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ESTEVÃO HORVATH

O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI:


TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Tese apresentada ao concurso de Professor Titular –


Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário.

Área de Direito Financeiro

São Paulo
2014
3

Sumário

INTRODUÇÃO....................................................................... 9
Capítulo 1 – ALGO SOBRE O ESTADO................................ 25
1.1 Introdução....................................................................... 25
1.2 Origem ........................................................................... 27
1.3 Evolução histórica do Estado.......................................... 30
1.3.1 Idade Antiga...................................................... 30
1.3.2 Idade Média....................................................... 35
1.3.3 Idade Moderna................................................... 37
Capítulo 2 – Direito Orçamentário............................ 55
2.1 Direito orçamentário. Conceito....................................... 55
2.2 Conceito de orçamento.................................................... 59
2.2.1 Características................................................... 62
2.3 Aspectos do orçamento................................................... 64
2.3.1 Caráter político do orçamento............................ 65
2.3.1.1 Os limites do político.......................... 68
2.3.1.2 Como se processa a aprovação do orça-
mento no Brasil................................... 69
2.3.1.3 Não aprovação do orçamento.............. 71
2.3.1.3.1 Pequeno histórico................ 72
2.3.1.3.2 Não aprovação tempestiva do
orçamento............................ 73
2.3.1.3.3 Rejeição do projeto de lei or-
çamentária........................... 75
2.3.1.3.4 Direito comparado............... 77
2.3.2 Aspecto econômico do orçamento..................... 80
2.4 Evolução histórica do orçamento.................................... 83
Capítulo 3 – NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁ-
RIA.................................................................................. 93
3.1 Natureza Jurídica do Orçamento..................................... 93
4 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

3.1.1 Contexto histórico em que foi desenvolvida a


teoria de Laband................................................ 93
3.2 Lei formal vs. lei material................................................ 95
3.2.1 A doutrina de Hoenel......................................... 97
3.2.2 A doutrina de Laband......................................... 98
3.2.3 A doutrina de Duguit......................................... 102
3.2.4 O pensamento de Jèze........................................ 103
3.2.5 Outros autores.................................................... 108
3.2.6 Nosso pensamento............................................. 116
Capítulo 4 – PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS.................... 125
4.1 Introdução ...................................................................... 125
4.2 Princípios financeiros...................................................... 127
4.3 Princípios orçamentários................................................. 128
4.3.1 Legalidade......................................................... 129
4.3.2 Unidade............................................................. 130
4.3.3 Universalidade................................................... 132
4.3.4 Anualidade........................................................ 135
4.3.5 Não afetação [das receitas]................................ 139
4.3.6 Exclusividade.................................................... 143
4.3.7 Especialidade..................................................... 144
4.3.8 Princípio da programação.................................. 147
4.3.9 Sinceridade orçamentária................................... 148
4.3.10 Transparência.................................................... 151
4.3.11 Equilíbrio........................................................... 156
4.3.12 Eficiência........................................................... 157
4.3.13 Razoabilidade.................................................... 157
4.4 Conclusão ....................................................................... 158
Capítulo 5 – EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO...................... 159
5.1 Keynes e o orçamento norte-americano........................... 162
5.2 Estabilidade orçamentária na União Europeia................. 166
5.3 Equilíbrio em que período de tempo?.............................. 168
5.4 A estabilidade e o Parlamento......................................... 169
Sumário 5

5.5 O que é, afinal, a “estabilidade orçamentária?”............... 171


5.6 A crise de 2008 na Europa............................................... 173
5.7 Pacto de Estabilidade e Crescimento............................... 175
5.8 Legislação europeia sobre estabilidade. Alguns exem-
plos.............................................................................. 177
5.8.1 Orçamento na Alemanha – Caso Berlim............ 178
5.9 Equilíbrio orçamentário e estabilidade orçamentária....... 183
5.10  O “equilíbrio” no Brasil.................................................. 185
5.10.1 Equilíbrio no orçamento.................................... 185
5.10.2 O equilíbrio orçamentário e o princípio federati-
vo...................................................................... 189
5.10.3 Equilíbrio na execução do orçamento.................. 193
5.11 Equilíbrio em que sentido?............................................... 194
5.12 Equilíbrio e dívida pública............................................... 196
5.13 A “regra de ouro”............................................................ 198
5.14 À guisa de conclusão....................................................... 205
Capítulo 6 – O ORÇAMENTO IMPOSITIVO........................ 207
6.1 Razões de propostas de Emendas Constitucionais tornando
o orçamento impositivo................................................... 208
6.2 O orçamento no contexto atual........................................ 212
6.3 A natureza de lei formal e a impositividade do orçamen-
to ................................................................................ 216
6.4 A possibilidade de recurso ao Poder Judiciário para
contrastar a constitucionalidade do orçamento................ 217
6.5 Repercussão da proposta de orçamento impositivo na
mídia .............................................................................. 219
6.6 Algumas opiniões doutrinárias........................................ 222
6.7 Versão técnica “oficial”................................................... 224
6.8 Mais uma excrescência.................................................... 227
6.8 Nossa opinião.................................................................. 232
Capítulo 7 – A preocupação com a performance... 233
7.1 Percurso para a chegada aos orçamentos de desempe-
nho............................................................................... 233
6 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

7.1.1
Estados Unidos da América............................... 234
7.1.2
Os orçamentos com base em programas............ 235
Orçamento por objeto (line item budgeting)...... 237
7.1.3
7.1.4
Orçamento cíclico.............................................. 237
7.1.5
Orçamento funcional......................................... 239
O PPBS – (Planning, Programming, Budgeting
7.1.6
System) – Sistema de planejamento e programação
orçamentária ..................................................... 243
7.1.7 Orçamento “base zero”...................................... 243
7.1.8 Orçamento-programa......................................... 245
7.2 A performance................................................................. 249
7.2.1 A busca por melhor desempenho....................... 251
7.2.2 Uma nova governança financeira pública.......... 254
7.2.2.1 Características da “nova governança”. 255
7.2.2.2 O modelo do governo da empresa....... 256
7.2.3 A Escola do Public Choice................................. 258
7.3 O orçamento e desempenho............................................. 260
7.3.1 Orçamento de resultados (outro nome para “de
desempenho”)................................................... 262
7.3.2 O “novo” orçamento de desempenho................. 266
7.3.2.1 Ainda o “novo” performance budget... 268
7.3.3 A performance e os recursos humanos............... 270
7.3.4 O que esperar com a adoção do orçamento de
resultado?.......................................................... 271
7.4 Conclusão........................................................................ 273
Capítulo 8 – ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMEN-
TO............................................................................... 275
8.1 Introdução ...................................................................... 275
8.2 Intervenção do Estado na Economia................................ 277
8.2.1 Os economistas e a intervenção......................... 279
8.2.2 A intervenção do Estado e o Estado Social de
Direito............................................................... 284
8.2.3 A intervenção e o equilíbrio orçamentário......... 286
Sumário 7

8.3 O planejamento............................................................... 288


8.3.1 Conceito de planejamento.................................. 289
8.3.2 O planejamento no Direito positivo brasileiro... 291
8.3.2.1 O plano plurianual............................... 295
8.3.2.1.1 Adoção do orçamento-progra-
ma....................................... 298
8.3.2.1.2 O plano plurianual na Consti-
tuição.................................. 300
8.3.2.2 A Lei de Diretrizes Orçamentárias....... 303
8.3.2.3 O orçamento anual.............................. 313
8.3.2.4 Da geração da despesa......................... 317
8.4 Algumas conclusões........................................................ 319
Capítulo 9 – Eficiência e Legitimidade...................... 323
9.1 Eficiência........................................................................ 323
9.2 Legitimidade................................................................... 331
9.3 Conclusão........................................................................ 337
Capítulo 10 – O orçamento e o STF – o Controle
Jurisdicional das Leis Orçamentárias...... 339
10.1 Introdução....................................................................... 339
10.2 O controle da constitucionalidade no ordenamento jurídico
brasileiro......................................................................... 340
10.3 Espécies de inconstitucionalidades.................................. 342
10.3.1 Inconstitucionalidade por ação.......................... 342
10.3.2 Inconstitucionalidade por omissão..................... 343
10.4 Formas de controle de constitucionalidade...................... 343
10.4.1 Controle de constitucionalidade preventivo....... 343
10.4.2 Controle de constitucionalidade repressivo........ 345
10.5 O sistema de freios e contrapesos de Montesquieu.......... 347
10.6 A judicialização da política............................................. 351
10.6.1 A natureza jurídica das leis orçamentárias e o seu
controle jurisdicional ........................................ 352
10.7 As lei orçamentárias e o Supremo Tribunal Federal........ 356
10.7.1 Mudança de orientação...................................... 359
8 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

10.7.2 Confirmação do atual posicionamento .............. 365


10.8 Conclusão........................................................................ 369
Capítulo 11 – Inovações e tendências........................ 371
11.1 Orçamento participativo.................................................. 383
CONCLUSÃO......................................................................... 387
REFERÊNCIAS...................................................................... 399
9

INTRODUÇÃO

Escrever sobre o orçamento público não é tarefa das mais


fáceis. Em primeiro lugar, porque é um instituto complexo per
se. Seguindo-se a isso, a literatura estritamente jurídica sobre
orçamento não é tão farta. Por fim, a quantidade de questões e
dúvidas que ele suscita traz consigo a hesitação acerca do suces-
so da empreitada.
Isso não obstante, pensamos em trazer uma contribuição,
embora singela, à compreensão desta figura tão importante e,
ainda assim, tão desconhecida da maioria das pessoas e até mes-
mo dos que militam na área jurídica.
Falar sobre tudo o que poderia ser dito a respeito do orça-
mento implicaria escrever um Tratado, o que não caberia num
trabalho para este propósito, além do que haveria autores mais
talhados para esse mister.
Resolvemos, pois, destacar alguns aspectos do orçamento,
os que nos parecem estar entre os mais relevantes, para propiciar
ao leitor um quadro geral do orçamento: como ele nasceu, a
evolução pela qual passou – e ainda passa –, para, ao final, apre-
sentar o que se nos afigura como sendo as suas tendências e as
expectativas quanto ao que ele pode ainda oferecer.
A exemplo de Souto Maior Borges, quando diz que a “com-
plexidade do fenômeno tributário corresponde, no fundamental,
ao caráter interdisciplinar da [sua] abordagem teórica”,1 preten-
demos enfrentar o instituto do orçamento neste trabalho inspira-
dos pela ideia da “complexidade”.

1
José Souto Maior Borges, Um ensaio interdisciplinar em direito tributá-
rio. Superação da dogmática, p. 106.
10 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

No Direito Tributário, como afirma o eminente mestre per-


nambucano, a dogmática atingiu um “esgotamento conceitual”,
que abrange “o campo todo de exploração dogmática”, compre-
endendo-se, aí, os estudos fulcrados na semântica e na sintaxe
“em detrimento da pragmática (teoria da conduta normada)”.2
A complexidade – no sentido mais amplo possível – da
matéria-conteúdo das Finanças Públicas já foi objeto de cons-
tatação por diversos especialistas, a ponto de Michel Bouvier
afirmar tratar-se “do mais sério obstáculo com o qual se depara
essa disciplina”, referindo-se ao Direito Financeiro (droit public
financier).3
Prossegue o professor, com o apoio de Jèze, pontuando que
a extrema heterogeneidade e a complexidade das finanças pú-
blicas exigem uma “apreensão global e a adoção de uma grande
variedade de saberes, implicando um trabalho comum de pes-
quisadores pertencentes às mais diversas disciplinas”.4
Bouvier traz outra constatação assaz importante, ao obser-
var que não é pertinente
e é mesmo contraproducente limitá-las [as finanças públicas],
como foi o caso outrora, a seus aspectos jurídicos, ou, como
é o caso nos dias de hoje, às suas implicações econômicas ou
gerenciais (“gestionnaires”), considerando-se que se trata de
um campo fundamentalmente interdisciplinar.5

2
José Souto Maior Borges, Um ensaio interdisciplinar em direito tributá-
rio. Superação da dogmática, p. 107.
3
Michel Bouvier, Les ambiguïtés fatales du droit public financier, p. 2.
4
Idem, ibidem, p. 2.
5
Idem, em tradução livre. No original “[…] et il est même contre-productif
de les cantonner, comme ce fut le cas autrefois, à leurs aspects juridiques,
ou comme c’est le cas aujourd’hui, à leurs implications économiques ou
gestionnaires alors qu’il s’agit d’un camp foncièrement interdisciplinai-
re” (os grifos constam do original).
INTRODUÇÃO 11

Juntamos o conceito de complexidade ao de interdisci-


plinaridade, com vistas a buscar a interpretação da “criatura”
orçamento não só sob o aspecto da pragmática (além da sintática
e da semântica, como é elementar), mas também pelo prisma
teleológico e da interdisciplinaridade.
Enxergamos o fenômeno financeiro como um todo, con-
forme manifestamos em outro estudo,6 compreendendo desde a
obtenção de recursos pelo Estado, até o gasto efetuado, passan-
do pelo seu gerenciamento. Assim visto, o fenômeno financeiro
confunde-se com aquilo que se denomina “atividade financeira
do Estado”.
Cremos não mais ser possível, nos dias de hoje, analisar
as normas que disciplinam as receitas públicas – nelas compre-
endidas as tributárias – sem levar em conta todo o contexto da
atividade financeira, notadamente, a regulação normativa do seu
dispêndio. Noutro giro, se é que em algum momento esta segre-
gação se deu, abstratamente e de forma total, nos estudos doutri-
nários, hoje, mais evidentemente que nunca, a conexão que deve
haver entre receitas/despesas é autoimplicante.
Álvaro Rodríguez Bereijo, tratando da “unidade de maté-
ria” presente no Direito Financeiro traz uma lição singela e, ao
mesmo tempo, fundamental: a atividade financeira do Estado
não se limita a unicamente buscar os recursos, mas também a
distribuí-los entre as pessoas.7 Equipara a “unidade essencial
do fenômeno financeiro” à conexão entre receitas e gasto, que
teria origem num critério teleológico: a finalidade das normas e
o interesse juridicamente protegido.8

6
Estevão Horvath, O direito tributário no contexto da atividade financeira
do Estado, p. 63 e ss.
7
Introducción al estudio del derecho financiero, p. 70. Prossegue o ilustre
profesor: “exacción o recaudación y distribución o gasto son momentos,
fines inescindiblemente conexos e inseparables de la actividad financie-
ra, cualquiera que sea el tipo de Estado que se tome en consideración”.
8
Idem, ibidem, p. 72.
12 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Enxergamos, da mesma forma, a necessidade dessa co-


nexão e, bem assim, a imprescindibilidade de se ter presente
o aspecto teleológico. Não é somente uma questão relegada
à Ciência das Finanças e/ou à Política Financeira aquilo que
diz com a justificativa das normas de Direito Financeiro (e de
outros “ramos” do Direito) e que, por isso, deve ser deixada de
lado pelo jurista. Como ensina Rodríguez Bereijo, “el poder de
imposición, el tributo, se apoya en una razón objetiva, sustancial
y no solamente en el argumento meramente formal (legalidad
tributaria): la necesidad de cobertura de los gastos públicos”.9
Não há como negar os reflexos que tem, no orçamento,
as decisões da política econômica e da política fiscal. Muitos
conceitos utilizados na legislação orçamentária provêm da eco-
nomia e, mais amplamente, da Ciência das Finanças.
Trotabas e Cotteret, após enquadrarem o Direito orçamen-
tário entre as disciplinas do Direito Público, acrescentam que
o seu estudo “desborda o âmbito dessa disciplina, e mesmo o
âmbito das disciplinas jurídicas”.10 Reconhecem esse autores
a natureza complexa das finanças públicas e do “Direito orça-
mentário que as organiza”, pois elas abarcam ou contêm “várias
ideias ou vários elementos”.11
Villegas também atesta a complexidade e heterogeneidade
dos institutos e normas de que cuida o Direito Financeiro, a pon-
to de dizer que isso justificaria a inclinação da maior parte da
doutrina ao estudo do Direito Tributário “que funciona como un
sistema homogéneo, orgánico y singularizado”.12

9
Introducción al estudio del derecho financiero, p. 70, grifou-se.
10
Louis Trotabas e Jean-Marie Cotteret, Droit budgétaire et comptabilité
publique, p. 6, grifos nossos.
11
Idem, ibidem.
12
Héctor Belisario VIllegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tribu-
tario, p. 37.
INTRODUÇÃO 13

Já Griziotti averbava que “na atividade financeira são in-


separáveis, ainda que claramente distintos e distinguíveis, os
elementos políticos, jurídicos e económicos”.13
Paulo de Barros Carvalho, ao tratar da disciplinaridade,
salienta que escolher entre o caráter disciplinar e interdisciplinar
para a construção do discurso científico é opção incontornável.14
Lembra que, sem disciplinas não se terá as interdisciplinas, “mas
o próprio saber disciplinar, em função do princípio da intertextu-
alidade, avança na direção dos outros setores do conhecimento,
buscando a indispensável complementaridade”.15 A partir dessa
constatação reconhece o paradoxo inevitável consistente em que
“o disciplinar leva ao interdisciplinar e esse último faz retornar
ao primeiro”.16
Carlos Palao é ainda mais enfático ao tocar o tema:
La interdisciplinariedad es seguramente una de las caracte-
rísticas de la enseñanza del Derecho en los próximos tiempos
[…] Las normas jurídicas se explican cada vez menos por sí
mismas; en número creciente su fundamento se halla en otros
campos del saber a los que hay que acudir para buscar las
explicaciones pertinentes. Por utilizar una antigua dicotomía
alemana, las leyes son cada vez menos “leyes jurídicas” (Re-
chtsgesetze) y más “leyes medida” (Massnahmegesetze). El
jurista tiene, pues, que hacer constantemente un ejercicio de
humildad y recurrir a los conocedores de otros saberes para
entender las normas jurídicas.17
Comungamos desse pensar e não vislumbramos a possibi-
lidade de que possa ser diferente. A interpretação jurídica, mor-

13
Benvenuto Griziotti, na sua Introdução ao clássico Política, Derecho y
Ciencia de la Hacienda, p. V.
14
Direito Tributário, linguagem e método, p. 196.
15
Idem, ibidem, p. 197.
16
Idem.
17
Carlos Palao Taboada, La enseñanza del derecho en la universidad: pre-
sente y futuro, p. 135.
14 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

mente se se partir de uma visão sistêmica do Direito, engloba e


exige o contato de uma disciplina com outra; uma vez exami-
nadas as implicações desta outra, volta-se à primeira, e assim
sucessivamente.
Também Ricardo Lobo Torres, com base na doutrina ger-
mânica, ressalta a importância da interdisciplinaridade, embora
a ela se refira ao cuidar da teoria do equilíbrio orçamentário. A
nós parece que esta é a forma de enfrentar toda a temática rela-
tiva ao orçamento e não somente a concernente ao equilíbrio.
Com efeito, se todo o Direito Financeiro se presta a esta inter-
disciplinaridade, por via de consequência, o orçamento também
deve ser abordado com esta inspiração.
Em todo caso, são estas as palavras do autor mencionado:
Os estudos sobre o orçamento público têm que ser desenvol-
vidos tanto por juristas quanto por economistas, cada qual a
partir dos pontos de observação de suas disciplinas. Os juristas
se preocuparão com os aspectos principiológicos e consti-
tucionais e com a própria análise da natureza e da eficácia
da lei orçamentária. O economista se concentrará no estudo
macroeconômico e na perspectiva dos efeitos do equilíbrio
orçamentário sobre a economia, eis que uma quarta parte do
PIB passa pela Lei de Meios.18
Procedamos aqui a uma precisão terminológica: há dife-
rença entre disciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisci-
plinaridade?
Para o Dicionário Houaiss, transdisciplinaridade é o mes-
mo que interdisciplinaridade, e significa “qualidade do que
é interdisciplinar”. “Interdisciplinar”, por sua vez, comporta
dois significados, sendo que o que aqui interessa mencionar é o
correspondente ao “que estabelece relações entre duas ou mais
disciplinas ou ramos de conhecimento”.

Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, v. 5: O orça-


18

mento na Constituição, p. 58.


INTRODUÇÃO 15

Basarab Nicolescu,19 é bastante claro ao distinguir as for-


mas de enfocar um objeto determinado, a saber:
1) A pluridisciplinaridade – diz respeito ao estudo de um
objeto de uma mesma e única disciplina por várias disci-
plinas ao mesmo tempo;
2) A interdisciplinaridade – concerne à transferência de
métodos de uma disciplina para outra.
3) A transdisciplinaridade – como o prefixo “trans” indica,
diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as
disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de
qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do
mundo presente, para o qual um dos imperativos é a uni-
dade do conhecimento.
Como exemplo de pluridisciplinaridade, o autor traz a filo-
sofia marxista, que pode ser estudada pelas óticas conjugadas da
filosofia, da física, da economia, da psicanálise ou da literatura.20
O mesmo pode ser dito acerca da “atividade financeira do Esta-
do”, que pode ser analisada pela Economia, pelo Direito, pela
Política Financeira etc.
No que respeita à interdisciplinaridade, poderia esta ser
graduada como segue:
a) um grau de aplicação, cujo exemplo trazido pelo mesmo
autor consiste nos métodos da física nuclear transferidos
para a medicina, que levam ao aparecimento de novos
tratamentos para o câncer;
b) um grau epistemológico, ilustrado com a transferência
de métodos da lógica formal para o campo do direito, o
que produz análises interessantes na epistemologia do
direito;

19
Basarab Nicolescu, Um novo tipo de conhecimento: transdisciplinarida-
de, p. 10-11.
20
Idem, p. 10.
16 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

c) um grau de geração de novas disciplinas, como, por


exemplo, a transferência dos métodos da matemática
para o campo da física gerou a física matemática; os
da física de partículas para a astrofísica, a cosmologia
quântica; os da matemática para os fenômenos meteoro-
lógicos ou para os da bolsa, a teoria do caos; os da infor-
mática para a arte, a arte informática.21
Observa, ainda, Nicolescu, que, “como a pluridisciplina-
ridade, a interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas, mas
sua finalidade também permanece inscrita na pesquisa discipli-
nar”.22
A pluridisciplinaridade, embora traga “algo a mais” em
relação à disciplina que esteja em estudo, ultrapassando esta
disciplina, sua finalidade continua inscrita na estrutura da pes-
quisa disciplinar.23 Já a interdisciplinaridade procura transferir
métodos de uma disciplina para outra.
Ele vê a interdisciplinaridade como um “transpor frontei-
ras”. Transpor fronteiras não significa abandonar aquilo que já
se conquistou, porém aproveitar aquilo que além daquela fron-
teira existe para aperfeiçoar o que há até então. Não significa,
necessariamente, tampouco, modificar o que já se conseguiu,
mas, como se disse, acrescentar, aperfeiçoar.24
Humberto Maturana, falando da Ética, afirma que, “se não
vemos o outro como um legítimo, não nos importamos [com
ele]”.25 Em outra passagem significativa para o que procuramos
registrar, este autor explica:

21
Basarab Nicolescu, Um novo tipo de conhecimento: transdisciplinarida-
de, p. 11.
22
Idem, ibidem.
23
Idem, p. 10-11.
24
Idem, p. 11.
25
Transdisciplinaridade e cognição, p. 99.
INTRODUÇÃO 17

O problema com a ética é que não vemos e porque não vemos


não expandimos nossa visão e porque não expandimos nossa
visão agimos exatamente ao contrário do que diz a transdisci-
plinaridade, ou seja, colocamos fronteiras: isso é bom, isso é
mal, isso é apropriado, isso não é apropriado. Classificamos,
desvalorizamos, rejeitamos.26
Parece-nos que é esta, exatamente, a questão: seguindo a
concepção clássica do “fazer ciência”, deixamos, muitas vezes
propositadamente, de olhar para o lado e enxergar outros aspec-
tos do objeto, da forma como tratado por outra ciência; estabe-
lecemos uma fronteira que não queremos – frequentemente sem
mesmo sequer pensar a respeito – ultrapassar.
No que concerne ao Direito Financeiro e ao Direito Tributá-
rio, v.g., houve um movimento bastante importante – e acertado,
a nosso ver – numa determinada época, no sentido de apartá-los
da “Ciência das Finanças”.
De toda sorte, esclarecemos que usaremos a “interdiscipli-
naridade” no sentido de estudar o orçamento com o auxílio de
outras disciplinas (que não só o Direito Financeiro) jurídicas e
não jurídicas.
Embora reconhecendo a necessidade da interface com ou-
tras disciplinas, neste trabalho se procurará aproveitar o que ou-
tras disciplinas, em especial a Economia, têm a oferecer, frisan-
do que isto será até o limite necessário para informar a interpre-
tação jurídica. Entende-se esta não somente como a dogmática,
mas também não no sentido do que resultaria da análise técnica
de outra matéria não jurídica; é dizer, resumidamente que os as-
pectos histórico e teleológico serão de extrema valia, na medida
em que nos pareça possam eles interferir na interpretação dos
conceitos trazidos pela legislação orçamentária.
A ênfase será dada naquilo que é contemplado pelo Direito
positivo brasileiro, compreendida essa expressão na acepção

Transdisciplinaridade e cognição, p. 99.


26
18 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

mais ampla possível, já com a recepção de conceitos e ideias de


outros universos científicos que entendermos possam se casar
com o Direito posto.
Insistir-se-á na busca pela efetividade desse Direito, pro-
curando fazer valer sempre, e em primeiro lugar, a Constituição
Federal, ponto de partida de todo o Estado e, consequentemente,
do Direito positivo brasileiro, isto seguido de perto pelas demais
leis infraconstitucionais que possuam alguma correlação com o
orçamento.
Dados e análises econômicas serão objeto de referência,
para servirem de ilustração e também para averiguar a subsun-
ção do que ocorre na realidade ao que o Direito prescreve.
Em apoio a esta linha de raciocínio, trazemos à colação sig-
nificativo trecho de Antônio Carlos Cintra do Amaral, que bem
retrata, a nosso ver, a atual tendência que prevalece na interpre-
tação científica:
Não vejo empecilho a que o cientista do Direito busque em
outras ciências noções que lhe permitam aclarar determinados
conceitos jurídicos. É preconceituosa a ideia de que o positivis-
ta jurídico, que vê o objeto da ciência do Direito como sendo
as normas (postas) que compõem o ordenamento jurídico
vigente em um determinado país, oponha-se necessariamen-
te ao estudo interdisciplinar. Tal oposição seria de profunda
indigência mental.27
O nosso raciocínio foi construído, neste trabalho, tendo
em mente o orçamento da União, que é o que melhor permite a
comparação com o que se passa em outros países, em virtude,
principalmente, de a política econômica e financeira ser traçada
por este ente federativo e produzir efeitos sobre toda a nação
brasileira.

Antônio Carlos Cintra do Amaral, O princípio da eficiência no direito


27

administrativo, p. 3.
INTRODUÇÃO 19

Os subtemas relativos ao orçamento, mais talvez que em


outras searas e outros temas, se entrelaçam de modo quase ine-
xorável. Assim, não se estranhe se um assunto, tratado mais de-
tidamente num determinado capítulo, volte a aparecer em outro
ou outros capítulos. Isso, com grande probabilidade, ocorrerá.
O direito comparado foi usado entremeadamente no decur-
so de todo o texto com a especial finalidade de mostrar como as
vicissitudes por que passa o orçamento são tratadas pela legisla-
ção e pelos respectivos governos e na medida em que a experiên-
cia de cada qual pode ser útil à solução de problemas em nosso
país. Por esta razão, não há um capítulo específico sobre direito
comparado e sim a inclusão dele na proporção em que se nos
pareceu adequado a iluminar um determinado tema.
Além disso, como observa Geraldo Vidigal, “as técnicas do
Direito Comparado se apresentam mais úteis às tarefas jurídico-
financeiras do que parecem ser para os demais ramos do Direito,
ressalvado naturalmente o Direito Internacional”.28 Elogiando
o trabalho de Laufenburger, que comparou as finanças públicas
na França, na União Soviética, na Inglaterra e nos Estados Uni-
dos, Vidigal põe de relevo a utilidade da comparação, tendo em
vista ter ficado claras as “afinidades jurídico-financeiras” nesses
quatro povos de organizações e sistemas jurídicos tão diversos.29
Tomamos por base, muito especialmente, os estudos de
Michel Bouvier que, no nosso sentir, possui uma visão ampla,
objetiva, moderna e ao mesmo tempo profunda das finanças
públicas. Eis a razão da invocação frequente dos seus trabalhos,
individuais ou em conjunto com outros autores.
A observação inicial que, de resto, permeia todo o trabalho,
é no sentido de chamar a atenção para a mudança de foco nas
Finanças Públicas como um todo, que passam de um momento
em que a preocupação maior era com relação à regularidade

Geraldo Vidigal, Fundamentos do direito financeiro, p. 85.


28

Idem, ibidem.
29
20 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

das operações com recursos públicos para a era da “eficácia da


gestão”30, sem, evidentemente, que tenha sido deixada de lado a
atenção com a regularidade “formal” das contas públicas.
O paradoxo que se verifica com o fato de que as Finanças
Públicas estão – e sempre estiveram – no centro das grandes
questões que são postas à sociedade contemporânea e a reali-
dade de que, nem por isso, aquelas tiveram reconhecida uma
identidade própria31 deve ser objeto de reflexão. Com efeito, a
não se encontrar uma identidade própria para as Finanças Públi-
cas, surge a indagação sobre a razão de ela existir enquanto tal,
em face da fragmentação dos seus múltiplos componentes em
direção a outras disciplinas.32
De toda sorte, pensamos que o Direito Financeiro é um
instrumento para que o Estado atinja os seus objetivos, na disci-
plina financeira de todo o setor público, bem como em vista da
influência que acaba exercendo em toda a sociedade, pelo fato
de refletir, em última análise, as características de um Estado
num determinado momento histórico.
O tipo de Estado determinará o tipo de finanças públicas
que se deseja construir. A mudança em um Estado refletirá, ine-
xoravelmente, no modelo de disciplina das finanças públicas.
E se, conforme acreditamos, a lei orçamentária (aqui invocada
lato sensu) é a lei mais importante do Estado, ela espelhará, em
termos quantitativos e também qualitativos, o próprio Estado.
Estudar o Orçamento é penetrar no fundo dos problemas
constitucionais e, particularmente nos regimes democráticos
com separação de poderes, é estudar as relações entre o Poder
Legislativo e o Poder Executivo a respeito do ciclo orçamentário
(elaboração, aprovação, execução e controle). Foi a distribuição

30
Nesse sentido manifesta-se também M. Bouvier, Les ambiguïtés fatales
du droit public financier, p. 1.
31
Cf. Idem, ibidem, p. 2.
32
Idem, p. 2.
INTRODUÇÃO 21

de competência em matéria financeira o que designou o verda-


deiro titular do poder político dentro do Estado. As assembleias
de representação popular (Parlamentos, Cortes etc.) nasceram,
principalmente, por motivos financeiros.33
Como a lei mais importante do Estado, a lei orçamentária
afirma a própria existência deste e que diz como ele é e para onde
ele se encaminha,
Alfredo Augusto Becker tem uma passagem exemplar so-
bre a ligação entre o orçamento e o Estado, que transcrevemos
a seguir:
Os Estados, ao se constituírem, são livre de adotarem, ou não,
a regra constitucional de, periodicamente, aprovarem, por
regra jurídica, o Orçamento Público. Quando a Constituição
de um Estado não exigiu a aprovação periódica do Orçamento,
o Estado está constituído por tempo indeterminado. Porém,
se um Estado, ao se constituir, estabeleceu a necessidade de,
após o decurso de um tempo prefixado, criar-se regra jurídica
para aprovar o Orçamento, então, o Estado constituiu-se por
prazo determinado: o período orçamentário. O Estado viverá
o espaço de um orçamento.34
Resumidamente, como ensina Rodríguez Bereijo, “a fina-
lidade da atividade financeira pública [...] consiste em outorgar
efetividade às instituições constitucionais”.35 E, arremataría-
mos, isso feito principalmente por via do orçamento.

33
Álvaro Rodríguez Bereijo, Orçamento I, p. 21, com apoio em Lassale e
Rudolf Goldscheid,
34
Alfredo Augusto Becker, Teoría Geral do Direito Tributário, p. 212, gri-
fos no original.
35
Horacio G Corti, Ley de Presupuesto y derechos fundamentales: los fun-
damentos jurídicos de un nuevo paradigma jurídico-financiero, p. 654.
O texto original diz: “La finalidad de la actividad financiera pública (o
de La Hacienda Pública, de las finanzas públicas, de la renta pública,
del derecho financiero o, en fin, del conjunto sistemático de las técnicas
22 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Enquanto texto, a Constituição não é mais que um con-


junto de signos linguísticos que exigem atividade humana
para plasmar-se na realidade. “Aí, nessa passagem do texto à
realidade empírica, aparece inevitavelmente a exigência do seu
financiamento [da atividade financeira pública]”.36
Não é outro o pensamento de Sánchez Serrano, quando
afirma que “es en la Constitución y en el derecho constitucional
donde puede encontrar unidad, sentido y fundamento el derecho
financiero, al igual que cada una de las restantes ramas del de-
recho”.37
Embora o orçamento seja um documento relativo a receitas
e despesas do Estado, este trabalho não tratará especificamente
de nenhum desses itens, a não ser de passagem, a título ilustrati-
vo visando à formação de uma visão global do orçamento.
Temas importante, também, como, por exemplo, o das po-
líticas pública, não são aqui tratados, porquanto envolvem uma
série de considerações que demandariam e justificariam um
trabalho à parte.
Tampouco trataremos especificamente do controle, pois
afora o controle judicial no tocante à constitucionalidade das
leis orçamentárias, que ainda merece desenvolvimento mais
aprofundado por parte da Suprema Corte, os controles interno e
externo – este principalmente no que toca ao Tribunal de Contas
– parece-nos estar sendo realizado de maneira em geral adequa-
da aos cânones estabelecidos pela legislação. Ressalvaríamos,
talvez, a falta de um melhor “aproveitamento” do que é permiti-
do pelo exame quanto à legitimidade das contas públicas.
Por outro lado, o percurso que seguiremos inicia-se por um
giro na evolução do Estado, já que entendemos que o orçamento

jurídico-financieras) consiste en otorgarle efectividad a las instituciones


constitucionales” (grifos do próprio autor).
36
Alfredo Augusto Becker, Teoría geral do direito tributário, p. 212.
37
Luis Sánchez Serrano, Tratado de derecho financiero y tributario, p. 99.
INTRODUÇÃO 23

será da forma que for um Estado numa determinada época da


História.
Na sequência, cuidaremos da conceituação do “Direito Or-
çamentário”, chegando ao conceito de orçamento, seus aspectos,
sua evolução histórica, sua natureza jurídica, seus princípios.
Em capítulo apartado, cuidaremos do princípio do equilí-
brio orçamentário, que proporciona diversos elementos para se
obter uma visão geral sobre o orçamento.
Outro tema de relevância que escolhemos para versar é o
do chamado “orçamento impositivo”, dada a atualidade da sua
discussão no momento presente em nosso país, em decorrência
de Emenda Constitucional que pretende tornar obrigatória a
execução da parte do orçamento que atribui recursos para as
emendas parlamentares.
Cuidaremos também, como capítulo essencial, do vínculo
entre orçamento e planejamento, que foi realçado a partir do
momento em que se passou a enxergar o orçamento como agente
ativo na economia das nações.
Da mesma forma, optamos por nos ocupar do controle da
constitucionalidade da lei orçamentária pelo Supremo Tribunal
Federal, cuja abertura para esta análise já está a produzir efeitos
benéficos para as instituições e para a sociedade e que, presumi-
velmente, serão alargados com o passar do tempo.
Por fim, apresentaremos algumas ideias que vislumbramos
como recorrentes quer no estado atual das coisas quer na condi-
ção de propostas para o futuro.
Se, com este percurso, tivermos obtido êxito em provocar a
reflexão do leitor, já nos daremos por satisfeitos.
25

Capítulo 1
ALGO SOBRE O ESTADO

Sumário: 1.1 Introdução – 1.2 Origem – 1.3 Evolução histórica


do Estado: 1.3.1 Idade Antiga; 1.3.2 Idade Média; 1.3.3 Idade
Moderna.

1.1 Introdução
Tendo em vista que entendemos que orçamento – assim
como as finanças públicas – é um instituto intrinsecamente li-
gado ao Estado, que ele será pensado de acordo com o modelo
de Estado, é imperioso passar, ainda que a voo de pássaro, pela
evolução desse ente criado pelo povo e que o acompanha perma-
nentemente (pelo menos até os dias de hoje).
Os fins da atividade financeira variam de acordo com o
papel desempenhado pelo Estado no seio da sociedade. Em
longa evolução, marcada por avanços e retrocessos, é possível
verificar, mormente após o surgimento da figura do Estado tal
qual conhecida nos dias atuais, fruto do período denominado
Estado Moderno, diversificados perfis em sua atuação. De mero
observador dos eventos sociais, em atitude predominantemente
abstencionista, no Estado Liberal, a uma atuação ativa, bastante
intervencionista, no Estado Social, com certo recuo no final do
século passado, certo é que, por ser um ente em permanente
construção, a depender dos valores pregados em dado período,
está longe o final de sua história.
A variabilidade de sua atuação, a depender de seu perfil, foi
corretamente sintetizada por Fonrouge, quando diz:
26 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

[...] si éste debe ser un mero espectador de los problemas que


se plantean en materia económica y social, la actividad finan-
ciera necesariamente adoptará carácter pasivo y estático; por
el contrario, si se establece que debe actuar positivamente en
ellos con el fin predeterminado de encauzarlos en determinado
sentido, entonces aquella actividad adoptará una modalidad
activa y dinámica.38
A cada tipo de Estado correspondem características bem
definidas, com nítidos reflexos em matéria financeira, tendo
em vista, sobretudo, sua característica instrumental (atividade-
-meio). As necessidades públicas, tema fulcral do Direito
Financeiro, são mais alargadas quando o perfil do Estado exi-
ge sua atuação positiva, de modo a agigantar sua estrutura e
métodos interventivos, por meio das finanças estatais. Quando
diminutas, por outro lado, o instrumental financeiro sofre con-
siderável abrandamento, tornando desnecessário todo aquele
instrumental.
Para compreender, assim, sua missão, da qual resultará
aquela maior ou menor atuação em matéria financeira, necessá-
rio que se lancem os olhos para sua origem, evolução, elementos
estruturadores e sua atual concepção.
Deve-se advertir, de início, que a tarefa se reveste de certa
complexidade, pois, há muito já advertia Hans Kelsen,
[...] compréndese que no puede haber teoría alguna del Es-
tado, sea cual fuere el punto de vista con arreglo al cual se la
desenvuelva, cuyos resultados afecten al Estado en cuanto tal,
ni puedan considerarse totalmente satisfactorios. Es forzoso
que hayan de quedar intactos algunos de los muchos Estados
o, mejor, alguno de los muchos objetos considerados como
Estado que cada autor tiene presente. Y como quiera la mul-
tiplicidad de sentidos de la palabra Estado es casi ilimitada,
hay que considerar también totalmente estéril emprender la
lucha por tal concepto, con la finalidad de mostrar cuál se ala

Carlos M. Giuliani Fonrouge, Derecho financiero, p. 16.


38
ALGO SOBRE O ESTADO 27

significación justa, única admisible entre las muchas indicadas,


y que fácilmente podrían aumentarse.39
De tal conclusão não destoa Dalmo Dallari quando afirma
que
[...] encontrar um conceito de Estado que satisfaça a todas
as correntes doutrinárias é absolutamente impossível, pois
sendo o Estado um ente complexo, que pode ser abordado sob
diversos pontos de vista e, além disso, sendo extremamente
variável quanto à forma por sua própria natureza, haverá tantos
pontos de partida quantos forem os ângulos de preferência dos
observadores.40
Verificaremos a seguir a evolução desse ente complexo,
ainda que em linhas gerais, como forma de melhor compreender
seu atual estágio de evolução, valendo repisar que diversas são
as possibilidades de sua análise, optando-se, aqui, pelo estudo
dos elementos que consideramos de maior utilidade para o de-
senvolver deste trabalho.

