesmo ao financiador.
As apólices de seguros de riscos de engenharia não cobrem danos a pessoas e morte,
mas tão somente danos materiais causados aos bens segurados. Desta forma, será necessário
desenvolver um estudo para contratação das apólices de seguros específicas de vida (morte e
invalidez), saúde (seguro ou assistência médica) e odontológico.
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3.8. Seguros Especiais
Consideram-se seguros especiais as novas modalidades de seguros que estão em
desenvolvimento no país e que visam complementar a ausência de cobertura das apólices de
seguros tradicionais comercializadas pelos seguradores. Um exemplo importante é o risco de
terrorismo e ataques cibernéticos, que estão expressamente excluídos das condições gerais
das apólices tradicionais de engenharia e para os quais não existem opções para contratação
de coberturas acessórias que possam reinseri-las. No entanto, ressalvando as particularidades
destes riscos, estas apólices de seguros são feitas taylor-made e disponibilizadas somente em
casos específicos e por seguradores internacionais que atuam neste mercado. Os prejuízos
decorrentes de ataques cibernéticos, podem ser cobertos por apólices de seguros da
modalidade cyber risks, após realização de uma avaliação preliminar, ocasião em que o
segurador avaliará se empresa possui os protocolos mínimos de segurança contra ataques
cibernéticos.
Os seguros paramétricos climáticos também podem ser considerados como seguros
especiais. No início, foram concebidos para garantir prejuízos decorrentes do não atingimento
dos parâmetros de desempenho previstos nos estudos que deram origem a um investimento
em geração de energia, ou até mesmo plantio agrícola, decorrentes de mudanças climáticas
não previstas anteriormente. Este tipo de apólice de seguro não garante falhas técnicas e ou
operacionais que possam ter contribuído para o não atingimento dos parâmetros iniciais. Caso
venha a ser comprovado o fenômeno climático que prejudicou a atingimento dos índices
iniciais de performance, o segurador poderá ressarcir o segurado dos prejuízos comprovados
pelo não atingimento dos parâmetros iniciais.
O seguro paramétrico climático também poderá ser contratado para proteger
empreendimentos de engenharia em relação aos atrasos de cronograma devidos
especificamente a fatores climáticos. Como exemplo, uma obra de dragagem ou de um porto,
que não poderá ser concluída no prazo inicialmente previsto, devido a alterações severas na
tábua de maré provocada por eventos climáticos adversos.

4. CONCLUSÃO

Não há dúvidas que um empreendimento de infraestrutura e/ou engenharia, tanto


público quanto privado, apresenta diversos riscos que precisam ser previamente
identificados, avaliados a alocados a cada uma das partes envolvidas no projeto.
Não será uma atividade simples, na medida em que existirão muitos fatores de ordem
técnica e profissional que precisam ser revistos com antecedência. A matriz de riscos é a
melhor ferramenta a ser adotada, e deve, necessariamente, ser considerada atividade
predecessora à formulação dos contratos.
Neste instrumento será possível quantificar as eventuais consequências financeiras,
econômicas e sociais da materialização dos referidos riscos, classificando-os como seguráveis
ou transferíveis e não seguráveis ou residuais. Trata-se de um trabalho conjunto a ser
realizado por engenheiros, advogados, gestores de riscos e corretores de seguros, que
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saberão encontrar a melhor forma de transferir os riscos seguráveis. Já os não seguráveis
poderão ser tratados por dispositivos contratuais, devendo ser retidos pela parte que tiver
melhor capacidade para controlá-los.
Vencida esta etapa, será necessário definir o(s) responsável(eis) pela contratação das
apólices de seguros e, por intermédio de corretores de seguros especializados, será
desenvolvido o plano de seguros e garantias que deverá ser aplicado ao empreendimento,
contemplando as coberturas de seguros ilustradas acima. Cada projeto possui características
individuais, que precisam ser avaliados desta forma, evitado aplicar soluções padronizadas,
ressalvadas as obras de engenharia de mesma natureza, que poderão ser contratadas em uma
apólice aberta ou compreensiva.
Informações de qualidade serão fundamentais, tanto para especificação do programa
de seguros, quanto para regulação de eventuais sinistros. A gestão do contrato precisa ser
realizada com maestria e sempre que houver mudanças no cronograma, no contrato ou
anomalias na sua execução, deverá ser comunicado imediatamente à seguradora, por meio
do seu corretor, para evitar perda do direito de indenização em caso de eventuais sinistros.
Com estas recomendações básicas, acreditamos que os associados do IBDIC terão
sucesso não somente na contratação das apólices de seguros para empreendimentos de
infraestrutura e engenharia, mas também na eventual necessidade de assessorar seus clientes
ou de receber indenização em caso de sinistros ocorridos em razão de eventos cobertos pelas
apólices de seguros.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Site Tudo sobre Seguros. <https://www.tudosobreseguros.org.br/riscos-de-


engenharia>.
Site SUSEP – Superintendência de Seguros Privados. <http://www.susep.gov.br>.
Site Allianz. <https://www.allianz.com.br/seguros/veja-outros-seguros/grandes-
riscos/riscos-de-engenharia-pj.html>.
DABUS, André. O Seguro Garantia como Mecanismo de Viabilização de Projetos de
Infraestrutura. In: TEMAS DO DIREITO DA CONSTRUÇÃO. São Paulo: PINI, 2015.
POLIDO, Antonio Walter. Seguro de Responsabilidade Civil Geral no Brasil & Aspectos
Internacionais. Editora Manuais Técnicos, 1997.

COORDENADORA:
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
AUTORIA:
André Dabus, Corretor de Seguros habilitado pela SUSEP; Diretor de Infraestrutura da
Marsh Corretora de Seguros com atuação no desenvolvimento e implantação de
programas de gestão de riscos, seguros e garantias pra os segmentos de Infraestrutura
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(Engenharia, Concessões e PPPs) e Energia (Geração, Transmissão e Distribuição).
Professor do MBA de Gestão Jurídica do Seguro e Resseguro da ENS – Escola Nacional
de Seguros; Professor do MBA de PPPs e Concessões da LSE/FESP. Professor MBA
Concessões e PPPs PUCMG. Coordenador e Professor do Curso de Seguros e Garantias
para Infraestrutura na ABDIB (Associação Brasileira de Infraestrutura e Industria de
Base). Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica (PUCSP). Pós-graduado
em Direito da Infraestrutura pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV
LAW). Certificação Internacional CP3P-F (APMG Internacional). MBA Executivo em
Gestão de Empresas pela Fundação Dom Cabral. Membro do Conselho Consultivo da
ABDIB – Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base; IBDiC - Instituto
Brasileiro de Direito da Construção; AIDA - Associação Internacional de Direito de
Seguros; Conselho Superior da Infraestrutura - COINFRA – FIESP. Membro INFRA
BRASIL 2038.

COLABORADORES:
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
Jorge Pinheiro Jobim
Luís Otávio Pasquale Rosa
Marlon Shigueru Ushiro Ieiri
Roberto Ricardino
Solange Majella Jones
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
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CADERNO TÉCNICO 5
ADMINISTRAÇÃO CONTRATUAL DURANTE A
EXECUÇÃO DO CONTRATO

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe-se a apresentar os princípios básicos e essenciais da


Administração do Contrato no decorrer da sua execução, e demonstrar que, aplicando-se bem
essas técnicas de manejo, as partes poderão realizar não somente a gestão das principais
variáveis (recursos, custos e prazos), como também o gerenciamento das comunicações dos
agentes interessados (stakeholders) e das reivindicações ou pleitos (claims).
Uma vez assinado o contrato de construção, cabe às partes cumprir com as obrigações
assumidas – a Contratada deve entregar a obra no preço e no prazo previstos, enquanto a
Contratante se incumbirá de realizar os pagamentos devidos e suprir as demais obrigações e
os deveres com os quais aceitou se comprometer. Apesar de lógica, entregar a obra dentro
do prazo e do orçamento previstos não é tarefa simples a se realizar. Pelo contrário: para se
obter tal resultado é fundamental que Contratante e Contratada exerçam uma gestão
eficiente do projeto em todas as suas vertentes. Conforme a pesquisa “Pulse of the Profession
2020” realizada pelo Project Management Institute (PMI) no Brasil, sobre contratos
encerrados nos 12 meses anteriores à pesquisa, apenas 50% dos contratos cumpriram os
prazos inicialmente programados e apenas 55% permaneceram dentro do orçamento inicial 6.
Durante a execução do contrato, o planejamento feito na fase pré-contratual é “posto
à prova”, isto é, sua validade e adequação à realidade do projeto são verificadas de forma
efetiva em campo. Nesta etapa, quaisquer desvios de escopo, cronograma, custos, qualidade
e, também, nos riscos do empreendimento 7 devem ser monitorados e, na medida do possível,
corrigidos ou tratados de forma tempestiva, a fim de que as partes consigam cumprir o
contrato e obter os resultados esperados.
Quanto a este último tópico, será ressaltada em capítulo próprio a relevância da
documentação e dos registros das ocorrências para a devida fundamentação e comprovação
dos pleitos porventura apresentados. Novas tecnologias mudaram rapidamente o modo de
trabalho, seja no escritório, no campo (site) ou em modo remoto. Pode-se destacar o BIM –
Building Information Modeling, o uso de tablets e drones, câmeras ao vivo (webcam on-line),

6
Disponível em: <https://www.pmi.org/-/media/pmi/documents/public/pdf/learning/thought-
leadership/pulse/pulse-all-comparison-reports-final.pdf?v=dd7afb39-1fe0-4063-923f-11410463244d>.
Acesso em 10/01/2021.
7
Para maiores detalhes acerca da análise dos riscos de um empreendimento, por meio da interpretação
contratual, vide Caderno Técnico 2 desta série.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
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Realidade Virtual 8 (ou Virtual Reality em inglês), Realidade Aumentada 9 (ou Augmented
Reality em inglês), Big Data 10, Inteligência Artificial 11 e Metodologia Ágil 12 entre os mais
relevantes.
Por fim, dar-se-á ênfase à conduta proativa, e calcada na boa-fé de ambas as partes,
para a prevenção e solução dos litígios decorrentes dos contratos de construção, como visto
no Caderno Técnico 6 desta série.

