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DICAS DE REDAÇÃO

Frederico de Holanda

Estas “dicas” dizem respeito à redação de textos acadêmicos, não à redação de textos
literários. Visam à concisão, elegância, clareza, ausência de cacoetes e,
secundariamente, referem erros gramaticais usuais. Seguem como “tempestade
cerebral” – fui listando à medida que fui lembrando. Eventualmente, complementarei. A
língua se reinventa continuamente, portanto regras também mudam. Mas é prudente não
arriscar. Nem todos somos Machado de Assis ou Guimarães Rosa...
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Cuidado para não usar o verbo implicar em outras regências, quando o certo é como
transitivo direto (erro muito comum nas melhores famílias...):
Escrever cientificamente implica ser conciso – e não: implica em ser conciso

A regrinha simples para a crase é: substitua por um masculino – se resultar ao, então
tem crase:
ele foi à esquina (ele foi ao supermercado)
Ela nunca é usada antes de um masculino. Mas não vale quando é uma contração da
expressão francófona à la. P. ex., ele argumentou à Frederico de Holanda... (ou seja, à
maneira de...)

Cuidado ao usar o verbo corroborar: ele quer dizer ratifica, confirma etc., e não
concorda: fulano corrobora sicrano ao afirmar que... e não: fulano corrobora com
sicrano ao afirmar que...

Evite os trailers (tipo como veremos) ou retrospectivas (tipo como se viu). Se você vai
dizer depois, não estrague a surpresa. Se você está repetindo, é porque é necessário, não
precisa pedir desculpas ao leitor.

Não use poluições de texto, expressões dispensáveis que só tornam o discurso prolixo:
é preciso notar que..., importante frisar..., assim sendo..., de fato... Na verdade também
deve ser evitado, é em geral um cacoete, a não ser que você esteja contradizendo o que
veio antes.

Nunca use o mesmo, a mesma, os mesmos, as mesmas nos casos do tipo: antes de
entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar... Melhor:

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antes de entrar no elevador, verifique se ele encontra-se parado neste andar... Não é
muito mais elegante?...

Não use parágrafos curtos demais, que coincidem às vezes com uma única frase. Ideias
concatenadas, ao longo de várias frases, formam um parágrafo. Em geral, não faz
sentido um parágrafo com uma única frase, a não ser uma adequada ênfase estilística ou
conceitual, como ao final do meu texto O mundo das miudezas:
“Resolver os problemas pendentes é libertar a cidade das (perversas) circunstâncias nas
quais ela foi gerada.
Ainda não foi dessa vez.”

Cuidado com a pontuação: duas ideias diferentes são separadas por um ponto; duas
relacionadas, ou itens de uma lista com uma descrição relativamente longa, por um
ponto e vírgula; duas em sequência, por uma vírgula; exemplos que se seguem a uma
afirmação, por dois pontos. P. ex.:
“Pelo contrário: as qualidades essenciais de Brasília não se relacionam à cartilha
moderna. Elas decorrem de atributos que fazem a excelência das cidades desde sempre,
ainda que, no caso de Brasília, limitem-se principalmente a dimensões expressivas: uma
forte identidade, uma legibilidade interpartes clara (à la Lynch), uma beleza ímpar, uma
configuração que cumpriu à excelência os requisitos de cidade-símbolo da
nacionalidade. Os problemas, sim: a cidade-para-todas-as-classes, realizada mediante
um tipo edilício ideal e universal, revelou-se um mito (superquadras não são acessíveis
a baixos poderes aquisitivos); fortes barreiras físicas impõem pesados ônus para os
pedestres; padrões de mobilidade são compatíveis com o veículo privado, não com o
transporte público; bioclimaticamente, a cidade é confortável no interior dos setores (ou
superquadras), muito desconfortável fora deles (ou entre eles).” (De O mundo das
miudezas.)

Evite a todo custo advérbios e adjetivos: totalmente, completamente, enormemente,


muito, pouco, admiravelmente, todo/todos/toda/todas... Em geral, eles não fazem falta,
a não ser quando qualificam de forma contrastante o que foi afirmado antes.

Cuidado com o uso de este, esta, deste, desta; esse, essa, desse, dessa... Os primeiros
indicam algo imediato, presente, “o que está próximo do falante, no espaço, no tempo
ou no discurso” (Houaiss); os segundos, o contrário: “o tema desta tese é...”; “Brasília é
a Capital. O problema dessa cidade é que...”