1.2 Origem
O termo “Estado”, na acepção ora utilizada, ligada à so-
ciedade política dotada de situação estável de convivência, tem
sua origem na conhecida obra de Maquiavel, O Príncipe, datada
de 1513.41 Não obstante, conforme clássica doutrina a respeito
do tema, sua origem precede e muito àquele cognome, sendo
comum a afirmação de que ainda no período do Estado Antigo
já havia um esboço de algumas características elementares do
Estado.
Não é difícil de aceitar esta conjectura, pois o elemento
associativo é um traço marcante do ser humano, trazendo-lhe
inúmeros benefícios, apresentando vantagens em relação ao

39
Hans Kelsen, Teoría general del Estado, p. 6.
40
Dalmo Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 119.
41
Paulo Bonavides, Ciência política, p. 66.
28 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

isolacionismo, que, desde tempos idos, tem sido visto como um


comportamento incomum, apartado da essência mesma huma-
na.42
Em linhas singelas, na tarefa de definir o elemento volitivo
que dá formação à sociedade, duas correntes principais dispu-
tam espaço, quais sejam: a) os contratualistas, que defendem
que a vida em sociedade se estabelece de um ato puramente ra-
cional; e b) os naturalistas, que entende a sociedade como o pro-
duto de um simples impulso associativo natural e da cooperação
da vontade humana, predominando, hodiernamente, a aceitação
de que a sociedade é resultante de uma necessidade natural do
homem, sem excluir a participação da consciência e da vontade
humana.43
Na origem dos Estados, por sua vez, há aqueles que apre-
goam que tanto Estado como sociedade sempre coexistiram,
pois, desde que o homem vive sobre a Terra, acha-se integrado
em uma organização social, dotada de poder e com autoridade
para determinar o comportamento do grupo; outros que admi-
tem que a sociedade precedeu o Estado durante certo período e,
por razões diversas, este último foi constituído para atender às
necessidades ou às conveniências do grupo; e há, ainda, os que
só admitem como Estado a sociedade política dotada de certas
características muito bem definidas, o que, em rigor, somente
veio a ocorrer no século XVII.44
A origem do Estado, contudo, é problema dos mais difíceis,
porquanto, segundo escólio doutrinário de Sahid Maluf,

42
Conforme discorre Dallari (Elementos de teoria geral do Estado, p. 22),
citando Aristóteles, “só os indivíduos de natureza vil ou superior pro-
curam viver isolados”; tratando, também, como exceção, tem-se Santo
Tomás de Aquino.
43
Dalmo Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 30.
44
Idem, p. 60.
ALGO SOBRE O ESTADO 29

[...] a ciência não dispõe de elementos seguros para recons-


tituir a história e os meios de vida das primeiras associações
humanas. Basta ter em vista que o homem apareceu na face da
terra há cem mil anos, pelo menos, enquanto os mais antigos
elementos históricos de que dispomos remontam apenas a
seis mil anos.45
A importância de estudar o tema vem bem apontada com
Jorge Miranda, ao sustentar ser
[...] possível (e necessário) tomar cada fase, forma histórica
ou manifestação do Estado com os seus elementos específi-
cos definidores (que acrescem aos elementos definidores do
Estado em geral), em confronto com as outras fases, formas
ou manifestações do Estado, para se chegar ao conceito de
tipo de Estado.46
A evolução do Estado aqui empreendida segue a clássica
formulação cunhada por Jellinek, tomando por base os tipos
de Estado, relacionando-os com o Estado atual, é dizer: Estado
oriental, grego, romano, medieval e moderno. Anote-se, ainda
com apoio nas lições de Jorge Miranda, que
[...] quer como ideia ou concepção jurídica ou política quer
como sistema institucional, o Estado não se cristaliza nunca
numa fórmula acabada; está em contínua mutação, através de
várias fases de desenvolvimento progressivo (às vezes regres-
sivo); os fins que se propõe impelem-no para novos modos de
estruturação e eles próprios vão-se modificando e, o mais das
vezes, ampliando.47
A formulação referida, ainda que não esteja imune a críti-
cas, tem o mérito de separar, em tipos específicos, que guardem
peculiaridades próprias, de modo a permitir sua delimitação, os
diversos modelos de Estado surgidos ao longo da história. Não

45
Sahid Maluf, Teoria geral do Estado, p. 69.
46
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, p. 50.
47
Idem, p. 49.
30 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

obstante, vale registrar que o Estado, tal qual conhecido hoje,


com seus elementos integradores, que abaixo serão enumera-
dos, é fruto de época muito mais recente, da denominada Idade
Moderna. Tal conclusão não dispensa, contudo, a análise, em
linhas gerais, de sua evolução até mesmo para que seja possível
compreender melhor suas características.

1.3 Evolução histórica do Estado

1.3.1 Idade Antiga


Conforme pontuamos no início do presente tópico, desde
o Estado Antigo já se mostra possível observar a existência de
alguns elementos caracterizadores da estrutura do Estado.
Compreende-se como Idade Antiga o período que vem
desde 3000 a.C. até o século V da era cristã, quando o império
romano desmoronou ante a invasão dos bárbaros, o que dá início
à Idade Média.
Típica deste Estado é a concentração de poderes nas mãos
do Rei, com fundamento na teocracia. Ensina Jorge Miranda48
que essa fase, a que se chama de Estado Oriental, possui as se-
guintes características:
Como traços mais marcantes do Estado do Médio Oriente
apontem-se: Teocracia, ou seja, poder político reconduzido
ao poder religioso; forma monárquica (combinada com a
teocracia, porquanto o monarca é adorado como um deus);
ordem desigualitária, hierárquica e hierática da sociedade;
reduzidas garantias jurídicas dos indivíduos (o que, todavia,
não significa necessariamente que eles ou que todos eles sejam
degradados a meros objetos sem quaisquer direitos); larga ex-
tensão territorial e aspiração a constituir um império universal.
As principais civilizações do período foram: o Estado Egíp-
cio, o Estado da Mesopotâmia, o Estado Hindu e o Estado He-

Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, p. 51-52.


48
ALGO SOBRE O ESTADO 31

braico. Nestes, predominavam aquelas características comuns


anteriormente referidas, com diferenças mais marcantes no que
tange ao perfil religioso, fundamento do poder, bem como quan-
to à aplicação deste poder em relação ao território. Portanto, no
Estado Egípcio o monarca era o próprio deus na terra (teofania)
e nos demais aquele era o representante da divindade; apenas
o Estado Hebraico adotava o monoteísmo; no Estado Hindu,
havia certa descentralização de poder (inexistente nos demais)
por meio dos Rajás (rei, chefe ou senhor da aldeia), pertencente
à casta dos Ksatryas, proveniente do Deus Brahma.49
Aponta Sahid Maluf, tratando do Estado de Israel, que este
“é uma exceção entre os Estados antigos do Oriente”, pois era
[...] caracteristicamente democrático, no sentido de que todos
os indivíduos tinham a proteção da lei, inclusive contra o poder
público. O povo não tinha participação efetiva nos negócios
do Estado; entretanto, o governo dava proteção aos fracos e
desamparados, fossem cidadãos ou escravos, nacionais ou
estrangeiros.50
Ademais, era ele forjado no monoteísmo, recusando a natu-
reza divina dos reis, tendo como princípio a submissão destes à
lei ditada por Deus.51
Deve-se registrar, com Aliomar Baleeiro, que é desta época
o trabalho do pensador hindu Kautylia, denominado Artaçastra,
que, ao menos incidentemente, tratou de aspectos da atividade
financeira.52 Em data mais remota, ainda na antiguidade clássica,
tem-se notícia, conforme assinala Charles Adams, de atividade
arrecadatória de tributos na civilização da Suméria, localizada
entre o Rio Tigre e o Eufrates, área que é o atual Iraque. Confor-

49
Rodrigo Arnoni Scalquette, História do direito: perspectivas histórico-
-constitucionais da relação entre Estado e religião, p. 6-16.
50
Sahid Maluf, Teoria geral do Estado, p. 111.
51
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, p. 52.
52
Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças, p. 11.
32 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

me revela o autor, foram instituídos pesados encargos tributários


durante a guerra, sem que, com o término desta, deixasse aquela
civilização de abrir mão do poder de arrecadação.53 Apontando,
também, esta última civilização como um dos mais antigos re-
gistros acerca das finanças tem-se João Ricardo Catarino.54
No curso da história, denominada Antiguidade Clássica,
floresceram os Estados grego e romano, com o modelo da Pólis,
naquele primeiro, e da Civitas, neste último, ambos definidores
das chamadas Cidades-Estados.
Como característica de maior expressão no Estado Grego,
a Polis formava uma sociedade política, visando, como ideal, à
autossuficiência, despontando, também, certo caráter democrá-
tico nos rumos do governo, se bem que restrito a determinadas
camadas da população. Dada a sua geografia, várias cidades
independentes foram formadas, o que leva autores a afirmar a
inexistência de unidade política, não se podendo falar em um
verdadeiro Estado grego.
Diferente das monarquias orientais, há, aqui, quebra do
caráter místico dos governantes. Assevera-se, assim, que primi-
tivamente o Estado Romano era monárquico do tipo patriarcal,
tendo evoluído da realeza hereditária para a república, tal como
se deu com a Pólis grega.
Como traços característicos de ambos os Estados, anota
Sahid Maluf que:
O Estado romano, muito semelhante ao Estado grego, tinha
suas características peculiares: distinguia o direito da moral,
limitando-se à segurança da ordem pública; a propriedade
privada era um direito quiritário que o Estado tinha empenho
em garantir; o homem gozava de relativa liberdade em face
do poder estatal, não sendo obrigado, praticamente, a fazer ou

53
Charles Adams, For good and evil: the impact of taxes on the course of
civilization, p. 1-2.
54
João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 30.
ALGO SOBRE O ESTADO 33

deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; o Estado


era havido como nação organizada; a vontade nacional era a
fonte legítima do Direito. Tais características são expostas em
interessantes detalhes, nas obras de Cícero.55
Desta época é possível observar escritos que tratavam de
finanças públicas, conforme ensinamento de Alimoar Baleeiro,
quando aduz que
[...] as mais remotas tradições, nesse assunto, datam das co-
gitações de Xenofonte (430 ou 445-352 a.C.), em seu escrito
sobre os empréstimos e rendas de Atenas e de suas minas de
prata. Citam-se, ainda, fragmentos de Aristóteles (484-322
a.C.), de Plínio (62-120), de Tácito (55-120), de Cícero (107-
42 a.C.) e outros.56
Em didática passagem, Regis Fernandes de Oliveira re-
lata que, “na Grécia antiga, na denominada Cidade-Estado,
encontram-se os albores de um Fisco organizado, inspirado no
princípio do interesse público. Não brota a concepção de um sis-
tema fiscal; nasce a noção de coerção que não atinge a liberdade
individual do grego”, acrescentando, ao aludir a Roma, valendo-
-se dos ensinamentos de Sainz de Bujanda, que “Roma criou tri-
butos e classificou os cidadãos, segundo sua fortuna, para medir
seus deveres fiscais”.57
Como legado deixado por Roma em matéria fiscal, Diogo
Leite Campos aponta o seguinte:
O imposto como produto e instrumento da opressão, crescendo
à medida que se desenvolve a máquina político-administrati-
va; assente na força pura, sem referência à justiça. O imposto
“nasceu” em Roma caracterizado pela odiositas, fundado
sobre a sua essência de mal necessário, limitação do Direito
pela força da justiça que realizavam como instrumento de

55
Sahid Maluf, Teoria geral do Estado, p. 119.
56
Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças, p. 10.
57
Regis Fernandes de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 73-74.
34 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

cooperação entre homens livres e iguais. O cáracter do imposto


como produto e instrumento de um sistema de dominação
foi evidente desde a grave crise do que o Império Romano
atravessou a partir do século III. No decurso do principado
de Diocleciano a economia e a sociedade são organizadas em
termos de acampamento militar. O imperador estabelece a
coacção como único instrumento de estabilização. Impõe-se
uma escala de preços máximos para uma imensa lista de bens
e serviços, estabelecendo como única sanção, para infractores,
a morte. Simultaneamente, os impostos, destinados a manter
uma máquina administrativa e militar crescente, aumentaram
rapidamente. Criou-se um conjunto de impostos para financiar
o aparelho administrativo e militar; um imposto geral sobre as
vendas; um imposto sobre o rendimento; múltiplas prestações
de serviços obrigatórios (transporte, fabrico de pão etc.). As
atividades profissionais foram organizadas em corporações,
elementos e instrumentos do Estado, com caráter coactivo
e hereditário. Na última fase de sua história, a romanidade
transforma-se numa comunidade em que todos trabalham, mas
ninguém para si próprio. A propriedade mantém-se, é certo,
como “fundamento inamovível das relações humanas”; mas
a sua função deixou de ser ligada “naturalmente” à satisfação
das necessidades de seu titular, para satisfazer os interesses
públicos.58
Ainda que seja possível vislumbrar aspectos que possam
evidenciar algum tipo de atividade financeira nesses Estados
Antigos, importante esclarecer, com apoio em Héctor Villegas,
que não seria acertado atribuir a tais atividades um alcance cien-
tífico, pois sua condução se dava de maneira muito distinta do
processo econômico atual, eis que a onipotência desses tipos de
Estado não permitia a discussão de assuntos públicos.59

58
Diogo Leite de Campos, A jurisdicização dos impostos: garantias de ter-
ceira geração, p. 87-88.
59
Héctor Belisario Villegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tribu-
tario, p. 24-25.
ALGO SOBRE O ESTADO 35

Isso porque, além da inexistência de sistematização, im-


prescindível à cientificidade de dada matéria, não havia campo
fértil para que fossem aplicadas as finanças públicas, tal qual
conhecidas hoje, fruto do denominado Estado de Direito, in-
compatível com a citada onipotência da época antiga.

1.3.2 Idade Média


Em etapa seguinte da história, não necessariamente em
evolução, tem-se o que se chamou de Estado Medieval, que teve
início com a queda do Império Romano, no começo do século V,
em decorrência das invasões bárbaras.
De acordo com Dallari, o Estado Medieval60 teve como
principais elementos presentes o cristianismo, as invasões bár-
baras e o feudalismo, com a seguinte caracterização:
Um poder superior, exercido pelo Imperador, com uma infinita
pluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida; uma
incontável multiplicidade de ordens jurídicas, compreendendo
a ordem imperial, a ordem eclesiástica, o direito das monar-
quias inferiores, um direito comunal que se desenvolveu
extraordinariamente, as ordenações dos feudos e as regras
restabelecidas no fim da Idade Média pelas corporações de
ofícios.
Uma das principais características do período é a suprema-
cia do Papa sobre os Reis, pois este “não é a representação de
Deus na terra – como no Estado Antigo –, mas sim um integrante
da realeza que recebe da igreja o poder civil (temporal), até ser

Dalmo Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 77, com apoio


60

em Jean Rivero, expõe como característica do período feudal, especifica-


mente na França, a “confusão das atividades públicas e privadas”, isto é,
“as corporações e as comunidades, locais ou profissionais, laicas ou ecle-
siásticas, assumem uma grande parte das atividades do interesse geral, ao
mesmo tempo que defendem os seus próprios interesses; a fronteira entre
o privado e o público não se deixa entrever”. Tal confusão caracteriza, na
classificação de Ricardo Lobo Torres, o denominado Estado Patrimonial.
36 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

sucedido por outro que exercerá igual poder”.61 Ainda que pu-
dessem os “poderes” existentes nesse Estado – imperador, rei,
papa etc. – editar leis, segundo a doutrina da época, tais leis não
podiam contradizer o direito natural.62
É de Catarino a observação de que
[...] o poder financeiro neste período radicava num modelo
cujo exercício era repartido pelos diversos agentes sociais
– o rei, a igreja e os nobres – sendo que todos eles cobravam
impostos que tinham tanto natureza pessoal como real, isto é,
tomavam em consideração quer o sujeito em si mesmo, numa
base comutativa (imposto por cabeça) como em função das
propriedades ou transações realizadas.
Aqui, prossegue o autor, tinha o Estado
[...] uma feição patrimonial, sendo deste que deveriam ser
retirados os meios financeiros para o sustento das despesas pú-
blicas. Logo assim, o imposto tinha uma natureza excecional,
o que explica a relutância com que os povos o aceitavam e os
cuidados no seu lançamento. À medida, porém, que o modelo
social medieval avançava no tempo, as receitas fiscais torna-
ram-se cada vez mais normais, complementando com carácter
de permanência, e não de excecionalidade, os recursos postos
à disposição do Rei.63
O período medieval, em vigor o regime feudal, foi respon-
sável, na Inglaterra, em 1215, pela conhecida Magna Carta, es-
crita pelo Rei João Sem Terra (King John Lackland), documento
que, dadas as pressões dos barões feudais, principais integrantes
do Conselho Comum (Common Council), buscou limitar o po-
der de tributar do rei.

61
Rodrigo Arnoni Scalquette, História do direito: perspectivas histórico-
-constitucionais da relação entre Estado e religião, p. 47.
62
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Estado de Direito e Constituição, p. 8.
63
João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 36-38.
ALGO SOBRE O ESTADO 37

Embora grande parte da doutrina aponte ser desse período


a origem do que conhecemos hoje como orçamento,64 afirma
Ricardo Lobo Torres:
Com efeito, é inútil procurar antes das revoluções liberais
dos séculos XVII e XVIII a figura do orçamento. No mundo
patrimonial já surgia a autorização dos estamentos e das cortes
para a cobrança de impostos. Na Inglaterra a partir de 1215
e em Portugal, mais remotamente, tornava-se necessário o
consentimento para que o Rei pudesse lançar tributos, que
tinham o caráter extraordinário e só se justificavam quando
insuficientes os ingressos dominiais. Mas esses impostos, a
rigor, não se confundem com os que permanentemente passam
a ser cobrados a partir da instauração da estrutura liberal de
Governo, posto que eram apropriados privadamente, sem a
nota da publicidade que marca os tributos permanentes. Era
difícil distinguir a Fazenda do Rei e a do Estado, as despesas
do Rei e do Reino, as rendas da Coroa e do Reino.65
As constantes brigas entre a Igreja e o Imperador, com a
prevalência do poder monárquico, ao final, sendo expressivo
dessa vitória o episódio da prisão do Papa Bonifácio VIII, pelo
Rei da França, Felipe, o Belo, cedeu espaço ao Absolutismo
monárquico, cujo esplendor se deu durante os séculos XVII e
XVIII.

1.3.3 Idade Moderna


Inicia-se, assim, a denominada Idade Moderna, coincidin-
do com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos no
ano de 1453.

64
Arizio de Viana aponta ser a Magna Carta, enquanto Aliomar Baleeiro
vai mais longe no tempo, indicando a Cúria Régia na Penísula Ibérica e,
bem assim, os Estados Reais na França, respectivamente nos séculos XI
e XII.
65
Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-
butário, p. 3.
38 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Em decorrência da ascensão do poder monárquico, foi


possível a obtenção de unidade, com a concretização de um
poder soberano, “reconhecido como o mais alto de todos den-
tro de uma precisa delimitação territorial”, conforme assinala
Dallari. Aqui, mormente após o tratado de paz da Westfália,
pondo fim à “guerra dos trinta anos”, no qual foram reco-
nhecidos limites territoriais dos respectivos governos, com
o compromisso de respeito das soberanias correspondentes,
pode-se vislumbrar a presença das três características que
retratam a formação do Estado moderno: o território, o povo
e a soberania.66
Efetivamente, é somente no Estado Moderno67 que se faz
possível a junção daqueles três elementos, de maneira cumu-
lativa, tornando possível sua definição, tal qual hodiernamente
propagada. É o que expõe Marcello Caetano quando aduz que
este Estado “surgiu com a Idade Moderna, sobre as ruínas do
feudalismo”, acrescentando que sua “existência depende de
haver um povo que tenha o senhorio de um território e seja
dotado do poder de se organizar politicamente. Por isso se diz
que os ‘elementos do Estado’ são o povo, o território e o poder
político”.68

66
Dalmo Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 78.
67
Ivo Dantas (Teoria do Estado contemporâneo, p. 75), após criticar a de-
nominação “Estado Moderno”, por ser contraditória, uma vez que Esta-
do, como forma de organização política, é produto da Idade Moderna,
aponta que o Estado Moderno distingue-se dos seus antecedentes pelos
seguintes elementos: monárquico-absoluto e soberano; laico; nacional e
burocrático.
68
Marcello Caetano, Manual de ciência política e direito constitucional,
p. 122. Esclarece, ainda, o autor, que o Estado Moderno “teve por base
o desenvolvimento da economia mercantil e a libertação das socieda-
des civis do domínio temporal da Igreja e assentou na concentração do
poder nas mãos do príncipe e no despertar da consciência nacional, que
permitiu encontrar um fundamento e um fim despersonalizados para o
poder”.
ALGO SOBRE O ESTADO 39

O fundamento do poder real centrou-se, inicialmente, na


obra divina, para, em um segundo momento, ter bases raciona-
listas, no que se denominou de “despotismo esclarecido”.69
Como características principais desse período, aponta Dio-
go Freitas do Amaral70 as seguintes:
Centralização completa do poder real; enfraquecimento da
nobreza, ascensão da burguesia; não convocação das Cortes;
a vontade do Rei como lei suprema (l’État c’est moi); culto
da razão de Estado; incerteza do direito e extensão máxima
do poder discricionário (“Estado de Polícia”); o Estado como
reformador da sociedade e distribuidor das luzes – “o des-
potismo esclarecido”; recuo nítido em matéria de garantias
individuais em face ao Estado.
Típico da época é o desdobramento que se faz entre Estado
e Fisco, sendo aquele (o Estado propriamente dito) dotado de
soberania, enquanto este é entidade de direito privado e sem
soberania, por meio do qual são firmadas relações jurídicas com
os particulares. Explicando tal teoria, aduz Maria João Estorni-
nho71 que:
No entanto, também é verdade que, nesta época, não seria
admissível qualquer acção judicial contra a Coroa, para
dirimir os eventuais litígios que pudessem surgir com os
particulares. Isso explica precisamente que, na perspectiva
da defesa dos súditos, a solução engendrada tenha sido a de
criar, ao lado do “conceito nebuloso de Estado” (Rogério
Soares), uma entidade de direito privado a quem pudesse
ser imputada a responsabilidade dos eventuais prejuízos
causados aos particulares.

69
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, p. 80-81.
70
Diogo Freitas do Amaral, Curso de direito administrativo, p. 67.
71
Maria João Estorninho, A fuga para o direito privado: contributo para
o estudo da atividade de direito privado da Administração Pública, p.
24-25.
40 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Assim surge a teoria do Fisco, baseada no referido desdobra-


mento entre, por um lado, o Estado que tem poder soberano,
mas não tem patrimônio e, por outro lado, o Fisco que apenas
tem patrimônio e não é dotado de poder público.
Em bom rigor, o Fisco não passava de uma ficção, através da
qual era possível que o Rei, sem perda de soberania, pudesse
estabelecer relações jurídico-privadas com os particulares,
celebrando contratos, comparecendo em juízo e estando su-
jeito a que, contra ele, os particulares reivindicassem seus
direitos. Rogério Soares afirma que esta construção jurídica
parece hoje em dia “bizarra e artificial”, mas que foi, à época,
“o único remédio” para assegurar alguma garantia aos inte-
resses particulares.
Dessa era extraem-se trabalhos de grandes pensadores po-
líticos que influíram sobremaneira nos rumos do Estado. Assim,
embora Hobbes72 (1588-1676) defendesse a monarquia absoluta
como forma de manutenção da sociedade, não tardou para que
Locke73 (1632-1704) lançasse luzes ao poder limitado, em extre-
ma oposição àquele absolutismo pregado pelo primeiro, assim
como outros pensadores, a exemplo de Montesquieu74 (1689-

72
Como resenha da ideia desse pensador, veja-se: Alberto Dalla Via, Edu-
ardo Graña, Nicolas Sisinni e Marcela Basterra, Manual de teoría del
Estado y del gobierno, p. 238: “Desde el comienzo de sus obras, no deja
de criticar la separácion de poderes y sostiene vigorosamente el princi-
pio de la soberania absoluta e ilimitada pues, en su criterio, el soberano
(amo) no tiene ningún limite exterior a su poder: es omnipotente. No pa-
rece importarle a Hobbes las desviaciones que podría traer aparejado este
absolutismo. Según su critério el único capaz de castigar al soberano, en
caso de haber sido injusto o tirano, será Dios”.
73
São dos mesmos autores a seguinte síntese: “Algunos autores afirman
que Locke es el padre del constitucionalismo moderno. Siendo un fervo-
roso defensor del poder limitado, partiendo de la base de que la soberanía
no es del príncipe sino del Pueblo, aparece en el lado opuesto al absolu-
tismo de Hobbes. Para Locke, en efecto, el hombre es un ser razonable y
la libertad es inseparable de la felicidad” (Idem, p. 242).
74
Seus principais legados, conforme os autores acima citados, são: “Prin-
cipios fundamentales como el gobierno de la ley, la inviolabilidad de
ALGO SOBRE O ESTADO 41

1755) e Rousseau75 (1712-1778), que, igualmente, sustentaram


ideais libertadores, na tripartição de poderes e, bem assim, na
noção de soberania popular.
As finanças públicas no período podem ser assim definidas,
conforme Catarino:
[...] neste período, a realidade financeira é fortemente condicio-
nada pelas ideias de um Estado ultracentralizador, que molda o
arquétipo financeiro do todo social. Porque este é um momento
de viragem da história das ideias e dos factos políticos, é aqui
que se pode olhar o aspecto final do fenómeno financeiro depois
de um lento processo evolutivo, que fluiu ao longo de mais de
dez séculos. É neste momento que melhor se pode também
compreender as sementes da mudança. [...] A riqueza deste
período não é tanto pelo que ele trouxe de novo, mas o modo
como refinou o papel do Estado político e financeiro e como
interveio na economia e no desenvolvimento económico.76
Tratou-se mais de procurar obter ganhos de eficiência num
contexto político e económico onde as receitas eram muito
variadas, onde o Estado era agente cobrador e empreendedor

ámbito de reserva de los poderes, el sentido servicial de la libertad polí-


tica frente la libertad civil, la separación de poderes, para evitar el des-
potismo y cualquier exceso del poder, el carácter temporal y limitado de
las medidas de emergencias y muchos otros que se han incorporado al
constitucionalismo reconocen a Montesquieu como su primer formula-
dor sistemático” (Idem, p. 248).
75
Ao relacionar as principais ideias do pensador político, expõem aque-
les autores que: “La voluntad general emanada del pueblo constituye la
fuente de la soberanía, que se expresa por medio de la ley”, acrescentan-
do que “en la monarquía un individuo representa al ser colectivo. [...]
Muerto un rey hace falta instalar otro, y las elecciones dejan intervalos
peligrosos; para prevenir esto se han hecho las coronas hereditarias en
ciertas familias y se ha establecido un orden de sucesión tratando de evi-
tar disputas. Esto sustituye el inconveniente de las elecciones, pero se
asume el riesgo de tener por jefes a niños, a monstruos, a imbéciles, antes
que tener discutir sobre la elección de Buenos reyes” (Idem, p. 252-253).
76
Nesse período, que antecede o Estado de Direito, tem-se o que Ricardo
Lobo Torres denomina de Estado de Polícia.
42 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

e em que as doutrinas económicas do mercantilismo se con-


fundiam com uma crescente complexidade das sociedades e
dos factos sociais.77
O “Estado absoluto”, pode-se ver, era um regime que sufo-
cava a sociedade em todos os setores da vida (econômico, reli-
gioso, político, jurídico etc.). Assim, não havia espaço na época
para garantias processuais, liberdade econômica, liberdade de
crença, sendo, ademais, enorme a carga tributária cobrada dos
súditos, que, além de cobrir despesas com guerras, faziam frente
aos inúmeros caprichos do Rei.78
Tal cenário, somado ao enfraquecimento da Igreja, resul-
tante da reforma protestante, ao movimento do Iluminismo, bem
como às ideias liberais, abriu o caminho para as denominadas
revoluções liberais, ocorridas nos séculos XVII e XVIII, com o
surgimento do chamado Estado de Direito, de cunho nitidamen-
te liberal.79
O termo “liberalismo”, explica Canotilho, “engloba o li-
beralismo político, ao qual estão associadas as doutrinas dos
direitos humanos e da divisão dos poderes, e o liberalismo
econômico, centrado sobre uma economia de mercado livre
(capitalista)”.80
Essa nova concepção de Estado,81 em substituição ao poder
absoluto do soberano, tem como diplomas mais significativos a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789, decorrente da Revolução Francesa, e a Declaração de Di-
reitos da Virgínia, de 1776, originada da Revolução Americana

77
João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 38-39.
78
George Marmelstein, Curso de direitos fundamentais, p. 43.
79
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, p. 87.
80
J. J. Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 109.
81
Na definição de Ricardo Lobo Torres, a tal período corresponderia o Es-
tado Fiscal, que, nesse primeiro momento, foi tido como Estado Fiscal
Minimalista.
ALGO SOBRE O ESTADO 43

(Independência dos Estados Unidos). A palavra de ordem aqui


era liberdade, fundamento da limitação do poder político.82
Com efeito, nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Fi-
lho, o Estado nesse período era visto como inimigo da liberdade,
portanto,
[...] na proposta de refazer a sociedade, as instituições, o Esta-
do, inclui-se a transformação deste de inimigo em garante da
liberdade. O Estado justamente organizado seria o defensor da
liberdade. E não haveria o Estado retamente estruturado sem
que o poder estivesse limitado, dividido e exercido, se não pelo
próprio povo (pela “vontade geral” na versão de Rosseau), por
“representantes”.83
Acrescenta o autor que
[...] é ao Direito que o liberalismo, descendente direto e ime-
diato do iluminismo, confia a tarefa de limitar, instituir e orga-
nizar o Poder, bem como de disciplinar a sua atuação, sempre
resguardando-se o fundamental: a liberdade, os direitos do
homem. Tal Estado submetido ao império do Direito veio a ser
chamado, já no século XVIII, de Estado de Direito.
Segundo o escólio doutrinário de José Afonso da Silva,
[...] na origem [...], o Estado de Direito era um conceito ti-
picamente liberal. Suas principais características foram: 1)
Submissão ao império da lei, sendo a lei considerada como
ato emanado formalmente do Poder Legislativo, composto de
representantes do povo, mas do povo-cidadão; 2) Divisão de
poderes, que separe de forma independente e harmônica os
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; 3) Enunciado e
garantia dos direitos fundamentais.84

82
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, p. 87.
83
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Estado de Direito e Constituição, p. 3.
84
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 112-
113.
44 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Surgem, assim, os direitos fundamentais de primeira gera-


ção, que são também conhecidos como direitos individuais da
pessoa humana em relação ao Estado. Esses direitos são carac-
terizados, normalmente, por uma obrigação de não fazer (obri-
gação negativa) por parte do Estado, ou seja, uma abstenção.
São os direitos civis e políticos, compreendidos nas liberdades
clássicas (liberdade, propriedade, vida e segurança). A primeira
geração dos direitos fundamentais surge, então, para fazer repe-
lir as ofensas abusivas do Estado.
No Estado Liberal, verifica-se uma aparente despolitiza-
ção do Estado, que deixa de promover fins políticos próprios,
afigurando-se como um mero instrumento neutro e disponível,
para assegurar o laissez-faire, ou seja, para garantir o livre jogo
dos interesses econômicos.
Nesse período, o fenômeno financeiro começa a ser anali-
sado pelo prisma científico, conforme assinala Laptaza, citando
os ensinamentos de outro financista:
Inserta Giannini, al iniciar sus magistrales “Instituciones
de Derecho Tributario”, las siguientes palabras que ponen
de relieve la singular importancia que en nuestro tempo ha
adquirido el aspecto jurídico del fenómeno financiero y, por
consiguiente, la necesidad de un examen científico del mismo:
“constituye” dice [Giannini], “una reconocida exigencia del
Estado moderno, que precisamente en cuanto la pone en prác-
tica recibe el nombre de Estado de Derecho, la de que todas
sus manifestaciones de voluntad en el campo administrativo
y los consiguientes vínculos jurídicos con los particulares
encuentren en la ley su disciplina fundamental”.85
No âmbito financeiro é possível assinalar que esse modelo
resultou na não intervenção do Estado na Economia, no equilí-
brio orçamentário e na necessidade de prévia autorização para

Jose Juan Ferreiro Lapatza, Curso de derecho financiero español, p. 36.


85
ALGO SOBRE O ESTADO 45

contratação de empréstimos públicos,86 assim como a limitação


extrema dos gastos públicos, devendo o Estado gastar o menos
possível, condenando a inflação monetária, a inquisição fiscal e
a violação de segredos patrimoniais.87
Apontadas características podem ser entendidas como
simples conformação daquela liberdade política no âmbito
financeiro, isto é, aquele dever de abstenção estatal, como
forma de proteger o cidadão, foi transposto para o cenário
financeiro.88
Em precisa síntese do papel do Estado no âmbito financeiro
nesse período, tomemos a lição de Catarino, quando pontua que
[...] as finanças públicas e a atividade econômica constituíam
realidades separadas, uma vez que se recusava a intervenção
económica do Estado como forma de condicionar, orientar ou
alterar as escolhas dos agentes e das empresas no mercado.
Por outro lado, as finanças públicas clássicas eram neutras
também no sentido de que não visavam, por princípio, alterar
o livre curso da atividade económica uma vez que se defendia
como valor estruturante a abstenção do Estado no Mercado.89
O modelo liberal, contudo, acabou evidenciando que a
“mão invisível” do Estado, tal como defendida por seus teóricos
mais expressivos, a exemplo de Adam Smith, não bastava para
assegurar a dignidade da pessoa humana, tendo a indiferença

86
João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 43.
87
Carlos M. Giuliani Fonrouge, Derecho financiero, p. 19.
88
João Bosco Leopoldino da Fonseca (Direito econômico, p. 190), em aná-
lise da atuação do Estado no domínio econômico no contexto liberal,
aduz que “adota o constitucionalismo do século XIX o princípio segundo
o qual o Estado não deve intervir na atividade econômica, sob pena de
romper o equilíbrio a que ela, natural e necessariamente, tende”.
89
João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 44-45.
Disso resulta, acrescenta o autor, (i) um sistema de finanças públicas
neutro; (ii) uma atividade económica pública mínima ou inexistente; e
(iii) um sistema financeiro público simples.
46 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

do estado resultado em aviltante exploração humana, com um


quadro perverso de miséria.90
Carlos Ayres Brito, por sua vez, assinala que
[...] o liberalismo triunfou sobre o absolutismo porque limi-
tar o poder político era (e é) a própria condição de defesa da
liberdade e cidadania. A razão e a consciência humana assim
proclamavam (e proclamam). Porém, era preciso fazer avançar
o movimento racional e consciencial do constitucionalismo,
levando-o também a limitar o poder econômico, pois que,
sem essa limitação, numa economia típica de mercado, não
havia (e não há), como impedir os fenômenos correlatos da
concentração de renda e da exclusão social.91
Não demorou, pois, para surgirem intensas e constan-
tes reivindicações sociais das classes menos favorecidas, em
contraposição aos privilégios burgueses, somadas à crescente
desigualdade social. Assim, a partir do Manifesto Comunista
de 1848, liderado por Marx e Engels,92 bem como da doutrina
social da Igreja Católica, consubstanciada na encíclica Rerum
novarum, do Papa Leão XIII, de 1891, o Estado foi obrigado a se
transformar, com intuito de atender as demandas sociais.93
Ao contrário do individualismo que marcou o Estado libe-
ral, surge uma nova figura do Estado com fortes preocupações

90
É de Paulo Bonavides a seguinte passagem, que bem ilustra a socieda-
de liberal (Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 61): “Mas, como a
igualdade a que se arrima o liberalismo é apenas formal, e encobre, na
realidade, sob seu manto de abstração, um mundo de desigualdade de
fato – econômicas, sociais, políticas e pessoais –, termina ‘a apregoada
liberdade, como Bismarck já notara, numa real liberdade de oprimir os
fracos, restando a estes, afinal de contas, tão somente a liberdade de mor-
rer de fome”.
91
Carlos Ayres Brito, Teoria da Constituição, p. 81-82.
92
Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do partido comunista.
93
Daniel Sarmento, A ponderação de interesses na Constituição Federal,
p. 63.
ALGO SOBRE O ESTADO 47

de cunho social. O Estado social (Welfare State)94 cristaliza-se,


portanto, quando há gerência estatal, nas esferas econômicas e
sociais, ao contrário do que ocorria no Estado liberal que as dei-
xavam a cargo dos particulares.95
Para Luís Díez-Picazo, o surgimento do Estado Social de
Direito teve o intento de superação do individualismo, por meio
do intervencionismo estatal e da atenção, preferencial, aos cha-
mados direitos sociais, pretendendo, pois, a instauração de uma
sociedade ou Estado do Bem-Estar Social.96
O símbolo do Estado social é a consagração de valores
direcionados ao grupo, e não ao indivíduo. O interesse social
toma vulto, buscando o bem-estar da coletividade, e a finalidade
maior desse modelo estatal é a consecução da justiça social.
Surgem aqui os denominados direitos fundamentais de
segunda geração, traduzidos nos direitos econômicos, sociais
e culturais, que, para assegurar uma igualdade de fato entre os
indivíduos, exigem uma atuação positiva do Estado.
Tal cenário tem-se como inaugurado com a Constituição
mexicana de 1917, como também é o caso da Constituição de
Weimar de 1919, pioneiras em assegurar direitos sociais à po-
pulação, alterando, assim, o perfil do Estado, da indiferença em
direção a uma atuação positiva. Conforme assinala Sarmento,
“tais direitos não visam proteger o homem do Estado, mas da

94
Na classificação de Ricardo Lobo Torres, este seria o segundo momento
do dito Estado Fiscal, denominado Estado Social Fiscal.
95
Pérez Luño considera que uma das maiores mutações operativas, que
comportam o Estado Social, consiste em atribuir aos poderes públicos a
consecução da procura existencial. Assim, responsabiliza a Administra-
ção da tarefa de proporcionar à generalidade dos cidadãos as prestações
necessárias e os serviços públicos adequados para o pleno desenvolvi-
mento de suas personalidades (Los derechos fundamentales, p. 193).
96
Luís Díez-Picazo, Los principios generales del derecho en el pensamien-
to de F. Castro. Anuario de Derecho Civil, t. XXXVI, fasc. 3, out.-dez.
1983.
48 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

sua exploração pelo próprio homem, pressupondo uma presença


mais marcante do Poder Público no cenário econômico, com o
objetivo de reduzir as desigualdades sociais”.97
Típico desse período é o agigantamento das funções a cargo
do Estado, pois, conforme expressão utilizada por Maria João
Estorninho, o Estado sai do laissez-faire, naquele momento libe-
ral, para, agora imbuído do propósito social, o faire-elle-même.98
Explica o período o constitucionalista Jorge Miranda, di-
zendo:
[...] revelam-se de alcance quase universal a promessa de
direitos econômicos, sociais e culturais a par das liberdades e
garantias individuais (por vezes, em contraposição a estas), o
sufrágio universal, os partidos de massas, a tendencial subs-
tituição das formas monárquicas por formas republicanas, a
generalização das Constituições e o enriquecimento do seu
conteúdo (nem sempre da sua garantia), o alargamento dos fins
do Estado, a multiplicação dos grupos sociais e de interesses
e o papel político que procuram desempenhar, o crescimento
da função administrativa, o realçar do Poder Executivo em
detrimento do Parlamento.99
Tal modelo, assim, pressupõe maior atuação da Adminis-
tração, que passa a intervir de modo enérgico na economia,
fato que alterou o perfil financeiro do Estado, que, de neutro no
liberalismo, passa a assumir papel ativo, com intuito de cumprir
o fim a que se propõe realizar, isto é, tornam-se funcionais as
finanças públicas.100

97
Daniel Sarmento, A ponderação de interesses na Constituição Federal,
p. 63.
98
Maria João Estorninho, A fuga para o direito privado: contributo para o
estudo da atividade de direito privado da Administração Pública, p. 36.
99
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, p. 92.
100
Antônio L. de Sousa Franco, Finanças públicas e direito financeiro, p.
64.
ALGO SOBRE O ESTADO 49

O intervencionismo financeiro marca, portanto, essa época,


estando caracterizado pelos seguintes fatores, segundo Catarino:
a) O carácter diminuto e não autónomo das finanças públicas
deu lugar a um modelo ou sistema financeiro público amplo e
autónomo relativamente às finanças privadas onde os dinheiros
públicos acordem a um alargado conjunto de políticas públicas,
variadas e complexas; b) O princípio do mínimo característico
das finanças neutras deu lugar ao princípio do ótimo, resultante
da ideia de que elas têm um papel importante na obtenção do
ótimo social, isto é, em alcançar elevados níveis de bem-estar
para todos os indivíduos e agentes económicos através de uma
ampliada ação pública. O sistema financeiro público prosse-
gue hoje fins múltiplos e procura assumidamente influenciar
as opções dos agentes económicos e a evolução da economia
globalmente considerada; c) De um sector público simples
evoluiu-se para um Estado estruturalmente complexo que
atende a uma pluralidade de fins, uma vez que as políticas
levadas a efeito pelo setor público são inúmeras e entrecru-
zadas. O sistema financeiro público adota hoje uma atividade
pró-ativa sobre os factos sociais e realiza fins não estritamente
financeiros através das designadas políticas financeiras; d) A
simultânea existência de uma economia pública e de uma eco-
nomia privada, onde os meios financeiros públicos e privados
se entrecruzam. As finanças públicas e a economia estão hoje
claramente mais integradas, vivem dentro da mesma conjun-
tura e sofrem, como se tem visto, idênticas pressões sociais,
políticas e económicas; e) O setor público ganhou autonomia
em relação ao sector privado e possui funções próprias, dis-
tintas e autónomas.101
Não há que fazer confusão, ademais, entre o Estado Social
e o Estado Socialista. Enquanto naquele, conforme se disse,
o Estado intervém de maneira enérgica na economia, porém
preservando-a, isto é, o modelo capitalista resta preservado, nes-
te último (Estado Socialista) a atividade econômica é exercida

João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 48-49.