2. ADMINISTRAÇÃO CONTRATUAL NO CURSO DA EXECUÇÃO DO CONTRATO

Começamos retomando a definição de Administração Contratual do Caderno Técnico


1 desta série: “processo utilizado para estabelecer a adequada relação entre as partes que
celebram, em boa-fé, contrato com a finalidade de executar um projeto de engenharia, e,
também, entre outros agentes interessados, ao longo da execução do contrato e até o seu
encerramento”.
Em outras palavras, pode-se dizer que, por meio da Administração Contratual, as
partes acompanham a execução das obrigações previstas no contrato, interrelacionando-se
de forma organizada e documentada, com vistas a assegurar o cumprimento do seu objeto,
concluindo-se a obrada Contratante dentro do prazo, preço e qualidade avençados, bem como
preservando-se os resultados (lucro) da Contratada.
Como visto no Caderno Técnico 1, a Administração Contratual faz parte de um
processo mais amplo e contínuo – o gerenciamento do projeto 13, o qual tem início muito antes
da assinatura do contrato, e se estende até o seu encerramento.
Nesse sentido, e consoante as definições de Administração Contratual vistas acima,
pode-se entender que esta atividade está compreendida nos processos de “Gerenciamento
das Aquisições” do projeto, em particular, no processo “Controlar as Aquisições”, o qual,
conforme o Project Management Institute (PMI, 2017)14:

[...] é o processo de gerenciar relacionamentos de aquisições,


monitorar o desempenho do contrato, fazer mudanças e correções

8
Realidade Virtual é um ambiente virtual no qual a pessoa pode visualizar, interagir e se movimentar, com
efeitos sonoros em imersão.
9
Realidade Aumentada é a integração do mundo real com elementos virtuais através de uma câmera.
10
Big Data é a coleta e análise de grandes volumes de informações digitais.
11
Inteligência Artificial é um sistema ou software capaz de realizar atividades humanas de maneira autônoma,
com uso de programação e algoritmos.
12
Metodologia Ágil é um conjunto de práticas aplicadas à gestão de projetos visando garantir maior rapidez aos
processos e criar um fluxo de trabalho mais flexível, retirando obstáculos e viabilizando maior colaboração.
13
Segundo o PMI, gerenciamento de projeto “é a aplicação de conhecimentos, habilidades, ferramentas e
técnicas às atividades do projeto a fim de cumprir os seus requisitos” (PMI, Op. Cit., p. 10).
14
PMI, Op. Cit., p. 492. O próprio PMI ressalta que “devido ao aspecto legal, muitas organizações tratam a
administração de contratos como uma função organizacional separada do projeto. Embora possa haver um
administrador de aquisições na equipe do projeto, esse indivíduo, em geral, se reporta a um supervisor de
outro departamento” (PMI, Op. Cit., p. 494).
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conforme apropriado e encerrar contratos. O principal benefício desse
processo é que garante que o desempenho, tanto do vendedor quanto
do comprador, cumpre os requisitos do projeto de acordo com os
termos do acordo legal.

Feita esta breve introdução, passa-se a discorrer acerca dos princípios indispensáveis
para que a Administração Contratual atinja os seus objetivos.

2.1. Conhecer – e entender – o contrato


Para que a Administração Contratual seja exercida de forma eficaz durante a etapa de
execução contratual é fundamental que a equipe responsável por esta atividade tenha pleno
conhecimento e entendimento das disposições do contrato a ser gerido. E, conforme veremos
neste capítulo, não basta apenas conhecer o escopo, o prazo e o preço do contrato. A equipe
de gestão – que deve ser idealmente composta por membros da equipe técnica e jurídica da
empresa – deve estar suficientemente familiarizada com outros dispositivos de semelhante
relevância, tais como aqueles referentes às alterações contratuais, à matriz de risco, aos
mecanismos de solução de controvérsias, entre outros15, sendo recomendável o treinamento
da equipe previamente ao início efetivo das obras.
O conhecimento das cláusulas e a compreensão da lógica subjacente ao contrato
propiciam uma atuação mais proativa da equipe de Administração Contratual, que, atenta aos
acontecimentos, pode dar respostas mais assertivas ou até mesmo se antecipar e prevenir
eventuais desvios na sua execução.

2.2. Acompanhar e medir a execução dos trabalhos


Na fase de execução dos trabalhos é preciso assegurar-se de que eles estejam sendo
realizados em conformidade com o planejamento e com o Plano de Gestão do Contrato. Este
plano começa a ser preparado ainda na fase pré-contratual e contém todos os dados
pertinentes ao objeto e aos serviços.
O Plano de Gestão do Contrato é um componente importante da Administração
Contratual, na medida em que compreende o conteúdo dos documentos previstos no
contrato, nos procedimentos internos próprios das partes e nas boas práticas da indústria da
construção. Recomenda-se, assim, que o Plano de Gestão do Contrato contenha ao menos:
• Identificação das pessoas que participam do Contrato;

15
De acordo com COSTA FILHO, BLAK e QUALHARINI, a “metodologia de Administração Contratual representa
o total conhecimento e entendimento do contrato, suas cláusulas e sua representatividade enquanto
ferramenta. Além disso, o profissional que se dedica à prática desta metodologia, deve ter a devida
competência e liderança para estruturar procedimentos de difícil cumprimento durante a execução dos
serviços (período em que as equipes enfrentam constante pressão psicológica), bem como identificar
oportunidades ou problemas que possam geram compensações futuras.” (COSTA FILHO, Lysio Séllos; BLAK,
Gisele; QUALHARINI, Eduardo Linhares. Gestão contratual – conclusões de estudo de caso aplicado a
construção civil. Rio de Janeiro: SEGRAC/UFRJ, 2000, p. 2, apud SCHWARTZ, Julio; CAMARGO, Álvaro. Manual
de projetos de infraestrutura e engenharia. São Paulo: Ed. Do Autor, 2014, p. 267).
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69

• Procedimentos para troca de informações entre os participantes;


• Procedimentos para registros de informações (fotos, vídeos, desenhos, relatórios,
cartas, e-mail);
• Modelos de documentação a serem preenchidos e transmitidos;
• Procedimentos para armazenamento da documentação, incluindo cópias de segurança
e prazos para eliminação;
• Procedimentos para registro de documentação transmitida entre os participantes;
• Acompanhamento do progresso do cronograma físico e do cronograma financeiro;
• Agenda periódica de reuniões;
• Procedimento para registro de ocorrências;
• Procedimentos para tratamento de ocorrências e controvérsias.
O acompanhamento da execução dos trabalhos se dá por meio do monitoramento do
escopo contratual e medição do desempenho pelas linhas de base de orçamento (custos e
preços), prazo (cronograma), qualidade, riscos, sustentabilidade, produtividade, satisfação
das partes e demais envolvidos (stakeholders), entre outras métricas. Além disso, deve-se
estar atento ao cumprimento do Plano de Gestão do Contrato. Somente com base nesses
dados é possível avaliar a situação do contrato e, caso necessário, implementar ações
corretivas.

2.3. Registrar as ocorrências


Todos os eventos e ocorrências que podem impactar as obrigações contratuais devem
ser registrados contemporaneamente, isto é, no momento de seus acontecimentos, mesmo
que ainda não se conheça a extensão de suas consequências.
Os impactos das ocorrências têm que, preferencialmente, possuir registros
individualizados de custos (horas, materiais, equipamentos, produtividade, ociosidade,
cronograma, entre outros) para que possam ser adequadamente analisados. Importante
lembrar que devem se ater a fatos, e não a opiniões, devendo observar requisitos de prazo,
meio e outras condições de registro previstas em contrato, quando o instrumento assim
dispuser.
O registro das ocorrências, incluindo o uso de meios tecnológicos disponíveis (fotos,
vídeos, entre outros) é, sem dúvida, uma das principais atividades da Administração
Contratual. A falta de registros ou de documentos que comprovem as alegações de uma parte
em um eventual pleito poderá prejudicar o atendimento à sua reivindicação. Como
consequência, a consecução dos objetivos pretendidos pela parte desprovida de registros
pode restar seriamente comprometida.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
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2.4. Gerenciar as comunicações
As comunicações também possuem função relevante na Administração Contratual. O
foco desta atividade deve ser dado à necessidade de informação e de comunicação entre as
partes e demais stakeholders no projeto, especialmente quando são impactados por desvios,
interdições e alterações de tráfego, interrupções de fornecimentos (luz, água, comunicações),
alterações de vazões e níveis de rios e lagos, por exemplo.
A gestão das comunicações deve englobar não apenas o que deve ser comunicado e a
quem, mas igualmente levar em consideração os requisitos previstos contratualmente, em
especial quanto aos meios adequados, a periodicidade e frequência, prazos para envio 16 e
resposta, bem como a questões como armazenamento, manutenção e acesso ao repositório
de arquivos e documentos.
De maneira geral, as comunicações podem ocorrer de diversas formas: oral ou escrita,
formal ou informalmente, por meio de cartas, e-mails, relatórios e/ou outros documentos.
Independentemente do meio ou método escolhido, a Administração Contratual exercida de
modo diligente deve almejar a eficiência das comunicações, o cumprimento dos prazos e
demais condições contratuais e, do mesmo modo, o seu arquivo e rastreabilidade.
Quanto a este último tópico, convém alertar que é comum que haja substituições de
colaboradores e até mesmo de equipes inteiras durante um projeto. Caso a gestão de
comunicações não seja bem exercida, há o risco de perda de informações importantes
contidas em e-mails e mensagens enviadas e/ou recebidas por tais pessoas.

2.5. Seguir o processo de alterações contratuais


Considerando que imprevistos são da essência dos contratos de construção, é salutar
que as partes se antecipem e prevejam procedimentos que regulem a sua gestão, mitigando,
assim, o risco de que meros desentendimentos evoluam e se tornem verdadeiras disputas.
Tal mecanismo de gestão de reivindicações deve incluir, primeiramente, o registro da
ocorrência em documentos apropriados, como os Registros Diários de Obra (RDO) e os
relatórios mensais de progresso.
O segundo passo deve ser a apresentação da quantificação dos impactos nos custos e
no prazo da obra de acordo com parâmetros de preço previamente acordados ou, em se
tratando de item não precificado, por meio de cotações de fornecedores, caso o contrato não
preveja uma alternativa para tanto.
Por fim, frisa-se que, a depender do quanto previsto no contrato, a não observância
dos procedimentos contratuais de gestão de reivindicações pode vir a prejudicar a parte
afetada na recomposição dos impactos sofridos.