Antes de etc. é mais elegante não usar vírgula nem a conjunção “e”: “casas,
apartamentos, mansões etc.” (etc. é abreviação de et cetera, que quer dizer e outras
coisas; portanto o “e” antes de “etc.” é redundante”).
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Melhor não usar tanto... quanto, e usar “e”. Em vez de: “Brasília é tanto barroca quanto
moderna”, isso: “Brasília é barroca e moderna”. Viu a concisão e a elegância?...
O mesmo se aplica a assim como. Em vez de: “Brasília é barroca, assim como
moderna”, novamente a redação acima: “Brasília é barroca e moderna”.

Escreva frases completas e curtas que sejam compreensíveis autonomamente. É vício


comum começar a frase com um gerúndio, sem que haja um sujeito explicitado. P. ex.,
não escreva: “Brasília é a segunda cidade mais dispersa do mundo. Contribuindo para
que os custos de mobilidade sejam altos”. A segunda frase não é compreensível
autonomamente. Então, escreva: “Brasília é a segunda cidade mais dispersa do mundo,
contribuindo para que os custos de mobilidade sejam altos”.

Curiosamente, detrimento é frequentemente utilizada em sentido contrário ao


significado correto da palavra. “Em detrimento de” significa “em prejuízo de”, não “em
benefício de”, como aparece bastante.

É comum começar um parágrafo com: “Do meu ponto de vista, Brasília repete as
mazelas do modernismo, mas inova em outros aspectos...”, “Parece-me que etc....”,
“Acho que etc....”. Não faça isso. É você que está escrevendo, portanto é óbvio que é do
seu ponto de vista! Afirme o que quer, sem “anestesia”: “Brasília repete as mazelas do
modernismo, mas inova em outros aspectos...”.

O ponto anterior puxa o aspecto pronominal. É aspecto controverso, orientadores


divergem. Alguns preferem a redação impessoal, na terceira pessoa, voz passiva. Assim:
“Realizou-se um esforço abrangente...”, quando o autor quis dizer “Realizei um esforço
abrangente...”. Ainda há o problema da ambiguidade: quando você lê a solução acima,
frequentemente fica em dúvida: quem mesmo realizou o esforço? O autor ou terceiros?
Ele está citando o trabalho de outros implicitamente? Ou pior: “Esta tese chegou à
conclusão que...”. Tese não chega a conclusão nenhuma, quem chega é o autor – ao
fazer a tese... Ou uma outra variante: o “nós majestático”, de suposta modéstia, quando
é o contrário: escreve-se “Realizamos um esforço...”, quando o trabalho é uniautoral (se
é de mais de um autor, claro, está certo). Melhor usar a primeira pessoa do singular. Isso
não significa que você fica dizendo eu, eu, eu a cada frase. Depende de como redige o
texto.

Tá proibido o uso de e/ou (poluição de linguagem: ou é – também – aditivo)

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Evite o “constituísmo”: é erro curiosamente comum usar o verbo constituir quando o
certo é o ser. P. ex.: “Brasília constitui uma cidade moderna por excelência”. Ou, pior
ainda: “Brasília se constitui em uma cidade moderna...”. Veja: “Brasília é uma cidade
moderna por excelência” (mentirinha, não é não, apenas bolei a redação como
exemplo). Entretanto, seria correto dizer: “As superquadras constituem a parte
residencial do Plano Piloto”, no sentido, portanto, de formar, estabelecer, organizar.
Sempre que vier à mente o verbo constituir, substitua na mente pelo ser e veja se sua
intenção não é esta.

O travessão já é uma pausa. Portanto, nunca ponha uma vírgula depois de um


travessão, como aqui: “Eles protestaram veementemente – sabendo que não ia resultar
em nada –, mas mesmo assim valeu a pena”. Sem vírgula, por favor!

O que há de errado na frase “O fato dele correr toda manhã...”? Ou nesta: “O fato do
ônibus ir superlotado...”? Nada? Errou. Correção: “O fato de ele correr toda manhã...” e
“O fato de o ônibus ir superlotado...”. As contrações não cabem nos dois primeiros
exemplos.

Para indicar também não, ou muito menos, não é “tão pouco”, muito menos “nem tão
pouco”... É, pura e simplesmente, tampouco (embora a pronúncia não pareça...), e já é
uma negação, portanto sem o “nem”.

Quando referir décadas, coloque quatro algarismos, não dois, p. ex., “o Movimento
Moderno começa a enfraquecer a partir dos anos 1960” (não “dos anos 60” – em alguns
casos, poderia ser, ambiguamente, outro século que não o XX...).

É mais elegante usar, por extenso, números com uma palavra só, e, com algarismos
numéricos, com duas ou mais palavras, p. ex.: “Brasília tem quatro superquadras por
unidade de vizinhança e 120 superquadras ao todo no Plano Piloto”.

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