101
50 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

pelo próprio Estado, resultando na absorção do direito privado


pelo público.
Nas precisas palavras de Bonavides,
O Estado social representa efetivamente uma transformação
superestrutural por que passou o antigo Estado Liberal. Seus
matizes são riquíssimos e diversos. Mas algo, no Ocidente, o
distingue, desde as bases, do Estado proletário, que o socialis-
mo marxista intenta implantar, é que ele conserva sua adesão
à ordem capitalista, princípio cardeal a que não renuncia.102
Já o Estado Socialista, caracteriza-se à medida que o Estado
produtor puder remover o Estado capitalista, dilatando-lhe
a esfera de ação, alargando o número das empresas sob seu
poder e controle, suprimindo ou estorvando a iniciativa pri-
vada, aí, então, ocorrerá grave perigo de toda a economia do
Estado-burguês, porquanto, na consecução desse processo, já
estaremos assistindo a outra transição mais séria, que seria a
passagem do Estado social ao Estado socialista.103
No âmbito financeiro há no Estado Socialista a planificação
integral ou planificação dita totalitária, por meio do qual todos
os meios materiais e humanos passam à disposição do Estado, a
exemplo do que ocorreu na antiga União das Repúblicas Socia-
listas Soviéticas (URSS).104
Nesse modelo, os instrumentos financeiros são caracteri-
zados, basicamente, pela integração entre o setor financeiro e o
planejamento global; pela existência de receitas e despesas, tal
qual na economia de mercado, assumindo as receitas patrimo-
niais maior relevo, dado o peso da produção do mercado; cerca
de dois terços do orçamento nacional passa pelo orçamento;
dada a apropriação dos meios de produção dominantes, a pres-
são fiscal é bastante reduzida e há equilíbrio orçamentário, de

102
Paulo Bonavides, Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 184.
103
Idem, ibidem, p. 186.
104
Carlos M. Giuliani Fonrouge, Derecho financiero, p. 22.
ALGO SOBRE O ESTADO 51

modo a evitar que o Estado recorra ao crédito ou à emissão de


moeda.105
Feita a diferenciação, bem como apontadas as principais
características do Estado Socialista, cabe destacar, com Jorge
Miranda, que se observam

[...] no Estado Social de Direito fundos sintomas de crise – a


chamada crise do Estado-providência, derivada não tanto de
causas ideológicas (o refluxo das ideias socialistas ou socia-
lizantes perante ideias neoliberais) quanto causas financeiras
(os insuportáveis custos de serviços cada vez mais extensos
para populações activas cada vez menos vastas), de causas
administrativas (o peso de uma burocracia, não raro acom-
panhada de corrupção) e de causas comerciais (a quebra de
competitividade, numa economia globalizante, com países
sem o mesmo grau de proteção social).106
No contexto de enfrentamento da crise decorrente do agi-
gantamento do Estado Social, surgiu, em meados da década de
1970, sob a influência de seus teóricos, Augusto von Hayek e
Milton Friedman, o movimento neoliberal, que, sobretudo após
o “Consenso de Washington”, de 1989, expandiu-se nos países
em desenvolvimento. Para seus defensores

[...] dever-se-ia deixar o econômico e o social, tanto quanto


possível, entregues às atividades privadas, nos mesmos termos
em que o faziam os defensores do Liberalismo nos sécs. XVIII
e XIX, com total influência sobre o Constitucionalismo Liberal
(ou Liberalismo Constitucional) dos séculos XVIII, XIX, e até
os modelos surgidos com a Constituição Mexicana de 1917 e
Weimariana de 1919.

105
Antônio L. de Sousa Franco, Finanças públicas e direito financeiro, p.
70-71.
106
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, p. 100.
52 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Isso em razão, sobretudo, do fato de que o modelo europeu


do Estado do bem-estar social estaria superado, pois teria se tor-
nado exageradamente caro.107
É o que expõe Villegas quando aduz que:
Algunos países latino-americanos, agobiados por el subde-
sarrollo y por siderales deudas externas iniciaron un severo
camino de políticas basadas en las ideas del nuevo liberalismo,
que básicamente son: a) Economía de mercado: aunque con
intervención del Estado em ciertas variables económicas,
preferentemente indicativa; b) Estabilización: disminución
del sector público, intentando evitar que se convierta en una
carga presupuestaria insostenible para el Estado, y con el
propósito adicional de una prestación más eficiente de los
servicios públicos. Un ejemplo de esto es la privatización de
las empresas públicas; c) Incentivo a la iniciativa individual: en
cierta manera es consecuencia de lo anterior, ya que se trans-
fiere a los particulares la satisfacción de necesidades públicas
secundarias que éstos están en mejores condiciones de satis-
facer. Consiguientemente, se atrae a los capitales nacionales
y extranjeros, y se les proporciona nuevas oportunidades de
inversión; d) Reducción del déficit presupuestario: implica la
reducción del gasto público en todos sus órdenes y una mayor
eficiencia en la recaudación.108
Ricardo Lobo Torres, contudo, explica a superação da crise
do Welfare State não por sua substituição pelo modelo neolibe-
ral109 ou mesmo pela ideia de pós-modernidade, senão que

107
Ivo Dantas, Teoria do Estado contemporâneo, p. 203.
108
Héctor Belisario Villegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tribu-
tario, p. 28-29.
109
Deve-se destacar que José Avelã Nunes entende que o neoliberalismo
não sobreviveu nos países em desenvolvimento pelos seguintes motivos:
“por ignorar a estrutura socieconômica de cada sociedade, por não en-
quadrar o subdesenvolvimento numa perspectiva histórica, como produ-
to (ou subproduto) da própria história do desenvolvimento do capitalis-
mo mundial (que integra o Terceiro Mundo), por não considerar quadro
ALGO SOBRE O ESTADO 53

[...] a verdade é que o modelo do Estado Social não desaparece


totalmente. Passa por modificações importantes, com a dimi-
nuição do seu tamanho e a restrição ao seu intervencionismo.
Deixa-se influenciar pelas ideias do liberalismo social, que
se não confundem com as do neoliberalismo ou do protoli-
beralismo nem, por outro lado, com as da social democracia.
Continua ser Estado Social Fiscal, podado em seus excessos,
ao fito de obter a síntese entre o que os alemães chamam de
Estado de Impostos (Steuerstaat) e Estado de Prestações
(Leistungsstat).110
Ao sair das linhas gerais evolutivas anteriormente apon-
tadas e ingressar na hodierna concepção estatal de nosso país,
podemos constatar, principalmente após a Constituição Federal
de 1988, a existência de um Estado Democrático de Direito.
A denominação, conforme aclara José Afonso da Silva,
parte do pressuposto de que “é insuficiente a concepção do
Estado Social de Direito, ainda que, como Estado Material de
Direito, revele um tipo de Estado que tende a criar uma situação
de bem-estar geral que garanta o desenvolvimento da pessoa
humana”.111 Isso porque, além das múltiplas acepções a que está
sujeita a palavra “social”, este adjetivo não deveria estar quali-
ficando o “Estado”, por propender ao capitalismo, com controle
econômico monopolista e à utilização de métodos políticos de
caráter totalitário e ditatorial, visando a evitar, sobretudo, qual-
quer eventualidade realmente socialista.
Com tais críticas, aponta o autor que a construção do Esta-
do Social de Direito “não foi capaz de assegurar a justiça social
nem a autêntica participação democrática do povo no processo

histórico-institucional em que o processo econômico se desenvolve e por


prescindir, na sua análise, dos elementos sociais e políticos, considerados
como externalidades, como elementos exógenos à economia” (Neolibe-
ralismo e direitos humanos, p. 108).
110
Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-
butário, p. 17.
111
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 115.
54 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

político”, razão pela qual sugere a acepção “Estado Democráti-


co de Direito”, como
[...] Estado de legitimidade justa (ou Estado de Justiça ma-
terial), fundante de uma sociedade democrática, qual seja a
que instaure um processo de efetiva incorporação de todo o
povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua real
participação nos rendimentos da produção.112
Rememorando, aqui, o que foi dito no início do presente
tópico, acerca da natureza complexa do Estado, que acarreta a
possibilidade de análise sob inúmeros pontos de vista, pensamos
que saber da sua evolução, ainda que em linhas gerais, facilitará
a compreensão acerca dos atuais e futuros problemas pelo qual
se depara na execução da finalidade pela qual existe, a consecu-
ção do bem comum.
A observação das mudanças nas legislações relativas às
finanças públicas acaba por revelar um fenômeno mais abran-
gente, que está no centro de tudo, qual seja, as mudanças por que
passa o próprio Estado e a sociedade como um todo.
Michel Bouvier refere-se a uma “metamorfose” do Estado
e da sociedade, que estaria chegando à sua maturidade, engen-
drando um novo contrato social.113

112
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 118.
Grifos no original.
113
Michel Bouvier, Crise des finances publiques et refondation de l’État, p.
4.
55

Capítulo 2
Direito Orçamentário

Sumário: 2.1 Direito orçamentário. Conceito – 2.2 Conceito de


orçamento: 2.2.1 Características – 2.3 Aspectos do orçamento:
2.3.1 Caráter político do orçamento; 2.3.2 Aspecto econômico do
orçamento – 2.4 Evolução histórica do orçamento.

2.1 Direito orçamentário. Conceito


Como acontece com frequência na ciência jurídica, com o
passar do tempo vão se formando “ramos” do Direito. Concebe-
mos o Direito como uno e incindível, sem embargo de ele poder
ser desmembrado, principalmente para melhor ser estudado, em
diversas fatias.
Basta examinar o percurso histórico dos diversos “ramos”
que foram surgindo no decurso do tempo, para verificar que isto
se deu devido, especialmente, à especificidade e complexidade
da matéria a que se refere esse novo setor jurídico.
Tome-se como exemplo o Direito Tributário. Integrando o
Direito Financeiro, no aspecto concernente às receitas públicas,
a relevância assumida pela legislação tributária, qualitativa e
quantitativamente, motivou o surgimento de estudiosos mais
afeitos e especializados nesse tipo de receita derivada. É dizer:
aqueles que se debruçavam sobre o Direito Financeiro como um
todo perceberam a dificuldade de cuidar de todos os temas rela-
tivos a este setor do Direito, inclusive a parte referente aos tribu-
tos. Efetivamente, a legislação tributária, tornando-se cada vez
mais complexa passou a exigir um estudo mais aprofundado,
que teve de ser feito por juristas que cuidassem com mais deten-
56 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

ça desse assunto. Assim, com o tempo, destacou-se do Direito


Financeiro aquela porção concernente aos tributos, formando o
que hoje conhecemos por “Direito Tributário”.
Esse tipo de fenômeno ocorre permanentemente à medida
que um determinado item da matéria jurídica vai adquirindo
importância e complexidade. Pode-se dizer que é o que aconte-
ce, atualmente, com a porção do Direito Financeiro que trata da
conjugação receita/despesa, com especial ênfase nesta última.
A especialização de cada uma das partes componentes do
Direito Financeiro fez com que se possa falar, separadamente,
por exemplo, de um “Direito Orçamentário”, da mesma forma
que se pode fazer referência a um “Direito da Dívida Pública” ou
de “Direito Financeiro Patrimonial”.
Frise-se, desde logo, que a separação do Direito Financei-
ro em sub-ramos é, exclusivamente, para fins didáticos, assim
como acontece, de resto, com os demais “ramos” do Direito. No
caso do Direito Financeiro esta realidade é mais evidente, por-
quanto os seus diversos sub-ramos encontram-se num mesmo
setor jurídico.
É importante ter presente, como advertem Martínez Lago e
García de la Mora, a “unidade de fundo” das instituições jurídi-
co-financeiras, sendo que o parcelamento do seu estudo ocorre
simplesmente para facilitar a exposição (e o estudo mesmo) de
cada uma das partes, mas sem que esta segregação conduza a
“fronteiras inexpugnáveis” entre os diferentes instrumentos ju-
rídicos financeiros, pois “sob o pretexto de uma depuração siste-
mática poderia provocar-se um empobrecimento da análise”.114
Para os autores acima, o Direito Orçamentário “organiza o
regime jurídico temporal das obrigações econômicas dos entes
públicos no que se refere à atribuição dos seus recursos e as fun-

114
Miguel Ángel Martínez Lago e Leonardo García de la Mora, Lecciones
de Derecho Financiero y Tributario, p. 59.
Direito Orçamentário 57

ções públicas e procedimentos de gestão e controle, em geral, da


Fazenda Pública”.115
Sainz de Bujanda, após alongada e percuciente explanação
acerca da “autonomia” do Direito Financeiro e do “Direito Or-
çamentário”, define este último como
[la] rama del Derecho financiero integrada por el conjunto
de normas y principios que determinan el régimen jurídico
temporal de gestión, empleo y contabilidad de los caudales
que, derivados de la aplicación de los recursos, alimentan el
Tesoro público.116
Trotabas e Cotteret apontam para que o estudo do Direito
Orçamentário implica a busca das regras segundo as quais os ho-
mens devem estabelecer as suas instituições financeiras.117 Eri-
gem a ideia do consentimento ou de autorização [para a criação
de impostos ou com relação às receitas] como a “ideia-força das
finanças públicas e o fundamento do Direito Orçamentário”.118
Ricardo Lobo Torres fala de uma Constituição Orçamentá-
ria, que estaria como um dos subsistemas da Constituição Finan-
ceira, a qual abarcaria também as Constituições Tributária e Mo-
netária. Isto se daria pelo fato de ser a própria Constituição da
República a trazer a disciplina básica do orçamento estampando
os princípios e regras que tratam das receitas e da despesas.119
Para este autor, a Constituição Orçamentária “constitui”
o que ele denomina de “Estado Orçamentário”, que é “a par-
ticular dimensão do Estado de Direito, apoiada nas receitas,

115
Miguel Ángel Martínez Lago e Leonardo García de la Mora, Lecciones
de Derecho Financiero y Tributario, p. 60.
116
Fernando Sainz de Bujanda, Sistema de Derecho Financiero I, Introduc-
ción, v. 2, p. 411.
117
Louis Trotabas e Jean-Marie Cotteret, Droit budgétaire et comptabilité
publique, p. 8.
118
Idem, ibidem, p. 19.
119
Ricardo Lobo Torres, Curso de direito financeiro e tributário, p. 171.
58 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

especialmente a tributária, como instrumento de realização das


despesas”.120
A doutrina europeia, principalmente, debruçou-se sobre
o conteúdo e abrangência do Direito Financeiro, procurando
como situar o Direito Tributário no universo jurídico, mais
especificamente se é este setor do Direito parte integrante do
Direito Financeiro ou algo dele separado, ou “autônomo”. Sem
nos concentrarmos nas divagações acerca da “autonomia” – se
científica, se didática, se ambas – de qualquer “ramo” do Direi-
to – podemos enxergar o Direito Tributário como um galho da
árvore do Direito Financeiro com maior clareza do que o faziam
autores europeus há algumas décadas.
Assim, explica-se a preocupação dessa doutrina em atri-
buir papel ao Direito Tributário dentro do Direito Financeiro
e de estranhar a sua pouca importância na combinação com o
Direito “Orçamentário”. Hoje, percebe-se que a explicação para
tal constatação repousa na circunstância de o Direito Tributário
caminhar sozinho, com seus princípios e peculiaridades e com
as suas questões de constitucionalidade resolvidas.
O que se quer significar é que a legalidade na tributação
já é resolvida quando da instituição do tributo, enquanto que,
para o gasto do dinheiro público, a manifestação do “dono da
coisa pública” ocorre mediante a aprovação do orçamento. Daí
falar-se em “bifurcação do princípio da legalidade”. Significa
isso que, olhando para o orçamento, tanto no que se refere às re-
ceitas quanto às despesas, sabe-se que ambas necessitam de lei:

120
Idem, ibidem. Prossegue o professor: “O Estado Orçamentário surge
com o próprio Estado Moderno. Já na época da derrocada do feudalis-
mo e na fase do Estado Patrimonial e Absolutista aparece a necessidade
lançar tributos e efetuar gastos, primeiro na Inglaterra (Magna Carta de
1215) e logo na França, Espanha e Portugal. Com o advento do libera-
lismo e das grandes revoluções é que se constitui plenamente o Estado
Orçamentário, pelo aumento das receitas e despesas públicas e pela cons-
titucionalização do orçamento na França, nos Estados Unidos e no Brasil
(art. 172 da Constituição de 1824)”.
Direito Orçamentário 59

as primeiras para serem arrecadadas e as segundas para serem


despendidas. Ocorre que o princípio da legalidade, corolário do
“princípio do consentimento”, já foi atendido, no que respeita às
receitas tributárias, com a lei que cria o tributo respectivo, o que
não ocorre com o gasto público, para o qual se exige autorização
por intermédio da lei orçamentária.
Daí, também, o porquê de Álvaro Rodríguez Bereijo sa-
lientar o fato de que o núcleo central da temática de Direito
Financeiro não ser constituído tanto pelas relações jurídicas
tributárias, “sino más bien por la relación entre los ingresos y los
gastos públicos, el verdadero eje central en torno a que gira el
derecho financiero”.121 E mais, prossegue o presidente emérito
do Tribunal Constitucional da Espanha, “esta relação [entre
receitas e despesas] encontra a sua expressão ou se materializa
no Orçamento do Estado”,122 concluindo que “la institución
presupuestaria es la que da unidad y coherencia a la actividad
financiera del Estado”.123
Destarte, podemos afirmar a existência de um “Direito Or-
çamentário”, que podemos definir como o ramo do Direito que
disciplina o orçamento do Estado, desde a sua elaboração até a
sua execução.

2.2 Conceito de orçamento


Originariamente o vocábulo “budget” – orçamento em lín-
gua inglesa (e francesa também) – significava “bolsa de dinhei-
ro” ou “bolsa pública”, que servia para “receptáculo da receita e
para o desembolso do Estado”.124 No Reino Unido, o termo foi

121
Álvaro Rodríguez Bereijo, Introducción al estudio del derecho financie-
ro, p. 103.
122
Idem, ibidem.
123
Idem.
124
Conforme Jesse Burkhead, Orçamento público, p. 3, que invoca Henry
Carter Adams.
60 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

empregado para designar a bolsa de couro na qual o Chanceler


do Erário (Chancellor of the Exchequer) “levava ao Parlamento
a exposição das necessidades e dos recursos do Governo”.125 126
A noção de orçamento caminha estreitamente atrelada à de
Estado, é dizer: conforme se compreenda o papel do Estado na
vida da nação, assim será enfocado e moldado o orçamento.
Desde que o Estado deixou de cumprir um papel basica-
mente estático, na época do liberalismo, do laissez faire, laissez
passer, passando a ser ator também, muitas vezes protagonista,
do que acontece na vida de uma sociedade em dado momento
histórico, adquiriu uma função dinâmica de que antes carecia;
é ele hoje, em maior ou menor grau, dependendo do respectivo
país, um instrumento de atuação do Estado na Economia.
Griziotti é extremamente objetivo ao conceituar o orçamen-
to, que define como o “documento jurídico e contábil no qual
se enumeram as receitas e os gastos do Estado, no seu importe
pelo período de um ano [...] e tem força de lei pela aprovação do
Parlamento”.127
A definição clássica de orçamento, trazida por autores até
o início do século XX, foi ultrapassada em função desse novo
protagonismo do Estado, que fez com que o orçamento também
passasse a ter uma função de agente ativo na sociedade, muito
especialmente no que concerne à sua repercussão na Economia.
Com base nisso, Regis de Oliveira define o orçamento
como “a lei periódica que contém a previsão de receitas e fixa-
ção de despesas, programando a vida econômica e financeira do

125
Jesse Burkhead, Orçamento público, p. 3.
126
Segundo TrotabaS e Cotteret, a palavra budget deriva do francês antigo
bouge, bougette, pequena bolsa e esta palavra veio à França por inter-
médio da Inglaterra, onde ela tomou o seu sentido financeiro, evocando
a bolsa do Rei e o tesouro real que ela continha (Louis Trotabas e Jean-
-Marie Cotteret, Droit budgétaire et comptabilité publique, p. 16).
127
Benvenuto Griziotti, Política, Derechio y Ciencia de la Hacienda, p. 426.
Direito Orçamentário 61

Estado, de cumprimento obrigatório, vinculativa do comporta-


mento do agente público”.128 Aqui importa ressaltar nesta visão
o aspecto o orçamento como “programador” da vida econômica
e financeira do Estado. Dá-se ênfase ao caráter dinâmico atual
do orçamento.
Efetivamente, a ideia do orçamento como simplesmente
“um ato que contém a aprovação das receitas e dos gastos públi-
cos”, como referia Storm129 (e, de forma similar, toda a doutrina
da época) cedeu lugar à possibilidade de enxergá-lo como um
instrumento de atuação na vida econômica.
Fonrouge define o orçamento como “um ato de transcen-
dência que regula a vida econômica e social do país, com signi-
ficado jurídico e não meramente contábil [...]”.130
Nas palavras de Martínez Lago e García de la Mora, o orça-
mento “representa, por excelência, o nexo de união fundamental
entre receitas e gastos públicos; nele aparece sintetizada a ativi-
dade financeira toda”.131
Tendo presente a pouca importância que restou à lei or-
çamentária para autorizar as receitas (referimo-nos aqui às
receitas tributárias), dado que esta permissão já vem outorgada
pela respectiva lei tributária (a “bifurcação do princípio da
legalidade” a que se reporta a doutrina espanhola, a que já re-
ferimos acima), Martín Queralt afirma que “o orçamento apa-
rece hoje configurado como a lei anual de autorização do gasto
público, mediante a qual se fixa o seu importe, sua destinação

128
Régis Fernandes de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 347, grifou-
-se.
129
René Storm, Le Budget, apud Carlos M. Giuliani Fonrouge, Derecho Fi-
nanciero, vol. I, p. 111, que também refere às definições de Laufenburger
e Trotabas (p. 112).
130
Carlos M. Giuliani Fonrouge, Derecho Financiero, vol. I, p. 131.
131
Lecciones de Derecho Financiero y Tributario, p 60.
62 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

e se aprovam as regras que deve obedecer a Administração na


sua distribuição”.132
Martner chega a afirmar que “talvez uma das contribuições
mais importantes que se poderia mencionar [com relação ao or-
çamento] seria a da interdependência do orçamento e o seu uso
múltiplo”.133 Continua este autor:
En efecto, ya no se concibe el presupuesto como un meca-
nismo de gobierno aislado y ajeno al funcionamiento de la
economía, de la sociedad y de la vida de una nación. Tampoco
se considera como un instrumento puramente administrativo
y contable. Hoy es mucho más que eso: es una herramienta
política, en cuanto expresa en transacciones concretas y resul-
tados propuestos, decisiones gubernamentales, y contribuye a
través del ejercicio del poder a ejecutarlas; es un instrumento
de planificación en cuanto contiene metas a cumplir con de-
terminados métodos; y es un instrumento de administración
en cuanto debe realizar acciones específicas para coordinar,
ejecutar y controlar los planes y programas.134

2.2.1 Características
A tecnicidade é da natureza da matéria orçamentária. Esta
é a primeira razão, a nosso ver, por que o tema “orçamento” não
atrai o interesse dos juristas e, que dirá, do leigo.
Trata-se de assunto normalmente destinado aos especia-
listas que lidam com o orçamento no dia-a-dia e que afasta –
compreensivelmente – os não iniciados. É como se fosse um
ser estranho, de outro universo, hermético e, por causa disso
mesmo, assusta a quem dele pretende, num primeiro momento,
se aproximar. É da natureza humana o medo do desconhecido.

132
J. Martín Queralt, C. Lozano Serrano, J. M. Tejerizo López e G. Casado
Ollero, Curso de Derecho Financiero y Tributario, p. 14.
133
Gonzalo Martner, Planificación y presupuesto por programas, p. 7.
134
Idem, ibidem, p. 7-8.
Direito Orçamentário 63

Esta característica acarreta um distanciamento da socieda-


de como um todo com relação a tudo o que se refira às finanças
públicas e, dentro disso, do orçamento, deixando aquilo tudo
que se refira à sua elaboração e execução a cargo dos expertos, o
que afasta, de uma certa maneira, o controle popular a que deve
estar sujeito o orçamento.
Mais grave, ainda: embora necessária e consubstancial a
tecnicidade do orçamento, ela acaba sendo um obstáculo ao
“bom controle político”, como alertam Guillaume Chaffardon e
Jean-François Joye.135
O orçamento é a lei mais importante do Estado, em nosso
sentir, vindo abaixo, apenas, da Constituição. Com efeito, é nele
que estará desenhado o próprio Estado, o seu tamanho, as suas
feições; ali se encontrará estampado o grau da sua intervenção
na economia e, consequentemente, na própria sociedade; ali
também se deverá poder deparar com o plano de governo juridi-
cizado e transformado em números.
A corroborar este pensamento, invocamos aqui Bouvier,
Esclassan e Lassale, que chamam a atenção para o fato de que a
Lei Orgânica relativa às leis de finanças na França – LOLF –, de
1.º de agosto de 2001, que reformou a de 2 de janeiro de 1959,
foi de iniciativa do Parlamento, o que não é de pouca impor-
tância.136 Queremos ressaltar com isso é a ideia, que, de resto,
permeia todo este estudo, de que a Lei Orçamentária é a lei mais
importante do Estado.
À circunstância acima referida foi atribuída especial rele-
vância, a ponto de a Revue Française de Finances Publiques
haver publicado um volume inteiro sob o título: “Reforma das
Finanças Públicas: Reforma do Estado”.137

135
Guillaume Chaffardon e Jean-François Joye, La LOLF a dix ans : un
rendez-vous (dejà) manqué ?, p. 314.
136
Michel Bouvier et alii. Finances Publiques, p. 26.
137
RFFP n. 73 – 2001.
64 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

A tecnicidade referida acima, denominação que preferimos


a outras, atrapalha o “pensamento jurídico”, que parece padecer,
como afirma César de Moraes Sabbag, “dos efeitos da excessiva
contabilização do assunto, não raro perdendo o foco e a opor-
tunidade de examinar se o orçamento está sendo tratado como
merece e se realmente o país está decidindo direito o que fazer
com o recurso público”.138
O mesmo autor resume, muito objetivamente, o que cha-
maríamos de conteúdo do orçamento com as seguintes pala-
vras: “nos orçamentos materializam-se as diretrizes da polí-
tica econômico-financeira e o compromisso das autoridades
em cumprir os objetivos fundamentais do País, expressos na
Constituição”.139
No nosso modo de ver, o orçamento é a lei que apresenta a
estimativa das receitas do Estado e autoriza o gasto do dinheiro
público, revelando nesse mister o papel do Estado na sociedade
num determinado momento histórico.

2.3 Aspectos do orçamento


Costuma a doutrina referir-se aos “aspectos”, ou “feições”
do orçamento, podendo-se apontar os seguintes: contábil, políti-
co, econômico e jurídico.
Estas são, unicamente, prismas pelos quais se pode visua­
lizar e analisar o orçamento que, como já se viu, é uma figura
complexa e multifacetada.
O orçamento é um instituto polivalente, no sentido de que
possui diversas facetas nas quais ele pode ser examinado.
Como expressam Aman Khan e W. Bartley Hildreth, no seu
prefácio ao livro Budget theory in the public sector, o orçamento

138
César de Moraes Sabbag, Breves considerações sobre deficiências estru-
turais do sistema orçamentário brasileiro. Propostas para incrementar a
legitimidade e a eficiência do modelo, p. 454.
139
Idem, ibidem, p. 458.
Direito Orçamentário 65

é parcialmente político, parcialmente econômico, parcialmente


contábil e parcialmente administrativo.140 Compreende-se que
assim seja, dada a importância que o orçamento revela em todos
esses aspectos.
Pelo prisma de um documento contábil, ele fornece um teto
ao gasto público.
Do ponto de vista jurídico, examina-se o orçamento con-
forme a legislação que se lhe aplica, que é o que se fará em
todo o decorrer deste estudo; sob o aspecto contábil, afere-se se
a escrituração das receitas e das despesas corresponde ao que
determina a lei. Deter-nos-emos nas suas dimensões política e
econômica, que nos parece serem de extrema relevância.

2.3.1 Caráter político do orçamento


Não há como deixar de reconhecer a relevância da perspec-
tiva política do orçamento ou, como classicamente exposta nos
manuais de Direito Financeiro, a sua “função” política.
Conforme salientam Aman Khan e W. Bartley Hildreth,
como documento político, o orçamento aloca os raros recursos
de uma sociedade, após uma escolha entre interesses múltiplos,
competitivos conflitantes.141 Com efeito, trata-se sempre de uma
escolha política a que se faz para decidir o destino de verbas pú-
blicas que também, em geral, são exíguas. Dentre as necessida-
des públicas, que são muitas, é natural que se tenha que proceder
a opções quanto ao destino das verbas públicas, decisão esta que
é eminentemente de caráter político (embora limitada, até certo
ponto, pelas escolhas adrede feitas pelo constituinte originário).
É sabido que um dos papéis importantes desempenhados
pelo Poder Legislativo em tema de orçamento é a sua função
de fiscalizar o Poder Executivo. Ao apresentar ao Legislativo o

140
KAHN, Aman e HILDRETH, W. Bartley (coord.) – Budget theory in the
public sector.
141
Aman Khan e W. Bartley Hildreth, Budget theory in the public sector, p. X.
66 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

plano de atuação econômica do Estado, permite a este emitir um


juízo fundamentado dessa atuação.142 Como realça Pérez Royo,
se trata de un elemento esencial en el esquema de división
de poderes y presenta matices diversos según el balance que
en cada sistema constitucional se establezca respecto de esa
división y según las tradiciones políticas de cada país.143
Em que pese a isso, há de se reconhecer que a força relativa
dos Poderes Executivo e Legislativo varia de acordo com a for-
ma de governo.
Num sistema parlamentarista há uma menor separação entre
estes dois Poderes. Se for mantida a disciplina entre o(s) partido(s)
que está(ão) no Poder, o Governo pode propor leis (dentre elas, a
orçamentária) ao Parlamento, que as aprova sem dificuldade. O
melhor instrumento, nesses casos, para este “controle o Executi-
vo” é a proposição de um voto de não confiança no Governo, o que
causa a queda do Gabinete, se esse voto obtiver sucesso.
Na Alemanha, por exemplo, constata-se que, embora os
Comitês parlamentares de orçamento (ou de Finanças) exerçam
alguma influência, o papel principal do Parlamento é pratica-
mente limitado a legitimar decisões já tomadas pela coalisão que
forma o Governo.144
Já num regime presidencialista puro, como é o caso do Brasil,
a separação entre um e outro Poder é estabelecida na Constituição

142
Cf. Fernando Pérez Royo, Derecho Financiero y Tributario. Parte Gene-
ral, p. 463. Frisa o professor que, do ponto de vista político, o orçamento
é o principal instrumento de controle da ação de governo. Diz: “En este
sentido, podemos decir que el concepto mismo de la institución va unido
al nacimiento y desarrollo de las formas democráticas de gobierno, al
Estado constitucional, el cual, en todas sus formas, incluidas las más
imperfectas o embrionarias, incluye da prerrogativa del legislativo de
aprobar el presupuesto”.
143
Idem, ibidem.
144
Conforme The Legal Framework for Budget Systems – an international
comparison, especialmente p. 223.
Direito Orçamentário 67

e o Poder Legislativo, elaborando leis, pode reforçar a sua “supre-


macia” sobre o Poder Executivo em matéria orçamentária.145
Com base na evolução do orçamento na Inglaterra, Hector
Villegas reconhece que aquele foi o resultado político das lutas
pela supremacia travadas entre o soberano e os representantes do
povo.146 Estes conseguiram, primeiramente, que o rei aceitasse
que nenhum imposto poderia ser estabelecido sem o consentimen-
to dos representantes do povo e, em seguida, “controlar o emprego
dos fundos que haviam votado, ou seja, os gastos públicos”.147
Para César de Moraes Sabbag, “a sistemática atual [do
sistema orçamentário, no Brasil], ao contrário do que se supõe,
inviabiliza o debate institucional com a sociedade”.148 Chega a
dizer mesmo que esse sistema estaria estruturado, a partir da
Constituição, “para reforçar as prerrogativas do Executivo e re-
tirar efetividade do controle parlamentar, mantendo a sociedade
absolutamente distanciada de qualquer decisão importante”.149
Embora reconheçamos que a prática orçamentária em nosso
país diverge bastante do que está idealmente disposto na Consti-
tuição da República e nas leis financeiras que dela decorrem, não
parece que esse sistema orçamentário formal inviabilize o debate
institucional com a sociedade. A Lei das Leis fornece a ambos os
Poderes (Executivo e Legislativo) a possibilidade de discutirem os
destinos da sociedade e, em termos de recursos financeiros, deli-
berarem quanto à sua destinação. Se isso não ocorre na vida real
não será por falta de arcabouço jurídico que o permita.

145
Sobre este ponto, veja-se The Legal Framework for Budget Systems, cit.
p. 48-49.
146
Héctor Villegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tributario, p.
126.
147
Idem, ibidem.
148
César de Moraes Sabbag, Breves considerações sobre deficiências estru-
turais do sistema orçamentário brasileiro. Propostas para incrementar a
legitimidade e a eficiência do modelo, p. 455.
149
Idem, ibidem.
68 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Na França se critica os poucos poderes [em ermos relati-


vos, diríamos] que tem o Parlamento em matéria de orçamento,
como, por exemplo, embora tenha a competência para autorizar
o limite das despesas do Estado, não tem nenhum papel na fixa-
ção desse limite [o que compete ao governo].150
Diz-se, também, que o Parlamento é muito pouco escuta-
do e que o governo aproveita muito pouco do que é feito pelos
parlamentares em termos de trabalhos e análises orçamentárias,
“como se as finanças públicas fossem muito importantes para
serem tratadas pelos eleitos pelo povo”.151
Do mesmo modo que o orçamento deixou de ser uma peça
meramente contábil para constituir-se no ordenamento racional
da Administração e do Tesouro, o budget inglês e francês passou
ao papel do instrumento de equilíbrio político entre os órgãos
executivo e legislativo da soberania nacional, conforme observa
Aliomar Baleeiro.152 Isso se espraiou sobre todos os países que
sofreram influência da Inglaterra, da França e os Estados Uni-
dos, como é o caso do Brasil.
O mesmo mestre observa que o orçamento floresceu, na sua
primeira fase, “como processo de fiscalização financeira e cer-
ceamento das tendências perdulárias de governantes dissociados
dos interesses gerais das massas”.153

2.3.1.1 Os limites do político

Ainda que se admita a profunda interferência do aspecto


político em tudo o que se refere ao orçamento, força é reconhe-

150
Alain Lambert e Philippe Marii, En finir avec le mensonge budgétaire.
Enquête sur la transparence très relative des comptes de l’État, p. 143-
144.
151
Idem, ibidem.
152
Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças, p. 395.
153
Idem, ibidem.
Direito Orçamentário 69

cer, também, que “o político” encontra seus limites na Consti-


tuição da República.
Assim, por mais que a economia influencie as escolhas po-
líticas, há prioridades claramente contempladas no texto da Lei
Maior e que obrigam o legislador – entenda-se como tal, aqui, o
Executivo e o Legislativo – a segui-las.
Ocorre que, em última análise, a política econômica do
Governo deve ser formulada buscando o maior proveito para
toda a sociedade, como é elementar. Nesse contexto, as escolhas
econômicas, em princípio, são realizadas visando a propiciar
o maior bem-estar à população, sem deixar de lado a natural
influência de fatores externos, como é obrigatório num mundo
globalizado.
Incorporando as opções políticas quanto à condução da
economia, o orçamento certamente refletirá essas opções e a
sua posta em prática sofrerá as consequências dessa política,
para o bem e para o mal. Nesse sentido, resulta difícil julgar,
a não ser em casos limites, a adequação das escolhas feitas
e materializadas no orçamento, aos ditames constitucionais
implícitos ou explícitos, o que acresce como ingrediente a difi-
culdade de separar-se o político – e também, necessariamente,
o econômico – do jurídico, quando se cuida de orçamento
público.