16
Alguns contratos padrões, como modelos FIDIC, preveem a obrigação da parte reivindicante de notificar a
outra parte dentro de um prazo determinado acerca da ocorrência de algum evento que cause aumento de
custos ou extensão de prazo. A falta desta notificação, ou a inobservância do prazo previsto, nestes casos,
poderá resultar na rejeição do pleito - fato que deve sempre ser analisado em conformidade com a legislação
aplicável aos prazos prescricionais.
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71

3. REGISTROS
Como visto acima, o registro dos acontecimentos que podem impactar a execução do
contrato é uma das funções primordiais da Administração Contratual. Sem registros, não há
como comprovar o cumprimento de obrigações assumidas nem sustentar, refutar ou
contestar um possível pleito.
Nos tópicos abaixo, veremos os principais cuidados que a equipe de Administração
Contratual deve ter ao efetuar os registros, bem como algumas dicas práticas que podem
maximizar o seu valor.

3.1. Principais meios e documentos para registros


De uma maneira geral, os registros podem ser feitos em qualquer meio ou
documento 17, o qual pode estar previsto em contrato ou ser usual na operação das próprias
empresas.
Esta afirmação, entretanto, não é um salvo-conduto para que a equipe de
Administração Contratual possa efetuar registros onde bem entender, sem respeitar uma
lógica ou eventuais regras contratuais.
Pelo contrário, cada tipo de documento em um contrato de construção tem função e
finalidade próprias, as quais devem ser adequadamente observadas para que a gestão
contratual seja mais eficaz.
Como exemplo, citamos o RDO ou Livro de Ordem, que é o principal documento de
registro nos contratos de construção, tornado obrigatório pelo CONFEA 18. Sua principal
função é conter a descrição – diária e detalhada – dos trabalhos realizados, incluindo-se aqui
informações como atividades realizadas, condições de trabalho, condições climáticas,
situação do local da obra, histograma de mão de obra (direta e indireta) e de equipamentos,
turnos de trabalho, atividades planejadas e realizadas, fotografias, materiais recebidos,
marcos atingidos, eventos do dia, eventuais ocorrências que possam interferir na execução da
obra, entre outros detalhes.
Neste sentido, quaisquer outras informações ou relatos não relacionados à execução
das obras – tais como discussões jurídicas ou comerciais – devem ser registrados em meios
mais apropriados ao assunto em questão, seja em ata de reunião específica, seja por meio de
correspondência ou até mesmo no Relatório Mensal de Progresso da obra.
O mesmo racional vale para os demais documentos integrantes do contrato,
exemplificativamente: (i) relatório de não-conformidade para questões de qualidade; (ii) ata
de reunião de suprimentos para itens relacionados a fornecimentos e fornecedores; (iii) ata

17
Exemplificativamente, podemos citar cartas, e-mails, atas de reunião, RDO, relatórios de progresso (semanais
ou mensais), notas fiscais, compras, recebimentos, transportes, certificados de inspeções, resultados de
ensaios, cronogramas, notificações, solicitações de serviços adicionais ou extracontratuais, comprovantes de
eventos, entre inúmeros outros.
18
Vide Resolução nº 1.094/2017 do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
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de reunião de planejamento para tratar de cronograma; (iv) matriz de risco para discutir os
riscos assumidos e/ou alocados às partes no contrato, entre diversos outros.
Contudo, e não obstante a “lógica” ora apresentada, deve-se ter em mente que a
prerrogativa contida no primeiro parágrafo deste tópico vale para as situações nas quais não
há um documento apropriado para efetuar determinado registro ou mesmo para os casos em
que é necessário formalizar, por exemplo, uma conversa telefônica havida entre os
representantes das partes. Nestas situações, vale o registro por e-mail, mensagem eletrônica,
carta ou qualquer outro meio escrito ou mesmo audiovisual – conversas por áudio, vídeo ou
filmagens.
Nestas situações, portanto, devem prevalecer o registro e o conteúdo em detrimento
da forma. Nos demais casos, onde possível, deve-se primar pelos registros de forma ordenada
e categorizada.
Vale mencionar ainda que a tecnologia pode trazer inúmeros benefícios à
Administração Contratual. Recomenda-se, desta forma, fazer fotografias e vídeos
frequentemente, com as respectivas datas, especialmente com as facilidades atuais de
celulares, câmeras 360º, tablets e drones, de modo a documentar o avanço dos serviços,
inspeções, marcos contratuais, pendências, pontos de atenção ou problemas e, sobretudo, as
intercorrências. A organização dos registros visuais é fundamental, incluindo quem foi
responsável, de modo que possam ser encontrados por data e local.
Por fim, destaca-se que a crescente utilização de projetos BIM demanda a elaboração
de um Plano de Execução BIM, que deve ser acordado entre as partes e fornecedores de
projeto e ser incluído como documentação contratual. O plano de execução BIM estabelece
as definições de níveis de desenvolvimento (LOD – Level of Development), os modelos e seus
usos, prazos, metas, marcos, procedimentos de colaboração, fluxos de comunicação,
autorizações e privilégios para revisões, entre outros elementos.

3.2. Prova de envio dos registros


O contrato firmado entre as partes pode prever a obrigação de envio de comunicações
ou de registro de ocorrências em determinados documentos, como relatórios, medições,
aprovações, RDO, carta ou ata de reunião. Além disto, pode haver também disposições a
respeito de prazos para envio de notificações ou de ciência à outra parte acerca desses
acontecimentos.
Nesses casos, a parte que emite as comunicações deve providenciar o respectivo
protocolo ou comprovante de recebimento, sem prejuízo de tomar algumas precauções para
poder comprovar o seu envio à outra parte, especialmente quando feito por meio de
repositórios virtuais de documentação. Por exemplo, após o upload de algum documento ou
de algum comentário em ambientes virtuais, pode-se registrar tal feito mediante relatório da
própria plataforma ou captura de tela (print screen) e envio da imagem via e-mail à parte
receptora.
Estes cuidados podem ser de extrema importância para comprovar o cumprimento de
obrigações previstas no contrato e, eventualmente, constituir em mora a parte inadimplente.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
73

3.3. Atualização das linhas de base de cronograma (baseline)


Uma das consequências positivas dos registros contemporâneos dos acontecimentos
em um contrato de construção é a possibilidade de atualização das informações que
compuseram as linhas de base do cronograma que fazem parte do planejamento da obra.
Tomando-se como exemplo o cronograma contratual, na medida em que eventos
perturbadores tenham ocorrido e impactado a execução dos serviços, o registro
contemporâneo e o tratamento assertivo, por ambas as partes, dos fatos e das suas
consequências, lhes permite a elas analisar e avaliar os desvios ocorridos e propor as ações
necessárias para corrigir o plano de execução das obras.
Assim, as partes poderão, se for o caso, atualizar o cronograma de maneira mais
próxima à realidade dos acontecimentos, endereçando apropriadamente as
responsabilidades e as variações de custo e de prazo daí advindas.

3.4. Conteúdo dos registros


Quanto maior o nível de detalhamento e qualidade dos dados registrados (por
exemplo, a quantidade exata de horas trabalhadas por cada membro da equipe, o índice de
produtividade preciso dos equipamentos etc.), mais elementos a parte disporá para viabilizar
discussões contratuais como a necessidade de se promover alterações de projeto,
incrementos na equipe e até mesmo a eventual alteração das condições inicialmente previstas
para execução do contrato.
Importante esclarecer que o registro pode não produzir resultados quando realizado
de maneira eventual e sem a demonstração técnica e fática de causas e efeitos.
Para que um registro tenha utilidade é essencial que não apenas o fato em si seja
registrado, mas que também se possa demonstrar com clareza e por meio de documentos ou
dados, a relação direta que existe entre determinada ocorrência e o impacto por ela causado.
Assim, o ideal é que os registros sejam realizados de tal maneira que dialoguem entre
si, e permitam a convergência para uma conclusão similar: a de relação expressa entre
determinado fato constatado e o dano causado.
É importante considerar que a qualidade e frequência dos registros têm impacto direto
no gerenciamento de ocorrências e reivindicações, bem como na resolução de conflitos.

4. GERENCIAMENTO DE OCORRÊNCIAS E REIVINDICAÇÕES


Os contratos de construção estão sujeitos a inúmeros eventos, imprevistos ou não, que
podem impactar de forma negativa a execução das obras. A título ilustrativo, pode-se citar
situações como atraso no fornecimento de materiais e equipamentos, mudanças de projeto,
defeitos e não-conformidades nos serviços, condições climáticas adversas e até mesmo
epidemias e pandemias.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
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Todos estes eventos podem acarretar aumento de custos e necessidade de extensão
do prazo de conclusão dos serviços. E, nestes casos, será permitido à parte prejudicada –
desde que presentes os fundamentos para tanto – pleitear o ressarcimento desses custos e a
postergação da data de conclusão das obras.
A seguir serão apresentados os principais elementos que devem ser considerados no
exercício do gerenciamento das ocorrências e das reivindicações.

4.1. Responsabilidade civil


O fundamento jurídico que embasa todo pedido de ressarcimento ou indenização é a
obrigação legal de reparação dos danos causados por ação ou omissão da parte infratora. Este
dever é o que se entende por responsabilidade civil.
De forma simplificada, para que surja esta obrigação de indenizar, é imprescindível que
estejam presentes os seguintes elementos:
a) Conduta – ação ou omissão do causador do dano 19;
b) Dano – pode ser tanto material quanto moral; e
c) Nexo de causalidade – relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano
por ele causado.
Vistos os seus pressupostos elementares, convém destacar, para os fins do presente
Caderno Técnico e não obstante as diversas classificações doutrinárias a respeito, a
responsabilidade civil sob a ótica da natureza jurídica do dever violado.
Neste sentido, a responsabilidade civil subdivide-se em contratual e extracontratual.
Nesta última, inexiste uma relação contratual entre aquele que pratica o ato ilícito e aquele
que sofre o dano. Há, neste caso, uma violação de um dever previsto em lei 20.
Na responsabilidade civil contratual, a seu turno, o dever de indenizar nasce de um
inadimplemento de obrigação prevista em contrato, tal como dispõe o art. 389 do Código Civil:
“Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”21

19
A culpa (em sentido amplo, abrangendo tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito, isto é, a negligência
e a imprudência) não é um pressuposto indispensável à caracterização da responsabilidade civil, uma vez que
há casos em que esta é objetiva, ou seja, incide independentemente da comprovação da culpa de uma parte.
É o caso, por exemplo, do parágrafo único do art. 927 do Código Civil: “Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (grifamos)
20
A responsabilidade civil extracontratual pode ser encontrada no art. 186 do Código Civil: “Aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.” É o caso, por exemplo, de um acidente entre dois automóveis. O
motorista causador da batida deverá ressarcir os prejuízos sofridos pelo outro condutor, mesmo não havendo
um vínculo contratual entre eles.
21
Como exemplo de inadimplemento contratual, citamos a hipótese de uma Contratante não pagar na data de
vencimento uma medição devidamente aprovada.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
75
Desta forma, havendo um descumprimento contratual de uma parte, que gere um
prejuízo efetivo à outra parte – e existindo uma relação de causalidade entre essa conduta e
o dano causado – será permitido à parte prejudicada buscar a reparação do resultado danoso.