2.3.1.2 Como se processa a aprovação do orçamento no


Brasil

Não obstante, formalmente, a estrutura do processo orça-


mentário como um todo estar bastante bem urdida, pela Consti-
tuição e pelas normas infraconstitucionais, na prática cotidiana
as coisas não se passam como seria de se esperar diante desse
arcabouço mencionado.
Efetivamente, consoante dispõe o Texto Supremo, a inicia-
tiva das leis orçamentárias é do Poder Executivo (art. 165, caput)
70 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

e o Parlamento examinará os respectivos projetos (art. 165, §§


1.º, 2.º e 3.º, especialmente) e os aprovará (ou não), nos termos
do art. 48, II.
Isso faria presumir que há uma participação mista, como
deve ser, do Poder Executivo e do Poder Legislativo na discus-
são e aprovação do orçamento (das três leis orçamentárias, em
rigor). No entanto, conforme se pode presenciar em todos os
exercícios financeiros, ao menos até esta parte, o orçamento é
praticamente imposto pelo Executivo ao Legislativo e este, após
as barganhas políticas de praxe (mais especificamente a aceita-
ção de emendas parlamentares por parte do Executivo), acaba,
em geral (às vezes a destempo) por aprová-lo.
Talvez uma das melhores oportunidades para o debate dos
programas de desenvolvimento do país seja desperdiçada pela
forma como, tradicionalmente, a lei orçamentária é processada
no Parlamento. Esta situação é bastante bem retratada por César
de Moraes Sabbag, quando diz:
Embora o processo legislativo orçamentário constitua opor-
tunidade correta e palco adequado para que governo e socie-
dade reflitam sobre o destino do recurso público – principal
instrumento para viabilização das políticas públicas de Es-
tad0 – não se discutem grandes temas nacionais, estratégias
para o desenvolvimento ou macro-decisões econômico-fi-
nanceiras.
O que importa, de verdade, fica sempre ofuscado pelo va-
rejo orçamentário, pela acomodação política do sistema e
de seus atores, que se esforçam em atuações pouco nobres
para o andamento dos projetos e cumprimento formal dos
prazos.154

154
Breves considerações sobre deficiências estruturais do sistema orçamen-
tário brasileiro. Propostas para incrementar a legitimidade e a eficiência
do modelo, p. 454.
Direito Orçamentário 71

2.3.1.3 Não aprovação do orçamento

Decidimos incluir o tema neste capítulo, uma vez que


enxergamos uma nítida relação dele com o aspecto político do
orçamento.
A Constituição da República não prevê expressamente a
saída para se isso ocorrer, o que faz com que a doutrina seja en-
carregada de apontar os possíveis caminhos.
A relevância do assunto está em que o Estado simples-
mente não pode funcionar sem ter o orçamento aprovado.
Infelizmente, em nosso país, as pessoas usualmente não têm
noção sobre o que isso significa e o homem comum do povo,
principalmente, mas não somente, provavelmente nem perce-
be que, passado o prazo de aprovação do orçamento, esta não
ocorreu. Isso porque, de um jeito ou de outro, as coisas conti-
nuam funcionando (ou não funcionando) normalmente, como
se nada tivesse acontecido.
Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos da Amé-
rica, por exemplo, o dinheiro público no Brasil continua sendo
aplicado e utilizado como se a lei orçamentária houvesse sido
aprovada. Usam-se instrumentos, como a Medida Provisória,
para a abertura de crédito extraordinários, o que sucede sem
autorização constitucional.155 Nos Estados Unidos, a exemplo
do que ocorreu no ano de 2013, quando a aprovação do seu or-
çamento se deu com atraso, imediatamente se notou que certos
serviços foram interrompidos, funcionários deixaram de receber
salários etc. Há alguns anos, quando situação semelhante acon-
teceu, os Consulados em outros países ficaram até sem formulá-
rios para pedidos de visto.
A não devolução do projeto de lei orçamentária no prazo
está contemplada na legislação, com a respectiva solução: “Se
não receber a proposta orçamentária no prazo fixado nas Consti-

Acerca do uso de Medida Provisória para abertura de crédito extraordi-


155

nário, veja-se o capítulo “O orçamento e o STF”).


72 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

tuições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios, o Poder Legisla-


tivo considerará como proposta a Lei de Orçamento vigente”. É
o que reza o art. 32 da Lei 4320/64.
A questão não resolvida é para eventual não devolução,
tempestivamente, do projeto de lei orçamentária para sanção ou
a sua rejeição total ou parcial.

2.3.1.3.1 Pequeno histórico


A Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional n.
1/69 dispunha:
Art. 66. O projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo
Presidente da República ao Congresso Nacional, para votação
conjunta das duas Casas, até quatro meses antes do início do
exercício financeiro seguinte; se, até trinta dias antes do en-
cerramento do exercício financeiro, o Poder Legislativo não
o devolver para sanção, será promulgado como lei.
No Estado de São Paulo, como observa Regis de Oliveira,
a Constituição Bandeirante previa que “rejeitado o projeto [de
lei orçamentária], subsistirá a lei orçamentária anterior”.156 Este
dispositivo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribu-
nal Federal, que a solução seria a de entender não devolvido o
projeto enviado ao Congresso Nacional157, ou seja, pelo enten-
dimento da Suprema Corte, tanto a rejeição do projeto de lei or-
çamentária, quanto a sua não devolução para sanção produziam
o mesmo efeito, isto é, o projeto de lei orçamentária enviado ao
Congresso será promulgado como lei.
Como dissemos, a Constituição vigente não prevê expres-
samente a solução da questão.

156
Regis de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 380.
157
Cf. Regis de Oliveira, op. cit., p. 381, que se refere a acórdão constante
da RDA 112/263.
Direito Orçamentário 73

Algumas alternativas são cogitadas. Antes de passar a elas,


contudo, impende salientar o alerta de José Afonso da Silva que
lembra que o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias não
pode ser rejeitado, pois, conforme reza o art. 57, § 2.º, da Lei
Maior, “a sessão legislativa não será interrompida sem a apro-
vação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias”. Por outro
lado, no entender deste autor, a Constituição admite a rejeição
do projeto de lei orçamentária anual, com base no que dispõe o
art. 166, § 8.º, do mesmo Diploma:
Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição
do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas
correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso,
mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e
específica autorização legislativa.158

2.3.1.3.2 Não aprovação tempestiva do orçamento


Neste ponto, Regis de Oliveira entende que, não aprova-
do o orçamento tempestivamente, pode o Congresso Nacional
fazê-lo posteriormente, “colocando-o em vigor ao início do
exercício. Com tal providencia, haveria apenas um período em
que a nação estaria sem a lei orçamentária”.159 Invoca acórdão
do Supremo Tribunal Federal, que entendeu ser admissível que a
lei estabeleça um período pelo qual a programação constante do
projeto de lei pode ser executada por um determinado período,
suplantado o qual é imprescindível a solicitação de abertura de
crédito especial.160
Segundo este autor, ainda, na hipótese aventada poderia ha-
ver a solicitação de créditos orçamentários, mas “subsistindo a

158
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 747.
159
Op. cit., p. 382.
160
Acórdão relatado pelo Min. Nelson Jobim (Ação Originária n. 547/AL,
j. 24.5.99).
74 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

ausência de texto, a solução deverá ser outra”.161 Esta solução, na


sua opinião, deveria ser aquela prevista na Constituição anterior,
qual seja, “a promulgação, por decreto, do texto proposto”.162
Para ele,
se o Legislativo não discutiu tempestivamente o assunto e
não ofereceu proposta de lei orçamentária com as alterações
que tenha querido fazer, a competência retorna ao Executivo,
que, então, administrará o país, o Estado ou o Município por
sua conta. Sujeita-se, evidentemente, ao controle do Legisla-
tivo [...] Como este se recusou a endossá-lo [o plano de ação
governamental], compreende-se que renunciou ao direito de
emenda e de traçar orientação ao Executivo. Logo, abriu mão
do direito de sujeitar o texto às alterações que entendia con-
veniente. O Executivo, então, assume a gestão do orçamento,
por sua conta e risco, sujeitando-se, como se disse, ao controle
do Legislativo”.163
Sobre este aspecto, parece-nos bastante razoável o entendi-
mento dado pelo Supremo Tribunal Federal à questão no tocante
ao atraso da devolução, pelo Legislativo, do projeto de lei orça-
mentária ao Executivo, isto é, que haja a solicitação de abertura
de créditos especiais. O desejável, realmente, é que sempre haja
a participação do Poder Legislativo no que se refere ao emprego
do dinheiro público. No entanto, se esse atraso na devolução
perdurar, a situação é acrescida de um ingrediente de dificulda-
de: ao mesmo tempo, a lei deve aprovar o orçamento e o Estado
não pode deixar de funcionar pelo fato de ele não ser aprovado a
tempo. Daí em diante, cremos que o problema da não devolução
equipara-se ao da rejeição do projeto de lei orçamentária.
Harada lembra, quanto à não devolução do projeto a tempo,
que, na prática, o assunto vem sendo tratado pelas leis de dire-
trizes orçamentárias, “autorizando o Poder Executivo a realizar

161
Regis de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 382.
162
Idem, ibidem, p. 382.
163
Idem, p. 382-383, grifou-se.
Direito Orçamentário 75

proposta orçamentária até sua aprovação e encaminhamento do


respectivo autógrafo pelo Legislativo, na base de 1/12 (um doze
avos) em cada mês”.164

2.3.1.3.3 Rejeição do projeto de lei orçamentária


Conforme averba Giacomoni, a Constituição de 1946 ad-
mitia a possibilidade de o orçamento ser rejeitado, tanto é que
previa que, se o orçamento não tivesse sido enviado à sanção
até 30 de novembro, prorrogar-se-ia para o exercício seguinte
o que estiver em vigor (art. 74). Havia crítica quanto a este dis-
positivo, principalmente de autores de áreas não jurídicas, pois,
se o orçamento moderno representa a programação de trabalho
de um governo, como poderia ser prorrogado? Como se poderia
executar o mesmo projeto duas vezes?165
Isso não obstante, segundo este autor, essa Constituição
disciplinava um tipo de orçamento público marcadamente tra-
dicional,
estruturado com base em tetos financeiros nas diversas uni-
dades orçamentárias. Prorrogar tal tipo de orçamento pelos
transtornos consequentes não deveria acontecer, mas era algo
possível e lógico [...].166
Com a Constituição de 1967, Emenda 1/69, como vimos
acima, se não houvesse devolução no prazo, o projeto apresenta-
do seria promulgado como lei. Dizia-se, então, que a partir daí o
projeto de lei orçamentária não podia ser rejeitado.167

164
Kiyoshi Harada, Direito financeiro e tributário, p. 66. Prossegue o au-
tor, dizendo que “infelizmente, essa prática vem induzindo a leniência
das Casas Legislativas que antes não deixavam de devolver a proposta
orçamentária devidamente aprovada até o encerramento da sessão legis-
lativa”.
165
James Giacomoni, Orçamento público, p. 276.
166
Idem, ibidem.
167
Idem, p. 277.
76 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Sobrevindo a atual Carta, parece-nos que é indubitável a


possibilidade de rejeição do orçamento. Não que ela deva ser
a regra nem que seja aconselhável, mas o texto constitucional
vigente refere-se expressamente à rejeição do projeto de lei or-
çamentária no art. 166, § 8.º, já mencionado retro.
Ainda que assim não fosse, não vislumbramos coerência
em o projeto de lei orçamentária ser encaminhado ao Parlamen-
to (art. 166, § 6.º)168, devendo este dispor sobre o projeto (art. 48,
II)169, se ele [Parlamento] somente pode aprovar o orçamento e
não rejeitá-lo.
Além disso, como vimos, o período de debate orçamentário
é um momento importante nas relações Executivo-Legislativo
e o orçamento é tal em decorrência a manifestação dessas duas
vontades.
Aceitar, ao menos sem previsão legal expressa, a promul-
gação do projeto como lei, afigura-se-nos desconsideração para
com o papel do Poder Legislativo no orçamento. Ora, se lhe é
dada a competência para apreciar o orçamento, ele deve poder
tanto aceitá-lo como rejeitá-lo. Admitir a hipótese aludida sig-
nificará voltar aos tempos da acirrada discussão acerca a natu-
reza jurídica da lei orçamentária, aceitando-a, com relação às
despesas, como sendo lei meramente formal, hipótese em que
prescindiria da aprovação do Parlamento. Como não pensamos
que assim seja, devemos desprezar esta solução.

168
“Os projetos de lei do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do
orçamento anual serão enviados pelo Presidente da República ao Con-
gresso Nacional, nos termos da lei complementar a que se refere o art.
165, § 9.º”.
169
“Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da
República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52,
dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente
sobre: [...];
II – plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, opera-
ções de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado;”.
Direito Orçamentário 77

José Afonso da Silva admite a rejeição do projeto de lei


orçamentária, mas esta [rejeição], “só deve ser praticada em
situação extrema de proposta distorcida, incongruente e impos-
sível de ser consertada por via de emendas, dadas as limitações
para estas”.170 Regis de Oliveira, embora advogue pela promul-
gação do projeto orçamentário por decreto em caso de rejeição,
também entende que o Poder Legislativo “não pode rejeitar o
orçamento por motivos menores. Não pode deturpar a proposta
orçamentária de forma a impedir o exercício administrativo e
político da entidade federativa”.171
A nós parece que, do ponto de vista estritamente jurídico,
até que sobrevenha a lei complementar de normas gerais de Di-
reito Financeiro requerida pelo art. 165, § 9.º, da Constituição,
a saída para esta situação é aquela prevista pelo art. art. 166,
§ 8.º, da Lei das Leis, ou seja, a abertura de créditos especiais
ou suplementares por meio de prévia e específica autorização
legislativa.
Já pelo prisma político – que, certamente, não pode ser
desconsiderado – sabe-se que acordos são alinhavados entre o
Poder Executivo e os parlamentares visando à aprovação do or-
çamento sem grandes problemas. Significa isso que, nos âmbi-
tos federal e estadual ao menos, dificilmente ocorrerá a rejeição
total do projeto de lei orçamentária.

2.3.1.3.4 Direito comparado


Em Portugal, como nos dá notícia João Ricardo Catarino, a
solução para a não aprovação do orçamento é a “prorrogação da
vigência da lei do Orçamento do Estado”.172

170
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 748.
171
Curso de direito financeiro, p. 384.
172
Finanças públicas e direito financeiro, p. 326.
78 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

De fato, a “lei de Enquadramento Orçamental” portuguesa


prevê as situações em que a lei orçamentária é prorrogada, em
seu art. 12.º-H:
Artigo 12.º-H
Prorrogação da vigência da lei do Orçamento
1 – A vigência da lei do Orçamento do Estado é prorrogada
quando se verifique:
a) A rejeição da proposta de lei do Orçamento do Estado;
b) A tomada de posse do novo Governo, se esta tiver ocorrido
entre 1 de Julho e 30 de Setembro;
c) A caducidade da proposta de lei do Orçamento do Estado em
virtude da demissão do Governo proponente ou de o Governo
anterior não ter apresentado qualquer proposta;
d) A não votação parlamentar da proposta de lei do Orçamento
do Estado.
Nessa circunstância, a execução orçamentária será procedi-
da por duodécimos, consoante determina o número 4 do mesmo
artigo da lei mencionada:
4 – Durante o período transitório em que se mantiver a prorro-
gação da vigência da lei do Orçamento do Estado respeitante ao
ano anterior, a execução do orçamento das despesas obedece
ao princípio da utilização por duodécimos das verbas fixadas
nos mapas orçamentais que as especificam, de acordo com a
classificação orgânica, sem prejuízo das excepções previstas
na alínea a) do n. 5 do artigo 43.º
Na Espanha também se considera prorrogado o orçamento
do exercício anterior, caso o orçamento não seja aprovado a tem-
po, como reza o art. 134.4., da Constituição espanhola:
Art. 134.4. Si la Ley de Presupuestos no se aprobara antes
del primer día del ejercicio económico correspondiente, se
considerarán automáticamente prorrogados los Presupuestos
del ejercicio anterior hasta la aprobación de los nuevos.
Direito Orçamentário 79

Lembre-se que a Espanha é uma monarquia parlamentar,


conforme reza o art. 1. 3. da sua Constituição (La forma política
del Estado español es la Monarquía parlamentaria). Isso pro-
picia uma visão diferente da questão aqui analisada, porquanto,
em princípio, o que pode ocorrer é um atraso na aprovação da lei
orçamentária, já que a sua rejeição acarretaria, provavelmente, a
queda do governo.
Conforme dissemos acima, a aplicação do art. art. 166, §
8.º, da Constituição é, do ponto de vista estritamente jurídico, a
mais adequada tanto à situação de não aprovação tempestiva do
orçamento quanto à da sua rejeição.
Outra possibilidade que se nos afigura mais próxima de
ser aceita juridicamente é a prorrogação da lei orçamentária
anterior, com os ajustes necessários em termos de atualização
monetária e, evidentemente, de remoção de itens já executados
anteriormente. Assim pensamos porquanto, ainda que se possa
dizer que a lei orçamentária é uma lei de caráter temporário –
para viger por um ano –, ela ainda é uma lei, tendo sido, à sua
época, aprovada pelo Parlamento.
Ademais, como ensina José Afonso da Silva,
[...] a regra é a da permanência da lei anterior, enquanto não
revogada expressa ou tacitamente. Verdade é que a lei orça-
mentária é daquelas que são promulgadas para vigorarem por
certo tempo, ou seja, por um exercício financeiro. Por isso,
diz-se que é lei temporária, isto é, lei feita para viger por um
período determinado. Devemos, entretanto, convir que a sua
temporariedade deflui do fato de que sua matéria se esgota com
sua aplicação no período indicado. Não é temporária, porque
assim ela própria determina, dizendo que vigorará até o dia
tal, mas porque tal decorre de seus termos, tais como; ‘Estima
a receita e fixa a despesa para o exercício de 19...’. Mas a lei
orçamentária subsequente é que, efetivamente, revoga a ante-
80 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

rior, com a cláusula revogatória das disposições em contrário


ou porque regule novamente a matéria. 173
Em resumo, num e noutro caso, ao menos, em algum mo-
mento houve a participação do Parlamento no exame do orça-
mento, devendo esta circunstância ser privilegiada.
Em todo caso, conforme também já se referiu aqui, a so-
lução terminará, no mais das vezes, por ser resolvida na esfera
política.
Impõe-se, para pôr termo à controvérsia, a edição de lei
complementar de normas gerais disciplinando de vez a matéria.

2.3.2 Aspecto econômico do orçamento


Não há, no mundo moderno ao menos, a possibilidade de
se dissociar o orçamento da política econômica. A economia do
país afeta o orçamento e reversamente.
Com efeito, com o orçamento se pretende programar a
atuação o setor público para conseguir determinados objetivos
de política econômica e, desse modo, estabelecer as regras que
orientarão a política econômica do Governo, como salienta Ger-
mán Orón.174 Isso é assim até porque “a política econômica é
uma concreção da política”.175
É de praxe dizer-se que o orçamento passou de uma visão
estática, quando basicamente era considerado como um docu-
mento no qual constavam números relativos a entradas e saídas
de dinheiro nos cofres públicos num determinado período de
tempo, para ser apreciado do ponto de vista dinâmico, querendo-
-se, geralmente, dizer com isso, que ele reflete, aponta para os
rumos da economia do país. Esta constatação é recorrente na

173
Orçamento-programa no Brasil, p. 302.
174
Germán Orón Moratal, El presupuesto estatal ante el Derecho comuni-
tario: en especial, la bifurcación del principio de legalidad financiera al
significado jurídico del estado de ingresos, p. 932.
175
Idem, ibidem.
Direito Orçamentário 81

doutrina e neste trabalho também. Não nos importamos em repe-


tir esta realidade, porquanto a reputamos de visceral importância
tê-la presente a todo momento, a fim de ressaltar, sempre que
possível, a relevância, nem sempre suficientemente reconhecida,
da lei orçamentária.
Pode-se afirmar que a economia influi no orçamento e, reci-
procamente, é por ele influenciada.
Como um documento econômico e fiscal, segundo Aman
Khan e W. Bartley Hildreth, o orçamento serve como um ins-
trumento fundamental para proceder-se a uma avaliação da
redistribuição da renda num determinado local, estimulando o
seu crescimento econômico, combatendo a inflação e mantendo
a estabilidade econômica.176
Nos dias que ora correm, desde há um certo tempo, é visí-
vel a importância da Economia nos destinos das pessoas e das
nações. Não que tenha havido época em que ela foi desimpor-
tante, porém nos tempos modernos parece que tudo gira em
torno da Economia; as pessoas e as nações pautam suas vidas
ao sabor da Economia, talvez numa proporção muito maio que
em outras eras. Governantes são eleitos ou não em função dos
rumos da Economia; as pessoas tomam decisões sobre o seu
futuro profissional e até mesmo pessoal de acordo com influ-
xos econômicos etc.
Cremos mesmo poder asseverar que estamos vivendo a
“Era da Economia”.
Se isso é uma verdade inconteste, ao menos que se lembre
de colocar ao seu lado o Direito também. Diz-se isso, pois é bas-
tante comum depararmos com situações em que o Direito posto
parece ceder a sua vez à Economia, ou, pior, que esta passe como
um rolo compressor por sobre o Direito.

Aman Khan e W. Bartley Hildreth, Budget theory in the public sector, p.


176

X.
82 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

No tema “orçamento”, especialmente, os juristas e os eco-


nomistas dificilmente se entendem ou falam a mesma lingua-
gem. Isso, se por um lado é compreensível, já que se tratam de
duas ciências distintas, com instrumental e linguagem também
diferentes, na sua maior parte, por outro lado causa espécie
quando se tem em mente que o objeto a ser analisado é o mesmo,
ou seja, o orçamento.
Ricardo Lobo Torres fala da “moralização do orçamento”,
dizendo que, para que esta aconteça, deve-se superar o “cienti-
ficismo estéril” que se instalou no país.177 Para ele, os juristas
abandonaram o estudo do conteúdo do orçamento e da estrutura
dos gastos públicos e concentraram a sua atenção nas “questi-
únculas técnico-formais” da elaboração da lei orçamentária ou
de aspectos simplesmente processuais das garantias dos direitos
sociais “sujeitos ao princípio da reserva orçamentária”178. Já os
economistas “monopolizaram o discurso sobre a política orça-
mentária” e “produziram soluções puramente utilitaristas, quase
sempre imorais, como a da industrialização com o dinheiro do
Estado”.179
No que queremos salientar a esta altura, vale a citação do
mestre fluminense quando diz:
É preciso que as ciências do direito e da economia se harmoni-
zem a partir do coeficiente comum de moralidade, que trans-
forme a Lei das Leis em instrumento de redistribuição de bens
e serviços públicos e não apenas de crescimento econômico.
Cremos que todas estas observações falam por si mesmas,
dispensando qualquer comentário a mais, a não ser o reforço do
caráter multifacetado do orçamento e que demanda o seu estudo
de forma interdisciplinar.

177
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro
e Tributário, vol. V: o Orçamento na Constituição, p. 46.
178
Idem, ibidem.
179
Idem.
Direito Orçamentário 83

2.4 Evolução histórica do orçamento

Nunca las instituciones jurídicas son inventadas o creadas


por la razón, sino generadas en la propia entraña de la vida
social.180
De fundamental importância para a compreensão da figura
do orçamento, com especial destaque para a sua feição econô-
mica e jurídica é passar em revista, ainda que com brevidade, a
sua evolução histórica.
Isso se dá até mesmo em razão de estar o orçamento intima-
mente vinculado aos acontecimentos políticos que se sucederam
no tempo.
Com efeito, a partir do momento em que os homens pas-
saram a exigir que, para que o soberano impusesse tributos,
tivesse que previamente consultá-los, ficou implícita a ideia de
necessidade de consentimento também para a aplicação dos re-
cursos obtidos por meio da tributação. Já não bastava – embora
houvesse isso constituído um grande avanço – a autorização
para tributar, mas era importante, também, saber o destino dos
tributos arrecadados.
De modo geral, poder-se-ia denominar a todo este fenô-
meno de “princípio do consentimento”, seja referentemente à
tributação, seja com respeito ao gasto do dinheiro público.
Tenha-se em mente que, no decorrer da História, sempre
houve resistência ao poder absoluto, pertencesse este a quem
fosse. Em épocas remotas o titular desse poder simplesmente
requisitava bens e serviços dos “súditos”, que, por sua vez, não
possuíam muita margem para desobedecer, a não ser, em regra,
recorrendo à violência.
Considera-se, normalmente, o ano de 1215, na Inglaterra,
como o marco do princípio do consentimento (ou princípio da

Fernando Sainz de Bujanda, Sistema de Derecho Financiero I, Introduc-


180

ción, vol. II, p. 412.


84 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

autoimposição). Foi aí que nasceu a Carta Magna, que prescre-


via inúmeros direitos até então “não sumulados”, dentre eles o
de que nenhum tributo (na acepção atualmente vigente) poderia
ser imposto sem o “consentimento geral do reino”181 (no taxa-
tion without representation).
Lembre-se que as Cortes (assembleias do Reino, Conselhos
e que tais) tampouco se reuniam para deliberar quaisquer assun-
tos, tendo passado a fazê-lo somente com o decorrer do tempo,
quando se percebeu a utilidade que tais encontros poderiam ter
para a evolução política, social e econômica da Nação.
Tenha-se presente que a ideia de consentimento do impos-
to exprime também os primeiros passos do orçamento, no seu
sentido de autorização, mas, frise-se, somente com relação às
receitas. O soberano valia-se dos seus domínios, que rendiam
recursos com os quais eram providas as despesas ordinárias
do reino. Quando se tratava de necessidades extraordinárias do
Estado, geralmente referentes a finalidades militares, aqueles
recursos não eram suficientes, o que fazia com que se tivesse
de recorrer a receitas extraordinárias, para as quais se passou
a exigir o consentimento dos representantes dos contribuintes.
Neste ponto, lembram Trotabas e Cotteret, que “a necessidade
dessa autorização não se justifica senão em função do caráter
extraordinário dessas receitas”.182
Com a passagem do Tesouro do Estado patrimonial da
monarquia absoluta para o Estado representativo, o Parlamento
inglês se reuniu para votar os subsídios de que se valeu para
manter e estender os seus poderes.

181
Magna Carta, Cláusula (12) :”No `scutage’ or `aid’ may be levied in
our kingdom without its general consent, unless it is for the ransom of
our person, to make our eldest son a knight, and (once) to marry our el-
dest daughter. For these purposes ouly a reasonable `aid’ may be levied.
`Aids’ from the city of London are to be treated similarly”.
182
Louis Trotabas e Jean-Marie Cotteret, Droit budgétaire et comptabilité
publique, p. 16-17.
Direito Orçamentário 85

No reinado de Carlos II, que viveu entre 1630 e 1685, o


princípio de autorizar por lei as receitas para gastos determina-
dos “foi formalmente estabelecido como uma das condições em
que o Parlamento estava disposto a conceder dinheiros para as
necessidades do Estado”.183
Horacio Corti observa que, como consequência direta do
princípio da “autoimposição”, surgiu o direito dos cidadãos não
só ao consentimento à tributação, como também a “conhecer a
sua justificação e o destino a que se afetavam [os tributos]”.184
Esses direitos foram reconhecidos no Bill of Rights de 1689,
na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789
(art. 14) e também assim estabeleceu a Constituição de Cádiz de
1812.185
Embora o princípio do consentimento à tributação já de-
corresse da Carta de 1215, os reis ingleses buscavam recorrente-
mente se distanciar dessa exigência. Tentaram engendrar novas
formas de receitas, que não os impostos ou as taxas, justamente
para fugir à necessária autorização do Parlamento. Foi o que fi-
zeram Eduardo I, Henrique VIII e Elizabeth I, criando monopó-
lios fiscais e estabelecendo certas taxas (aqui usada a expressão
como denominação genérica) sem a autorização parlamentar.186
A oposição do Parlamento, no entanto, não se deixou inti-
midar, e o conflito entre rei e Parlamento agravou-se no reinado
de James I, pois este insistia em que consistia um atributo do
poder real o direito de estabelecer impostos. A resistência do
Parlamento manifestou-se sob o reinado de Carlos I, filho de Ja-
mes I, quando a Câmara dos Comuns, em 1625 concedeu ao rei
somente uma autorização limitada, após o que essa Casa foi dis-

183
Benvenuto Griziotti, Política, Derecho y Ciencia de la Hacienda, p. 426.
184
Conforme Sentença do Tribunal Constitucional espanhol (STC 3/2003,
Fundamento Jurídico n. 3).
185
Idem, ibidem.
186
Cf. Louis Trotabas e Jean-Marie Cotteret, Droit budgétaire et comptabi-
lité publique, p. 17.
86 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

solvida. Um segundo Parlamento, convocado em 1626, decidiu


sancionar, ao fim da sessão, as autorizações precedentemente
concedidas ao rei. Aqui aparece a ideia de uma autorização pro-
visória, que culminará na noção de orçamento.187
Carlos I, a exemplo dos Tudor, buscou fórmulas outras
de arrecadar recursos, fugindo dos impostos e das taxas, a fim
de evitar a necessidade de recorrer ao Parlamento. Criou uma
espécie de empréstimo compulsório, mas apesar dessa decisão
real, houve uma recusa geral de submissão: “esse é o primeiro
exemplo de resistência pela greve do imposto”.188 Carlos I, com
a exaustão de recursos, foi forçado a convocar um terceiro Par-
lamento, que concordou em autorizar certos subsídios em troca
de impor ao rei a Petition of Right, que, completando a Magna
Carta de 1215, proclamava definitivamente a intervenção neces-
sária do Parlamento para estabelecer e cobrar qualquer tributo.189
Um quarto Parlamento, em 1629, renovou expressamente
as autorizações anteriormente concedidas para diversos impos-
tos, a fim de afirmar o caráter temporário dessas autorizações.
Carlos I irritou-se com esta atitude e aí se adentra a fase aguda
da luta, quando o rei necessitou de novos recursos e instituiu
um novo imposto para criar uma frota comercial, no intuito de
livrar a Inglaterra da dependência da Holanda com relação ao

187
Louis Trotabas e Jean-Marie Cotteret, Droit budgétaire et comptabilité
publique, p. 17.
188
Idem, ibidem.
189
Idem. Este documento, logo no item I, dispõe:
“[...] that from thenceforth no person should be compelled to make any
loans to the king against his will, because such loans were against reason
and the franchise of the land; and by other laws of this realm it is provi-
ded, that none should be charged by any charge or imposition called a be-
nevolence, nor by such like charge; by which statutes before mentioned,
and other the good laws and statutes of this realm, your subjects have
inherited this freedom, that they should not be compelled to contribute to
any tax, tallage, aid, or other like charge not set by common consent, in
parliament” (grifos nossos).
Direito Orçamentário 87

transporte marítimo. Houve resistência popular contra esse tri-


buto, denominado ship money. Carlos I continuou lançando seus
impostos, contraindo empréstimos e hipotecando os bens da
Coroa, livrando-se, assim, durante onze anos, de ter de recorrer
ao Parlamento.190
Em 1640, o rei, não desejando repetir o acontecido em
1629, decide convocar o Parlamento, o sexto. Este cita os agen-
tes do rei, reprovando-lhes a imposição sobre os navios, pren-
dendo Strafford, ministro do rei, que é executado em 1641, após
o que a luta se transforma em guerra civil entre as tropas do rei e
a do Parlamento, estas sob o comando de Cromwell. Depois da
execução de outro ministro, Carlos I foi entregue ao Parlamento,
julgado e decapitado em 1649.191
A história política inglesa é cheia de contendas entre os po-
deres do rei e do Parlamento, tanto assim que este enfrentamento
voltou a acontecer em 1688, que culminou com nova vitória do
Parlamento, mediante a edição do Bill of Rights, nesse mesmo
ano, quando, então, as instituições financeiras irão, efetivamen-
te, se estabelecer. Em 1648, o Parlamento ainda não pretendia
a prerrogativa de autorizar o recebimento de receitas fundadas
no domínio do soberano (mais atrás denominadas “ordinárias”),
nem as despesas, que constituíam “segredo do rei”, nem fixado
a periodicidade dessa autorização. Em 1688 foram firmados os
pressupostos – que se desenvolveram a partir daí – para a exten-
são da autorização parlamentar a todas as receitas e despesas,
bem como à periodicidade dessa autorização, consagrando “o
desenvolvimento dos poderes do Parlamento sobre o poder
real”.192
Nos Estados Unidos da América, a ideia da necessidade do
“consentimento” também decorreu de imposição de tributo, só

190
Cf. Louis Trotabas e Jean-Marie Cotteret, Droit budgétaire et comptabi-
lité publique, p. 17-18.
191
Idem, ibidem, p. 18.
192
Idem.
88 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

que, neste caso, a tentativa partiu do Parlamento inglês, que im-


pôs, por si mesmo, um imposto de selo (impôt du timbre) sobre
as colônias, o qual foi rechaçado na assembleia local da Virgínia
(e se estendeu ao Congresso de Nova York).
A tese, sustentada por Hampden, contra o rei, era a de que,
sendo o imposto um “livre dom” do povo, somente as assem-
bleias locais poderiam outorgar o consentimento necessário para
estabelecer uma taxa (em sentido amplo) sobre os seus habitan-
tes.193 Este princípio foi formalmente estampado na Declaração
de Filadélfia, em 1774.194
A doutrina costuma afirmar que o orçamento, tal como o
concebemos hoje, passou a existir somente após a revolução Fran-
cesa de 1789,195 após a qual se incorporaram aos ordenamentos os
princípios da soberania nacional e o da separação de poderes.
Chegou-se ao orçamento, enfim, através de “complexas
vicissitudes” da vida política, que se inserem no período com-
preendido entre a Baixa Idade Média e o início do século XIX,
consoante ensina Sainz de Bujanda,196 exatamente quando se
vislumbra no horizonte o “regime constitucional”.
Esta ideia de autorização fará com que, na Inglaterra, as ins-
tituições políticas e financeiras evoluam paralela e solidamente e,

193
Louis Trotabas e Jean-Marie Cotteret, Droit budgétaire et comptabilité
publique, p. 19.
194
Na parte final da Resolução 4 dessa Declaração lê-se: “we cheerfully
consent to the operation of such acts of the British Parliament, as are
bona fide, restrained to the regulation of our external commerce, for the
purpose of securing the commercial advantages of the whole empire to
the mother-country, and the commercial benefits of its respective mem-
bers; excluding every idea of taxation, internal or external, for raising a
revenue on the subjects in America, without their consente”.(grifamos).
195
V., por exemplo, Saturnina Moreno González: Constitución y Leyes de
“Acompañamiento” Presupuestario, Navarra: Editorial Aranzadi, p. 26,
que cita F. Neumark como partilhante desse entendimento; João Ricardo
Catarino: Finanças Públicas e Direito Financeiro, p. 234.
196
Sistema ..., cit., p. 413.
Direito Orçamentário 89

como resumem Trotabas e Cotteret, o Direito Orçamentário inglês


“vai se estabelecer ao termo de uma longa prova de força entre o
poder real e o Parlamento, consagrando, a favor deste último, o
poder de outorgar uma autorização orçamentária total”.197
João Ricardo Catarino posiciona a moderna concepção de
orçamento do Estado nas revoluções liberais, “das quais resultou
uma melhor definição da coisa pública, a res publica que corres-
ponde a uma nova conceção do poder político, do Estado e das
instituições públicas”.198 É o reconhecimento de que orçamento
e política estão permanente e inexoravelmente ligados; a ideia
que se tenha de orçamento e da sua importância caminha ao lado
do momento histórico-político em que se vive.
O mesmo professor resume com felicidade a ideia subja-
cente ao princípio do consentimento quando, partindo da Magna
Carta Britânica, afirma que
Tal ideia seminal, corporizada não sem avanços e recuos, veio
a materializar uma conceção por certo bem mais ancestral
de que a afetação patrimonial dos cidadãos por ato do poder
público, não deveria fazer-se senão quando ela lhes seja apre-
sentada previamente um plano de gastos, com eles discutido
para descoberta da racionalidade, da justiça e da adequação
do encargo público ao fim em vista, e autorizado de forma
esclarecida, livre e determinada pelos povos.199
Na última década do século XIX o orçamento foi definido
como uma “estimativa de receitas e despesas ou um documento
de balanço público e como um ato legislativo que estabelecia e
autorizava certos tipos e montantes de gastos e a tributação”.200

197
Louis Trotabas e Jean-Marie Cotteret, Droit budgétaire et comptabilité
publique, p. 17, grifos no original.
198
Finanças públicas..., cit., p. 234.
199
Idem, ibidem, p. 234-235.
200
Cf. Charlie Tyer e Jennifer Willand. Public Budgeting in America. A
Twentieth Century Retrospective, sem indicação de página.
90 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

A ideia do orçamento como um mecanismo de controle, no


entanto, estava desenvolvendo-se desde os anos de 1830, mas ga-
nhou espaço efetivamente após a Guerra Civil Americana, com o
crescimento das cidades e a expansão dos serviços municipais.201
Giacomoni ressalta a importância que deve ser reconhecida
à trajetória histórica do orçamento na Inglaterra, principalmente
por dois aspectos: “por delinear a natureza técnica e jurídica
desse instrumento” e por “difundir a instituição orçamentária
para outros países”.202
Com apoio em Burkhead, o mesmo autor anota que, na fase
inicial do sistema orçamentário francês, algumas regras ali exis-
tentes ajudaram a consolidar a concepção doutrinária básica até
hoje em vigor, tais como: a anualidade do orçamento; a sua vota-
ção antes do início do exercício; a necessidade de contemplação
de todas as “previsões financeiras” para o exercício (princípio
da universalidade) e o princípio da não-afetação de receitas.203
No Brasil, a primeira vez que se exigiu a elaboração de or-
çamentos formais foi com a Constituição Imperial de 1824, que
assim dispôs, no seu art. 172:
Art. 172. O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido
dos outros Ministros os orçamentos relativos ás despezas das
suas Repartições, apresentará na Camara dos Deputados an-
nualmente, logo que esta estiver reunida, um Balanço geral da
receita e despeza do Thesouro Nacional do anno antecedente,
e igualmente o orçamento geral de todas as despezas publicas
do anno futuro, e da importancia de todas as contribuições, e
rendas publicas.
A Constituição de 1891 atribuiu ao Congresso Nacional a
competência para a elaboração do orçamento (art. 34, 1.º), em-

201
Charlie Tyer e Jennifer Willand. Public Budgeting in America. A Twen-
tieth Century Retrospective, sem indicação de página.
202
James Giacomoni, Orçamento público, p. 33.
203
Idem, ibidem, p. 34.
Direito Orçamentário 91

bora, informalmente o Gabinete do Ministro da Fazenda orien-


tasse a comissão parlamentar de finanças na elaboração da lei.204
Na Constituição outorgada de 1934, o Presidente da Repú-
blica detinha a iniciativa da lei orçamentária, que seria votada
pelo Parlamento. Com a Constituição de 1937, na prática, ain-
da que ela previsse a votação do orçamento pela Câmara dos
Deputados e pelo “Conselho Federal”, estas duas Casas nunca
foram criadas e o Presidente da República elaborava e decretava
o orçamento.205
Advindo a Constituição democrática de 1946, novamente
a iniciativa passou a ser do Presidente da República, mas o Par-
lamento participava da elaboração do orçamento por meio de
emendas e o aprovava.206
Após o golpe militar de 1964, com a Constituição de 1967,
a grande novidade foi que o poder de emenda tornou-se extrema-
mente restrito, uma vez que, conforme dispunha o art. 67, § 1.º:
Não serão objeto de deliberação emendas de que decorra
aumento da despesa global ou de cada órgão, projeto ou pro-
grama, ou as que visem, a modificar o seu montante, natureza
e objetivo.
Com a Constituição atual, de 1988, houve várias novidades
no âmbito orçamentário, como o aumento do poder de emenda
do Parlamento, a instituição do plano plurianual e da lei de dire-
trizes orçamentárias, a ênfase no planejamento do setor público,
a ampliação do controle das contas públicas etc.
Na atualidade, pode-se dizer, temos em nosso país vários
instrumentos que aperfeiçoaram o processo de orçamentação,
embora, na prática, ainda falte um bom caminho a percorrer so-
mente para implementá-los devidamente.

204
Cf. James Giacomoni, Orçamento público, p. 41.
205
Idem, ibidem, p. 43.
206
Idem, p. 44.
93

Capítulo 3
NATUREZA JURÍDICA DA LEI
ORÇAMENTÁRIA

Sumário: 3.1 Natureza Jurídica do Orçamento: 3.1.1 Contexto his-


tórico em que foi desenvolvida a teoria de Laband – 3.2 Lei formal
vs. lei material: 3.2.1 A doutrina de Hoenel; 3.2.2 A doutrina de
Laband; 3.2.3 A doutrina de Duguit; 3.2.4 O pensamento de Jèze;
3.2.5 Outros autores; 3.2.6 Nosso pensamento.

3.1 Natureza Jurídica do Orçamento


Questão bastante controvertida é a que diz respeito à natu-
reza jurídica do orçamento, ou melhor, da lei orçamentária.
Conforme expõe Canotilho:
A lei do orçamento está indissociavelmente ligada à teoria
do duplo conceito de lei. A distinção conceitual entre lei em
sentido material e lei em sentido formal foi desenvolvida
por Laband, tendo-se transformado num dogma científico
para a doutrina alemã de direito público e, por via dela, das
doutrinas francesa e italiana do direito financeiro e do direito
constitucional.207

3.1.1 Contexto histórico em que foi desenvolvida a teoria de


Laband
O desenvolvimento desta teoria teve como ponto de parti-
da a situação acontecida na Alemanha de Bismarck, na década

José Joaquim Gomes Canotilho, A lei do orçamento, p. 546.


207
94 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

de 1860, quando o Parlamento se recusou a autorizar os gastos


militares do Rei, instaurando-se, então, um conflito entre este
e o Parlamento. Colocava-se a questão de se o Governo esta-
va limitado pelo orçamento que havia realizado, depois que o
Parlamento houvesse votado os impostos necessários para sua
execução, e se estava obrigado a não fazer nenhum gasto não
concedido expressamente pelo Parlamento.208
A teoria do Orçamento de Laband, de 1871, e seu ponto de
apoio básico – a concepção dualista da lei209 –, deve-se mais às
instâncias políticas daquele momento histórico que à tentativa
lógica de construção científica. De um lado, havia uma des-
confiança em face do Poder legislativo e, consequentemente, a
necessidade de justificar, a partir da ciência do Direito, a atuação
do Executivo no caso de não aprovação do Orçamento pelas
Câmaras, reconhecendo a priori ao Governo, e em particular
ao monarca, o poder de estabelecer o Orçamento mediante uma
simples ordem quando não foi votado pelo Parlamento. De outro
lado, a preocupação de uma possível paralisação da atividade
administrativa que levasse a uma dissolução do próprio Estado,
como consequência da rejeição do Orçamento pelas Câmaras
legislativas.210
Daí surgiu o desenvolvimento do entendimento segun-
do o qual a lei pode ser meramente formal – ato, no dizer dos
defensores da sua existência, “sem conteúdo jurídico” –, que
simplesmente é aprovado pelo Poder Legislativo e lei no sentido
material, que teria “conteúdo jurídico”.

208
Sobre o contexto histórico em que surgiu esta teoria e a participação da
construção de Laband, remetemos o leitor ao excelente artigo de Álvaro
Rodríguez Bereijo – Orçamento, publicado em três partes na Revista de
Direito Público, n. 94 (p. 18-43), 95 (p. 04-18) e 96 (p. 5-41), respectiva-
mente.
209
Dualista, pois Laband divide a Lei de Orçamento em duas partes distin-
tas: o orçamento propriamente dito e a lei que o aprova.
210
Cf. Álvaro Rodríguez Bereijo, Orçamento II, p. 6.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 95

Para alguns, o orçamento é mero ato administrativo, sem


caráter legal; para outros, trata-se de lei meramente formal;
alguns sustentam que, além de ser lei em sentido formal, tam-
bém o é em sentido material; por fim, há os que defendam a sua
natureza de ato-condição (seria lei no que tange às receitas e ato
administrativo relativamente às despesas).
No fundo dessa questão está, em verdade, a cogitação
acerca da compreensão do papel do orçamento no contexto das
relações entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Com
efeito, a participação do Legislativo no exame e aprovação do
orçamento é uma manifestação importante do equilíbrio entre
os poderes.
Tenha-se presente que a ideia da participação do Poder
Legislativo na aprovação do orçamento significou, originaria-
mente, a possibilidade de controle desse Poder relativamente ao
Poder Executivo, pensando-se, em primeiro lugar, em limitar os
gastos deste último, função que permanece – ou deveria perma-
necer – até hoje.

3.2 Lei formal vs. lei material


Quando se refere ao orçamento como lei formal, quer-se
dizer que, na realidade, é ele um ato administrativo, ao qual
se atribui a forma de lei, e, sendo assim, não há necessidade
(obrigatoriedade) de ser aprovado pelos representantes do povo.
Dessa perspectiva, a participação do Parlamento seria um “mero
trâmite”, não essencial à produção de efeitos daquele “ato”.
Já quando se reporta à lei orçamentária como lei material,
nisso está implícito que aquele “ato” na realidade possui subs-
tância, tem conteúdo e não mera forma de lei, exigindo, pois,
para a sua aprovação a manifestação do Parlamento.
Se se tratar de uma lei simplesmente “formal”, pode-se
argumentar que, na verdade, é um ato administrativo, que tem
a forma de lei somente e que, por essa razão, o seu conteúdo é
tarefa do Poder Executivo, sendo a participação do parlamento
96 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

meramente uma contingência formal, de cumprimento de um


procedimento. Isso desemboca na ideia de que a aprovação do
orçamento pelo Parlamento não é essencial.
Como bem observa Ferreiro Lapatza, a tese do orçamento
como lei formal “se reduz, em essência, a uma afirmação: a Lei
de Orçamento não contém normas jurídicas; e a uma consequên-
cia: não regula nem afeta as relações jurídicas entre o Estado e
os particulares”.211
Se, por outro lado, se reputa o orçamento como lei “mate-
rial”, com “conteúdo”, que regule, efetivamente, relações jurídi-
cas, então a sua aprovação pelo Legislativo é fundamental.
Este o resumo da problemática que se pretende desenvolver.
Queremos ressaltar que não nos parece que esta seja uma
questão meramente de cunho teórico e que, muito menos, esteja
ultrapassada. Cremos, ao revés, que se trata de um tema que
serve de esteio à própria compreensão do orçamento, especial-
mente no que concerne às relações Executivo-Legislativo no
debate orçamentário e até estabelece a base – ou não – para a
impugnação da lei orçamentária por via de ação direta de in-
constitucionalidade, como se verá em capítulo próprio.
Conforme averba Álvaro Rodríguez Bereijo,
Com esse debate doutrinário (se o Orçamento é uma Lei
propriamente dita ou um ato administrativo, contábil ou de
gestão e inclusive um ato político de governo), não somente se
construiu a teoria jurídica do Orçamento, mas também defini-
ram-se questões importantes como o conceito, valor e caráter
da lei, do regulamento, dos atos em função do controle etc.
A partir daí, as obras de muitos tratadistas do Direito Público
passaram a ser um marco imprescindível para o conhecimento
da teoria jurídica do Orçamento.212

211
J.J. Ferreiro Lapatza, Curso de derecho financiero español, p. 748.
212
Álvaro Rodríguez Bereijo, Orçamento I, p. 18.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 97

Para Ricardo Lobo Torres, o problema da natureza do orça-


mento continua relevante, “eis que dele dependem outras ques-
tões: a da obrigatoriedade de o Executivo realizar as despesas
previstas; a da criação de direitos subjetivos para terceiros; a da
revogação das leis financeiras materiais”.213
As discussões doutrinárias acerca da natureza do orçamen-
to lastreiam-se classicamente nas teses encabeçadas por Hoenel,
Paul Laband, Leon Duguit e Gaston Jèze, as quais fornecem os
pilares básicos que sustentam todo o debate.
Encontramos na doutrina quatro teses distintas, a saber:
a) o orçamento seria lei, tanto em sentido formal quanto em
sentido material, porque originário de órgão legiferante
(Hoenel);
b) a lei não se classifica pela origem, mas pelo conteúdo;
logo, por não conter nenhuma regra de direito do ponto
de vista material, o orçamento seria apenas lei formal
(Laband);
c) o orçamento não é lei formal na sua totalidade, pois em
relação às despesas e às receitas originárias vem a ser
mero ato administrativo, mas, em relação às receitas tri-
butárias, torna-se lei em sentido material (Duguit);
d) tanto em relação às despesas como no que concerne às
receitas, o orçamento não é lei material, mas em qual-
quer caso trata-se, substancialmente, de ato-condição
(Jèze).

3.2.1 A doutrina de Hoenel


A primeira corrente, defendida pelo jurista alemão Hoenel,
entende que o orçamento é sempre uma lei, na medida em que
emana de um órgão legiferante, isto é, do Poder Legislativo. Por
esse motivo, tudo aquilo que segue os ditames formais da lei

Ricardo Lobo Torres, Curso de direito financeiro e tributário, p. 177.


213
98 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

constitui-se em preceito jurídico, pois a forma de lei traz em si


mesma o conteúdo jurídico. Desse modo, qualquer lei devida-
mente inserida no ordenamento jurídico carrega comando nor-
mativo. Essa tese sofreu críticas porque classificava as normas
jurídicas segundo a origem, não levando em conta o conteúdo
jurídico.

3.2.2 A doutrina de Laband


A segunda corrente, encabeçada por Paul Laband, contra-
pondo-se à anterior, entende que o aspecto formal não poderia,
por si só, fazer do orçamento uma lei, tomando esta palavra em
seu sentido material. Nesse sentido, afirma que a utilização da
forma legal em nada altera o conteúdo do orçamento, não su-
prindo a ausência do preceito jurídico. Assim, defende que o or-
çamento apresenta extrinsecamente a forma de uma lei, mas seu
conteúdo é de mero ato administrativo. Logo, o orçamento seria
apenas lei em sentido formal, não constituindo materialmente
regra de direito.
Como averba Rodríguez Bereijo, todo o discurso de La-
band está determinado por uma circunstância: resolver o possí-
vel conflito constitucional entre os poderes do Estado, Governo
e Parlamento.
Apesar de sua aversão à democracia e ao Parlamentarismo, sua
teoria do Orçamento apresenta uma clara intenção política: no
caso de conflito ou desacordo entre o Executivo e as Câmaras
Legislativas a propósito da fixação do programa de receita e
gastos públicos, o Governo goza de total liberdade para atuar
a seu arbítrio.214
Laband entende o conceito de lei visando ao seu conteúdo.
Se ela contém o que ele denomina de “norma” ou “regra” jurí-
dica, será uma lei no sentido material; caso contrário, simples-
mente formal. No raciocínio seguido pelo eminente jurista ale-

214
Álvaro Rodríguez Bereijo, Orçamento I, p. 19.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 99

mão, nem toda expressão de vontade do Estado é uma lei, “mas


só aquela cujo conteúdo seja uma norma jurídica, uma norma
dirigida à regulação atinente a situações jurídicas”.215
Para ele, não é imprescindível para o conceito de lei a cir-
cunstância de esta introduzir normas gerais de Direito, pois há
inúmeras leis que valem somente para determinada classe de
pessoas ou para setores determinados. Da mesma forma, não
é forçoso que a lei introduza normas permanentes, já que pode
haver leis elaboradas para viger por um determinado espaço de
tempo. A lei, conforme as circunstâncias, pode ser equivalente,
de um ponto de vista material, a um ato administrativo “ou pode
coincidir com este último com base no conteúdo”.216
Laband arremata: “o critério essencial aos fins da lei consis-
te portanto no conteúdo e é, pois, um critério material. Qualquer
que seja a forma pela qual o Estado exprima uma regra jurídica
não faz nenhuma diferença, mesmo se esta forma é válida em si
mesma”.217
Ao lado da lei material (que tem por conteúdo a determina-
ção de uma regra jurídica), há outro tipo de lei, que é qualificada
por meio da forma de sua aprovação, designada por lei em sen-
tido mais estrito ou constitucional (à qual denominaríamos de
formal). Para Laband, uma manifestação de vontade do Estado
[que não possua o conteúdo de “criar” norma jurídica], ainda
que decorra da expressão de vontade da Coroa e dos represen-
tantes do povo, não se enquadraria no conceito de lei [material].
O autor é enfático ao proclamar:
[...] de fato, aquilo que não se pode enquadrar no genus, tam-
pouco se pode enquadrar na species que pertence a este genus.
Não depende absolutamente da vontade do legislador tornar

215
Paul Laband, Il diritto del bilancio, p. 9.
216
Idem, ibidem, p. 9-10.
217
Idem, p. 10.
100 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

lei qualquer coisa que não seja lei baseada no seu conteúdo e
que não pode ser lei só pelo fato de que ele a chama de lei.218
Em outro ponto da obra aqui analisada, Laband afirma que
uma regra pode ser entendida como uma lei somente quando te-
nha “um conteúdo jurídico, quando ela tenha alguma referência
com relação à esfera jurídica dos particulares ou a comunidade
estatal”.219
Tratando agora do orçamento, o autor em exame aponta
que o conteúdo exclusivamente financeiro do orçamento não
constitui obstáculo, em si mesmo, para tomá-lo como uma lei no
sentido material. Assim, somente será lei material se as normas
financeiras dispostas no orçamento tenham o caráter de regra
jurídica.220
Ocorre que, como regra, o orçamento não contém nor-
mas jurídicas e, portanto, não é uma lei no sentido material da
palavra. O orçamento é uma conta, não sobre as despesas já
efetuadas e receitas já recebidas, mas sobre entradas e despesas
esperadas para o futuro; é, por assim dizer, uma estimativa. Aduz
que uma conta “não contém regras, ao menos regras jurídicas,
mas fatos”, e afirma que o orçamento, como regra, não embasa
um dever jurídico no confronto de entradas ou despesas, mas
pressupõe esses deveres jurídicos e se limita a colocar juntos os
respectivos resultados financeiros.221
Em suma, Laband afirma que “tudo depende do conteúdo”.
Segundo ele,

218
Idem, p. 13 (grifou-se).
219
Paul Laband, Il diritto del bilancio, p. 23. No original (italiano): “Una
regola può essere descrita come una legge solo quando essa abbia un con-
tenuto giuridico, quando essa riguardi in una qualche relazione la sfera
giuridica dei singoli o della comunità satale”.
220
Idem, ibidem, p. 23.
221
Idem, p. 24.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 101

[...] a fixação da estimativa das despesas e das receitas não é


uma lei no sentido material da palavra, porém um ato admi-
nistrativo, ainda que esta estimativa venha acordada entre a
Coroa e a representação do povo e venha publicada no Diário
Oficial [gazzetta delle leggi] sob a denominação de “lei”; por
outro lado, a determinação de uma regra de direito não perde
o significado e força de lei pelo só fato de que ela ocorra por
ocasião da apreciação do orçamento e, destarte, como um
acto uno.222
Ricardo Lobo Torres averba que se pode afirmar que “até
hoje, passando pelo regime de Weimar, continua preponde-
rante na doutrina germânica a teoria da natureza formal do
orçamento”.223
Entretanto, em que pese a que nomes importantes na dou-
trina pátria e estrangeira encampassem as ideias labandianas, tal
fato não impediu Francisco Campos, por meio de um parecer
de 1963, fazer duras críticas à obra de Laband, valendo-se dos
seguintes argumentos:
O Orçamento, ao contrário da assertiva dogmática de Laband,
contém, portanto, um preceito jurídico de ordem geral, ende-
reçado não somente à administração, como à generalidade
dos indivíduos ou à coletividade humana, de cujos recursos o
Estado absorve uma cota destinada às despesas de interesse
comum. O preceito jurídico em questão é não somente regra
jurídica, como contém, por igual, ordem, autorização e proibi-

222
Paul Laband, Il diritto del bilancio, p. 25. No original: “La fissazione
del preventivo delle spese e delle entrate non è una legge nel senso ma-
teriale della parola, bensì un atto amministrativo, nonostante che questo
preventivo venga concordato tra corona e rappresentanza del popolo e
venga pubblicato nella gazzetta delle leggi sototo la denominazione di
‘legge’; d’altra parte, la determinazione di una regola effettiva di diritto
non perde il significato e la forza di legge per il solo fatto che essa trovi
realizzazione in occasione della fissazione del bilancio e come uno acto
con ciò”.
223
Ricardo Lobo Torres, Curso de direito financeiro e tributário, p. 177.
102 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

ção, todos os elementos, em suma, cuja presença caracteriza,


segundo Laband, a lei propriamente dita, ou a lei em sentido
material.224

3.2.3 A doutrina de Duguit


A terceira corrente tem como líder Léon Duguit, que iden-
tifica na peça orçamentária uma mescla de lei em sentido formal
e material, considerando o orçamento, em relação às despesas e
às receitas originárias, um mero ato administrativo e, em relação
à receita tributária, lei em sentido material, já que a arrecadação
tributária dependeria de autorização orçamentária.
Duguit analisou ordenamentos jurídicos em que a autori-
zação para a cobrança de tributos obedece ao princípio da anu-
alidade tributária, que exige a prévia inclusão de autorização no
orçamento como condição à cobrança de tributo.225
Ele posiciona-se contra a “tendência” que conta com adep-
tos na França e é defendida pela maioria dos juristas alemães,
segundo a qual todo dispositivo regularmente emanado do órgão
legislativo de um país é “uma norma de direito diante da qual o
jurista deve se inclinar sem dizer palavra”. Para ele, se for as-
sim, o estudo do Direito “não vale um minuto de esforço”, seria
simplesmente um trabalho braçal.226 No seu entender, “a lei é
um documento para o jurista, nada mais, isto é, um elemento na
busca que ele deve fazer da norma jurídica que se impõe num
momento a um determinado grupo e deve utilizar os melhores
procedimentos técnicos para colocá-la em prática”.227

224
Francisco Campos, Orçamento – Natureza jurídica, p. 335.
225
León Duguit, Traité de Droit Constitucionnel, t. IV, p. 435.
226
Idem, ibidem, t. I, p. 175.
227
Idem, ibidem. No original: “La loi et un document pour le juriste, rien
de plus, c’est-à-dire un élément dans la recherche qu’il doit faire de la
norme juridique s’imposant à un moment dans un groupe donné et des
meilleurs procédés techniques pour la mettre en œuvre”.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 103

3.2.4 O pensamento de Jèze


A quarta corrente, por sua vez, originou-se de Gaston
Jèze,228 criador do conceito do ato-condição, defendendo a tese
de que o orçamento não é lei em sentido material em nenhuma
de suas partes, embora tenha o aspecto formal e a aparência de
lei. Afirma que tanto em relação às despesas quanto no que con-
cerne às receitas seria o orçamento apenas lei formal, mas com
o conteúdo de mero ato-condição, sendo a lei orçamentária, em
qualquer caso, o implemento de uma condição para a cobrança
e para o gasto. Para Jèze, o orçamento representaria um pro-
grama de ação política, um ato governamental por excelência.
Todo governo no poder tem, necessariamente, um plano de
ação. Os partidos políticos, dentro do Estado Moderno, opõem
seus programas e concepções na disputa pelo Poder. Mesmo os
conservadores possuem um programa: o de não modificar as
instituições existentes e manterem o status quo.
Ele relaciona três teorias que procuram explicar a natureza
jurídica do orçamento: a) para uns, o orçamento [a lei orçamen-
tária] traça regras jurídicas; é uma lei propriamente dita; b) para
outros, o orçamento ora é uma lei, ora um ato peculiar, um ato da
administração; e c) para outros, ainda, o orçamento não é jamais
uma lei.229
No primeiro caso, reporta-se a Hoenel, que estima que tudo
aquilo que se reveste da forma de lei constitui um preceito jurí-
dico; a forma de lei traz consigo o conteúdo jurídico. Jèze cri-
tica essa postura, afirmando que é exclusivamente ao conteúdo

228
Gaston Jèze, como averba Regis de Oliveira, “criador da distinção en-
tre situações gerais e impessoais (ato-regra), atos que geram situações
individuais e concretas (ato-subjetivo) e, por fim, situações que, para que
produzam efeitos, necessitam de situação intermediária (ato-condição),
identifica o orçamento com a terceira espécie” (Regis Fernandes de Oli-
veira, Curso de direito financeiro, p. 349).
229
Gaston Jèze, Cours de Science des Finances et de Législation Financière
Française, 5. ed., p. 29.
104 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

jurídico que se deve apegar para saber em qual categoria de atos


jurídicos o orçamento deve ser classificado.
Quanto à segunda teoria, Jèze alude ao pensamento de Du-
guit, para quem o orçamento das despesas não é jamais uma lei;
é um ato da administração; no entanto, o orçamento das receitas
é ora uma lei, ora simples operação administrativa. Nos países
em que o Parlamento aprova a cada ano os impostos e as taxas
que podem ser cobrados (princípio da anualidade), o orçamento
contém normas legislativas no sentido material. Quanto à par-
te correspondente às receitas dominiais do Estado, trata-se de
uma simples operação administrativa. Já nos países em que não
vigora o princípio da anualidade, o orçamento não é uma lei; as
estimativas dos impostos e das taxas a receber constituem uma
simples operação administrativa.
No que respeita ao terceiro “sistema”, os seus defensores
pregam que o orçamento não é jamais uma lei, não sendo neces-
sário distinguir entre o orçamento das receitas e o das despesas,
qualquer que seja a legislação do país referente ao princípio da
anualidade. Esta seria a opinião da maioria dos juristas dos Esta-
dos modernos (1912): franceses, alemães, italianos.230
Para o próprio Jèze, quanto ao orçamento das receitas (ou
na parte relativa às receitas), sua natureza jurídica deve ser as-
sim dividida:
a) para as receitas não tributárias, o orçamento não pode ter
significação jurídica; é, antes de tudo, uma estimativa de
cunho financeiro (“Com efeito, os títulos jurídicos des-
sas receitas são atos jurídicos cuja validade e efeitos de
direito são completamente independentes do orçamento:
atos de venda, de locação, doações, testamentos etc.”);231

230
Gaston Jèze, Cours de Science des Finances et de Législation Financière
Française, 5. ed., p. 29-30.
231
Idem, ibidem, p. 30.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 105

b) quanto à receita dos impostos [tributos], os seus títulos


jurídicos são atos jurídicos que serão praticados pelos
agentes administrativos, no exercício dos poderes esta-
belecidos e regulados pelas leis orgânicas desses tribu-
tos. Como exemplo, ele traz o lançamento dos impostos
aduaneiros (liquidation des droits de douane), contribui-
ções indiretas etc. Isso significa que:
b.1.) em certos países, o exercício das competências conti-
das nas leis de impostos é subordinado a uma condição
particular e periódica, a saber, o voto anual do orça-
mento pelo Parlamento (anualidade). Nesses países,
para todas as receitas tributárias que se submetem a
essa regra, o Parlamento, votando o orçamento das re-
ceitas, preenche a condição posta pelo direito positivo
para o exercício da competência dos agentes adminis-
trativos. A partir desse momento, os agentes podem,
por meio dos seus atos jurídicos, dar nascimento aos
créditos em proveito do Tesouro Público.232
Aqui Jèze invoca novamente Duguit, para criticá-lo, pois
este entende que, nesse caso, o orçamento das receitas seria uma
lei propriamente dita. No entanto, indaga Jèze, onde está a regra
geral, impessoal, do orçamento, posta mediante a votação pelo
Parlamento? Conclui, então, que o orçamento das receitas é não
uma lei, mas um ato-condição;233
b.2.) mesmo nos ordenamentos jurídicos que não consa-
gram o princípio da anualidade, a partir do momento
em que os atos que dão nascimento aos créditos para
o Tesouro, para a arrecadação ou para o exercício re-
gular a competência administrativa não depende, de
nenhum modo, do voto do orçamento das receitas, o
orçamento das receitas “não tem nenhuma significa-

232
Gaston Jèze, Cours de Science des Finances et de Législation Financière
Française, 5. ed., p. 30.
233
Idem, p. 30.
106 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

ção jurídica”; é um documento de cunho puramente


financeiro.234
A sua conclusão, portanto, é que, dependendo do sistema
legislativo respectivo e do tipo de receita, ou o orçamento das
receitas tem uma significação jurídica – e, então, é um ato-
-condição – ou não tem nenhuma significação jurídica. “Em
todo caso, o orçamento das receitas [ou quanto às receitas] não
é jamais uma lei propriamente dita.”235
No tocante às despesas, Jèze estabelece, também, duas
“combinações”:
a) o orçamento pode ser a condição imposta pelo legislador
para que os agentes administrativos exerçam regularmente
as suas competências a fim de praticar atos que a.1.) criem
direta ou indiretamente créditos contra o Tesouro e a.2.) lhes
permitam efetuar o pagamento dos seus créditos [do Estado].
Nessa hipótese, sem a votação o orçamento, a competência
referida não poderá ser exercida regularmente.236
Mesmo nesse caso, o autor analisado pondera a necessidade
de separar os tipos de despesa para se ter uma visão completa do
assunto.
Em um primeiro tipo de despesa, aquela referente aos pa-
gamentos que devem ser efetuados para a quitação de dívidas
existentes – dívida pública, pensões etc. –, o “princípio do res-
peito aos direitos subjetivos” [que Jèze entende não poder ser
afastado em um Estado de Direito ou, como ele refere, em um
“Estado civilizado”] não pode ser impedido de forma alguma.
“Por conseguinte, o Parlamento tem o dever jurídico de votar
os créditos: a sua competência é absolutamente vinculada; ele

234
Gaston Jèze, Cours de Science des Finances et de Législation Financière
Française, 5. ed., p. 30.
235
Idem, ibidem, p. 30.
236
Idem, p. 31.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 107

não tem nenhum poder de apreciação discricionária quanto ao


quantum, nem quanto às condições e prazos de pagamento.”237
Há outras despesas que se referem a dívidas que terão nasci-
mento em decorrência do exercício de poderes legais atribuídos
a indivíduos, como é o caso dos da remuneração de funcionários
públicos. Enquanto eles forem funcionários, detêm o poder de
criar um crédito contra o Tesouro a seu favor. Nesse caso, o Par-
lamento não pode impedir o nascimento desse crédito.
Nessa primeira “combinação”, o orçamento de despesas é,
do ponto de vista jurídico, no máximo, um ato-condição. Para
algumas despesas pode ser até mesmo que ele não possua ne-
nhuma significação jurídica.
Em uma segunda “combinação”, pode-se distinguir entre
despesas relativas ao funcionamento dos serviços públicos e
“outras” despesas.
Quanto às primeiras, o Parlamento não poderá interromper
os serviços não inscrevendo no orçamento os créditos necessá-
rios ou fazendo-o insuficientemente. Nesse sentido, o orçamento
não teria significação jurídica; seria uma operação de cunho
meramente financeiro.238
Para as despesas que não são relativas aos serviços públicos
instituídos pelas leis, a lei pode decidir que os agentes não terão
a obrigação funcional de contraí-las e de pagá-las. O poder do
Parlamento nessa situação está em verificar a utilidade para o
país dessas despesas e então os agentes não poderão efetuá-las
sem a autorização legislativa, quando então a solução se remete
à primeira combinação [tratar-se-ia de ato-condição].239

237
Gaston Jèze, Cours de Science des Finances et de Législation Financière
Française, 5. ed., p. 31. Grifos no original.
238
Gaston Jèze, Cours de Science des Finances et de Législation Financière
Française, 5. ed., p. 32.
239
Idem, ibidem, p. 32.
108 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

A conclusão geral [de Jèze], destarte, é a de que, no tocante


às despesas (para um tipo de despesas públicas), o orçamento
não tem nenhuma significação jurídica ou (para outro tipo de
despesas) é um ato-condição.240

3.2.5 Outros autores


As duas últimas correntes mencionadas não encontrariam
aplicação em nosso país porquanto se apoiam no princípio da
anualidade tributária, existente na Constituição Federal de 1967
e suprimido pela Emenda Constitucional n. 1 de 1969, não mais
havendo a necessidade de autorização orçamentária para a co-
brança de tributo.241
Passemos, antes de externar nosso pensamento, à opinião
de mais alguns importantes autores acerca do assunto.
Héctor Villegas, acatando-se a distinção entre lei matéria e
lei formal, enquadrar a lei orçamentária em uma ou em outra ca-
tegoria depende do direito positivo de cada país. Não há dúvidas,
segundo ele, de que é uma lei formal nos países cujas Constitui-
ções (ou leis) disponham que a lei orçamentária não pode incluir
disposições estranhas à fixação de gastos e à previsão de recei-
tas242 [como é o caso do Brasil – CR, art. 165, § 8.º].243 Já nos
países nos quais o orçamento inclui a criação de tributos, que,
para poderem manter-se vigentes, devem ser votados anualmen-

240
Gaston Jèze, Cours de Science des Finances et de Législation Financière
Française, 5. ed., p. 32.
241
Sobre este aspecto, veja-se o capítulo relativo aos princípios orçamentá-
rios.
242
Héctor Belisario Villegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tribu-
tario, p. 127.
243
Art. 165, § 8.º: “A lei orçamentária anual não conterá dispositivo es-
tranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na
proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contra-
tação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos
termos da lei”.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 109

te [princípio da anualidade orçamentária], “é indubitável que a


lei orçamentária não é meramente formal, pois contém normas
jurídicas substanciais”.244
Para o professor argentino, o problema da natureza jurídica
da lei orçamentária ‘é uma questão dependente do direito positi-
vo de cada país e alheio a considerações teóricas”.245
Villegas parte de que a distinção entre esses dois tipos de
leis signifique que a lei formal, como indica o nome, seja me-
ramente um ato normativo veiculado por uma lei, enquanto lei
material seria aquela que contenha “normas substanciais cria-
doras de regras jurídicas gerais ou especiais”.246 Em outras pala-
vras, pelo que se pode dessumir do seu texto, uma vez que a lei
orçamentária deve limitar-se a calcular [a receita] e autorizar [o
gasto], ela seria simplesmente lei formal, o que não aconteceria
se nela se pudessem incluir disposições de outro tipo, “entre elas
as de caráter substancial”.247
Partindo desse pressuposto, atribui à lei orçamentária no seu
país [Argentina] o caráter de lei formal, uma vez que, no tocante
às receitas, o orçamento “sólo los calcula, pero no los maneja, ya
que están establecidos por otras leyes, con total independencia
de la ley presupuestaria”.248 No que concerne aos gastos, a lei
orçamentária tampouco contém “normas substanciais”, pois se
limita a autorizá-los sem obrigar, portanto, o Poder Executivo a
realizá-lo.249
Ora, ocorre que as leis – ato normativo aprovado pelo Poder
Legislativo –, independentemente do seu conteúdo, são leis.

244
Héctor Villegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tributario, p.
127.
245
Idem, ibidem, p. 128, grifou-se.
246
Idem, p. 127.
247
Idem, p. 127.
248
Idem, p. 127.
249
Idem, p. 127.
110 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Ainda que algumas delas, como é o caso da orçamentária, te-


nham peculiaridades que as distinguem das demais (v.g., não po-
derem criar ou aumentar tributos), possuem, ao menos, a carac-
terística, comum a todas as leis, de ser imperativas, no sentido de
obrigar (ou proibir, ou facultar) determinado comportamento.
Não se diga, a esse propósito, que o dispositivo constitucional
que determina que o Supremo Tribunal Federal seja composto
de onze ministros (art. 101, caput, da Constituição da Repúbli-
ca) é “menos obrigatório” que aquele que assegura o direito de
propriedade (art. 5.º, XXII, do mesmo diploma).
Sainz de Bujanda deixa bem claro o seu pensamento a esse
respeito, que, de resto, coincide com o nosso, quando, ao enume-
rar os critérios em torno dos quais se definiria a natureza jurídica
da lei orçamentária, professa:
La ley presupuestaria es una ley en la plenitud de su sentido:
material, porque contiene normas jurídicas que vinculan a la
Administración y a los particulares, y formal porque ha de ser
aprobada por el órgano al que constitucionalmente correspon-
da la función legislativa.250
Na Espanha, o Tribunal Constitucional assentou que
[…] la ley de Presupuestos se configura como una verdadera
Ley, con unas peculiaridades y especificidades en su trami-
tación parlamentaria, con un contenido mínimo, necesario e
indisponible constituido por la expresión cifrada de la previ-
sión de ingresos y la habilitación de gastos, y un contenido
posible, no necesario y eventual, integrado por materias dis-
tintas a ese núcleo esencial, que aun no siendo estrictamente
presupuestarias inciden en la política de ingresos y gastos del
sector público o la condicionan.251

250
Fernando Sainz de Bujanda, Sistema de derecho financiero I, Introducción,
v. 2, p. 415.
251
Sentenças (STC) 126/87, de 16 de julio, 61/1997, de 20 de marzo y
174/1998, de 23 de julio, entre outras.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 111

Em outra decisão, a mesma Corte Constitucional proclama:


[…] 5. El Abogado del Estado entiende también que los recur-
sos no son admisibles por “falta de idoneidad” de su objeto,
ya que –arguye – la Sección 33 de la Ley de Presupuestos no
es ningún precepto o texto legal que pueda ser impugnado en
esta vía. Con su argumentación parece dar a entender que sólo
el articulado y no los estados de gastos e ingresos de las Leyes
de Presupuestos sería susceptible de impugnación a tenor del
art. 27.2 de la LOTC.
A este respecto es preciso señalar, sin embargo, que el conte-
nido de los Presupuestos Generales del Estado integra, junto
con su articulado, la Ley de Presupuestos Generales del Es-
tado y que, por lo que se refiere a los estados de autorización
de gastos, cada una de las Secciones presupuestarias – que
contiene los créditos destinados a hacer frente a las corres-
pondientes obligaciones del Estado – adquiere fuerza de ley
a través de la norma de aprobación incluida en el art. 1 de las
respectivas Leyes de Presupuestos. Y no pierde tal carácter
por el hecho de que para su comprensión, interpretación e
incluso integración, sea preciso acudir a otros preceptos, tal
como ocurre con muchas normas jurídicas.252
Para Miguel Ángel Martínez Lago e Leonardo García de
la Mora, com todas as singularidades que possa conter a lei
orçamentária, ela é uma lei em sentido pleno.253 É lei material
porque contém normas jurídicas vinculantes, tanto para a Ad-
ministração Pública quanto para os particulares; é lei formal,
pois se exige que o Parlamento participe da análise e emenda
do orçamento proposto pelo Governo, aprovando-o a cada ano,
como uma lei a mais.254

252
STC 63/1986, de 21 de maio, Fundamento Jurídico n. 5, grifos no origi-
nal.
253
Miguel Ángel Martínez Lago e Leonardo García de la Mora, Lecciones
de derecho financiero y tributario, p. 165. Grifos no original.
254
Idem, ibidem, p. 165.
112 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

No Brasil, partilhando do entendimento da lei orçamen-


tária como lei em sentido formal, Alberto Deodato afirma que
a lei orçamentária “é a aprovação de uma conta de um plano
econômico”.255
Na mesma linha, Carvalho de Mendonça posiciona-se entre
os que não definiam leis orçamentárias como lei, haja vista que
[...] os atos orçamentários não têm condições de generalida-
de, constância ou permanência que dão cunho à verdadeira
lei; não encerram declaração de direito; e não são mais do
que medidas administrativas tomadas com a intervenção do
aparelho legislativo.256
Ricardo Lobo Torres, referindo-se à Lei de Diretrizes Or-
çamentárias, afirma que ela, “não sendo lei material, não revoga
nem retira a eficácia das leis tributárias ou das que concedem
incentivos”.257
O mesmo professor, em outra obra, ratifica esse entendi-
mento, agora em termos categóricos, dizendo que “a teoria de
que o orçamento é lei formal, que apenas prevê as receitas pú-
blicas e autoriza os gastos, sem criar direitos subjetivos e sem
modificar as leis tributárias e financeiras, é, a nosso ver, a que
melhor se adapta ao direito constitucional brasileiro”.258 Prosse-
guindo no seu raciocínio, observa:
É bem verdade que a dicotomia entre lei formal e lei material,
nos outros campos do direito, vem sendo asperamente critica-
da, pois enfraquece o princípio da legalidade e produz o agi-
gantamento das atribuições do Executivo, deixando indefinido
e incerto o contorno dos direitos da liberdade que compõem o

255
Alberto Deodato, Manual de ciência das finanças, p. 272.
256
Carvalho de Mendonça apud Alberto Deodato, Manual de ciência das
finanças, p. 272.
257
Ricardo Lobo Torres, Curso de direito financeiro e tributário, p. 174.
258
Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional, financeiro e tri-
butário, p. 76.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 113

aspecto materialmente legislativo materialmente excluído da


competência da Administração, mas, em tema de orçamento,
ainda é importante, eis que visa a retirar da lei ânua qualquer
conotação material relativamente à constituição de direitos
subjetivos para terceiros, sem implicar perda de sua função
de controle negativo do Executivo no que pertine aos limites
do endividamento e das renúncias de receita.259
Para José Afonso da Silva, “o orçamento-programa anual
e o orçamento plurianual de investimento são leis, leis de im-
pulsão na classificação já indicada do Prof. Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, e, portanto, lei em sentido material, segundo a
classificação tradicional”.260
Por seu turno, Celso Bastos e Ives Gandra Martins asseve-
ram que o orçamento “é um instrumento jurídico, pois apenas
ganha forma e obriga quando aprovado nos termos do processo
legislativo, tornando-se lei e tendo eficácia de lei”.261
Aliomar Baleeiro parece inclinar-se no sentido de atribuir
ao orçamento a característica de lei formal, como se extrai do
seguinte trecho: “o orçamento, como lei puramente formal, sem
conteúdo material ou substancial de lei, não pode criar nem ma-
jorar impostos em suas disposições”.262
Regis de Oliveira, após tecer algumas considerações acerca
da controvérsia existente na matéria, afirma:
Em suma, e inserindo-nos na discussão, basta a firmação de
que se cuida de lei em sentido formal, que estabelece a previ-
são de receitas e despesas, consolidando posição ideológica
governamental, que lhe imprime caráter programático. Ao lado

259
Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional, financeiro e tri-
butário, p. 76.
260
José Afonso da Silva, Orçamento-Programa no Brasil, p. 275.
261
Celso Bastos e Ives Gandra da Silva Martins, Comentários à Constitui-
ção do Brasil, p. 199.
262
Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças, p. 418.
114 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

de ser lei, é o orçamento um plano de governo, mas que deve


possuir previsões efetivas de ingressos públicos e previsões
reais de despesas, equilibradas com aqueles.263
Contrapondo-se à tese formalista, Ferreiro Lapatza argu-
menta que o modo mais lógico de
[...] demonstrar a inconsistência da tese formalista, é fazer ver
de forma palpável que o orçamento contém normas jurídicas.
Normas jurídicas que disciplinam a organização e normas
jurídicas que disciplinam a atividade administrativa frente a
terceiros e as relações jurídicas que dela derivam.264
A corroborar o caráter material da lei orçamentária, segun-
do esse autor, estaria o fato de que a função administrativa que
dá origem ao gasto público “está disciplinada (ou condicionada)
tanto pelas normas que a regulam em caráter permanente quanto
pelos limites impostos no orçamento”.265
Rodríguez Bereijo compartilha do mesmo entendimento:
Não vemos razão pela qual se tenha de negar seu caráter de
lei material, pois sua eficácia substantiva com respeito aos
órgãos do Estado (que hão de sujeitar sua atividade admi-
nistrativa às normas que no caso tenham sido estabelecidas
na Lei orçamentária) e com respeito aos particulares (cujas
relações jurídicas com o Estado podem resultar modificadas
pelas normas orçamentárias) é evidente.266
Na mesma linha, as lições de Canotilho e Vital Moreira:
O orçamento é, portanto, uma lei, mas uma lei dotada de re-
gime específico, não apenas quanto à sua formação (reserva
de iniciativa governamental, etc.), mas também quanto ao
seu período de vigência (princípio da anualidade) e a outros

263
Regis de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 349.
264
José Juan Ferreiro Lapatza, Curso de derecho financiero español, p. 749.
265
Idem, ibidem, p. 749.
266
Álvaro Rodriguez Bereijo, El presupuesto del Estado, p. 163.
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 115

aspectos. Todavia, fora as especificidades indicadas, a lei do


orçamento é uma lei como as outras, podendo ser objeto de
fiscalização preventiva da constitucionalidade e de voto polí-
tico ou por inconstitucionalidade por parte do PR.267
Mais adiante, complementam estes autores:
A lei do orçamento é uma lei quer em sentido formal, quer em
sentido material, assumindo-se a Assembleia da República
como órgão competente não só para aprovar a lei no plano for-
mal, mas também para lhe determinar o conteúdo material.268
Alfredo Augusto Becker, como já se viu, enlaça o orçamen-
to à própria existência do Estado e, a respeito da lei que aprova
o orçamento, diz;
Pela criação da regra jurídica que aprova o Orçamento Pú-
blico, o estado toma, outra vez, consciência de que existe e,
para sobreviver, impõe à relação constitucional um novo ritmo
vital com o qual, no futuro, continuará existindo. [...] Toda a
vez que o Estado cria regra jurídica que aprova o Orçamento
Público, ele está provando sua existência, ou melhor, está
comprovando sua sobrevivência do seguinte modo:
“Tributos são cobrados para o Bem Comum e este será propor-
cionado mediante Despesas. Logo, continuarei a existir”.269
Cuidando especificamente da natureza jurídica do orçamen-
to público, após referir-se a ela como um “enigma” e de apontar
as diversas teorias a seu respeito, explica que o orçamento, antes
da sua aprovação (momento pré-jurídico), é a “relação consti-
tucional natural”; depois de a lei orçamentária aprová-lo, ele é
a “relação constitucional juridicizada”. Daí, conclui o mestre:

267
J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portu-
guesa anotada, p. 1116.
268
Idem, ibidem, p. 1120.
269
Alfredo Augusto Becker, Teoria geral do direito tributário, p. 212-213
(grifos no original).
116 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Esta é a genuína natureza do Orçamento Público: antes da


incidência da regra jurídica orçamentária (antes da apro-
vação pela lei orçamentária) é uma relação natural (relação
fáctica); depois da incidência, é uma relação jurídica (relação
jurídica básica), que vincula todos os indivíduos a um e cada
um a todos.270

3.2.6 Nosso pensamento


A distinção entre “lei formal” e “lei material”, por si só, já
é discutível, ainda mais diante da constatação de que a lei ema-
na do Poder Legislativo, seja ela formal, simplesmente, como
aponta a doutrina que procede à diferenciação, ou material.
A nós parece que essa distinção, se teve importância – e
teve – durante um determinado período histórico, isso deveu-
-se ao que sucedia nesse período, não tem mais razão de ser no
mundo contemporâneo, nos Estados constitucionais em que vi-
vemos nos dias de hoje, quando o que prevalece – ou deveria – o
primado da Constituição e nela se põem os pressupostos básicos
e fundamentais desses Estados. A separação de poderes é um
desses postulados; no entanto, a formação da lei, por exemplo,
exige a participação do Poder Legislativo e do Poder Executi-
vo, este último mediante a iniciativa e/ou a sanção ou veto. O
mesmo ocorre com as leis orçamentárias, que são da iniciativa
do Poder Executivo (art. 165) e devem ser aprovadas pelo Poder
Legislativo (art. 48, II).
A discórdia entre os autores, decorrente dessa distinção,
tem por base a aceitação de que a lei, para ser digna desse nome,
deve ter um conteúdo determinado, em última análise, inovar o
Direito. Segundo pensamos, o ato emanado do Poder Legislativo
é lei tout court, independentemente do seu conteúdo. A partir do
momento que a Constituição, Lei das Leis, aponta para a neces-

Alfredo Augusto Becker, Teoria geral do direito tributário, p. 211 (grifos


270

no original).
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 117

sidade de lei para cuidar de uma matéria, esta matéria passa a ser
o conteúdo de uma lei, não importando qual seja ele.
Podemos, para justificar esse entendimento, estabelecer
um paralelo entre o que se denomina Constituição material e
Constituição formal. Nesse ponto, acudimos à doutrina de José
Afonso da Silva. Ensina o mestre:
A constituição material é concebida em sentido amplo e em
sentido estrito. No primeiro, identifica-se com a organização
total do Estado, com regime político. No segundo, designa as
normas constitucionais, escritas ou costumeiras, inseridas ou
não num documento escrito, que regulam e estrutura do Estado,
a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais. Neste
caso, a constituição só se refere à matéria essencialmente
constitucional; as demais, mesmo que integrem a constituição
escrita, não seriam constitucionais
A constituição formal é o peculiar modo de existir do Estado,
reduzido, sob forma escrita, a um documento solenemente es-
tabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por
processos e formalidades especiais nela própria estabelecidas.271
Paulo Bonavides, após referir-se à Constituição material no
mesmo sentido, averba, quanto à “formal”, que as Constituições
não raro inserem matéria de “aparência” constitucional. Diz o
autor:
Assim se designa exclusivamente por haver sido introduzida
na Constituição, enxertada no seu corpo normativo e não
porque se refira aos elementos básicos ou institucionais da
organização política.
Entra essa matéria pois a gozar da garantia e do valor superior
que lhe confere o texto constitucional. De certo tal não acon-
teceria se ela houvesse siso deferida à legislação ordinária.272

271
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 40-41.
Grifou-se.
272
Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, p. 81. Grifou-se.
118 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Em outras palavras, tudo o que está o Texto Constitucional


é Constituição, ainda que trate de assunto não concernente à es-
trutura do Estado ou aos direitos fundamentais, somente poden-
do ser alterado ou revogado por meio de emenda constitucional
e, ainda assim, se não for considerado como cláusula pétrea (art.
60, § 4.º).
A mesma sorte cabe às leis; materiais ou formais somente,
são leis, pois emanam do Poder Legislativo. Se o legislador
constituinte decidiu pela necessidade de certas matérias serem
veiculadas por lei, elas têm de passar pelo crivo do Parlamento.
É o que ocorre, também, com o orçamento. Em que pese a
certas peculiaridades, a lei orçamentária, para nascer e integrar o
universo jurídico, deve ser aprovada pelo Parlamento.
Mesmo o Plano Plurianual, que, como indica o nome, é um
“plano”, deve receber a forma de lei e, para tanto, deve passar
pelo Poder Legislativo. Ora, não seria crível que essa passagem
pelo Parlamento significasse que este teria a função de simples-
mente chancelar o plano sem apreciá-lo. E outro tanto se passa
com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e com a Lei Orçamentá-
ria Anual.
Reconhece-se que, apesar de o orçamento ser uma lei (art.
165, CF), é uma lei com características próprias que a diferen-
ciam dos demais instrumentos normativos, como aponta Regis
de Oliveira,273 quais sejam:
(i) Compete ao Presidente da República o início do proces-
so legislativo – art. 84, XXIII, da CF;274

Regis de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 348.