4.2. Fundamentos contratuais e/ou legais das reivindicações


Como visto acima, um pedido de indenização pode se basear em um ilícito contratual
ou extracontratual (desde que comprovados o dano e o nexo causal entre este e o referido
inadimplemento).
É necessário, assim, que a parte que reivindica a reparação do dano fundamente de
forma correta o seu pedido, informando de maneira inequívoca o dispositivo, contratual ou
legal, infringido ou inadimplido pela outra parte.
Uma reivindicação pode se basear em um ilícito contratual ou extracontratual (desde
que comprovados o dano e o nexo causal entre este e o referido inadimplemento), assim
como nas demais cláusulas do contrato que preveem a alocação de riscos ou o direito de
alguma das partes de ter revistas as condições de execução das obras.
É necessário, assim, que a parte que efetua uma reivindicação contratual fundamente
de forma correta o seu pedido, informando de maneira inequívoca o dispositivo, contratual
ou legal que dá sustentação a seu pedido.”
Por conseguinte, merecem igual atenção os itens relativos à alocação de riscos do
projeto e, também, à limitação e exclusão de responsabilidade. Referidos dispositivos podem
disciplinar de maneira objetiva a divisão dos riscos e dos ônus assumidos por cada uma das
partes quando da ocorrência de intempéries no curso do contrato.
Deve-se ter em mente, ainda, que os contratos de construção são, por sua própria
natureza, complexos e incompletos, razão pela qual é simplesmente impossível prever e
regular em suas cláusulas todas as situações que possam vir a ocorrer durante a execução das
obras.
É comum, em vista disso, que os conflitos ocorram a partir de circunstâncias que não
foram antecipadas pelas partes durante a negociação do contrato, ou de divergências de
interpretação quanto ao alcance do escopo ou da responsabilidade de cada uma das partes
ou até mesmo de dúvidas relativas à matriz de riscos do contrato.
Isto reforça a importância da redação precisa do instrumento contratual e da
necessidade de se prever mecanismos de gestão de pleitos e de prevenção e solução de
controvérsias, conforme será visto nos próximos tópicos.

4.3. Uso de metodologias apropriadas para cálculo dos danos ou impactos


Outro ponto importante a ser considerado diz respeito à quantificação do dano. Os
pleitos nos contratos de construção costumam se relacionar principalmente a atrasos no
cronograma, perda de produtividade, ociosidade, serviços extras ou adicionais, mudanças de
projetos, aceleração, condições geológicas, do local das obras e ocorrência de eventos de risco
assumidos pela outra parte.
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76
Todos estes temas exigem análise técnica adequada, com a utilização de metodologias
apropriadas cujos resultados sejam confiáveis.
Um exemplo típico se refere à análise de atraso de cronograma. Há uma enorme
quantidade de métodos de análise de impacto de cronograma que podem e devem ser
utilizados de acordo com os documentos e informações disponíveis. A Prática Recomendada
nº 29R-03 – Análise Investigativa de Cronograma, da Association for the Advancement of Cost
Engineering (AACE) 22, divide essas distintas metodologias em 4 grandes “famílias”, com suas
correspondentes variações: (i) planejado vs. executado (as-planned vs. as-built); (ii) janela
(windows); (iii) análise do impacto do tempo (time impact analysis); e (iv) colapso do
executado (collapsed as-built).
Por sua vez, a Society of Construction Law (SCL), em seu Delay and Disruption
Protocol 23, enumera os 6 métodos mais comumente utilizados nas análises de atraso de
cronograma, em nossa tradução: (i) planejado impactado (impacted as-planned); (ii) análise
do impacto do tempo (time impact); (iii) janela de período de tempo (time slice windows); (iv)
janela planejado vs. executado (as-planned vs. as-built windows); (v) caminho mais longo
retrospectivo (restrospective longest path); e (vi) colapso do executado (collapsed as-built).
Ressalta-se desde já que não existe um método “infalível” ou uma hierarquia de um
sobre os outros. A aplicação de cada uma dessas metodologias vai depender de inúmeras
variáveis de cada caso concreto sob análise, principalmente daquelas relacionadas aos fatos
ocorridos, à qualidade da documentação e à precisão das estimativas e premissas
consideradas no planejamento. Fica destacada mais uma vez a importância de registros
contemporâneos, que servem de fundamento para a escolha da metodologia possível ou
apropriada para o caso.
Apesar de não serem “ciências exatas”, estas técnicas foram estudadas, desenvolvidas
e testadas por profissionais experientes com o objetivo de diminuir a subjetividade na análise
dos atrasos e, por conseguinte, conferir maior credibilidade aos trabalhos realizados de
acordo com essas práticas, sobretudo nas arbitragens envolvendo disputas em contratos de
construção, sejam nacionais ou internacionais.
Dito de outra forma, a utilização de fórmulas de cálculo desprovidas de comprovação
técnica pode inviabilizar a devida apreciação dos danos alegados pela parte pleiteante.

22
Disponível em: <http://brasil-aacei.org/wp-content/uploads/2018/08/29R-03-Analise-Investigativa-de-
Cronograma-1.pdf>. Acesso em 07/11/2020.
23
Disponível em:
<https://www.scl.org.uk/sites/default/files/documents/SCL_Delay_Protocol_2nd_Edition_Final.pdf>.
Acesso em 07/11/2020.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
77

4.4. Mecanismos de prevenção e de solução de disputas


Os mecanismos de solução – e, também, de prevenção – de disputas desempenham
um papel relevante na gestão das reivindicações. Para os fins deste Caderno Técnico, será
dado ênfase às vantagens trazidas pelos Dispute Boards e pela arbitragem 24.
Com relação à prevenção das disputas, a implementação dos Dispute Boards (DBs) na
modalidade permanente (standing) nos projetos de construção traduz-se em um ganho de
qualidade e eficiência na Administração Contratual. Pode-se citar, de um lado, a obrigação de
envio periódico de informações e documentos aos membros do DB. Este fato acarreta uma
melhoria nos registros dos fatos e ocorrências e, à vista disso, na documentação do
empreendimento. Além disso, a comunicação constante entre as partes, e destas com os
membros do DB, cria uma maior proximidade entre elas, o que tende a contribuir para evitar
que um eventual desentendimento evolua e se torne uma disputa.
Quanto à arbitragem, a existência de cláusula compromissória para dirimir os conflitos
que não possam ser resolvidos amigavelmente leva as partes a se prepararem, a princípio, da
melhor forma possível para o conflito. Isto deve envolver o registro e documentação de fatos
e ocorrências, o envio de notificações por escrito à outra parte e a tomada de quaisquer outras
ações preventivas que visem a resguardar os direitos da parte em um procedimento arbitral.

5. CONCLUSÃO
As estatísticas do Project Management Institute apontam que, no Brasil, em certas
condições, como observado anteriormente, 50% dos contratos cumprem com os prazos
previstos e 55% permanecem dentro do orçamento inicial 25.
Estes números ressaltam a importância da Administração Contratual como ferramenta
apta a permitir a consecução dos objetivos almejados pelas partes em um contrato de
construção: a entrega da obra no preço e no prazo previstos e a obtenção dos resultados
financeiros esperados.
Como visto, por meio da adequada administração do contrato é possível acompanhar
o progresso das obras, medir o seu desempenho conforme o planejamento feito à época da
celebração do instrumento contratual e, caso necessário, implementar as ações corretivas
visando à conclusão da obra em conformidade com os propósitos de cada parte.
Além do conhecimento do contrato, é fundamental que a equipe de gestão contratual
aja de forma proativa, registrando as ocorrências de forma contemporânea, antecipando-se
aos inúmeros eventos que possam ocorrer durante a execução dos trabalhos na tentativa de
mitigar os impactos ao contrato.

24
As principais formas de solução de disputas nos projetos de construção e infraestrutura são tratadas com
maiores detalhes no Caderno Técnico 6.
25
Conforme a pesquisa “Pulse of the Profession 2020”. Disponível em: <https://www.pmi.org/-
/media/pmi/documents/public/pdf/learning/thought-leadership/pulse/pulse-all-comparison-reports-
final.pdf?v=dd7afb39-1fe0-4063-923f-11410463244d>. Acesso em 10/01/2021.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
78
A Administração Contratual, portanto, exercida nestes moldes, favorece a colaboração
entre as partes visando a conclusão satisfatória do contrato.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA. Resolução nº 1.094, de 31 de


outubro de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, 6 de novembro de 2017. Seção
1, pág. 155.
COSTA FILHO, Lysio Séllos; BLAK, Gisele; QUALHARINI, Eduardo Linhares. Gestão
contratual – Conclusões de estudo de caso aplicado a construção civil. Rio de
Janeiro: SEGRAC/UFRJ, 2000.
MCDONALD JR, Donald F.; ZACK JR, James G. et al. Prática Recomendada nº 25R‐03 da
AACE International. Tradução de AACE Brasil, 2004.
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Um Guia do conhecimento em gerenciamento
de projetos – Guia PMBOK – Sexta Edição. Newtown Square: Project Management
Institute, 2017.
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Pulse of the profession 2020. Disponível em:
<https://www.pmi.org/-/media/pmi/documents/public/pdf/learning/thought-
leadership/pulse/pulse-all-comparison-reports-final.pdf?v=dd7afb39-1fe0-4063-
923f-11410463244d>.
RICARDINO, Roberto. Administração de Contrato em Projetos de Construção Pesada
no Brasil: Um estudo da interface com o processo de análise de risco. Dissertação
(Mestrado em Engenharia) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São
Paulo, 2007.
ROSENBERG, Kim et al. Society of Construction Law Delay and Disruption Protocol 2nd
edition. 2017.
SCHWARTZ, Júlio; CAMARGO, Álvaro. Manual de projetos de infraestrutura e
engenharia. São Paulo: Ed. Do Autor, 2014.