273

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


274

[...]
XXIII – enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei
de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta
Constituição.”
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 119

(ii) S eu conteúdo é limitado às despesas e receitas – art.


165, § 8.º, da CF;275
(iii) Há prazo específico para seu encaminhamento, pelo
Poder Executivo, ao Poder Legislativo – art. 35, § 2.º,
do ADCT;276
(iv) Não pode ser objeto de lei delegada – art. 68, § 1.º, III,
da CF;277

275
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
[...]
§ 8.º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à pre-
visão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição
a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de
operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da
lei.”
276
“Art. 35. [...]
§ 2.º Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art.
165, § 9.º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:
I – o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro
exercício financeiro do mandato presidencial subsequente, será enca-
minhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício
financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legisla-
tiva;
II – o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito
meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido
para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;
III – o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro
meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para
sanção até o encerramento da sessão legislativa.”
277
“Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da Repúbli-
ca, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1.º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do
Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Depu-
tados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem
a legislação sobre:
[...]
III – planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.”
120 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

(v) O seu descumprimento implica responsabilidade do


Presidente da República – art. 85, VI, da CF;278
(vi) Muitas são as restrições à destinação dos recursos – art.
167 da CF;279

278
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da Repú-
blica que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
[...]
VI – a lei orçamentária.”
279
“Art. 167. São vedados:
I – o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária
anual;
II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que
excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das
despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suple-
mentares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Le-
gislativo por maioria absoluta;
IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, res-
salvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se re-
ferem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços
públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para
realização de atividades da administração tributária, como determinado,
respectivamente, pelos arts. 198, § 2.º, 212 e 37, XXII, e a prestação de
garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no
art. 165, § 8.º, bem como o disposto no § 4.º deste artigo;
V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização
legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;
VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de
uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem
prévia autorização legislativa;
VII – a concessão ou utilização de créditos ilimitados;
VIII – a utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos
dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou
cobrir déficit de empresas, fundações e fundos, inclusive dos menciona-
dos no art. 165, § 5.º;
IX – a instituição de fundos de qualquer natureza, sem prévia autorização
legislativa;
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 121

(vii) A s emendas parlamentares são limitadas – art. 166, §


3.º, da CF;280
(viii) Têm natureza temporária, vigendo por um exercício
financeiro – art. 165, § 5.º, da CF.281
O entendimento de que as leis orçamentárias são leis no
sentido formal somente de fato obstaria o controle abstrato da

X – a transferência voluntária de recursos e a concessão de empréstimos,


inclusive por antecipação de receita, pelos Governos Federal e Estaduais
e suas instituições financeiras, para pagamento de despesas com pessoal
ativo, inativo e pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-
cípios; 
XI – a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de
que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do
pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que
trata o art. 201.” 
280
“Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes
orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apre-
ciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento
comum.
[...]
§ 3.º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos
que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
I – sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes
orçamentárias;
II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes
de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:
a) dotações para pessoal e seus encargos;
b) serviço da dívida;
c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e
Distrito Federal; ou
III – sejam relacionadas:
a) com a correção de erros ou omissões; ou
b) com os dispositivos do texto do projeto de lei. [...].”
281
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
[...]
§ 5.º A lei orçamentária anual compreenderá:
122 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Isso


porque a tornaria incompatível com a natureza e finalidade do
controle de constitucionalidade abstrato, o que motivou a nossa
Suprema Corte, por muito tempo, a não admitir a discussão da
sua constitucionalidade em sede de ação direta de inconstitucio-
nalidade, contingência que, felizmente, sofreu alteração com o
atual entendimento da Corte a esse respeito, consoante se expõe
em capítulo próprio deste trabalho.
Pensamos, com Sainz de Bujanda, que a lei orçamentária
é uma lei em sentido pleno, com múltiplos comandos, como
ensina o mestre:
Podemos concluir que en nuestro Derecho la ley de Presu-
puestos debe considerarse como una ley en sentido pleno,
de contenido normativo. No solamente porque las normas
presupuestarias que regulan la autorización de los gastos o la
administración y gestión de los ingresos son verdaderas reglas
de Derecho con efectos jurídicos generales, sino también por-
que en las Leyes de Presupuestos se contienen normas jurídicas
de contenido muy diverso: normas que innovan o modifican el
ordenamiento positivo, normas que contienen delegaciones o
autorizaciones legislativas, normas que autorizan consignacio-
nes de créditos en relación con gastos creados por otras normas
legales sustantivas, etcétera. Contenido normativo que pone
de manifiesto la eficacia material constitutiva o inovativa de
la Ley de Presupuestos.

I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, ór-


gãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e
órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como
os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.”
NATUREZA JURÍDICA DA LEI ORÇAMENTÁRIA 123

En nuestro Derecho positivo, la Ley de Presupuestos tiene to-


dos los caracteres del valor y la fuerza de la Ley: imposibilidad
de que sus normas sean derogadas o modificadas por simples
reglamentos y posibilidad de modificar o incluso derogar
normas precedentes de igual o inferior rango. Contenido ju-
rídico normativo que en muchos casos tiene carácter general
y aun permanente. Así las cosas, no puede acogerse en nuestro
Derecho la tesis que considera al Presupuesto como una ley
en sentido formal.282
Vimos, também, que muitos autores asseveram que o encai-
xe da lei orçamentária como material ou formal depende do di-
reito positivo de cada país. Mesmo admitindo-se essa distinção,
cremos poder afirmar que, no direito positivo brasileiro, a lei
orçamentária, como diz Sainz de Bujanda, tem todas as caracte-
rísticas e força de lei.
Melhor seria, portanto, dizer, simplesmente, que o orça-
mento é uma lei. Aliás, no Brasil é isso o que afirma a Cons-
tituição da República no art. 165, e o Direito positivo não faz
distinção entre lei material e lei formal.

Fernando Sainz de Bujanda, Lecciones de derecho financiero, p. 441.


282
125

Capítulo 4
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS

Sumário: 4.1 Introdução – 4.2 Princípios financeiros – 4.3 Princí-


pios orçamentários: 4.3.1 Legalidade; 4.3.2 Unidade; 4.3.3 Uni-
versalidade; 4.3.4 Anualidade; 4.3.5 Não afetação [das receitas];
4.3.6 Exclusividade; 4.3.7 Especialidade; 4.3.8 Princípio da pro-
gramação; 4.3.9 Sinceridade orçamentária; 4.3.10 Transparência;
4.3.11 Equilíbrio; 4.3.12 Eficiência; 4.3.13 Razoabilidade – 4.4
Conclusão.

4.1 Introdução
Sem a intenção de aqui discorrer sobre as diversas teorias
que pretendem explicar os princípios jurídicos e as suas diferen-
ças no tocante às regras, focaremos na noção de que princípio
é um mandamento nuclear de um sistema, é o seu alicerce. É o
ponto de partida da interpretação jurídica (no caso do Direito)
e também o seu ponto de chegada, como costumamos dizer.283

Em outra obra averbamos: “[...] toda interpretação deve ter como ponto
283

de partida os princípios, mas também os tem como ponto de chegada.


Significa isso dizer que o intérprete deve arrancar do princípio ao buscar
o Direito aplicável à situação concreta, pois ele (princípio) o informará
acerca do caminho a percorrer. Ao final do percurso interpretativo, de-
verá o jurista (lato sensu) verificar se o resultado alcançado (a sua de-
cisão quanto ao que diz o Direito naquele caso) se coaduna com o(s)
princípio(s) que iluminou (iluminaram) o seu caminho. Só então, cre-
mos, se terá encontrado a solução – ou ao menos uma das possíveis solu-
ções jurídicas – para ser referida à respectiva situação” (O princípio do
não confisco no direito tributário, p. 26).
126 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Os princípios são, em geral, mais genéricos que as regras,


carregam valores de forma mais expressiva que as regras etc.
Possuem, no entanto, a mesma força vinculante das regras, ou
seja, sendo normas jurídicas, como as regras, impõem a sua
obediência.
Como enunciados genéricos, os princípios condicionam e
orientam a compreensão do ordenamento jurídico, tanto no que
se refere à criação de novas normas quanto para aplicação e in-
terpretação destas, auxiliando no problema das lacunas.
Ricardo Lobo Torres esclarece que “os princípios, sendo
enunciados genéricos que quase sempre se expressam em lin-
guagem constitucional ou legal, estão a meio passo entre os
valores e as regras na escala da concretização do direito e com
eles não se confundem”.284
Com efeito, enquanto os valores jurídicos dificilmente se
traduzem diretamente, como tais, em linguagem normativa, por
constituírem ideias abstratas, os princípios representam o pri-
meiro estágio da sua concretização, mesmo que ainda compor-
tando grau elevado de abstração e indeterminação. Eliminam,
em contrapartida, a possibilidade de edição de outras normas
que lhes contradigam e, ao mesmo tempo, cerceiam o conteúdo
de tais normas.
O mesmo professor aponta para a necessidade de os prin-
cípios operarem em equilíbrio, buscando a ponderação, em
consequência da dimensão do peso que possuem.285 Defende,
ainda, que os princípios são abertos à interpretação, seja pela de-
dução (a partir dos valores), seja pela indução (a partir de casos
concretos). São, também, os princípios, dotados de historicidade
e têm a sua compreensão e ponderação adequadas ao contexto
em que se inserem.

Ricardo Lobo Torres, Curso de direito financeiro e tributário, p. 89.


284

Idem, ibidem, p. 90-91.


285
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 127

4.2 Princípios financeiros


Passando aos princípios financeiros, verifica-se que, no
direito pátrio, eles estão estampados na Constituição, tais como
o princípio da legalidade e os princípios fundamentais do orça-
mento.
Os princípios financeiros se assemelham e se relacionam
aos princípios de outros ramos do direito, na medida em que
as disciplinas do direito não são autônomas, a não ser do ponto
de vista didático, e diversos ramos podem buscar valores nas
mesmas fontes do direito, mesmo tendo objetos distintos, o que
não exclui a necessidade de um estudo em separado de cada uma
dessas disciplinas.
No que concerne aos princípios orçamentários, além de se
enquadrarem no exposto acima, eles têm como objeto primor-
dial “estabelecer um gerenciamento ordenado das finanças do
Estado”, como bem observa Héctor Villegas,286 que esclarece
que esses princípios, intimamente relacionados, referem-se à
confecção e ao conteúdo do orçamento.
No tocante ao orçamento, conforme se descobrem novas
fórmulas de aprimorá-lo, são estas transformadas em princípios.
A preparação do orçamento parece ser também o foco que
Aliomar Baleeiro atribui aos princípios orçamentários. O mestre
inclui os princípios no capítulo relativo à Técnica Orçamentária,
no seu fabuloso Uma introdução à ciência das finanças, lem-
brando que “a arte de preparar orçamentos não fixou ainda um
protótipo de aceitação universal”.287 O que ele disse nas décadas
de 1950 e 1960 do século passado mantém-se verdadeiro nos
dias de hoje, muito embora, como é natural, esta “arte”, como

286
Héctor Belisario Villegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tribu-
tario, p. 128. No original: “[los principios] tienen como objeto primor-
dial un manejo ordenado de las finanzas del Estado”.
287
Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças, p. 410.
128 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

acontece em todas as ciências e demais atividades, tenha se de-


senvolvido e progredido de lá para cá.
Em todo caso, os “princípios”, que o eram naquela época,
continuam sendo-o hoje também, talvez com o acréscimo de um
ou outro e a extensão ou redução da abrangência com referência
a alguns deles.
Baleeiro informa que alguns princípios fundamentais à ela-
boração orçamentária se tornaram clássicos desde o século XIX,
graças à experiência inglesa e à francesa.288
Registre-se que os princípios orçamentários, na sua maioria,
têm um caráter mais prático que axiológico – com importantes
exceções, contudo –, talvez até porque foram construídos com
base na experiência europeia e norte-americana, principalmente,
com base em indicativos das finanças públicas, notadamente no
atinente às perspectivas econômicas e contábeis.
Em suma, prepondera no significado do que são princípios
orçamentários a sua perspectiva técnica, isto é, aquilo que se
observou, com o passar do tempo, como aconselhável e exitoso
na elaboração dos orçamentos, sem prejuízo, que fique claro, de
sua também importante função auxiliadora da interpretação da
matéria.

4.3 Princípios orçamentários


Tratar-se-á, aqui, dos princípios orçamentários que nos pa-
recem os mais importantes e que são aplicados, de um modo ou
de outro, até os presentes dias.
Ressalte-se que, se em todos os manuais de Direito Finan-
ceiro o tema “princípios” é tratado, nem sempre os autores coin-
cidem quanto ao seu número e, muitas vezes, também, quanto à
sua extensão e ao seu alcance.

Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças, p. 410.


288
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 129

Cuidaremos, pois, daqueles que nos parecem os mais im-


portantes. Comecemos pela legalidade.

4.3.1 Legalidade
A legalidade, evidentemente, não é um princípio típico do
orçamento, sendo parte do ordenamento jurídico como um todo,
e muito especialmente no espectro do Direito Público.
No Direito Financeiro – aqui também abarcando a sua fatia
tributária – é fácil perceber a sua importância. Vem ele carregado
de imensa carga valorativa, sendo um dos cânones da represen-
tatividade. A história da legalidade caminha com a do orçamen-
to e a dos próprios Parlamentos.
Quando se decidiu que não se poderiam mais cobrar tribu-
tos sem que o povo fosse ouvido, deu-se o primeiro passo para
que o povo precisasse consentir em ser tributado e, logo em
seguida, quisesse saber também para onde seriam destinados os
recursos arrecadados com aquela cobrança.
A reunião do povo (o que em cada época representava o que
se denomina “povo”) em assembleia para consentir o tributo e o
destino da arrecadação acabou por sedimentar a ideia da existên-
cia e atuação permanentes dessas reuniões, culminando naquilo
que hoje se chama de Parlamento.
De toda sorte, como dissemos, o princípio da legalidade
não é peculiar ao orçamento, mas é absoluto pressuposto para a
existência deste.
Para o Direito Financeiro – e, mais fortemente ainda, para o
orçamento – não há como deixar de lado a legalidade, porquanto
nenhum gasto pode ser realizado sem que a lei o autorize.
A Constituição da República traz o princípio da legalidade
geral no art. 5.º, II, quando diz que “ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”,
expressando-o diversas outras vezes. Para a tributação, por
exemplo, o art. 150, I, reza que: “Sem prejuízo de outras garan-
130 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

tias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,


ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tri-
buto sem lei que o estabeleça”. É a tradução, no direito positivo
pátrio, do princípio do “consentimento à tributação”.
Em matéria orçamentária pode-se mencionar, entre outros,
o art. 167 da Lei das Leis, que prescreve serem vedados: “[...]
II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas
que excedam os créditos orçamentários ou adicionais”.
Também relacionada à ideia de segurança jurídica, a legali-
dade no Direito Financeiro se justifica porque as leis financeiras
não devem ser apenas justas, mas conferir também segurança ao
Estado e ao povo, representado.
Para o orçamento, a legalidade surge como um controle
da Administração forçando, de forma temporal (plurianual ou
anual), a elaboração de orçamento público a ser divulgado com
antecedência mínima, para controle efetivo dos gastos públicos
pelos administrados, pois somente a lei formal pode aprovar os
referidos orçamentos e os créditos especiais e suplementares,
conforme o art. 167 da CF/1988.
Basta um passar de olhos pelo art. 167 da Lei das Leis para
se dar conta da sua preocupação com a legalidade orçamentária,
v.g., o inciso I (é vedado “o início de programas ou projetos não
incluídos na lei orçamentária anual;” o II (é vedada “a realização
de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os
créditos orçamentários ou adicionais” etc.
O art. 165 da CF/1988 reforça ainda mais a obrigatoriedade
de lei para aprovação dos orçamentos públicos, e o § 9.º ainda
reserva à lei complementar as normas gerais sobre o plano plu-
rianual, a lei de diretrizes orçamentárias e gestão financeira e
patrimonial.

4.3.2 Unidade
O princípio orçamentário da unidade guarda muita proxi-
midade com o da universalidade, razão por que o expressamos
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 131

com o mesmo enunciado, mudando somente a ênfase em algum


aspecto da frase.
Vê-mo-lo como aquele que dipõe: “todas as receitas e to-
das as despesas devem estar contidas num único documento”.
É dizer: a peça orçamentária deve propiciar a visão conjunta
das receitas e das despesas do Estado, para quem quiser saber e,
principalmente, para apreciação pelo Poder Legislativo.
Esse documento “único” não é necessariamente um só
papel ou um só documento, como acontece hoje no Brasil, por-
quanto a Constituição prevê que a lei orçamentária anual será
composta do orçamento fiscal, do orçamento de investimento
das estatais e do orçamento da seguridade social.289
Pretende-se, com a unidade, permitir, além da visão con-
junta referida, que se exerça o devido controle das contas públi-
cas e dificultar as “tentativas de dissimular ou ocultar gastos em
orçamentos e “contas especiais”, como adverte Villegas.290
No âmbito infraconstitucional, a Lei 4.320/1964 prescreve,
no caput do seu art. 2.º, que
a Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e des-
pesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e
o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios
de unidade, universalidade e anualidade.

289
Conforme o art. 165, § 5.º, “A lei orçamentária anual compreenderá:
I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, ór-
gãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e
órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como
os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público”.
290
Héctor Villegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tributario, p.
129.
132 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

A “unidade”, como princípio orçamentário, também é ins-


pirada no princípio da chamada unidade de caixa, no sentido
de que o Tesouro deve ser concebido como um “caixa único”.
Martínez Lago e García de La Mora pontuam que o princípio da
unidade tem como “consequências contábeis” a unidade de cai-
xa, a unidade de conta monetária e a unidade de contabilidade.291
Modernamente, dada a complexidade do orçamento, é pos-
sível que todas essas informações deixem de constar em um só
documento, como é o caso dos vários “orçamentos” previstos
para integrarem a lei orçamentária anual no Brasil (art. 165, §
5.º). O que se busca é que não haja orçamentos paralelos ou
anexos.

4.3.3 Universalidade
Como mencionamos anteriormente, os princípios da unida-
de e da universalidade, em matéria orçamentária, se entrelaçam,
sendo, por vezes, difícil de estabelecer-lhes a precisa frontei-
ra.292 Definimo-lo como aquele que diz que “todas as receitas e
todas as despesas devem estar contidas num único documento”,
com ênfase na primeira parte do enunciado, procurando expres-
sar que nenhuma receita e nenhuma despesa devem ficar fora da
peça orçamentária.
A importância disso, já se percebe, está, novamente, em
propiciar um exame global das finanças públicas, permitindo ao

291
Martínez Lago e García de La Mora, Lecciones de derecho financiero y
tributario, p. 199. Esclarecem essa unidade: “los cobros y los pagos de-
ben centralizarse en una única caja, lo que proporciona flexibilidad para
sus flujos y previene contra las irregularidades a que fácilmente pudieran
dar lugar las cajas múltiples o especiales, expresarse en un valor o mone-
da uniforme y obedecer a un plan contable normalizado”.
292
Michel Bouvier também observa que “unidade e universalidade orçamen-
tárias são, por vezes, difíceis de distinguir. O risco de confusão é escusável,
porquanto ambas exigem que todas as despesas e todas as receitas do Es-
tado figurem num mesmo orçamento” (Michel Bouvier, Marie-Christine
Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finances publiques, p. 283).
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 133

Poder Legislativo – e a quem mais possa interessar – o controle


das contas públicas.
Interessante registrar que João Ricardo Catarino refere-se a
estes dois últimos princípios aqui citados (unidade e universali-
dade) como “regra da plenitude orçamental”, que os engloba a
ambos, corroborando a ideia acima aludida de que eles são pra-
ticamente inseparáveis. Esse professor português, salientando a
importância deles, ensina:
A regra da plenitude orçamental tem um sentido finalista uma
vez que visa conferir racionalidade e transparência à afetação
dos recursos obtidos. Com isso tem-se em vista tanto fins de
ordem política quanto de racionalidade econômica: evitar que
massas de receita escapem ao controlo orçamental e, conse-
quentemente, à autorização política, ao controlo político e até
à responsabilização jurisdicional ou parlamentar exercidas
pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República.293
Em que pese a esse enfoque, a doutrina costuma referir-se
a esse princípio também como aquele segundo o qual tanto as
receitas quanto as despesas devem figurar no orçamento com o
seu valor bruto, sem a possibilidade de nenhum tipo de compen-
sação, dedução ou redução.294
Assim, não são duas coisas distintas o enunciado anterior
trazido como definição do princípio, senão que a necessidade
de que todas as receitas e todas s despesas devam figurar em um
único documento tenha por complemento: “pelos seus importes
brutos, sem qualquer dedução”.
Esta última cláusula é tratada por alguns autores como
“princípio do orçamento bruto”,295 princípio este que teria sur-

293
João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 257.
294
Veja-se, por exemplo, Héctor Villegas, Curso de finanzas, derecho finan-
ciero y tributario, p. 129.
295
Cf. James Giacomoni, Orçamento público, p. 70 e ss. Fonrouge identifi-
ca o princípio de universalidade com o de produto bruto, que “exige que
134 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

gido com o da universalidade, visando ao mesmo objetivo, qual


seja o de propiciar o controle do Parlamento sobre todas as recei-
tas e despesas do Estado. É enunciado, no Direito positivo bra-
sileiro no art. 6.º da Lei 4.320/1964, com o seguinte teor: “Art.
6.º Todas as receitas e despesas constarão da Lei de Orçamento
pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções”.
Bouvier fala do “princípio de não compensação”, que se
manifestaria sobre duas formas de operações orçamentárias.
Haveria dois sistemas possíveis de apresentação do orçamen-
to: a) no primeiro deles, poder-se-iam inscrever no orçamento
todas as receitas e todas das despesas dos diversos serviços do
Estado, sem exceção. “É o método do ‘orçamento bruto’ que
proíbe a um determinado órgão público de apresentar suas pre-
visões de despesas tendo-se deduzido previamente o montante
das receitas eventualmente previstas.”296 No segundo sistema, b)
podem-se apresentar as previsões sob a forma de um orçamento
líquido. Utilizando-se o primeiro, a autorização legislativa é
necessariamente detalhada; com o segundo essa autorização é
global e refere-se somente a um saldo. Dito isso, ressalte-se que
o princípio da não compensação “implica o recurso à técnica do
orçamento bruto”.297
Giacomoni traz como exemplo de aplicação desse princípio
(o do orçamento bruto) o ICMS, em relação ao qual os Estados de-
vem transferir aos Municípios 25% do total arrecadado (art. 158,

no haya compensación o confusión entre gastos y recursos; que tanto


unos como otros sean consignados en el presupuesto por su importe ‘bru-
to’ sin extraer saldos ‘netos’” (Carlos M. Giuliani Fonrouge, Derecho
financiero, v. 1, p. 160).
296
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-
ces publiques, p. 284. No original: “C’est la méthode du budget brut qui
interdit à un certain service public de présenter ses prévisions de dépen-
ses, en ayant défalqué au préalable le montant des recettes éventuelle-
ment escomptées”.
297
Idem, ibidem, p. 284.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 135

IV).298 O princípio em tela impõe que na receita do orçamento


estadual devem constar as estimativas da arrecadação integral do
imposto e, na despesa, o correspondente aos 25% como transfe-
rências aos Municípios, enquanto no orçamento municipal deve
aparecer a previsão dos recursos que lhes serão transferidos.299

4.3.4 Anualidade
O princípio da anualidade orçamentária implica, simples-
mente, que a lei do orçamento deve ser renovada a cada ano,
todos os anos. É este, com efeito, o significado primeiro desse
postulado. Ele possui, no entanto, outras implicações, que dele
decorrem naturalmente, v.g., a de que, em princípio, as entradas
e saídas de recursos dos cofres públicos devem dar-se no exercí-
cio (anual) em que elas ocorrem.
Historicamente, o princípio da anualidade tem uma justifica-
ção política, no sentido de que as exigências do regime represen-
tativo “impuseram uma periodicidade suficientemente breve para

298
CF: “Art. 158. Pertencem aos Municípios:
[...]
IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do
Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre
prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação.
Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios,
mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes crité-
rios:
I – três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas opera-
ções relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços,
realizadas em seus territórios;
II – até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso
dos Territórios, lei federal”.
299
James Giacomoni, Orçamento público, p. 72.
136 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

garantir a eficácia do controle parlamentar sobre as finanças do


Estado.300
Catarino resume bem o propósito maior da anualidade,
dizendo que ela “cumpre a finalidade do controle popular, mate-
rializado no desejo confesso dos povos de realizar uma discus-
são sobre os fins da tributação e as prioridades a satisfazer com
os recursos coletivos disponíveis”.301
No Brasil, ele vem adotado pela Constituição da República,
que, ao referir-se à lei orçamentária, reza: “§ 5.º A lei orçamentá-
ria anual compreenderá [...]”, já indicando a periodicidade da lei.
Regis Fernandes de Oliveira, após mencionar que esse
princípio significa que o orçamento deve ser atualizado todos os
anos, ou seja, “que para cada ano haja um orçamento”, afirma
que ele está hoje ultrapassado, e, ao lado do orçamento anual,
há o plurianual.302 Não pensamos que seja assim. Quando se fala
de princípios orçamentários, está-se a referir, normalmente, à lei
orçamentária anual, uma das três espécies de lei orçamentária
(no Brasil); assim, ao aludir-se à anualidade, está-se apontando
para o tipo “lei orçamentária anual”. De toda sorte, ainda que se
invoque a existência da “lei do plano plurianual”, a anualidade
da lei orçamentária continua a existir e a ser uma exigência a seu
respeito. Poder-se-á dizer, nesse caso, que a periodicidade da lei
do plano plurianual é diferente da periodicidade da outra lei [a
LOA]. O próprio autor atrás citado reconhece a “periodicidade
do orçamento”, embora afirme que, na verdade, inexiste um
princípio [o da anualidade], e sim a mera periodicidade.303

300
“Conforme Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre
Lassale, Finances publiques, p. 292. Prosseguem os autores: “La règle du
consentement périodique, qui s’est d’abord appliquée aux impôts, devait
permettre au Parlement de surveiller de façon stricte la gestion gouver-
nementale”.
301
João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 254.
302
Regis Fernandes de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 42 (grifos
nossos).
303
Regis Fernandes de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 42.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 137

José Afonso da Silva refere-se à existência da lei do plano


plurianual, dizendo que se poderia até mesmo reconhecer com ela
um novo princípio a que ele denomina de “princípio da plurianu-
alidade das despesas de investimento”, ressalvando que isso “não
fura o princípio da anualidade, porque as metas e programas e,
portanto, as despesas de capital, constantes do plano plurianual,
serão executadas ano a ano pelo orçamento anual”.304
É que esse princípio tem por fundamento, em última análi-
se, o controle do Executivo pelo Legislativo e também colabora
para evitar a “perpetuidade ou permanência da autorização para
a gestão financeira”, conforme lembra Ricardo Lobo Torres,
com base em abalizada doutrina.305
Importa fazer aqui uma precisão terminológica acerca da
diferença entre anualidade orçamentária e anualidade tributária.
Embora esta última fosse trazida também com a lei do orçamen-
to, ela ganhou denominação em separado. Em outras palavras, a
anualidade tributária significa que os tributos devem ser autori-
zados todos os anos – a exemplo do que ocorre com as despesas
do Estado – na lei orçamentária. Nosso ordenamento jurídico
não mais contempla este princípio na Constituição da República
de 1988, o que não quer dizer que as Constituições Estaduais
e as Leis Orgânicas Municipais não possam prevê-lo; somente
não são obrigadas a fazê-lo.
Quando se sedimentou a ideia de que os tributos tivessem
de ser instituídos por meio de lei, passou-se a considerar atingi-
do o objetivo da anualidade tributária já nesse momento, sendo

304
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 742.
Arremata o eminente professor: “Significa isso que o princípio da anu-
alidade sobrevive e revive no sistema, com caráter dinâmico-operativo,
porquanto o plano plurianual constitui regra sobre a realização das des-
pesas de capital e das relativas aos programas de duração continuada,
mas não é operativo por si, e si por meio do orçamento anual”.
305
Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-
butário: o orçamento na constituição, v. 5, p. 269.
138 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

desnecessária a autorização parlamentar para a cobrança do


tributo. Por isso fala-se em “bifurcação do princípio da legalida-
de”, querendo significar que a lei orçamentária é imprescindível
para autorizar a despesa, mas não mais os tributos, uma vez que
estes já foram “consentidos” quando da sua criação por lei.
Tampouco se deve confundir a anualidade com a anteriori-
dade tributária (embora ainda se encontre na doutrina quem se
refira a esta última como “anualidade”).306 A anterioridade vem
hoje inscrita no art. 150, III, b, da Lei das Leis, com o seguinte
teor:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios:
[...]
III – cobrar tributos:
[...]
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada
a lei que os instituiu ou aumentou.
Como se vê, essa garantia tem relação com o denominado
princípio da “não surpresa”, vindo no intuito de assegurar ao
contribuinte a previsibilidade da atuação estatal, que nada tem
a ver com o fito da anualidade orçamentária. Com a adoção
desta permite-se o controle político em períodos curtos, além
de que, se se estabelecesse um período muito longo, dar-se-ia
demasiada discrição ao Executivo na formação e execução do
orçamento, e, se o período fosse menor que um ano, “não seria
suficiente para reconhecer, contabilizar, arrecadar os tributos e
comprometer, ordenar e pagar as despesas [...]”.307

306
O próprio Supremo Tribunal Federal assim agiu ao editar o verbete 615
da sua Súmula, com a seguinte redação: “O princípio constitucional da
anualidade (§ 29 do art. 153 da Constituição Federal [correspondente
hoje ao art. 150, III, b] não se aplica à revogação de isenção do ICM”.
307
Cf. José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 133.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 139

No Brasil, o período de um ano coincide com o ano civil,


de 1.º de janeiro a 31 de dezembro, por força do que dispõem
os arts. 165, § 9.º, da Constituição da República e 34 da Lei
4.320/1964.308

4.3.5 Não afetação [das receitas]


Giacomoni aponta que esse princípio não é considerado
como um dos chamados “clássicos”, concebidos a partir do in-
teresse parlamentar, mas que a exigência de que as receitas não
sofram vinculações, “antes de qualquer coisa, é uma imposição
de bom senso, pois qualquer administrador prefere dispor de
recursos não comprometidos para atender às despesas conforme
as necessidades”.309
Esse princípio demanda que todos os recursos sejam reco-
lhidos “a uma caixa única do Tesouro, sem discriminação quan-
to à sua destinação, e sirvam para financiar todos os serviços,
isto é, não devem estar ‘afetados’ a nenhum fundo especial ou
serviço ou despesa predeterminada”.310
No Brasil, a não afetação consta do art. 167, IV, da Consti-
tuição Federal, que assim proclama:
Art. 167. São vedados:
[...]
IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou
despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação

308
Rezam esses artigos:
CF, art. 165, § 9.º “Cabe à lei complementar:
I – dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração
e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e
da lei orçamentária anual”.
Lei 4.320/1964, art. 34. “O exercício financeiro coincidirá com o ano
civil.”
309
James Giacomoni, Orçamento público, p. 74.
310
José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 157.
140 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação


de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para
manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização
de atividades da administração tributária, como determinado,
respectivamente, pelos arts. 198, § 2.º, 212 e 37, XXII, e a
prestação de garantias às operações de crédito por antecipação
de receita, previstas no art. 165, § 8.º, bem como o disposto
no § 4.º deste artigo;
[...]
§ 4.º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas
pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos
recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II,
para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para
pagamento de débitos para com esta.
Não é difícil perceber a lógica do legislador constituinte ao
preservar a receita proveniente de impostos de (quase) qualquer
vinculação prévia. É que os demais tributos previstos no sistema
tributário brasileiro, de forma direta ou indireta, são vinculados.
As contribuições são obrigatoriamente vinculadas à fina-
lidade que permitiu a sua instituição,311 conforme, entre outros
dispositivos constitucionais, o art. 149, caput.312
Os empréstimos compulsórios têm seu produto de arreca-
dação destinado à situação que propiciou a sua criação (art. 148,
parágrafo único).313

311
Sobre esse ponto, ao leitor eventualmente interessado, remetemos ao
nosso estudo As contribuições na Constituição brasileira: ainda sobre a
relevância da destinação do produto da sua arrecadação, p. 122-129.
312
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições so-
ciais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das catego-
rias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas
respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e
sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6.º, relativamente às contribuições
a que alude o dispositivo.”
313
“Art. 148. Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de
empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua
instituição.”
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 141

As contribuições de melhoria e as taxas, por sua vez, di-


reta ou indiretamente, serão destinadas a abater os custos com
a realização de obra pública que tenha causado valorização
imobiliária ou dos serviços públicos (específicos e divisíveis) ou
do exercício do poder de polícia, respectivamente, conforme se
dessume do art. 145, incisos III e II, da Lei Maior.314
Dispostas assim as coisas, se a arrecadação dos impostos
também fosse vinculada, não restaria margem para o Governo
executar o seu plano, em razão do qual, ao menos em tese, este
Governo teria sido eleito.315
Regis Fernandes de Oliveira assim se pronuncia acerca do
princípio em tela:
O salutar princípio significa que não pode haver mutilação das
verbas públicas. O estado deve ter disponibilidade da massa de
dinheiro arrecadado, destinando-a a quem quiser, dentro dos
parâmetros que ele próprio elege como objetivos preferenciais.
Não se pode colocar o Estado dentro de uma camisa de força,
minguando seus recursos, para que os objetivos traçados não
fiquem ou não venham a ser frustrados. Deve haver disponi-
bilidade para agir.316
Michel Bouvier (et al.) expõe três razões que estariam a
justificar a não afetação:

314
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pode-
rão instituir os seguintes tributos:
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização,
efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, presta-
dos ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.”
315
Para Giacomoni, a vedação da vinculação de impostos a órgão, fundo ou
despesa “atende ao postulado básico do direito tributário que concebe
os impostos como a fonte de recursos que viabiliza o funcionamento do
Estado, principalmente de suas funções básicas” (Orçamento público, p.
75).
316
Regis Fernandes de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 366.
142 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

a) a primeira delas, de ordem jurídica, vislumbra o risco


de, com a afetação de receitas, chegar a autorizações de
gastos ilimitados; se se permitisse, ordinariamente, efe-
tuar tal despesa com o recurso de tal receita o montante
do crédito não seria mais fixado rigidamente, de forma
antecipada. Seria como consentir a utilização de créditos
indeterminados (o que, no ordenamento pátrio, é vedado
expressamente pelo art. 167, VI, da CF);317
b) a justificação de ordem técnica para a não afetação é que
o contrário desta é perigoso para a gestão das finanças
públicas e envolve o risco de criar desperdícios, se o
órgão de que se trate dispuser de recursos superiores às
suas necessidades; e
c) do ponto de vista político, a afetação coloca em xeque
uma determinada concepção de Estado; este é considera-
do como uma empresa (um empreendimento) global, de
conjunto (entreprise d’ensemble), na qual os recursos de
que dispõe devem ser postos em comum e ser objeto de
uma apreciação global, conjunta, ou, em última análise,
posta em prática da noção de interesse geral.318
Tampouco deve deixar-se de apontar os inconvenientes des-
se princípio, muito bem salientados pelos mestres da Sorbonne
anteriormente citados. É que a não afetação pode ser vista, de
certo modo, como “contraproducente”, seja porque ela impede
a Administração de se beneficiar de receitas acessórias que ela
poderia produzir – e, nesse sentido, corre-se o risco de instituir
um prêmio à inércia administrativa –, seja porque a não afetação
“dissimula, aos olhos do contribuinte, o objetivo da exação à
qual ele está sujeito”.319

317
“Art. 167. São vedados: VII – a concessão ou utilização de créditos ilimi-
tados.”
318
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-
ces publiques, p. 285-286.
319
Idem, ibidem, p. 286. No original: “[...] soit parce qu’elle dissimule, aux
yeux du contribuable, l’interêt du prélèvement auquel il est assujetti”.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 143

Com efeito, ligando o objetivo ao meio (os fins que se pre-


tende alcançar e o tributo para tal cobrado), a afetação pode ter
“virtudes pedagógicas”, facilitando a aceitação do imposto (dos
tributos em geral), embora possa produzir, também, o efeito in-
verso e propiciar o protesto de contribuintes que estejam em de-
sacordo com os motivos invocados para a cobrança da exação.320
De todo modo, pela sua própria denominação, o princípio
da não afetação, no seu sentido original, significa, como definem
Martínez Lago e García de La Mora:
a necessidade de que todas as receitas se destinem a financiar
indistinta e globalmente os gastos públicos, sem que se produ-
za nenhum reconhecimento de prioridade de um determinado
gasto com relação a uma fonte concreta de financiamento.321

4.3.6 Exclusividade
Esse postulado traz a ideia de que a lei orçamentária, dadas
a sua especificidade e as suas peculiaridades, somente pode
conter matéria relacionada à estimativa de receita e à fixação de
despesa.
Em que pese constituir noção até mesmo óbvia e carregada
de bom senso, não foi desde sempre adotada.
Se a lei orçamentária é a lei mais importante do Estado,
segundo pensamos e sempre defendemos, se ela contém no seu
bojo os destinos do Estado em tudo o que se reporta às suas
finanças, não tem sentido lógico valer-se dela para cuidar de
outros assuntos que não digam respeito a este tema.
Ocorreu, em outros tempos – e ocorre, ainda, em ordena-
mentos jurídicos que não o impedem –, a inclusão, no projeto de

320
Cf. Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale,
Finances publiques, p. 286.
321
Miguel Ángel Martínez Lago e Leonardo García de La Mora, Lecciones
de derecho financiero y tributario, p. 200 (grifos no original).
144 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

lei de orçamento, de matérias totalmente divorciadas do tema de


finanças públicas, no intuito de aproveitar-se a necessidade de
aprovação do orçamento para que parlamentares tentem fazer
passar medidas que em outras oportunidades não teriam êxito.
São as chamadas “caudas orçamentárias” ou “orçamentos ra-
bilongos”. Conta-se que houve época em que até nomeações e
promoções de funcionários públicos e mudança do processo do
então denominado desquite (separação judicial).
Giacomoni averba que esse princípio “surgiu com o obje-
tivo de impedir que a Lei de Orçamento, em função da natural
celeridade de sua tramitação no legislativo, fosse utilizada como
meio de aprovação de matérias outras que nada tinham que ver
com questões financeiras”.322
No Brasil, o princípio da exclusividade vem enunciado no
art. art. 165, § 8.º, da Constituição da República, que estatui:
§ 8.º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho
à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo
na proibição a autorização para abertura de créditos suple-
mentares e contratação de operações de crédito, ainda que por
antecipação de receita, nos termos da lei.
Essa ideia parece estar já assentada em nossa prática orça-
mentária, razão pela qual não nos estenderemos neste ponto.

4.3.7 Especialidade
Esse princípio, também denominado princípio de especi-
ficação ou de discriminação, indica que as receitas e despesas
devem figurar no orçamento discriminadamente, ou seja, deve-
-se poder identificar, no orçamento, claramente, de onde vêm e
exatamente para onde vão os recursos.
Conforme ensina José Afonso da Silva, esse princípio,
como os demais princípios clássicos do orçamento, resultou de

James Giacomoni, Orçamento público, p. 78.


322
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 145

prolongada luta entre o Parlamento e o Poder Executivo,323 e


significa que as receitas e despesas devem ser autorizadas pelo
Legislativo “em parcelas discriminadas, não em globo”.324
Caldas Furtado afirma que a especialidade preconiza
[...] o detalhamento da receita e da despesa as quais compõem
o orçamento público, de modo que demonstre a política eco-
nômico-financeira e os programas de trabalho do governo
e especifique, em pormenores, a origem e a aplicação dos
recursos públicos.325
Giacomoni salienta que o enfoque clássico do princípio é sob
o aspecto político, pois facilita a ação fiscalizadora do Parlamen-
to, ressalvando, entretanto, que, nos dias de hoje, a discriminação
orçamentária deve ser compreendida no contexto dos múltiplos
aspectos que o orçamento apresenta – administrativo, contábil,
econômico etc. Isso significa que a especialização das contas pú-
blicas precisa abranger a consideração de exigências “do controle
externo e do próprio controle interno, do planejamento adminis-
trativo, da avaliação econômica do impacto do gasto público sobre
a economia, dos registros contábeis”, entre outras.326
Na Alemanha, o princípio da especificidade é visto pela le-
gislação no sentido de as receitas serem classificadas de acordo
com a origem e as despesas como destinadas a propósitos espe-
cíficos. Ele acaba resultando em um orçamento muito detalhado
e, aderindo a esse princípio, o Parlamento exerce influência
sobre os detalhes do orçamento. Em parte talvez em decorrência
disso, o Parlamento é menos ativo na aprovação da estratégia
fiscal global.327

323
José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 155.
324
Idem, ibidem, p. 155-156.
325
J. R. Caldas Furtado, Elementos de direito financeiro, p. 93.
326
James Giacomoni, Orçamento público, p. 77.
327
Cf. OECD, The Legal Framework for Budget Systems – an international
comparison, p. 222.
146 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Cremos poder definir o princípio da especialidade, ou da


especificação – talvez seja esse o nome que melhor expresse o
seu significado – como aquele segundo o qual o orçamento deve
detalhar os importes correspondentes às receitas e às despesas,
de tal modo que eles reflitam, como o diz Martner, da melhor
maneira possível, os programas que cada órgão está incumbido
de realizar.328
A esse respeito, cabe ponderar que não é recomendável
uma minuciosidade excessiva na apresentação daqueles itens,
pois prejudicar-se-ia a visão do conjunto, conforme adverte
esse mesmo autor, que complementa: “[...] de manera que un
equilibrio razonable entre el detalle de la información y las ne-
cesidades globales de presentación de los programas parece ser
la ecuación más aceptable”.329
Em Portugal, a especificação vem como desmembramen-
to da “discriminação orçamental” e, conforme a legislação ali
vigente, requer que cada receita e cada despesa “sejam objeto
de suficiente discriminação ou individualização, embora nada
impeça a sua inscrição em globo, por tipo de imposto, como é o
caso das receitas fiscais [...]”.330
Martínez Lago e García de La Mora classificam a especia-
lidade em três tipos: a) qualitativa: as autorizações de gasto não
são globais ou genéricas, mas espaciais e condicionadas, isto é,
para gastos concretos e determinados, totalmente especificados;
b) quantitativa: as autorizações são por uma quantidade con-
creta máxima; e c) temporal: as autorizações não têm caráter
definitivo, mas são dadas por tempo limitado.331

328
V. Gonzalo Martner, Planificación y presupuesto por programas, p. 37.
329
Gonzalo Martner, Planificación y presupuesto por programas, p. 37.
330
Cf. João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p.
260-261.
331
Miguel Ángel Martínez Lago e Leonardo García de La Mora, Lecciones
de derecho financiero y tributario, p. 201.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 147

Em outras palavras, e com outras nuances, isso mesmo pode


ser observado em Germán Orón, quando diz que o princípio de
especialidade orçamentária pode ser visto sob três aspectos, a
saber: a) qualitativo (não se pode gastar em algo diferente do que
foi autorizado); b) quantitativo (não se pode gastar valor maior
do que foi autorizado); e c) temporal (não se pode gastar em
período diferente daquele para o qual foi dada a autorização).332
Transplantando essa classificação para o Direito positivo
brasileiro, Ricardo Lobo Torres atribui as características da es-
pecialidade orçamentária da seguinte maneira: a) quantitativa
– a que determina a fixação do montante dos gastos, proibida a
concessão ou utilização de créditos ilimitados (art. 167, VII); b)
qualitativa – veda a transposição, o remanejamento ou a transfe-
rência de recursos de uma categoria de programação para outra
ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa
(art. 167, VI); e c) temporal – limita a vigência dos créditos es-
peciais e extraordinários ao exercício financeiro em que forem
autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos
últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos
nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do
exercício financeiro subsequente (art. 167, § 2.º).333

4.3.8 Princípio da programação


Esse princípio decorre, como é fácil perceber, da ideia
embutida no orçamento-programa (que é tratado em outra parte
deste trabalho).
Diríamos que, a partir de quando se passou a conceber o or-
çamento como algo intimamente ligado ao planejamento, o ex-
pediente de “orçar por programas”, que está no bojo de qualquer

332
Conforme Germán Orón Moratal, El presupuesto estatal ante el Derecho
comunitario: en especial, la bifurcación del principio de legalidad finan-
ciera al significado jurídico del estado de ingresos, p. 937.
333
Ricardo Lobo Torres, Curso de direito financeiro e tributário, p. 121.
148 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

orçamento “moderno”, passou a ser, mais que um princípio, um


pressuposto deste. Tem estrita vinculação com o plano governa-
mental, como também observa José Afonso da Silva.334
Corroborando o pensamento de que as mudanças na reali-
dade orçamentária forçam a inclusão de outros princípios orça-
mentários, além dos clássicos, Giacomoni lembra que
[...] para representar os elementos do planejamento, o orça-
mento vem sofrendo mudanças profundas em sua linguagem,
buscando veicular a programação de trabalho de governo,
isto é, os objetivos e metas perseguidos, bem como os meios
necessários para tal.335
Para Martner, este postulado implica que o orçamento deve
revelar “a forma e o fundo” da programação, conter a sua orien-
tação e fixar os detalhes de receitas e gastos com a coerência
necessária para configurar os programas.336 “O orçamento, ao
observar esse princípio, passa a ser o instrumento fundamental
de operação do planejamento.”337
De acordo com esse princípio, “o orçamento público
deve ter a natureza de elo entre o planejamento e as ações
governamentais”.338
Resta evidenciado que na orçamentação atual não se pode
deixar de lado o planejamento que, quando da sua realização
concreta, desemboca na programação.

4.3.9 Sinceridade orçamentária


O princípio da sinceridade postula o que o seu nome indica,
ou seja, que o orçamento seja elaborado com base em dados que

334
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 740.
335
James Giacomoni, Orçamento público, p. 83.
336
Gonzalo Martner, Planificación y presupuesto por programas, p. 36.
337
Idem, ibidem, p. 36.
338
Cf. J. R. Caldas Furtado, Elementos de direito financeiro, p. 92.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 149

correspondam à realidade efetivamente. Em poucas palavras,


pode-se dizer que esse princípio significa que as receitas e des-
pesas apresentadas na lei orçamentária devem corresponder à
realidade, dando a noção real da situação financeira do Estado.
José Afonso da Silva afirma que ele “preconiza uma análise
profunda da situação existente e de métodos adequados, para
que o orçamento revele compatibilidade com as condições ma-
teriais e institucionais necessárias à sua execução”.339
Em tempos recentes temos como exemplo a “Constituição
Financeira” francesa, que foi contemplada com esse “novo”
princípio, agora expresso; o da sinceridade orçamentária.
Conforme prevê o art. 47-2, em sua parte final, da Cons-
tituição francesa, redigida com a objetividade que soem ter os
franceses, “as contas da Administração Pública [devem ser]
são regulares sinceras. Elas dão [devem dar] uma imagem fiel
do resultado da sua gestão, do seu patrimônio e da sua situação
financeira”.340
Essa ideia foi repetida e desenvolvida com a Lei Orgânica
de 1.º de agosto de 2001, relativa às leis de finanças (mais ou me-
nos o equivalente a uma lei de normas gerais sobre orçamento),
nos seus arts. 27, parte final,341 e 32, que se transcreve abaixo,
dado o desenvolvimento que atribui ao princípio:

339
José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 154. Com
base em um trabalho editado pelo Governo de Minas Gerais, o autor
complementa: “Enfim, a elaboração do orçamento há de fundamentar-se
num diagnóstico básico que dê exata dimensão (tanto quanto possível) a
situação existente e indique a solução dos problemas identificados, em
base realística, determinando os recursos necessários sem otimismo, sem
superestimar os recursos nem subavaliar os gastos necessários para
atingir os objetivos fixados” (grifou-se).
340
No original: “Les comptes des administrations publiques sont réguliers
et sincères. Ils donnent une image fidèle du résultat de leur gestion, de
leur patrimoine et de leur situation financière”.
341
Art. 27: “Les comptes de l’Etat doivent être réguliers, sincères et donner
une image fidèle de son patrimoine et de sa situation financière”.
150 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Art. 32. As leis de finanças apresentarão de maneira sincera


[verdadeira, autêntica] o conjunto dos recursos e dos encargos
do Estado. A sua sinceridade se verificará tendo-se em conta
as informações disponíveis e as previsões que podem razoa-
velmente delas ser deduzidas.342
Como bem observam Michel Bouvier et al., poder-se-
-ia preferir o termo “transparência”, em vez de “sinceridade”,
“mas essa denominação foi, sem dúvida, deliberadamente es-
colhida para salientar o conteúdo ético que implica uma boa
‘governança’”.343
Para ele, a noção de sinceridade orçamentária e contábil é,
de algum modo, o reflexo [e ele diz, também, se se preferir, a me-
tamorfose] do que atravessam os sistemas de finanças públicas
há uns trinta anos. O que é mais importante, a nosso ver, é que
essa situação exprime “a riqueza, mas também as ambiguidades
e as dificuldades, materiais e teóricas das mutações das finanças
públicas na França e além dela”.344
Para o professor da Sorbonne aqui referido, o princípio em
tela tem a ver com a velha questão da regularidade [da aplica-
ção] dos recursos públicos e, concomitantemente, com a “nova”
questão da boa governança pública. Essas duas vertentes não se
anulam, não são incompatíveis, senão que se juntam, pois, com
esse princípio se busca a verdade, a transparência. A sinceridade
decorre de uma lógica tradicional, democrática e de uma lógica
nova, empresarial.345

342
Art. 32: “Les lois de finances présentent de façon sincère l’ensemble des
ressources et des charges de l’Etat. Leur sincérité s’apprécie compte tenu
des informations disponibles et des prévisions qui peuvent raisonnable-
ment en découler”.
343
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-
ces publiques, p. 303.
344
Michel Bouvier, La sincérité budgétaire et comptable : un principe para-
doxal?, p. 170.
345
Idem, ibidem, p. 171.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 151

Não há dúvida de que esse princípio se enquadra em um con-


texto que lida com números, o que lhe dá uma ilusão de raciona-
lidade, de objetividade, ou ainda de cientificidade. No entanto, o
orçamento e as contas públicas estão em um ambiente de escolhas
políticas. Como diz Bouvier, “avec les finances publiques on est
face à une chose de l’homme”.346 Por isso as respostas não podem
ser mais que relativas. Nem sempre há objetividade. Cita-se como
exemplo a questão de saber que método pode ser utilizado para
avaliar os ativos do Balanço, notadamente os ativos imateriais.
Por essa razão, o autor mencionado entende que erigir esse
princípio à categoria de princípio fundamental do Direito Finan-
ceiro em nada mudará o fato de que o princípio será aplicado a
situações incertas, ilusórias.
Malgrado os defeitos acima apontados, cremos que é de
extrema relevância, principalmente levando-se em conta o que
ocorre em nosso país, que se atribua maior peso a esse princípio,
ou seja, que se busque cada vez mais espelhar no orçamento o
real estado das contas públicas, o que efetivamente se espera
arrecadar em termos de receita e o que verdadeiramente se pre-
tende fazer com o dinheiro público.

4.3.10 Transparência
O tema relativo à transparência poderia ser versado em
capítulo à parte, dado que ele se espraia por todo o Direito Públi-
co. No entanto, e paradoxalmente, por isso mesmo, decidimos
encaixá-lo dentre os princípios orçamentários para reforçar a
ideia de que suas raízes devem estar fincadas para servirem de
base a todo o processo orçamentário.
Transparência é uma palavra que admite o significado (fi-
gurado, segundo o Dicionário Aulete) de “Qualidade de quem

Michel Bouvier, La sincérité budgétaire et comptable : un principe para-


346

doxal?, p. 172. Em tradução livre: “Com as finanças públicas se está em


face de uma ‘coisa humana’”.
152 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

demonstra sinceridade e/ou lisura”. Nesse sentido, poderíamos


identificar o princípio da transparência com o da sinceridade, a
exemplo do que faz Bouvier, conforme visto anteriormente.
Aqui, no entanto, queremos ressaltar a acepção que se nos
afigura a mais representativa do que deve traduzir a transparên-
cia no orçamento, qual seja um dos significados do vocábulo
“transparente”, constante no mesmo Dicionário Aulete: “que é
muito claro”. É simples assim: o orçamento deve ser “muito cla-
ro”. Ainda que se reconheça tratar-se de peça técnica e comple-
xa, deve possibilitar a sua compreensão tanto pelo Parlamento
quanto pela sociedade, exatamente para poder ser objeto de con-
trole efetivo, quer seja na sua proposição, quer na sua execução.
A clareza do orçamento, na medida do possível, deve vir
acompanhada da sinceridade; é dizer: os representantes do povo
e o próprio povo devem ser capazes de compreender como está
sendo gerido o patrimônio que a sociedade transferiu ao Estado.
A Constituição da República prevê expressamente a pu-
blicidade como princípio da Administração Pública (art. 37,
caput), que exige “a ampla divulgação dos atos praticados pela
Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de sigilo pre-
vistas em lei”.347
A Lei Maior não se refere, explicitamente, à transparên-
cia, em outros dispositivos, a não ser no art. 216-A, que cria o
Sistema Nacional de Cultura, instituindo a transparência como
um dos seus princípios (“transparência e compartilhamento das
informações”). Esse preceito foi incluído na Lei Maior por meio
da Emenda Constitucional 71, de 2012, comprovando a tendên-
cia atual de prestigiar esse postulado em tudo o que concerne ao
setor público.
Vemos implícito no princípio da publicidade o da transpa-
rência; ambos existem com a mesma finalidade, qual seja a de
propiciar o controle do agir público em todos os seus âmbitos,

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, p. 72.


347
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 153

o que significa dizer, com maior razão ainda, no campo do or-


çamento público, em que se lida diretamente com a res publica.
Como declara com objetividade Ricardo Lobo Torres,
a transparência fiscal é um princípio constitucional implíci-
to. “Sinaliza no sentido de que a atividade financeira deve
se desenvolver segundo os ditames da clareza, abertura e
simplicidade.”348
Tratando da “transparência orçamental”, prevista na “Lei
de Enquadramento Orçamental” portuguesa, João Ricardo Ca-
tarino assevera que a transparência obriga a que todos os subse-
tores do setor público administrativo “melhorem qualitativa e
quantitativamente a informação que devem prestar para garantir
um perfeito e exato conhecimento da forma como cada um está
a executar o seu próprio orçamento”.349
Ricardo Lobo Torres enxerga a transparência como um
subprincípio da responsabilidade fiscal (accountability).350 In-
vocando o Fiscal Responsibility Act da Nova Zelândia, afirma
que, nesse país, o princípio da responsabilidade fiscal se des-
dobra em alguns subprincípios: prudência e transparência (ou
abertura). Este último, por sua vez, aparece ali como disclosure
(“divulgação, revelação”).351 Para este autor, este princípio ter-
-se-ia “transmigrado” para a Lei de Responsabilidade Fiscal
pátria.352
Com efeito, a Lei Complementar 101/2000, já de início,
considera que a “responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a
ação planejada e transparente [...]” (art. 1.º, § 1.º).

348
Ricardo Lobo Torres, O princípio da transparência no direito financeiro,
p. 1.
349
João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 275.
350
Ricardo Lobo Torres, O princípio da transparência no direito financeiro,
p. 7.
351
Idem, ibidem, p. 8.
352
Idem, p. 8.
154 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Ela dedica, inclusive, um capítulo destinado à “transparên-


cia, controle e fiscalização”, iniciando com o art. 48, cujo teor é
bastante claro:
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal,
aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios
eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de
diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo
parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamen-
tária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas
desses documentos.
O parágrafo único desse artigo desdobra os instrumentos
que considera como auxiliares na transparência, os quais, tam-
bém, falam por si mesmos, como segue:
Parágrafo único. A transparência será assegurada também
mediante: 
I – incentivo à participação popular e realização de audiências
públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos
planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; 
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da
sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas
sobre a execução orçamentária e financeira, em meios ele-
trônicos de acesso público;
III – adoção de sistema integrado de administração financeira
e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabele-
cido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo
único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a
qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações
referentes a: 
I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades
gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento
de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados
referentes ao número do correspondente processo, ao bem
fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica
beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedi-
mento licitatório realizado; 
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 155

II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a


receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos
extraordinários.
Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo
ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo
Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua
elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e ins-
tituições da sociedade.
Parágrafo único. A prestação de contas da União conterá de-
monstrativos do Tesouro Nacional e das agências financeiras
oficiais de fomento, incluído o Banco Nacional de Desenvol-
vimento Econômico e Social, especificando os empréstimos
e financiamentos concedidos com recursos oriundos dos or-
çamentos fiscal e da seguridade social e, no caso das agências
financeiras, avaliação circunstanciada do impacto fiscal de
suas atividades no exercício.
Weder de Oliveira critica a falta de transparência no tocante
à execução orçamentária em nosso país. Embora reconheça a
publicidade que é dada na discussão e sanção da lei orçamentá-
ria, diz ele que a transparência “desaparece” durante a execução,
levando-o a declarar que “não deixa de ter razão quem apelida o
Orçamento de peça de ficção, que não assegura à Nação o corre-
to conhecimento sobre as ações do governo”.353
De fato, como chama a atenção este autor,
[...] nem o Congresso nem a sociedade têm como saber, sem
um exame profundo, demorado e especializado de documentos
e informações de sistemas de execução orçamentária, qual é
a programação que está sendo posta em execução e a que não
está. Não há transparência a esse respeito.354

353
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 43.
354
Idem, ibidem, p. 43.
156 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Giacomoni, por seu turno, enxerga no § 6.º do art. 165 da


CF, como principal mérito, a transparência, dispositivo este mar-
cado “pela originalidade e pelo pioneirismo”.355
Em suma, nota-se que o princípio da transparência veio
para ficar e, com o tempo, esperamos, se sedimentará na prática
orçamentária, propiciando uma maior clareza no orçamento,
principalmente na sua execução e um maior controle, seja por
parte do Poder Legislativo, seja pela própria sociedade. Instru-
mentos há que podem ser aprimorados, inclusive; o que é mais
urgente é a criação de uma nova mentalidade na Administração
Pública e na sociedade como um todo. Isso acontecerá mais
rapidamente quando se solidificar a consciência de que do que
se trata aqui é de “coisa pública”, que deve ser objeto de gestão
responsável por parte de quem for indicado para fazê-lo e de co-
brança dessa administração pelo seu dono, que é o povo.

4.3.11 Equilíbrio
Provavelmente o leitor que chegou até este ponto deste ca-
pítulo deva ter estranhado que não se fez menção ao “princípio
do equilíbrio orçamentário”. Isto, na verdade, foi propositado,
tendo em vista que, segundo pensamos, o equilíbrio não é um
princípio no sentido em que o são os demais aqui referidos.
Pensamos ser o equilíbrio orçamentário um “desejo” a ser
realizado, mas que, do ponto de vista de funcionar como prin-
cípio, consiste mais propriamente em uma “inspiração” de que
deve estar tomado o legislador (lato sensu) ao elaborar o orça-
mento.

James Giacomoni, Orçamento público, p. 232. Estatui esse dispositivo:


355

“§ 6.º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo


regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isen-
ções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira,
tributária e creditícia”.
PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS 157

Não obstante, o tema do equilíbrio é de suma importância,


até para cogitar-se sobre se ele deve ou não existir, o que nos
motivou a tratá-lo em capítulo apartado.

4.3.12 Eficiência
Pode-se incluir a eficiência como princípio do orçamento,
em primeiro lugar, pelo simples fato de que ela é um princípio
aplicável a toda a Administração Pública, na conformidade do
que dispõe o art. 37, caput, da Constituição da República.
Em segundo lugar, considerando-se que esse preceito indi-
ca que o Administrador Público deve gerir o destino do dinheiro
público da melhor maneira possível, a fim de obter o melhor re-
sultado com o menor gasto, a eficiência tem visceral relação com
o orçamento, muito especialmente com o chamado orçamento
de resultado.
Por essas razões, o tema será tratado em separado.
Perguntar-se-á o porquê de o equilíbrio não ser por nós con-
siderado um princípio e a eficiência, sim. A resposta é simples: a
eficiência deve estar presente em todo tipo de orçamento e a sua
busca deve iluminar toda e qualquer fase da orçamentação e da
sua execução. Mesmo um orçamento “desequilibrado” deve ser
administrado com eficiência.

4.3.13 Razoabilidade
Embora enxerguemos a razoabilidade como um importante
ingrediente para auxiliar a interpretação jurídica e, portanto,
seria de uso corrente no tocante ao orçamento também, faremos
uma breve referência a ela, nos termos sugeridos por Ricardo
Lobo Torres, acatando o alcance que esse professor atribui à
razoabilidade.
Ricardo Lobo Torres entende que a razoabilidade projeta-se
no campo orçamentário, exercendo diferentes funções:
[...] serve de princípio de interpretação dos dispositivos da lei
de meios; influi na elaboração do orçamento, ao governar as
158 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

escolhas trágicas e as opções pela alocação de verbas; infor-


ma a própria legitimidade orçamentária, que deve resultar do
equilíbrio razoável entre legalidade e economicidade.356

4.4 Conclusão
Aos princípios clássicos orçamentários, como se pode per-
ceber, foram acrescidos outros em decorrência da evolução do
próprio orçamento, da experimentação de novas técnicas e como
reflexo das mudanças na sociedade e no próprio Estado.
Pretende-se que sejam eles levados em consideração nos
vários momentos do processo orçamentário, diante da ideia de
que, assim, a orçamentação como um todo seria beneficiada.

Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-


356

butário: o orçamento na constituição, v. 5, p. 312-313.


159

Capítulo 5
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO

Sumário: 5.1 Keynes e o orçamento norte-americano – 5.2 Esta-


bilidade orçamentária na União Europeia – 5.3 Equilíbrio em que
período de tempo? – 5.4 A estabilidade e o Parlamento – 5.5 O que
é, afinal, a “estabilidade orçamentária?” – 5.6 A crise de 2008 na
Europa – 5.7 Pacto de Estabilidade e Crescimento – 5.8 Legislação
europeia sobre estabilidade. Alguns exemplos: 5.8.1 Orçamento
na Alemanha – Caso Berlim – 5.9 Equilíbrio orçamentário e es-
tabilidade orçamentária; 5.10  O “equilíbrio” no Brasil; 5.10.1
Equilíbrio no orçamento; 5.10.2 O equilíbrio orçamentário e o
princípio federativo; 5.10.3 Equilíbrio na execução do orçamento;
5.11 Equilíbrio em que sentido?; 5.12 Equilíbrio e dívida pública;
5.13 A “regra de ouro” – 5.14 À guisa de conclusão.

“O equilíbrio orçamentário é desejável em certos casos. Pode


ser impossível e inelutável noutros. E será nocivo em circuns-
tâncias especiais” (Aliomar Baleeiro).357
Considerado como princípio orçamentário por alguns auto-
res, o equilíbrio é, segundo pensamos, um ideal a ser atingido;
é dizer: mais que um princípio, o equilíbrio entre receitas e des-
pesas358 é um desejo que se imagina todos os entes públicos – e,
bem assim, os cidadãos – persigam.

Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças, p. 401.


357

Utilizar-se-ão aqui as expressões “equilíbrio orçamentário” e “equilíbrio


358

entre receitas e despesas” como sinônimas. A esse respeito, v. Weder de


Oliveira, que diz: “o equilíbrio entre receitas e despesas pode também ser
referenciado como equilíbrio orçamentário, equilíbrio fiscal ou controle
160 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

A ideia de equilíbrio do orçamento pode ser encontrada já


na defesa teórica que fazem os liberais da intervenção mínima
do Estado na economia. Isto propiciou enxergar o orçamento
público como uma réplica, em grandes proporções, do orça-
mento familiar, que deveria reger-se pela estrita observância do
equilíbrio entre receita e despesas, inibindo, de pronto, o recurso
a empréstimos, por exemplo.359
Há que reconhecer que a busca pelo equilíbrio das contas
públicas muita vez decorre de imperativos de ordem técnica e
econômica, envolvendo também opções político-ideológicas
dos governantes do momento. Isso, não obstante, segundo
parece indicar a própria teoria econômica – se seguirmos os
ensinamentos de Keynes360 e seus discípulos –, o desequilíbrio
orçamentário (aqui no sentido de produtor de déficit) pode ser

fiscal” (Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento e finanças


públicas, p. 385).
359
V. Violeta Ruiz Almendral, La reforma constitucional a la luz de la es-
tabilidad presupuestaria, p. 91-92, ISSN: 1138-2848. Disponível em
<http://revistasonline.inap.es/index.php?journal=CDP&page=article&
op=viewFile&path%5B%5D=9974&path%5B%5D=10283>. Acesso
em: 30 out. 2013.
360
Um brilhante resumo da teoria keynesiana pode ser encontrado no clás-
sico livro do mestre Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das
finanças, p. 98 e ss. O trecho de Baleeiro a seguir transcrito, sumário da
posição de J. M. Keynes, parece resumir a essência do que aqui é neces-
sário deixar esclarecido quando se fala da doutrina keynesiana:
“[...] se as empresas privadas, pelo receio da queda de preços resultante
a inibição do consumo, não investem, a solução deve advir do Estado,
que, como substituto dos particulares, há de absorver todo o trabalho
potencial liberado na conjuntura, proporcionando ocupação aos desem-
pregados e restituindo-lhes a capacidade de consumo, que restaurará a
confiança e restabelecerá o ritmo anterior. A despesa pública exerce ação
revitalizadora do organismo econômico nessas fases de delíquio, assim
como a baixa do juro a nível inferior à ‘produção marginal do capital’,
isto é, a sua rentabilidade em lucros dos investimentos” (p. 100).
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 161

imperativo em certos momentos de depressão econômica, exata-


mente para impulsionar o “aquecimento” da economia.
Baleeiro observa que “a teoria geral keynesiana conduziu a
uma política fiscal de despesas intensivas como terapêutica das
crises”.361 A verificação de que o volume de dinheiro despendido
pelos Estados Unidos para tentar debelar a crise econômica esta-
belecida em 1929, suprimindo o desemprego, elevando o padrão
tecnológico da produção, multiplicando-a e garantindo, enfim, o
bem-estar, demoliu as regras rígidas de prudência orçamentária,
conforme explica esse autor.362
Usando expressão de Harley Lutz, afirma que
[...] estadistas e povos [...] perderam o complexo de culpa em
relação ao déficit. Acostumaram-se a esse fato e obtiveram
provas concretas de que ele [o déficit], ao invés de consequên-
cias catastróficas, poderia gerar, em certas circunstâncias,
melhores condições de vida para o país.363
O mestre baiano ilustra com um exemplo situação que ad-
mitiria o déficit orçamentário “‘sem sentimento de culpa”:
[...] se a produção não se pode expandir por deficiência de
energia elétrica, vetustez da frota mercante, ou de sistema
ferroviário, falta de portos equipados etc., não parece conde-
nável o déficit que se originou das despesas imprescindíveis
à eliminação desses nós de estrangulamento que impedem o
desenvolvimento harmonioso da economia nacional.364
Outra frase significativa de Baleeiro, e que bem resume a
questão e se mantém atual: “Não se trata de equilibrar o orça-
mento, mas fazer com que este equilibre a economia nacional”.365

361
Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças, p. 400.
362
Idem, ibidem, p. 400.
363
Idem, p. 400.
364
Idem, p. 402.
365
Idem, p. 402 (grifado no original).
162 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

5.1 Keynes e o orçamento norte-americano


Passemos agora a uma análise resumida, baseada nas lições
de Buchanan e Wagner,366 sobre como o pensamento de Keynes
influenciou a política econômica e financeira até recentemente
(se é que não se possa dizer que perdura até os dias atuais).
Ensinam esses professores que, nos Estados Unidos, na
época pré-keynesiana, a “prática fiscal” era claramente infor-
mada pela responsabilidade fiscal. A história desse período não
era de um orçamento rigidamente equilibrado definido em uma
base contábil anual. Havia, na verdade, consideráveis flutuações
nas receitas, nas despesas e nos resultados de superávit ou dé-
ficit. Segundo os autores, havia, então, um padrão claramente
discernível:
[...] os déficits surgiam principalmente durante os períodos de
guerra; os orçamentos normalmente produziam excedentes
durante os tempos de paz, e esses excedentes eram usados
para eliminar o débito criado durante as situações de guerra.367
Os anos seguintes à criação da República americana, em
1789, foram períodos de turbulência, com guerra contra os ín-
dios, deterioração das relações com a Inglaterra etc. Nessa épo-
ca, o orçamento federal viveu em constantes déficits e em 1795 a
dívida pública bruta chegou a $ 83,8 milhões, tendo-se reduzido
praticamente à metade em 1811. Nesse período de dezesseis
anos (de 1795 a 1811), houve superávit em quatorze anos e défi-
cit em dois anos. A guerra de 1812 trouxe nova série de déficits,
até 1815, tendo, por óbvio, aumentado a dívida pública, que foi
fortemente reduzida em 1836.368

366
James M. Buchanan e Richard E. Wagner, Democracy in deficit. The
political legacy of Lord Keynes, The Collected Works of James M. Bu-
chanan, v. 8.
367
Idem, ibidem, p. 13.
368
Idem, p. 13.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 163

Desse período até os anos que antecederam a Primeira


Guerra Mundial houve um vaivém de déficits e superávits. Com
a guerra, foram três anos de déficits, compensados com onze
anos consecutivos de superávit, a partir de 1918.
A Grande Depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial
foram coadjuvantes para provocar 16 anos consecutivos de défi-
cits, com o que a dívida pública atingiu $169,4 bilhões, em 1946.
Até essa data, a história da prática fiscal nos Estados Unidos era
constante, sólida, com superávits como regra geral e déficits du-
rante períodos de guerra e de forte depressão.369
A ideia que permeou a prática fiscal nessa época poderia ser
traduzida em que se deveria reduzir as cargas (burdens) atuais
em troca da obrigação de assumir maiores cargas no futuro. “Era
somente em casos de eventos extraordinários, como uma guerra
ou uma grande depressão que o financiamento da dívida parecia
justificar-se.”370
A teoria clássica da dívida pública afirma que a emissão
de dívida (debt issue) é o meio pelo qual os contribuintes atu-
ais podem transferir parte dos custos do governo nas costas de
contribuintes futuros. Já a chamada teoria keynesiana da dívida
pública, ao contrário, afirma que os cidadãos que vivem durante
o período em que os gastos públicos são feitos sempre e neces-
sariamente suportam o custo dos serviços públicos, independen-
temente de se esses serviços são financiados pela tributação ou
pela contração de dívida.371
Relatam os autores ora examinados a existência de uma
“Constituição Fiscal”, mesmo antes do “desafio” keynesiano,
embora não materializada em um documento escrito. Essa

369
James M. Buchanan e Richard E. Wagner, Democracy in deficit. The
political legacy of Lord Keynes, p. 14-15.
370
Idem, ibidem, p. 15. No original: “It was only during some such extraor-
dinary event as a war or a major depression that debt finance seemed to
be justified”.
371
Idem, p. 15-16.
164 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

“Constituição” incluía a regra do equilíbrio orçamentário e fun-


cionava como uma importante restrição às naturais propensões
dos políticos.372 Já os seguidores de Keynes passaram pelo desa-
fio de convencer os líderes políticos e o povo de que a “religião
fiscal” dos velhos tempos era irrelevante na conjuntura moderna.
“Como um princípio sacrossanto, o equilíbrio orçamentário
tinha de ser desenraizado.373 Diziam os adeptos de Keynes que
os déficits nos orçamentos do governo eram um preço baixo a
ser pago “diante das bênçãos do pleno emprego”. Segundo essa
visão, não havia nenhuma virtude particular no equilíbrio do
orçamento em si mesmo, assim como não havia nenhum vício
peculiar no desequilíbrio do orçamento per se. “A lição era cla-
ra: o equilíbrio orçamentário não importava.”374
Para Buchanan e Wagner, a aplicação dos preceitos keyne-
sianos à democracia americana ocasionou um regime de déficits
orçamentários permanentes, inflação e uma crescente participa-
ção do setor público na renda nacional.375
Como se pode ver, os autores aqui trazidos à colação não
são exatamente adeptos à doutrina de Keynes, embora reco-
nheçam, por exemplo, com Dalton, que a ênfase keynesiana
inicial foi dirigida ao uso do orçamento a fim de “equilibrar a
economia”, em vez de ser voltada ao ultrapassado objetivo de
equilibrar as contas do próprio governo. “O nexo entre as despe-
sas governamentais e a disposição das pessoas de se submeterem

372
James M. Buchanan e Richard E. Wagner, Democracy in deficit. The
political legacy of Lord Keynes, p. 32.
373
Idem, ibidem, p. 32. “As a sacrosanct principle, budget balance had to be
uprooted.”
374
Idem, p. 33.
375
Idem, p. 75. Isso, não obstante, refere-se a Graham Hutton, que afirma
que “o que deu errado não foi o esquema de Keynes. Foi o seu otimismo
com relação à política, aos políticos, aos empresários e aos sindicalistas
[...] Keynes teria sido o primeiro a denunciar este comportamento como
sendo a ruína da democracia”.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 165

a estas despesas foi deixado de lado. Os impostos deveriam ser


cobrados somente com o propósito de prevenir a inflação.”376
Os doutrinadores acima propõem que a regra do equilíbrio
orçamentário seja colocada na Constituição dos Estados Unidos,
principalmente pela influência restritiva dessa norma, no seu
potencial de eliminar a tendência ao aumento do setor público e
de reduzir as fontes da inflação.377 Segundo eles, nada em uma
regra expressa de equilíbrio orçamentário impõe – nem deveria
impor – que o gasto total do governo seja mantido em um nível
preestabelecido, em termos absolutos ou relativos no tocante à
renda nacional. As decisões relativas ao montante de recursos a
serem destinados pelo governo serão tomadas segundo o proces-
so político ordinário, com ou sem a existência de uma regra para
o equilíbrio orçamentário.
A restauração da regra do equilíbrio orçamentário servirá
somente para permitir um sopesamento um pouco mais cui-
dadoso de benefícios e custos. A regra terá o efeito de trazer os
custos reais das despesas públicas ao conhecimento daqueles
que irão tomar a decisão [...].378
Buchanan, Wildavsky e outros defenderam, no final da
década de 1970, época de inflação elevada e dívida pública cres-
cente, a inserção, na Constituição norte-americana, de regras
que garantissem o equilíbrio orçamentário e a contenção do
crescimento da despesa pública. Em meados da década de 1990,