COORDENADORA:
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
AUTORIA:
Luís Otávio Pasquale Rosa, engenheiro civil pela Escola Politécnica da USP, com
especializações em administração contábil pela FGV-EAESP e planejamento estratégico
pela FAAP-SP. Diretor administrativo do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias –
IBAPE-SP 20/21. Membro da Academia Brasileira de Estudos Estratégicos – ABRAEE,
Association for the Advancement of Cost Engineering - AACE, Comitê Brasileiro de
Arbitragem – CBAr, The Dispute Resolution Board Foundation – DRBF, Instituto
Brasileiro do Direito da Construção - IBDiC e Ordem dos Engenheiros de Portugal,
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79
atuando em arbitragem, dispute board, perícias e avaliações desde 1980 e nos setores
de Energia (geração, transmissão e distribuição), Óleo&Gás, Edificações e Construção
Civil, Plantas Industriais, Transportes (rodoviário, ferroviário e metroviário), Meio
Ambiente e Saneamento, entre outros. Sócio de Tarobá Engenharia e Negócios Ltda.
Marlon Shigueru Ushiro Ieiri, bacharel em Direito pela Universidade Estadual de
Londrina. Master em Direito da União Europeia pela Universidad Carlos III de Madrid
e Master em Direito do Comércio Internacional pela Université Paris X. Possui
certificação PMP pelo Project Management Institute (PMI). É Fellow do Chartered
Institute of Arbitrators (CIArb). Atua em projetos públicos e privados de engenharia,
construção e infraestrutura. Destaque na categoria Future Leaders, da WWL
Construction 2019 e 2020 e citado pelo Anuário Análise 500 2018 e 2019 entre os
advogados mais admirados na área de Construção. É Diretor-Presidente do Projeto
Infra2038 e faz parte da Diretoria da AACE Seção Brasil e da Diretoria do CIArb Brazil
Branch.

COLABORADORES:
André Dabus
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
Jorge Pinheiro Jobim
Roberto Ricardino
Solange Majella Jones
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80

CADERNO TÉCNICO 6
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

1. INTRODUÇÃO

Os temas desenvolvidos no presente Caderno Técnico aplicam-se a empreendimentos


de infraestrutura e a sistemas complexos, mas não se limitam a estes tipos de contrato, e
tratam de aspectos relativos tanto à parte Contratante, como à Contratada. Denomina-se
“Contratante” a parte que contrata e/ou promove a licitação (público ou privada) e
“Contratada” a parte que é contratada para executar o objeto do contrato. Emprega-se o
termo “projeto” na sua acepção ampla, como sinônimo de “empreendimento”, salvo onde
indicado de forma diferente.
Os conflitos ocorrem onde existe relação humana e são inevitáveis no setor de
infraestrutura e construção devido a imprevistos, alterações de projeto, evolução tecnológica
ou mudanças de custo e prazo, entre outros eventos.
As relações entre empresas que atuam no setor de infraestrutura e construção são
complexas, pois as empresas podem atuar como contratantes em um projeto, e no projeto
seguinte, serem as contratadas ou subcontratadas, seja por questões de especialização ou por
questões operacionais relacionadas a prazo, custo ou outros motivos.
De maneira geral, as empresas deste setor tendem a procurar resolver os conflitos para
que possam preservar as relações e permitir contratações futuras entre estas mesmas
empresas. O que se busca é o menor custo financeiro para as partes, rapidez no término do
litígio, implementação da obrigação de forma eficaz e satisfação dos envolvidos com a solução.
As formas mais usuais de resolução dos conflitos surgidos na execução dos contratos,
obras e projetos de infraestrutura e construção são: Negociação, Mediação, Dispute Board,
Arbitragem, Judiciário e Adjudicação. A figura a seguir apresenta de forma intuitiva o grau de
adversão entre essas formas usuais de resolução de conflitos.

Grau de adversão entre formas usuais de resolução de conflitos


Fonte: elaboração pela autora.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
81
Cabe ainda informar, que, ao se escolher quaisquer das formas de resolução de
conflitos, há que se observar as recomendações do Caderno Técnico 4 desta série, sobre as
Melhores Práticas para Contratação de Seguros e Garantias em Projetos de Engenharia e
Construção, visto que podem afetar a escolha da forma de resolução dos conflitos.
Importante destacar que a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº
14.133/2021), em seu art. 151, estabelece que nas contratações regidas por essa lei “poderão
ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a
conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem”.
A Lei Federal nº 14.133/2021 estabelece ainda que os contratos poderão ser aditados
para permitir a adoção dos meios alternativos de resolução de controvérsias (art. 153) e que
o processo de escolha dos árbitros, dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de
disputas deverá observar critérios isonômicos, técnicos e transparentes (art. 154).

2. NEGOCIAÇÃO

2.1. Conceito e origem


É afirmação frequente dos autores que tratam de Negociação que ela está presente
nas vidas dos indivíduos. Os indivíduos negociam nas relações com familiares, na escola, no
trabalho e em situações sociais e comerciais. A busca de um entendimento ou acordo em
todas estas relações é a Negociação.
Segundo FISHER, URY e PATTON (2005):

A negociação é um meio básico de conseguir o que se quer de


outrem. É uma comunicação bidirecional concebida para chegar
a um acordo, quando você e por outro lado têm alguns interesses
em comum e outros opostos.

A partir dos últimos anos do século XX e início do século seguinte, diversas escolas de
Negociação surgiram no mundo com o objetivo de transformar as formas de negociar em algo
que fosse produtivo para ambas as partes. Percebeu-se que, anteriormente, as negociações
aconteciam a partir de duas posturas principais, a primeira, permissiva, que aceitava tudo, e
a segunda, agressiva, que procurava impor seus interesses. A Escola de Harvard trouxe ao
mundo corporativo uma terceira maneira de negociar, em que o foco era o mérito da questão
e não a queda de braço entre os negociadores.

2.2. Utilização nos contratos


O grande desafio da utilização da Negociação é a estratégia para a negociação. Há que
se conhecer o problema real, seus próprios interesses e detectar os interesses da outra parte.
Deve-se agir de forma a reconhecer que o resultado deve ser baseado no conceito do “ganha-
ganha”, garantindo um resultado satisfatório para ambos, tratando o outro como um
verdadeiro parceiro.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
82
Sempre lembrar que são pessoas negociando e que seus sentimentos e desejos estarão
presentes. Portanto, não se deve ignorar o aspecto emocional enquanto negociar.

2.2.1. Contratos de Construção


a) Privado com privado: nestes contratos a Negociação é bastante utilizada. Trata-se do
exercício diário do diálogo, de forma respeitosa e clara, para que as chances de acordo
aumentem. Nos contratos entre privados, praticamente tudo é negociável. Lembre-se
que o privado pode fazer tudo que não está proibido em lei. Assim, quanto maior for
a comunicação entre as partes, mais ideias e oportunidades surgirão, de maneira a
encontrar uma solução razoável para os problemas.
b) Público com privado: o diálogo em contratos entre entes públicos e privados é mais
difícil, pela simples razão de que, ao contrário dos privados, os entes públicos só
podem fazer o que está previsto em lei. Nestes casos, não basta o diálogo respeitoso,
mas deve-se avaliar a cada passo, a cada solução estudada, as consequências jurídicas,
de maneira que, por mais adequado que seja o diálogo, nem sempre ele vai levar a
soluções satisfatórias para ambos.

2.2.2. Contratos de Concessão


Os contratos de concessão contêm elementos a mais que dificultam o diálogo, que são
as questões regulatórias, além das leis, que podem interferir nas negociações. As
possíveis soluções podem afetar outros agentes do setor, que não participaram da
negociação, ou estar limitada ao regime e interesse público. Este complicador retira
dos negociadores destes contratos um rol de possibilidades que poderiam ajudar na
solução.

2.3. Aplicação usual


A Negociação está presente em todos os tipos de contratação, constituindo a primeira
forma adotada para resolução dos conflitos. Embora ela seja eficaz, infelizmente, nem sempre
é suficiente para resolver os conflitos de fato.

2.4. Vantagens e desvantagens


A grande vantagem da Negociação é que ela é um método de resolução de conflitos
não adversarial, informal, que pode contar com a cooperação das partes para buscar soluções
do tipo “ganha-ganha”, e, ainda, a decisão está totalmente sob o controle das partes. Sem
dúvida nenhuma, atende à necessidade de menor custo financeiro para as partes, de terminar
rápido o litígio, de se escolher solução com implementação eficaz e possibilita a satisfação dos
envolvidos.
A desvantagem é que o negociador, em geral, é o gestor do contrato que é
naturalmente parcial, pois defende o lado que representa e, muitas vezes, está envolvido no
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
83
problema ou tem interesse no resultado. O negociador pode estar influenciado pelo que
almeja para si, lembrando que, muitas vezes, o problema real pode ser o próprio negociador.

3. MEDIAÇÃO

3.1. Conceito e origem


A Mediação é um método de resolução de conflitos em que um terceiro, o Mediador,
auxilia as partes a encontrarem um caminho ou uma solução para o problema. O Mediador
não decide, quem decide são as partes. A Mediação é um método que privilegia a autonomia
da vontade das partes, pois elas próprias irão decidir sobre o que querem e como querem dar
sequência na solução do conflito.
São princípios da Mediação a imparcialidade e independência do Mediador, a isonomia
no tratamento das partes, a oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, a
busca pelo consenso, a boa-fé 26 e a confidencialidade.
No Brasil, a preparação de ambiente legal que permitisse a Mediação aparece na
Constituição de 1988, ao estimular a solução pacífica das controvérsias. A Lei de Mediação (Lei
nº 13.140/2015) foi promulgada em 26 de junho de 2015.

3.2. Utilização nos contratos


Quando as partes fracassam nas negociações, a Mediação pode ser um método
adequado para dar sequência aos contratos.
Lembre-se que as partes têm controle total sobre o resultado da Mediação, pois elas
decidem se querem iniciar uma mediação, se querem permanecer nela e se querem terminá-
la. O Mediador não decide pelas partes, são as partes que decidem. Ressaltamos que não é
obrigação obter um acordo na Mediação, mas deve-se buscar o consenso, sendo que, muitas
vezes, o não-acordo pode ser um bom resultado.
A Mediação pode estar prevista nos contratos ou não, sendo que as Partes têm
autonomia para decidir quando iniciar uma Mediação, bastando que, no caso de não estar
prevista em contrato, as Partes manifestem entre si a intenção recíproca de levar a
controvérsia à Mediação. A Mediação pode ser institucional (através dos serviços
administrativos de uma câmara de Mediação) ou Ad Hoc, quando se contrata um Mediador,
capacitado e preparado para sua missão, que cuidará pessoalmente das questões
administrativas do procedimento, além da condução da Mediação.

3.2.1. Contratos de Construção


a) Privado com privado: iniciar uma Mediação entre privados é muito simples, pois basta
uma parte sugerir à outra a possibilidade de submeterem seus conflitos à Mediação,

26
Boa-fé é o reconhecimento mútuo das partes de que agem com lealdade, honestidade, respeito e confiança.
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
84
podendo fazê-lo diretamente, ou por intermédio de uma câmara ou de um Mediador
Ad Hoc. O Mediador deve ser alguém de confiança das partes.
b) Público com privado: a Mediação entre entes públicos e privados também pode ser
em câmaras e Ad Hoc. No entanto, é importante observar que alguns cuidados devem
ser tomados pelo Mediador nestes casos. O Mediador deve respeitar os tempos do
ente público, para que este tenha condições de avaliar e obter as devidas autorizações.
O Mediador deve promover um ambiente em que a informalidade e a oralidade sejam,
de fato, úteis às partes, sendo que se recomenda, nestes casos, considerar a
comediação, quando dois Mediadores atuam de forma colaborativa. Esta
recomendação tem por pano de fundo a necessidade que os entes públicos têm de
comparecer nas sessões de resolução de conflitos com muitos representantes, sejam
eles advogados, procuradores, gestores e assessores de diretoria.

3.2.2. Contratos de Concessão


A Mediação é especialmente útil em contratos de concessão, pois ao longo da extensa
vida destes contratos, as condições de contorno e de execução sofrem muitas
influências e causam situações não previstas no contrato que devem ser resolvidas de
forma célere e responsável, sendo que muitas vezes as soluções passam por
aprovações de envolvidos não participantes diretos dos contratos.

3.3. Aplicação usual


O uso da Mediação nos contratos do setor de infraestrutura ainda é incipiente, mas
são conhecidos casos tanto em câmaras quanto Ad Hoc. A experiência indica que são utilizados
Mediadores Ad Hoc em casos que se deseja confidencialidade extrema, evitando que os
funcionários da câmara conheçam da existência do procedimento. Deve-se avaliar o custo do
procedimento de mediação no momento da escolha da câmara, comparando-se os preços e
taxas de cada uma. Da mesma forma, avaliar os custos de se contratar um Mediador Ad Hoc,
pois nem sempre esta solução é menos custosa que contratar os serviços administrativos de
uma câmara.

3.4. Vantagens e desvantagens


A grande vantagem da Mediação é o verdadeiro protagonismo das partes durante a
busca pelo consenso. A Mediação permite que as partes tenham a oportunidade de se
manifestar através de oralidade e informalidade, sempre em boa-fé. A Mediação é, também,
um método de resolução de conflitos não adversarial, informal, que pode contar com a
cooperação das partes para buscar soluções “ganha-ganha” e, da mesma maneira que na
Negociação, a decisão está sob o controle das partes. Atende à necessidade de celeridade e
menor custo financeiro para as partes. A solução poderá ter implementação eficaz, já que as
partes a constroem, com maior potencial de satisfazer as partes, em relação aos métodos
adversariais.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
85
A desvantagem da Mediação está relacionada ao receio das partes em decidir,
especialmente quando se tem uma parte pública entre os litigantes. Há muitos casos em que
as partes preferem a decisão de um terceiro, em vez de decidir e correr riscos de
responsabilização pessoal ou indefinição. É possível, após o período de negociação e
mediação, que alguns dos conflitos permaneçam sem solução e, para a efetiva resolução dos
mesmos, passa a ser necessário recorrer a um terceiro para se ter uma decisão. A Mediação
pode ser vista também como desvantagem, quando ela vier a adiar a submissão da questão à
decisão de um terceiro, em especial quando a solução do problema tem algum aspecto de
urgência.

4. DISPUTE BOARDS

4.1. Conceito e origem


Os Dispute Boards (DB´s) são métodos de prevenção e resolução de conflitos, que
foram concebidos pelos norte-americanos para preservar a continuidade de obras de
infraestrutura, reduzindo-se atrasos e sobrecustos. Os DB’s são comitês formados por
profissionais experientes, imparciais e independentes, normalmente constituídos por três
membros. Os membros do DB devem ser contratados, preferencialmente, no início do
projeto, de maneira a permitir que eles conheçam os detalhes daquele projeto e estejam
preparados quando vierem a ser acionados para decidir sobre algum conflito. O objetivo maior
é a preservação do contrato e a realização da obra, assegurando o regular cumprimento das
obrigações pelas partes, de modo a mitigar o risco de que conflitos entre elas venham a
interromper a execução do contrato.
O Dispute Board foi utilizado com sucesso na construção de um túnel em 1975,
passando a ser reconhecido como ferramenta adequada para gerenciar, prevenir e resolver
os conflitos. No Brasil foi utilizado o DB no contrato de construção da Linha Amarela (Linha 4)
do Metrô de São Paulo, na construção do Rodoanel Mario Covas, no Estado de São Paulo, e
em determinados contratos celebrados no âmbito dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio
2016. A partir destas experiências, o instrumento ficou conhecido e os profissionais das áreas
técnicas e jurídicas passaram a estudá-lo e utilizá-lo.
De maneira a permitir a segurança jurídica no uso dos Dispute Boards, foram
promulgadas leis nos três níveis federativos. A nova Lei de Licitações e Contratos
Administrativos (Lei Federal nº 14.133/2021) traz previsão do uso dos Dispute Boards, bem
como a lei estadual do Rio Grande do Sul (Lei nº 5.812/2022). Alguns municípios brasileiros
também promulgaram leis recomendando o uso de DB’s, tais como São Paulo - SP (Lei nº
16.873/2018), Belo Horizonte - MG (Lei nº 11.241/2020), Porto Alegre – RS (Lei nº
12.810/2021) e Joinville-SC (Lei nº 9.097/2022). Ainda podemos citar os projetos de lei PLS
206/2018, tramitado no Senado e enviado para a Câmara dos Deputados PL 2.421/2021, que
teve apensado o PL 9.883/2018.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
86
4.2. Utilização nos contratos
Os membros do DB não atuam como gestores ou consultores, eles acompanham a
execução do contrato e promovem o diálogo precoce de maneira a permitir a prevenção de
conflitos. Caso as partes, ainda assim, não consigam encontrar solução, o DB poderá ser
acionado por elas para que emita uma recomendação/decisão que poderá ser de três tipos,
conforme o tipo de DB contratado pelas partes: (i) DRB, responsável por emitir
recomendações não-vinculantes, que as partes não estão obrigadas a cumprir de imediato,
mas que tornam-se vinculantes se as partes não objetarem em um prazo acordado, sendo
que, posteriormente, a questão pode ser encaminhada à Arbitragem ou ao Poder Judiciário;
(ii) DAAB, responsável por emitir decisões vinculantes, a que as partes se obrigam a cumprir
imediatamente, e, se insatisfeitas com a decisão, poderão submeter a questão à Arbitragem
ou ao Poder Judiciário; e (iii) DB híbrido ou misto, responsável por emitir recomendações não-
vinculantes ou decisões vinculantes, conforme solicitação das partes e critérios pré-
estabelecidos, sendo possível, se insatisfeitas com a recomendação/decisão, submeter a
questão à Arbitragem ou ao Poder Judiciário.

4.2.1. Contratos de Construção


a) Privado com privado: o uso de DB evita a perda de tempo com discussões
desnecessárias, garante o cumprimento dos prazos e controle dos custos das obras de
infraestrutura, buscando-se soluções equilibradas para ambos, permitindo menor
desgaste entre as equipes técnicas envolvidas.
b) Público com privado: em contratos com entes públicos, sempre haverá preocupação
com a definição clara das matérias a serem levadas ao DB (direitos patrimoniais
disponíveis), como: equilíbrio econômico-financeiro, execução de serviços e obras e
sua adequação aos parâmetros regulatórios e técnicos, bem como avaliação de ativos
e de indenizações.

4.2.2. Contratos de Concessão


É possível a adoção de Dispute Board em contratos de concessão, podendo ser
formados DB’s com membros de formações diferentes para atuar em momentos distintos e
sobre assuntos específicos. Por exemplo, para a fase de construção pode ser formado um DB
com membros especialistas engenheiros na maioria, e outro DB para a fase de operação, que
poderá ter também especialistas financeiros. O Poder Concedente poderá definir em contrato
quais as matérias a serem submetidas a cada DB e quais deverão ser afastadas. O contrato
também deve descrever, claramente, o fluxo decisório e a forma de interação com o DB, e
ainda, definir exatamente quais decisões transferirá para os membros do DB. Existem
controvérsias técnicas recorrentes com potencial para serem submetidas ao DB, sem que isso
traga para o Poder Concedente riscos relativos a soluções técnicas normalmente alocados ao
privado, nem interfira na liberdade negocial do concessionário, sem negligenciar a qualidade
da prestação do serviço.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
87
4.3. Aplicação usual
O Dispute Board é usado principalmente em contratos de engenharia que envolvam
construção e montagem, sendo ferramenta extremamente útil para o gerenciamento de
contratos complexos, de média e longa duração, pois permite que os seus membros
conheçam as condições do contrato, a execução das obras e as particularidades de ambos.

4.4. Vantagens e desvantagens


A grande vantagem do Dispute Board é o seu papel de prevenção de disputas, que
permite que as partes se dediquem a encontrar soluções que mais adequem às necessidades
daquele contrato, e caso não as encontrem, o DB estará preparado para, rapidamente, decidir
ou recomendar da melhor maneira possível sobre a questão. E, ainda, esta decisão ou
recomendação será emitida por membros do DB, escolhidos pelos seus conhecimentos
técnicos. Durante a fase de busca de solução, as partes, normalmente, apresentam suas
posições, documentos e evidências relacionadas à questão, sendo que cada parte tem
oportunidade de responder à outra parte e prestar esclarecimentos aos membros do DB.
Desta maneira, a quantidade de conflitos a serem levados a resolução de disputas adversariais
será bem menor e, consequentemente, menos custosa.
O mercado de infraestrutura australiano é reconhecido como grande usuário de DB’s,
sendo que em estudo de 2014 levantou-se o cumprimento de prazos dos contratos da
indústria da construção, concluindo-se que os contratos com DB’s cumprem os prazos em
tempos substancialmente melhores que uma amostra normal do setor em contratos sem DB.

Performance em Performance em
Cumprimento do Prazo Contratual
contratos com DB contratos sem DB
No tempo previsto ou adiantado 81% 56%
Atrasado 19% 44%
Atrasado mais que 3 meses 4% 26%
Fonte: Graeme M Peck Study May/2014 – DRBF Region 3 Australia and New Zealand

Fica evidente a vantagem que um DB pode trazer ao resultado do contrato.


As desvantagens apontadas pelo mercado estão muito mais relacionadas à
incompreensão sobre o uso do método do que desvantagens reais. Aponta-se que:
• O custo é grande por se remunerar o DB durante todo o tempo do contrato: essa é
uma falsa ideia, pois se compararmos o custo de um DB com o custo dos contratos, ou
ainda, com o custo de uma arbitragem, nota-se que o custo do DB é muito razoável, e
até ínfimo em muitos casos, diante da redução de assuntos a serem levados a uma
disputa clássica;
• O gestor público entende ser necessária autorização específica, ato normativo, para
que o método seja usado: como vimos, alguns municípios e estados estão resolvendo
isto, de maneira que o gestor público se sinta confortável em adotar o DB;
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
88

• O DB é um instrumento contratual, cujas decisões ou recomendações, se não acatadas,


levarão, ao final, a uma solução de disputa jurisdicional adversarial: o que é verdadeiro,
mas se esquece de apontar que a quantidade de disputas levadas ao Judiciário ou à
Arbitragem é muito menor, abreviando o tempo e os custos destes procedimentos.

5. ARBITRAGEM

5.1. Conceito e origem


A Arbitragem é um método privado de resolução de conflitos, em que um terceiro ou
terceiros, imparcial(is) e independente(s), o(s) Árbitro(s), decide(m) a controvérsia e as partes
são obrigadas a cumprir a decisão. A Arbitragem é uma alternativa à via Judicial, cuja decisão
arbitral é considerada título executivo judicial. As matérias levadas à Arbitragem,
obrigatoriamente, devem ser direitos patrimoniais disponíveis27.
Segundo LEVY (2013), são princípios norteadores da Arbitragem a autonomia da
vontade das partes, a boa-fé, a obrigatoriedade das convenções, o devido processo legal e a
competência-competência. A autonomia da vontade se exprime pela liberdade de escolha que
as partes possuem em submeter a controvérsia à solução arbitral, na escolha dos Árbitros, da
legislação vigente, da instituição arbitral, entre outras. A obrigatoriedade das convenções é o
cumprimento fiel do que foi estipulado pelas partes contratantes. O devido processo legal é
entendido como a garantia da imparcialidade dos Árbitros, da igualdade das partes, do direito
ao contraditório e do livre convencimento dos Árbitros. E, por fim, o princípio da competência-
competência assegura a autonomia da arbitragem, dando ao Árbitro o poder de decidir acerca
de sua própria existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que
contenha cláusula compromissória, conforme o art. 8º da Lei de Arbitragem, (Lei nº
9.307/1996).
No Brasil, a Arbitragem está presente desde o Império (Constituição do Império de
1824) e aparece em diversos outros diplomas legais, civis e comerciais, até ser consolidada,
na forma que se pratica hoje, pela Lei de Arbitragem de 23 de setembro de 1996 (Lei nº
9.307/1996), alterada pela Lei nº 13.129 de 26 de maio de 2015.

5.2. Utilização nos contratos


A Arbitragem vem sendo a melhor alternativa à via judicial em contratos complexos e
que recebem investimentos de bancos de investimentos e desenvolvimento, principalmente
pela possibilidade de especialização dos julgadores, pela escolha, pelos Árbitros, de peritos
técnicos adequados à questão que está sendo julgada, pela confidencialidade e pela
celeridade. A Arbitragem tem sido a opção nos contratos entre privados e também nos
contratos celebrados com a Administração Pública.

27
Direito Patrimonial Disponível é aquele que tem um valor econômico e que é possível ser transacionado
livremente pelas partes.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
89
Lembre-se que a escolha pela Arbitragem afasta a competência do Poder Judiciário e
que a decisão do Tribunal Arbitral é definitiva, não sendo admitidos recursos. A Sentença
Arbitral é título executivo e poderá ser considerada nula somente nos casos previstos na lei,
que são muito restritos. De qualquer forma, qualquer submissão de nulidade ao judiciário não
admite revisão de mérito.
A Arbitragem deve estar prevista em contrato (Cláusula Compromissória) ou ser
celebrada em convenção de arbitragem específica (Compromisso Arbitral), podendo ser
institucional ou Ad Hoc. A Arbitragem institucional é aquela em que acontece no âmbito de
uma câmara de arbitragem, segundo o seu regulamento, de forma que a câmara fica
responsável pela administração do procedimento. Na Arbitragem Ad Hoc, os Árbitros são
contratados diretamente pelas partes, sendo que a administração do procedimento é dos
Árbitros, e as regras devem estar muito bem descritas na convenção de arbitragem.

5.2.1. Contratos de Construção


a) Privado com privado: normalmente, os contratos entre privados preveem a cláusula
compromissória de arbitragem, que deve conter todos os elementos que a tornem
exequível de imediato, tais como: (i) indicação da instituição arbitral ou de que a
arbitragem será Ad Hoc; (ii) indicação das regras da arbitragem (da instituição ou
outra); (iii) forma de nomeação e o número de Árbitros; (iv) o local onde será proferida
a sentença arbitral; (v) local ou locais onde se desenvolverá a arbitragem; (vi) a
autorização para os Árbitros decidirem por equidade ou direito; (vii) indicação da lei
que regerá a arbitragem; (viii) o idioma a ser utilizado na arbitragem. Caso seja
celebrado entre as partes o Compromisso Arbitral, após a assinatura do contrato, esses
elementos também devem estar presentes neste documento. Observe-se que, quando
a Arbitragem for Ad Hoc deve-se tratar também de questões de prazo para prolação
da sentença e honorários dos Árbitros.
b) Público com privado: da mesma maneira que em arbitragens entre privados, deve-se
definir claramente na cláusula compromissória ou no compromisso de arbitragem os
elementos citados anteriormente, mas deve-se dar especial atenção às matérias a
serem levadas à Arbitragem e à forma de pagamento dos custos da Arbitragem.
Embora a lei seja clara no sentido de que a Arbitragem verse sobre direitos
patrimoniais disponíveis, é prudente nos contratos com a Administração Pública
definir as matérias a serem ou não levadas à Arbitragem e os parâmetros a serem
considerados.

5.2.2. Contratos de Concessão


A Lei Geral das Concessões e Permissões de Serviços Públicos (Lei nº 8.987/1995 e Lei
nº 11.196/2005), a Lei nº 9.478/1997 que regula a Política Energética Nacional e a Lei
de Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079/2004) previam a utilização da Arbitragem
desde antes da positivação da Lei de Arbitragem. O Tribunal de Contas da União
reconheceu a jurisdição arbitral em análise de litígio entre a CODESP (Companhia
Docas do Estado de São Paulo) e a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes
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SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
90
Aquaviários). Novamente, recomenda-se que sejam definidas as matérias que deverão
ser submetidas à Arbitragem, preservando-se o os poderes de regulação e fiscalização
do Poder Concedente.

5.3. Aplicação usual


A Arbitragem vem sendo cada vez mais utilizada nos contratos, incluindo os contratos
com a Administração Pública, seja por conta de suas vantagens ou por exigências dos órgãos
financiadores. No setor de infraestrutura e construção, é utilizada, normalmente, arbitragem
institucional, na qual se indica uma câmara de arbitragem para administrar o procedimento.
Também, o mais comum é a utilização de tribunais arbitrais composto por três Árbitros. Quase
sempre é necessária perícia nas arbitragens deste setor, sendo que, caso as partes não
cheguem ao consenso sobre o perito a ser indicado, os Árbitros irão indicá-lo.
Com relação à Arbitragem com o Poder Público, TONIN (2019) indica que há casos nos
quais a própria Administração tem interesse em se submeter à arbitragem, de forma a excluir
a jurisdição estatal para solução das controvérsias, notadamente para conflitos oriundos de
relações contratuais que envolvam elevadas quantias de dinheiro e questões complexas na
execução contratual.

5.4. Vantagens e desvantagens


A Arbitragem apresenta diversas vantagens para as partes em comparação com o
judiciário. A redução do tempo para se ter uma decisão, devido à inexistência de recursos e
instâncias é uma das principais vantagens. A possibilidade de contar com decisores
especializados na matéria a ser discutida é outra vantagem. Outro ponto bastante
considerado pelas partes é a confidencialidade do procedimento, embora deva ser respeitado
o princípio da publicidade, quando uma das partes é o Poder Público.
A grande desvantagem na adoção da Arbitragem é o custo envolvido nestes
procedimentos. Há que se analisar com cuidado os custos do procedimento antes de indicar
a câmara de arbitragem a ser utilizada, pois eles são bastante diferentes. Existem várias
câmaras experientes no Brasil capazes de administrar um procedimento arbitral.
Também relevante é a possibilidade de má escolha dos Árbitros, podendo ser esta a
grande armadilha de uma arbitragem. Há que se buscar Árbitros especializados nas matérias
e que conheçam procedimentos arbitrais, para que o risco de um resultado inesperado
diminua e não se reproduzam na arbitragem as desvantagens do processo judicial.

6. JUDICIÁRIO

6.1. Conceito e origem


Toda interação humana necessita de regras de convívio social que garantam o
equilíbrio nas relações. Além da legislação que define estas regras para cada grupo social, há
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
91
que se haver o controle da sua aplicação. O Judiciário tem esse papel, de defender com
imparcialidade cada cidadão, solucionando os conflitos com justiça, emitindo decisões fruto
de investigação e julgamento segundo as leis. As decisões, além de solucionar os conflitos,
podem conter punições de acordo com previsão legal.
O conceito do Judiciário como um dos três Poderes do Estado, compartilhando com o
Executivo e o Legislativo a função estatal de governança, tem sua origem atrelada ao
surgimento do próprio Estado. Neste conceito, aperfeiçoado por Montesquieu, os três
Poderes atuam de forma separada, harmônica e independente, garantindo a não-
concentração de poder em uma única pessoa.

6.2. Utilização nos contratos


Historicamente, o uso do Judiciário como órgão pacificador e aplicador das leis para
garantir os direitos dos indivíduos e empresas tem sido a opção natural. No entanto, como
aponta TONIN (2019), a situação da preocupante ineficiência do Poder Judiciário tem
movimentado os profissionais envolvidos com a sua atuação e, de uma maneira geral, toda a
sociedade. O Poder Judiciário brasileiro está entupido de processos que não consegue julgar
satisfatoriamente e em tempo. Para as empresas, esta situação é desastrosa, sendo que as
decisões estão chegando extemporaneamente e quando já não há efeito econômico-
financeiro adequado.

6.2.1. Contratos de Construção


a) Privado com privado: a grande maioria dos contratos de infraestrutura e construção
no Brasil têm cláusulas de solução de conflitos no Judiciário, especialmente aqueles de
valores e complexidade menores. Embora o Juiz possa ter auxílio de um especialista, o
Perito de Engenharia por exemplo, as decisões nesses casos podem ser prejudicadas
pela falta de especialização do Juízo. A principal consequência observada é que o Juiz
acaba por ficar dependente da opinião de um Perito, que, infelizmente, nem sempre
endereça os aspectos específicos do caso em seu trabalho.
b) Público com privado: a opção pelo Judiciário como jurisdição para resolução dos
conflitos destes contratos tem sido a preferida do Poder Público. De uma certa forma,
os gestores públicos acreditam em uma espécie de “proteção especial” da parte
Pública pelos Juízes. De fato, ainda que possa haver esta impressão, sobretudo pela
atitude dos Juízes, esta não é regra. No entanto, as empresas de construção brasileiras
já perceberam que é extremamente prejudicial, mesmo aquelas pequenas, levar anos
ou décadas para terem seus conflitos solucionados. Esta situação pode levar as
empresas a terem seus negócios congelados por décadas, por conta de processos
judiciais sem solução.
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
92
6.2.2. Contratos de Concessão
Há que se lembrar que existem questões nos contratos de concessão que não podem
ser solucionadas por outro meio de solução de conflitos que não o Judiciário. O Poder
Judiciário deve decidir sobre matérias que não sejam direitos patrimoniais disponíveis ou que
não estejam previstas no escopo da cláusula arbitral definida entre as partes, além daquelas
que a discricionariedade do Poder Concedente deve ser preservada.

6.3. Aplicação usual


Como já foi citado, a escolha do Judiciário é natural, sendo esta reconhecida como
meio pacificador, imparcial, independente, e capaz de alcançar a esperada justiça. Nota-se
que nos casos de menor valor e menor complexidade, esta acaba sendo a opção mais
confortável.

6.4. Vantagens e desvantagens


O grande atrativo para a escolha do Judiciário é o seu custo, aparentemente irrisório.
E, ainda, é considerada vantagem pelos devedores que desejam adiar o máximo possível o seu
desembolso por meio de uma infinidade de recursos, em diversas instâncias.
Grande desvantagem é a falta de especialização dos Juízes, que pode ser a causa de
decisões inadequadas, além da extemporaneidade das decisões. Não é razoável aguardar de
10 a 15 anos, por exemplo, para se obter uma decisão final.

7. ADJUDICAÇÃO

7.1. Conceito e origem


A Adjudicação é uma alternativa para solução de controvérsias em que um terceiro,
imparcial e independente, decide sobre qualquer controvérsia, de forma rápida e econômica,
durante a execução de contratos.
A Adjudicação surgiu na Inglaterra para solucionar questões em obras. A motivação
para a escolha deste método são o custo e o prazo reduzidos em relação ao procedimento de
arbitragem, além da possibilidade de decisão em tempo, que alcance de fato uma solução. A
escolha pela Adjudicação procura preservar as relações comerciais das empresas de
infraestrutura e construção, durante a execução do contrato.

7.2. Comentários
A Adjudicação é muito utilizada na Inglaterra, porém, infelizmente, não é muito
conhecida e, por isso, pouco utilizada no Brasil. Sua utilização acontece em contratos de
qualquer valor e qualquer tipo de disputa, mas não é recomendável para contratos muito
complexos. É necessário dar acesso ao Adjudicador a quaisquer documentos, para que possa
CADERNOS TÉCNICOS DO IBDI C
SÉRIE: “ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS”
93
investigar a questão diretamente com as partes e também fazer visitas às obras. O
Adjudicador poderá contratar especialistas de quaisquer disciplinas se julgar necessário para
sua decisão. A decisão deverá ser emitida, normalmente, em 28 dias a partir da solicitação
pelas partes, e será sempre obrigatória e vinculante para elas, até que haja uma decisão final
por Juiz ou Árbitro.
A vantagem é o cumprimento imediato da decisão, garantindo a continuidade da obra,
mesmo que provisoriamente. É uma forma de resolução de conflitos de baixo custo, adequada
ao pequeno construtor, sendo que a análise e decisão pelo Adjudicador acontece em tempo
curtíssimo.

8. CONCLUSÃO

Cada contrato é individual, tendo objetivos e características próprias. Portanto, as


melhores formas de resolução de conflitos devem ser avaliadas antes da assinatura do
contrato.
Recomenda-se que as partes discutam este tema de forma objetiva e responsável, não
deixando que essa discussão seja deixada de lado, por ser uma das últimas cláusulas dos
contratos (as famosas “midnight clauses”). Para que esta opção seja efetiva, é necessário que
os gestores dos contratos participem da discussão e estudem as características de cada opção
com o olhar no contrato.
Os gestores dos contratos têm a tarefa de garantir que os resultados dos contratos
sejam os planejados em orçamento. Portanto, têm que se preocupar com a escolha do
método adequado para solucionar os conflitos surgidos nas relações contratuais. O método
escolhido é relevante para que as soluções sejam adequadas e menos dispendiosas.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Dispõe sobre licitações e contratos


administrativos.
BRAGA NETO, Adolfo; ROSA, Beatriz Vidigal Xavier da Silveira. Mediação na
Administração Pública. In HOLANDA, Flávia (Coord.). Métodos Extrajudiciais de
Resolução de Conflitos Empresariais: Adjudicação, Dispute Boards, Mediação e
Arbitragem. São Paulo: IOB SAGE, 2017, p. 148.
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação: uma experiência brasileira. São Paulo: CLA Editora,
2017.
Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto de Engenharia. Regulamento de
Adjudicação. Acesso: <https://www.cma-ie.org.br/20/regulamento-de-
adjudicacao>.
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CARVALHO, Lucila; FARIA, Renata; MAIA NETO, Francisco. DRB ou CRD – Um meio
dinâmico para prevenção e solução de conflitos. Comissão de Arbitragem da
OAB/MG. Belo Horizonte: Francisco Maia & Associados, 2019.
DRBF – The Dispute Resolution Board Foundation. Dispute Board Manual: A guide to
best practices and procedures. Charlotte (NC, USA): DRBF, 2019.
FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao SIM: A negociação de
acordos sem concessões. 2ª ed. revisada e ampliada. Rio de Janeiro: IMAGO, 2005.
ISSA, Ricardo; ROSA, Beatriz Vidigal Xavier da Silveira. Mediação empresarial e
engenharia. In: BRAGA NETO, Adolfo (Coord.). Mediação Empresarial: Experiências
brasileiras. São Paulo: Editora CLA Cultural, 2019, p.70.
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Cláusulas Escalonadas: A mediação comercial no
contexto da arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2013.
MARASCHIN, Márcia Uggeri. Manual de Negociação: Baseado na teoria de Harvard.
Escola da Advocacia Geral da União. Brasília: EAGU, 2017.
MOORE, Christopher W. O Processo de Mediação: Estratégias práticas para a
resolução de conflitos. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1996.
Nota Técnica 4/2019/STR/SPPI.
ROSA, Beatriz Vidigal Xavier da Silveira. Mediação na Engenharia. Revista de
Arbitragem e Mediação Empresarial, Belo Horizonte, Ano II, n. 3, jul./dez. 2015,
p.133.
TONIN, Maurício Morais. Arbitragem, Mediação e Outros Métodos de Solução de
Conflitos Envolvendo o Poder Público. São Paulo: Almedina, 2019.

COORDENADORA:
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa
AUTORIA:
Beatriz Vidigal Xavier da Silveira Rosa, engenheira de produção mecânica pelo
Instituto de Ensino de Engenharia Paulista – UNIP. MBA em “Tecnologia e Gestão de
Geração Distribuída e Cogeração” pela Escola Politécnica de São Paulo - USP e
especialização em “Engenharia de Defesa” pelo IME-Instituto Militar de Engenharia -
RJ. Árbitra, Mediadora, Perita de Engenharia de Tribunal Arbitral e Judicial, Assistente
Técnica de parte e membro de Dispute Boards no Brasil e no exterior. Atua em casos
judiciais e arbitrais nos setores de Energia (geração, transmissão e distribuição),
Nuclear, Óleo & Gás, Edificações e Construção Civil, Plantas Industriais, Transportes
(rodoviário, ferroviário e metroviário), Meio Ambiente e Saneamento, entre outros.
Experiência em indústrias no Brasil e no exterior, em projetos de infraestrutura.
Gerenciamento de contratos públicos e privados. Membro do Instituto de Engenharia,
Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr, Conselho Nacional das Instituições de
Mediação e Arbitragem – CONIMA, The Dispute Resolution Board Foundation – DRBF,
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Instituto Brasileiro de Direito da Construção – IBDiC, Instituto Brasileiro de Estudos do
Direito da Energia - IBDE e Ordem dos Engenheiros de Portugal. Sócia de Tarobá
Engenharia e Negócios Ltda.

COLABORADORES:
André Dabus
Jorge Pinheiro Jobim
Luís Otávio Pasquale Rosa
Marlon Shigueru Ushiro Ieiri
Roberto Ricardino
Solange Majella Jones

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