376
James M. Buchanan e Richard E. Wagner, Democracy in deficit. The
political legacy of Lord Keynes, p. 152. No original: “The nexus between
governmental outlays and the willingness of members of the public to
undergo the costs of these outlays was jettisoned. Taxes were to be levied
only for the purpose of preventing inflation”.
377
Idem, ibidem, p. 184.
378
Idem, p. 185. No original: “The restoration of the balanced-budget rule
will serve only to allow for a somewhat more conscious and careful wei-
ghting of benefits and costs. The rule will have the effect of bringing the
real costs of public outlays to the awareness of decision makers [...]”.
166 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

o Congresso americano esteve prestes a aprovar uma emenda


constitucional sobre o equilíbrio orçamentário que, após o as-
sentimento da ampla maioria nessa Casa Legislativa, foi rejeita-
da no Senado por um voto.379

5.2 Estabilidade orçamentária na União Europeia


A ideia de estabilidade orçamentária surgiu com mais força
na Europa, quando se projetava a moeda única e já se vislum-
brava, na União Europeia, um sistema de integração, do ponto
de vista político e constitucional. A estabilidade foi pensada não
somente para coordenar a política orçamentária dos membros,
mas também a própria política econômica destes.380
Com a assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992, foram
estabelecidos os critérios de disciplina orçamentária, cuidando de
limitações sobre o gasto público, realçando o papel estabilizador
do orçamento e, ao mesmo tempo, “a perda de controle pelos go-
vernos nacionais sobre a taxa de câmbio e a política monetária”.381
Por intermédio do Tratado de Amsterdam, de 1997, ins-
tituiu-se um “código comum de conduta fiscal”, que se ma-
terializou em dois aspectos, a saber: por um lado, o Pacto de
Estabilidade e Crescimento, que obrigou os Estados-membros
a conseguir um saldo próximo ou superior ao equilíbrio e, por
outro, estabeleceu o controle dos déficits públicos excessivos, a
ser executado pelo Conselho Europeu.382
Essas diretrizes se mantiveram, com algumas alterações,
nos anos seguintes, até que o Conselho Europeu não conseguiu

379
Cf. Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orça-
mento e finanças públicas, p. 395.
380
Miguel Ángel Martínez Lago, La reforma del régimen jurídico de la es-
tabilidad presupuestaria y el Tratado de Coordinación y Gobernanza en
la Unión Económica y Monetaria, p. 106.
381
Idem, ibidem, p. 106.
382
Idem, p. 106.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 167

impor as regras da estabilidade à França e à Alemanha, situação


que culminou com a manifestação do Tribunal de Justiça da
União Europeia, instado a dirimir o conflito entre a Comissão
das Comunidades Europeias e o Conselho a União Europeia.383
Em decorrência disso, abriu-se um caminho de maior flexibi-
lidade, tanto para determinar o objetivo orçamentário a médio
prazo dos Estados-membros como para o desencadeamento do
“procedimento de déficit excessivo”.384
Na Europa pós-Maastricht, a crise econômica e financeira
desatada em 2008 provocou um maior intervencionismo comu-
nitário, que foi restringindo, paulatinamente, a capacidade de
atuação autônoma dos Governos nacionais. Com isso revela-
-se a desaparição da já pequena separação que havia entre as
Constituições econômicas internas e a Constituição econômica
europeia. No dizer de Bárcena, a política econômica dos Esta-
dos-membros passou a converter-se em europeia “pela porta dos
fundos” do processo de coordenação orçamentária.385

383
Nessa contenda, travada no bojo do “Assunto C-27/04”, Comissão das
Comunidades Europeias vs. Conselho da União Europeia, referido Tri-
bunal decidiu, de forma salomônica, ao declarar a inadmissibilidade do
recurso da Comissão, dado que o seu objeto consistia em pedir a anula-
ção da não adoção pelo Conselho dos instrumentos formais contidos nas
Recomendações da Comissão e, simultaneamente, anular as Conclusões
do Conselho, de novembro de 2003, adotadas com relação à França e à
Alemanha, respectivamente, porquanto supunham uma decisão de sus-
pender o procedimento por déficit excessivo e uma decisão pela qual
se modificavam as Recomendações adotadas anteriormente pelo próprio
Conselho (Miguel Ángel Martínez Lago, La reforma del régimen jurídi-
co de la estabilidad presupuestaria y el Tratado de Coordinación y Go-
bernanza en la Unión Económica y Monetaria, p. 107).
384
Idem, ibidem, p. 107.
385
Cf. Josu de Miguel Bárcena, El gobierno de la economía en la Constitu-
ción Europea. Crisis e indeterminación institucional, apud Miguel Ángel
Miguel Ángel Martínez Lago, La reforma del régimen jurídico de la es-
tabilidad presupuestaria y el Tratado de Coordinación y Gobernanza en
la Unión Económica y Monetaria, p. 110.
168 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

5.3 Equilíbrio em que período de tempo?


Quando se fala da estabilidade, uma indagação, a nosso ver
importante, deve ser feita: o equilíbrio entre receitas e despe-
sas, quando aceito e/ou imposto, deve ser considerado em cada
exercício financeiro ou em um determinado ciclo plurianual. As
coisas mudam, conforme se reporte a um ou a outro período: às
vezes pode ser conveniente, necessário ou até mesmo imprescin-
dível ter um orçamento equilibrado em um determinado exercí-
cio, de qualquer forma e tomado em consideração isoladamente;
outras vezes, no entanto, dever-se-ia admitir o “desequilíbrio”
em um certo ano fiscal, retornando-se ao equilíbrio no seguinte.
Em outras palavras, parece mais adequado pugnar pelo equilí-
brio vislumbrando-se um ciclo plurianual, no seu todo, do que
insistir que isso ocorra todos os anos.
Avaliamos que dessa forma ainda se poderá falar em “esta-
bilidade orçamentária”, mesmo que tenha havido desequilíbrio
em algum momento desse ciclo.
Esse parece ser o espírito do “Pacto de Estabilidade e Cres-
cimento” europeu que, embora aluda à “estabilidade”, prevê
medidas para combater o “déficit excessivo”, ou seja, admite
(e permite) a possibilidade de que haja um certo déficit, o qual,
evidentemente, dentro de um certo prazo, deve ser debelado.
Dos consideranda desse Pacto, dirigidos à Comissão, ex-
trai-se que, após avaliar
[...] as medidas de impulso orçamentário e os programas de
estabilidade e convergência sobre a base das previsões atuali-
zadas,oferecerá orientação sobre a posição adequada, tendo
em vista os objetivos seguintes:
– garantir a reversibilidade das medidas que incrementam os
déficits a curto prazo;
– melhorar a concepção das políticas orçamentárias a médio
prazo mediante a consolidação das normas e quadros orça-
mentários nacionais;
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 169

– assegurar a sustentabilidade longo prazo das finanças pú-


blicas especialmente mediante a aplicação de reformas que
freiem o incremento dos gastos decorrentes do envelhecimento
da população (grifou-se).386
Depois do teor dessas “recomendações”, Germán Orón
Moratal entende que não resta nenhuma dúvida “sobre a impro-
cedência da aplicação dos valores de referência [para verificar a
obediência ou não aos limites de déficit] a um único ano, assim
como a flexibilidade da aplicação do PEC (Pacto de Estabilidade
e Crescimento)”.387

5.4 A estabilidade e o Parlamento


Outro ponto, importantíssimo, a nosso ver, quando se fala
de estabilidade orçamentária ou de equilíbrio orçamentário, é
aquele relativo ao papel do Parlamento nessa questão: os mem-
bros do Poder Legislativo, a exemplo do que ocorre com os do
Executivo, que são eleitos democraticamente pelo povo a quem
– ao menos em tese – representam, estarão, por força de qualquer
desses postulados, impedidos de legislar em sentido contrário a
estes? Em outras palavras, se a vontade popular, manifestada
formalmente na escolha dos representantes do dono da “coisa
pública”, tanto os que irão formar o Poder Legislativo quanto
os que comporão o Poder Executivo, for na direção de utilizar
o gasto público em sentido diferente do equilíbrio/estabilidade,
estarão impedidos de fazê-lo?
Parece-nos que a resposta há de ser negativa. Como já dis-
semos, o equilíbrio orçamentário, assim como o seu “apêndice”
mais moderno, que tem por nome “estabilidade”, são ideais a se-
rem atingidos, mais que princípios sem os quais os orçamentos
não existirão ou perecerão.

386
Conforme Germán Orón Moratal, El presupuesto estatal ante el derecho
comunitario: en especial, la bifurcación del principio de legalidad finan-
ciera al significado jurídico del estado de ingresos, p. 934-935.
387
Idem, ibidem, p. 935.
170 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Demais disso, como observam, muito apropriadamente,


Aguiar de Luque e Rosado Iglesias,
[...] se os representantes eleitos democraticamente não podem
transformar as suas propostas [planteamientos] ideológicas
(portanto, os queridos e escolhidos pelo corpo eleitoral) em po-
líticas concretas, o princípio democrático poderia ressentir-se,
o pluralismo político que prevê a Constituição veria reduzida
a sua operatividade e a chamada soberania orçamentária do
Parlamento seria também seriamente questionada.388
Os autores citados anteriormente assim se pronunciaram a
respeito da possível interpretação de um dispositivo legal que
introduzisse (à época – 2001) o princípio da estabilidade orça-
mentária, ou de entender que ele já se encontraria implícito na
Constituição espanhola.
O ponto de partida para a discussão ali desenvolvida refere-
-se ao art. 40 da Constituição daquele país, que dispõe:
Artículo 40
1. Los poderes públicos promoverán las condiciones favorables
para el progreso social y económico y para una distribución
de la renta regional y personal más equitativa, en el marco de
una política de estabilidad económica […].
À época não havia sido constitucionalizado esse princípio
[da estabilidade orçamentária], o que se deu mediante a alte-
ração do art. 135,389 motivando o exame, pela doutrina e pela
jurisprudência, acerca da possibilidade de entender implícito o
princípio da estabilidade no art. 40 ou de a lei infraconstitucional

388
Luis Aguiar de Luque e Gema Rosado Iglesias, La estabilidad presu-
puestaria y su eventual proyección en el estado de las autonomías, p. 25.
Disponível em: <http://revistasonline.inap.es/index.php?journal=CDP
&page=article&op=view&path%5B%5D=597&path%5B%5D=652>.
Acesso em: 23 set. 2013 (grifou-se).
389
“Artículo 135.1.Todas las Administraciones Públicas adecuarán sus actu-
aciones al principio de estabilidad presupuestaria.”
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 171

o prever. Sobre este último aspecto, os autores citados entendem


que, se isso ocorresse, o legislador
[…] habría suplantado y modificado la voluntad del consti-
tuyente, al dictar una norma meramente interpretativa que
otorga un único sentido a un principio que, a mayor abunda-
miento, no está explícitamente positivizado, y al que sólo cabe
reconocer una función de orientación programática, de ten-
dencia, sin mayor virtualidad; máxime cuando cabe encontrar
argumentos tanto para su admisión como para su negación.390
Sobressai aqui a ideia do equilíbrio orçamentário como
uma “tendência” a ser buscada ou, no máximo, um princípio “de
caráter programático”.

5.5 O que é, afinal, a “estabilidade orçamentária?”


Para João Ricardo Catarino, a estabilidade orçamentária “é
mais do que uma regra orçamental. Ela é um valor estruturante
das finanças púbicas modernas em face dos problemas atuais e
futuros que os défices excessivos vêm colocando aos Estados”.391
Parece que o ideal da estabilidade orçamentária já é um
objetivo a ser perseguido em todos os países, modernamente,
estando ou não constitucionalizado, ou mesmo instituído por lei.
Um ponto que normalmente não é enfatizado como de-
veria ser é o relativo a que a “estabilidade” tem que ocorrer
considerando-se as despesas, mas também as receitas. Deveras,
o fenômeno financeiro é um só, abrangendo as entradas e saídas
de dinheiro público. É o que também reforçam Aguiar de Luque

390
Luis Aguiar de Luque e Gema Rosado Iglesias, La estabilidad presu-
puestaria y su eventual proyección en el estado de las autonomías, p. 25.
Disponível em: <http://revistasonline.inap.es/index.php?journal=CDP
&page=article&op=view&path%5B%5D=597&path%5B%5D=652>.
Acesso em: 23 set. 2013.
391
João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 273.
172 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

e Rosado Iglesias, quando afirmam, com clareza meridiana, que


o princípio da estabilidade
[...]deve projetar-se sobre toda a atividade orçamentária, tanto
no relativo à previsão de gastos quanto à estimativa das receitas.
Pois, no orçamento, ambas as magnitudes estão relacionadas,
não são realidades isoladas uma da outra.392
É que a política orçamentária é elaborada – ou deve sê-lo
– em conjunto com as políticas econômica e fiscal. Na parte do
orçamento referente às receitas, dentre as quais as tributárias
estão no topo em termos de volume, estas já estão – devem, obri-
gatoriamente, estar – autorizadas por leis específicas, o que deve
ser levado em conta ao serem costurados os projetos de leis orça-
mentárias: objetivando alcançarem-se certos objetivos, deve-se
mensurar a suficiência – ou não – dos recursos para tanto.
Não adianta engendrar uma política tributária aproximada
da perfeição, com respeito à capacidade contributiva dos cida-
dãos, à progressividade, à justiça tributária, enfim, se não se tem
o mesmo apuro no tocante à política dos gastos que serão cober-
tos com tais recursos. No entanto, o contrário também deve ser
considerado, isto é, a preocupação com a justiça e economicida-
de, por exemplo, no que concerne à alocação de recursos, isola-
damente, não trará, a nosso ver, o almejado equilíbrio de contas.
Não basta o equilíbrio em cifras, exclusivamente contábil,
entre entradas e saídas de dinheiro público. Razões de cunho

Luis Aguiar de Luque e Gema Rosado Iglesias, La estabilidad presu-


392

puestaria y su eventual proyección en el estado de las autonomías, p. 26.


Disponível em: <http://revistasonline.inap.es/index.php?journal=CDP
&page=article&op=view&path%5B%5D=597&path%5B%5D=652>.
Acesso em: 23 set. 2013 (grifos nossos). [No original nota-se um flagran-
te engano, quando se diz: “el principio de estabilidad debe proyectarse
sobre toda la actividad presupuestaria tanto en lo relativo a la previsión
de los gastos como a la estimación de los gastos”. Aí, certamente, os au-
tores queriam significar “estimativa de receitas”, dado o contexto em que
foi redigida a passagem].
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 173

social, ou mesmo econômico, podem propiciar que haja necessi-


dade de quebrar, ainda que momentaneamente, esse equilíbrio,
seja mediante o aumento de tributos, seja por intermédio do
aumento de gastos, necessidade esta que pode ocorrer no meio
do processo orçamentário ou mesmo na fase de execução do
orçamento.
Na história recente presenciamos um retorno à aplicação
das ideias defendidas por Keynes, conforme se verá a seguir.

5.6 A crise de 2008 na Europa


Em decorrência da crise econômica que assola a Europa
(não somente, mas principalmente), a partir do ano de 2008,
os países da zona do euro, especialmente, tiveram de proceder
a inúmeras modificações na forma de condução da economia,
visando a debelar o déficit financeiro e a procurar meios de aque-
cer, novamente, a economia, sob pena, inclusive, de fazer fracas-
sar toda a expectativa criada, pela União Europeia em geral, com
a adoção do euro, como moeda única.
Não somente na Europa, mas também no país considerado
paradigma do capitalismo e da não intervenção do Estado, os
Estados Unidos, houve imensa injeção de recursos públicos na
economia, para procurar a saída dessa crise, que somente agora
(em 2013) começa a dar sinais de arrefecimento. (Aí percebe-
mos que a doutrina keynesiana ainda encontra eco no país por
excelência defensor a intervenção mínima do Estado.)
Alguns países, como a Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha,
sentiram de forma mais acentuada os efeitos da crise e necessita-
ram recorrer à ajuda financeira da União Europeia e a entidades
internacionais de financiamento, correndo o risco de serem de-
salojados da chamada “zona do euro”, o que, ao que parece, não
é de interesse nem desses mesmos países, nem da própria União
Europeia como um todo.
Na Espanha, a Constituição já foi objeto de emenda, como
se disse, a fim de que o princípio da “estabilidade orçamentária”
174 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

passasse a ter hierarquia constitucional, embora essa estabili-


dade já fosse necessária antes dessa modificação, para incluir o
país na zona do euro.
A Exposição de Motivos que acompanha referida emenda
constitucional deixa claro que:
[...] el Pacto de Estabilidad y Crecimiento tiene como finalidad
prevenir la aparición de un déficit presupuestario excesivo en
la zona euro, dando así confianza en la estabilidad económica
de dicha zona y garantizando una convergencia sostenida y
duradera de las economías de los Estados Miembros.393

393
Exposição de Motivos que precede o texto do novo art.135 da Constitui-
ção espanhola.
O atual dispositivo tem a seguinte redação:
“1. Todas las Administraciones Públicas adecuarán sus actuaciones al
principio de estabilidad presupuestaria.
2. El Estado y las Comunidades Autónomas no podrán incurrir en un
déficit estructural que supere los márgenes establecidos, en su caso, por
la Unión Europea para sus Estados Miembros.
Una ley orgánica fijará el déficit estructural máximo permitido al Estado
y a las Comunidades Autónomas, en relación con su producto interior
bruto. Las Entidades Locales deberán presentar equilibrio presupuesta-
rio.
3. El Estado y las Comunidades Autónomas habrán de estar autorizados
por ley para emitir deuda pública o contraer crédito.
Los créditos para satisfacer los intereses y el capital de la deuda pública
de las Administraciones se entenderán siempre incluidos en el estado de
gastos de sus presupuestos y su pago gozará de prioridad absoluta. Estos
créditos no podrán ser objeto de enmienda o modificación, mientras se
ajusten a las condiciones de la ley de emisión.
El volumen de deuda pública del conjunto de las Administraciones Públi-
cas en relación con el producto interior bruto del Estado no podrá superar
el valor de referencia establecido en el Tratado de Funcionamiento de la
Unión Europea.
4. Los límites de déficit estructural y de volumen de deuda pública sólo
podrán superarse en caso de catástrofes naturales, recesión económica
o situaciones de emergencia extraordinaria que escapen al control del
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 175

5.7 Pacto de Estabilidade e Crescimento


O Pacto de Estabilidade e Crescimento – Stability and
Growth Pact (SGP) é uma estrutura baseada em regras para a
coordenação das políticas orçamentárias nacionais na União Eu-
ropeia, consoante nos dá notícia o sítio da Comissão Europeia.394
Foi ele estabelecido para salvaguardar a solidez das finanças
públicas, com base no princípio de que as políticas econômicas
são uma preocupação partilhada por todos os Estados-membros.
O procedimento de desequilíbrios macroeconômicos (Macro-
economic Imbalances Procedure – MIP) atua com o Plano em
referência “para identificar e corrigir os desequilíbrios macro-
económicos e acompanhar a evolução da competitividade”.395

Estado y perjudiquen considerablemente la situación financiera o la sos-


tenibilidad económica o social del Estado, apreciadas por la mayoría ab-
soluta de los miembros del Congreso de los Diputados.
5. Una ley orgánica desarrollará los principios a que se refiere este artí-
culo, así como la participación, en los procedimientos respectivos, de los
órganos de coordinación institucional entre las Administraciones Públi-
cas en materia de política fiscal y financiera. En todo caso, regulará:
a) La distribución de los límites de déficit y de deuda entre las distintas
Administraciones Públicas, los supuestos excepcionales de superación
de los mismos y la forma y plazo de corrección de las desviaciones que
sobre uno y otro pudieran producirse.
b) La metodología y el procedimiento para el cálculo del déficit estructu-
ral.
c) La responsabilidad de cada Administración Pública en caso de incum-
plimiento de los objetivos de estabilidad presupuestaria.
6. Las Comunidades Autónomas, de acuerdo con sus respectivos Esta-
tutos y dentro de los límites a que se refiere este artículo, adoptarán las
disposiciones que procedan para la aplicación efectiva del principio de
estabilidad en sus normas y decisiones presupuestarias”.
394
European Comission. Economic and Financial Affairs. Stability and
Growth Pact. Disponível em: <http://ec.europa.eu/economy_finance/
economic_governance/sgp/index_en.htm>. Acesso em: 28 set. 2013.
395
Idem, ibidem.
176 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

No direito comunitário já se havia estabelecido o princípio


do “déficit público não excessivo”, pelo qual o déficit não deve-
rá ultrapassar 3% do PIB (Produto Interno Bruto) e a dívida, de
60% do PIB. No entanto, mediante o que dispõe o Tratado de
Estabilidade, Coordenação e Governança na União Econômica
e Monetária, firmado em 2 de março de 2012, passou-se a exigir
que a situação orçamentária de cada Estado seja de equilíbrio
ou de superávit, circunstância que se considera respeitada “se
o saldo estrutural anual das Administrações Públicas alcançar o
objetivo nacional específico a médio prazo, definido no Pacto de
Estabilidade e Crescimento revisado, com um limite inferior de
déficit estrutural de 0,5 por cento do PIB a preços de mercado”
(art. 3, 1, b).396
Para Germán Orón Moratal, uma consequência do princípio
de estabilidade e também o de equilíbrio397 seria que a relação
entre receitas e gastos é adequada quantitativamente quanto à
sua previsão, à sua execução e liquidação e que, da mesma forma
[...] que as operações de crédito não impliquem um excesso
com relação ao PIB, nem encubram um equilíbrio fictício
(necessidade de financiamento), isto é, que as receitas e gastos
se equilibrem socorrendo-se da dívida como recurso finan-
ceiro por insuficiência das restantes receitas previstas no
orçamento.398
Esse recurso ao endividamento também não passou desper-
cebido a Álvaro Rodríguez Bereijo, que reconhece que o Estado
se vê empurrado a isso, à vista do desequilíbrio econômico-
-financeiro, em cuja raiz se encontram o imenso crescimento do

396
Conforme Germán Orón Moratal, El control del equilibrio presupuesta-
rio en los distintos niveles de gobierno, p. 187.
397
Fazemos essa observação como a do autor, pois, segundo cremos, o equi-
líbrio orçamentário está alojado no denominado princípio da estabilida-
de.
398
Germán Orón Moratal, El control del equilibrio presupuestario en los
distintos niveles de gobierno, p. 189-190.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 177

gasto público e as crescentes dificuldades de obtenção de finan-


ciamento pelo Estado espanhol [por outros Estados europeus
também], agravados pela depressão econômica e os altos índices
de desemprego.399

5.8 Legislação europeia sobre estabilidade. Alguns


exemplos
Parece que essa nova legislação sobre Finanças Públicas,
que foi, de certo modo, imposta a países europeus – tenha-se
como exemplo a Lei Orgânica relativa às Leis de Finanças fran-
cesa, de 1.º de agosto de 2001, bem como a alteração do art. 135
da Constituição espanhola, que culminou com a edição da Lei
Orgânica (espanhola) 2/2012, de 27 de abril, de “estabilidade
orçamentária e sustentabilidade financeira” –, guarda inúmeros
aspectos de proximidade com a nossa “Lei de Responsabilidade
Fiscal” (Lei Complementar n. 101/2000).
Na Alemanha, o contrário de outras federações que não
possuem acordos formais para a coordenação da política fiscal
entre as diversas esferas de governo, há uma exigência consti-
tucional de que o gerenciamento orçamentário da Federação (a
nossa União) e o dos Länder (nosso Estados-Membros) levem
em conta a necessidade de macroequilíbrio (art. 109 da Consti-
tuição alemã – Grundgesetzt),400 do mesmo modo que prevê a
adoção de uma lei federal, aplicável à Federação e aos Länder,

399
Álvaro Rodríguez Bereijo, La reforma constitucional del artículo 135 CE
y la crisis financiera del Estado, p. 7.
400
A seguir, transcrevemos a parte do art. 109 da Constituição alemã (em
versão para o castelhano) que aqui interessa ressaltar:
“Artículo 109
[Gestión presupuestaria de la Federación y de los Länder]
(1) La Federación y los Länder son autónomos y recíprocamente inde-
pendientes por lo que respecta a su gestión presupuestaria.
(2) La Federación y los Länder deberán tener en cuenta en su gestión
presupuestaria las exigencias del equilibrio global de la economía.
178 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

visando a regular princípios orçamentários comuns e a assegurar


um planejamento financeiro plurianual.401
Desenvolvendo essas ideias, a Lei para a Promoção da
Estabilidade e Crescimento (Stabilitäts-und Wachstumsgesetz
– StWG), de 1967, passou a exigir a elaboração de planos quin-
quenais. Também cuidou de dispor sobre o gerenciamento fiscal
responsável, com o que tanto o Governo Federal quanto os Go-
vernos dos Länder foram obrigados a considerar objetivos de
cunho nacional ao formular as suas políticas econômica e fiscal.
A StWG claramente incorpora a teoria econômica keynesiana,
que foi amplamente aceita quando da sua promulgação em 1967.
Alguns dos seus dispositivos são objeto de críticas, por exem-
plo, o estabelecimento de um “fundo de reserva anticíclico”
(counter-cyclical reserve fund), imaginado para evitar o supera-
quecimento da economia, “que tem pouca importância” quando
um alto desemprego e um crescimento econômico abaixo do
potencial caracterizam a economia.402

5.8.1 Orçamento na Alemanha – Caso Berlim


Diferentemente do Brasil, que tem atualmente 24 Minis-
térios, além de 10 Secretarias, todas com status de Ministério,
e 05 órgãos gerais, também com status de Ministério,403 o que

(3) Por ley federal, que requiere la aprobación del Bundesrat, podrán fi-
jarse principios comunes para la Federación y los Länder, en lo que atañe
al Derecho presupuestario, a una economía presupuestaria que tenga em
cuenta las exigencias coyunturales y a una planificación financiera de
vários años. [...]”.
401
Cf. OECD The Legal Framework for Budget Systems – an international
comparison, p. 222. Disponível em: <http://www.oecd.org/gov/budge-
ting/43487903.pdf> . Acesso em: 6 out. 2013.
402
OECD The Legal Framework for Budget Systems – an international
comparison, p. 222. Disponível em: <http://www.oecd.org/gov/budge-
ting/43487903.pdf> . Acesso em: 6 out. 2013.
403
São eles: Advocacia-Geral da União, Casa Civil, Controladoria geral da
União, Gabinete de Segurança Institucional daPresidência da República
e Banco Central do Brasil).
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 179

totaliza 39 Órgãos máximos ligados à Presidência da República,


a Alemanha gere todos os assuntos da nação com 13 Ministérios.
No Brasil, a elaboração do orçamento é atribuição do Mi-
nistério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Na Alemanha,
tal tarefa cabe ao Bundesministerium der Finanzen, equivalente,
no Brasil, ao Ministério da Fazenda.
Existem diferenças expressivas entre o processo orça-
mentário no Brasil e na Alemanha, diferenças estas ditadas
basicamente pela forma distinta de governo entre os dois países
– a Alemanha segue o sistema de governo parlamentarista. O
processo orçamentário alemão é regido pela Grundgesezt –
GG (1949), Lei Fundamental da República Federal Alemã (a
sua Constituição), e pela Haushaltsgrundsätzegesetz – HGrG
(1969), Lei de Princípios Orçamentários.
Em cotejo com o que se verifica no Brasil, o processo orça-
mentário na Alemanha atende ao postulado da autonomia entre a
gestão da Federação e dos Estados. A regulamentação específica
para a elaboração dos orçamentos dos Estados é levada a efeito
pelos próprios Länder (Estados), muito embora estes devam
seguir os princípios gerais estipulados pela Constituição e pela
legislação infraconstitucional, devendo estar ajustada à conjun-
tura econômica e ao planejamento financeiro plurianual.404

“Art. 109 – [Gestión presupuestaria de la Federación y de los Länder]


404

(1) La Federación y los Länder son autónomos y recíprocamente inde-


pendientes por lo que respecta a su gestión presupuestaria;
(4) Para la defensa frente a una perturbación del equilibrio global de la
economía, se pueden adoptar por ley federal, que requiere la aprobación
del Bundesrat, disposiciones sobre:
1. las cantidades máximas, condiciones y orden cronológico de créditos
para la utilización de las corporaciones territoriales y las mancomunida-
des locales y
2. la obligación de la Federación y de los Länder a(de) mantener depósi-
tos que no devenguen intereses en el Banco Federal Alemán (reservas de
compensación coyuntural).
180 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

A possibilidade, portanto, de a Federação interferir no


processo orçamentário dos Estados está vedada constitucional-
mente, conservando a tradição da autonomia dos Estados em
detrimento de um poder centralizador – tradição esta que se
estende desde a unificação alemã empreendida por Otto von Bis-
marck. A preocupação com o equilíbrio orçamentário também
se encontra explícita no texto constitucional alemão, segundo a
qual o plano orçamentário deve prever o equilíbrio entre receitas
e despesas.405
O Governo Federal está autorizado pelo art. 111 da Consti-
tuição Federal a fazer despesas inclusive sem plano orçamentário
aprovado por lei. Isto ocorre quando o exercício financeiro houver
transcorrido e o plano orçamentário para o ano seguinte ainda não
tiver sido aprovado. Tais despesas devem, no entanto ser concer-
nentes à manutenção das instituições legalmente existentes, bem
como à execução de medidas legalmente aprovadas, ao cumpri-
mento de obrigações legalmente fundamentadas assumidas pela
Federação e para o prosseguimento de obras e prestação de ser-
viços para os quais já haja recursos previamente aprovados pelo
plano orçamentário imediatamente anterior. Esta norma reafirma
o princípio da separação dos Poderes e evita que o Poder Execu-
tivo fique refém de eventuais manobras políticas do Legislativo.
Toda e qualquer despesa superior, não prevista no plano or-
çamentário, exige aprovação do Bundesministers der Finanzen
(Ministério das Finanças) e a autorização somente é concedida
em casos de necessidade imprevista e indeclinável. Apesar des-
te ponto, previsto no art. 112 da Constituição Alemã, guardar
similitude com o art. 167, parágrafo terceiro, da Constituição
brasileira, segundo o qual se permite a “abertura de crédito ex-

Art. 110 [Plan presupuestario y ley de presupuesto de la Federación]


405

(1) Todos los ingresos y gastos de la Federación deberán figurar en el


presupuesto; en el caso de las empresas federales y de los patrimonios
especiales no necesitarán figurar más que las entradas o las entregas. El
presupuesto federal deberá ser equilibrado en sus ingresos y gastos”.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 181

traordinário” para “atender a despesas imprevisíveis e urgentes”,


na prática, os procedimentos são bastante distintos nos dois
países. No Brasil, a abertura de créditos extraordiários pode
ser efetuada por meio de Medida Provisória. Na Alemanha, a
eficácia técnica do art. 112 enfrenta barreiras estipuladas pela
Haushaltsgesetz, Lei Orçamentária anual.
Além disso, quando da prestação de contas, a análise das
contas públicas alemãs estão a cargo do Bundesrechnungshof,
o Tribunal de Contas Federal, uma autarquia federal autônoma
em relação aos três poderes – contrariamente ao que ocorre no
Brasil, onde as contas são apreciadas pelo Tribunal de Contas
da União, vinculado ao Poder Legislativo. À parte este tipo de
controle, que completa o círculo de escrutínio de todo o processo
orçamentário, o Poder Judiciário também tem desempenhado
importante papel na efetividade do processo orçamentário,
visando a atingir o equilíbrio preconizado pela Constituição
Federal Alemã.
Em 2006, o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Consti-
tucional Alemão) chegou a uma decisão emblemática quando
interferiu pontualmente no plano orçamentário da cidade de
Berlim que, endividada, moveu uma ação para ver reconhecido
o seu direito ao recebimento de verbas suplementares, nos ter-
mos do art. 107, § 2, da Constituição. Desde então, o controle do
processo orçamentário pelo Poder Judiciário tem gerado efeitos
mais ou menos drásticos no plano social. O artigo estabelece
que:
Art. 107. (2) Se garantizará mediante ley que quede debi-
damente compensada la desigual capacidad financiera de
los Länder; a tal fin se tendrán en cuenta la capacidad y las
necesidades financieras de los municipios (asociaciones de
municipios). En la ley se determinarán las condiciones para
los derechos de compensación de los Länder con derecho a ella
y para los deberes de compensación de los Länder obligados
a hacerla efectiva, así como los critérios para la fijación de la
cuantía de las prestaciones de compensación.
182 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Dicha ley podrá determinar asimismo que la Federación con-


ceda de sus propios recursos asignaciones a los Länder de
capacidad reducida para cobrir a título complementario sus
necesidades financieras generales (asignaciones complemen-
tarias).
Exatamente com base neste artigo, foi formulado o pedido
de concessão de verbas suplementares para a cidade de Berlim,
conforme indicam as razões do processo judicial. A alocação de
verbas para a cidade foi condicionada pelo Bundesverfassun-
gsgericht à alteração de seu plano orçamentário.406 A decisão
proferida nos autos do processo impõe a intensificação do corte
de gastos para compensar déficits orçamentários. Com um défi-
cit bastante expressivo – naquela ocasião mais de 61 bilhões de
euros – a capital alemã já detinha o título de “cidade mais pobre”
do país e foi instada, por decisão da Corte Suprema, a modificar
sua política orçamentária, sob pena de não poder ser contempla-
da pelos fundos suplementares do Governo Federal, nos termos
da Constituição.
Berlim, que já passava por reformas significativas empreen-
didas pelo Poder Executivo, foi obrigada a implementar soluções
orçamentárias ainda mais drásticas, não só para cortar despesas,
mas também para intensificar a percepção de rendimentos, exa-
tamente nos termos estipulados pelo Poder Judiciário. Os cortes
mais incisivos ficaram circunscritos a serviços públicos funda-
mentais, além de programas de bem-estar social e educação,
enquanto a percepção de rendimentos passou por modificações
de vulto, especialmente no setor de turismo, impulsionado pela
realização de eventos esportivos e culturais, além da venda para
a iniciativa privada de dezenas de milhares de imóveis de pro-
priedade da prefeitura.
Portanto, a ação política do Poder Executivo, e conse-
quentemente a lei orçamentária, foram instadas a se adequar ao

Entscheidung: BVerfG, 2 BvF 3/03 vom 19.10.2006, Absatz-Nr. (1 –


406

256).
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 183

estabelecido pela Corte Constitucional, com o fito de fazer jus


ao recebimento dos subsídios federais adicionais, sem os quais
as contas públicas da cidade resvalariam para um cenário ainda
mais prejudicial. A decisão da Corte Constitucional foi muito
criticada por diversos setores da sociedade, pois o resultado
prático dos cortes, além, evidentemente, da disciplina orçamen-
tária, foi o crescimento expressivo da pobreza.
A decisão do Bundesverfassungsgericht foi, como disse-
mos, emblemática e importante sob vários aspectos. Em pri-
meiro lugar, ela tece críticas ao processo orçamentário não só
de Berlim, mas de todos os dezesseis Estados alemães e suas
determinações aplicam-se a todos os Estados endividados, im-
plementando um regime conservador de austeridade fiscal. Na
prática, o repasse dos subsídios federais suplementares para os
Estados pobres fica impossibilitado, o que foi muito festejado
pelos Estados mais abastados.
Além disso, o próprio Tribunal Constitucional sugere onde
os cortes poderiam ser efetuados, ao criticarem, por exemplo, o
investimento maciço de Berlim em universidades e instituições
culturais e científicas, complementando com a apologia da pri-
vatização, ao indicar que Berlim intensificasse o seu programa
de venda de imóveis públicos. Em outras palavras, a decisão da
Corte representa um relevante golpe no postulado da autonomia
dos Estados quanto ao processo orçamentário.

5.9 Equilíbrio orçamentário e estabilidade orçamentária


Na União Europeia fala-se muito, atualmente, como se viu,
em “estabilidade orçamentária”, tanto assim que legislações fo-
ram editadas ou alteradas com essa denominação.
Seria a estabilidade orçamentária o mesmo que “equilíbrio”
orçamentário, nosso velho conhecido?
Parece que a atual crise econômica, vivenciada especial-
mente pelos países europeus, ressuscitou o princípio – da época
liberal – do equilíbrio orçamentário, dando-lhe outro nome e
184 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

outra roupagem: a “estabilidade orçamentária”, presente nos


tratados europeus que buscam impor aos países-membros certo
controle de suas finanças públicas, especialmente àqueles per-
tencentes à “zona do euro”.
Como averbam Luis Aguiar e Gema Rosado,407 “sobrevoan-
do” alguns postulados liberais, tais como a limitação dos gastos
públicos, a redução da presença pública em setores estratégicos
até então a ela reservados, percebe-se “um renascer da velha
noção de equilíbrio orçamentário”, agora sob a renovada ex-
pressão “estabilidade orçamentária”. Note-se que a observação
consta de um texto de 2001, anterior, portanto, ao estalar da crise
de 2008 e também da modificação do art. 135 da Constituição
espanhola, que introduziu expressamente o princípio da “estabi-
lidade orçamentária”.408
Quer-se aqui chamar a atenção para o fato de que impor o
equilíbrio orçamentário, ou mesmo a denominada “estabilida-
de” orçamentária, nem sempre é adequado, não só do ponto de
vista econômico, mas também pelo prisma jurídico.
Para Violeta Ruiz, tratando do contexto da União Europeia,
o significado econômico das noções de estabilidade e equilíbrio
das finanças públicas deve partir
[...] del amplio debate entre dos posturas en apariencia irre-
conciliables, desarrolladas durante buena parte del siglo XX:
el análisis de las implicaciones del gasto público como motor
del crecimiento económico (J. M. Keynes) y la relevancia de

407
Luis Aguiar de Luque e Gema Rosado Iglesias, La estabilidad presu-
puestaria y su eventual proyección en el estado de las autonomías, p. 25.
Disponível em: <http://revistasonline.inap.es/index.php?journal=CDP
&page=article&op=view&path%5B%5D=597&path%5B%5D=652>.
Acesso em: 23 set. 2013.
408
“Art. 135, 1.Todas las Administraciones Públicas adecuarán sus actua-
ciones al principio de estabilidad presupuestaria.”
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 185

la política monetaria para incidir en ese mismo crecimiento


(M. Friedman).409
A mesma autora acima citada extrai importante conclusão
acerca da adoção da estabilidade orçamentária, afirmando que,
se esta não foi o único elemento, foi o principal elemento catali-
sador do processo de integração de políticas econômicas.410

5.10  O “equilíbrio” no Brasil

5.10.1 Equilíbrio no orçamento


No Brasil, a referência legislativa ao equilíbrio orçamentá-
rio vem dada pela Lei Complementar n. 101/2000, que já no seu
art. 1.º, § 1.º, dispõe:
A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada
e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios
capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o
cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas
e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia
de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade
social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações
de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de
garantia e inscrição em Restos a Pagar.
E o art. 4.º, I, a, arremata:
Art. 4.º A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto
no § 2.º do art. 165 da Constituição e:
I – disporá também sobre:

409
Violeta Ruiz Almendral, La reforma constitucional a la luz de la estabi-
lidad presupuestaria, p. 91-92, ISSN: 1138-2848. Disponível em <http://
revistasonline.inap.es/index.php?journal=CDP&page=article&op=vie
wFile&path%5B%5D=9974&path%5B%5D=10283>. Acesso em: 30
out. 2013, p. 92.
410
Idem, ibidem, p. 92.
186 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

a) equilíbrio entre receitas e despesas;


[...]411
Esclareçamos, em primeiro lugar, que utilizaremos a ex-
pressão “equilíbrio orçamentário” como sinônima de “equilíbrio
fiscal” ou “equilíbrio entre receitas e despesas”.412
Para Weder de Oliveira, a noção de equilíbrio orçamentá-
rio [ainda que implícita] contida na Constituição é a de que no
orçamento anual o total das despesas fixadas seja igual ao das
receitas previstas.413 Isto está, de forma esparsa, indicado no
texto constitucional, especialmente nos arts. 166, § 3.º, II, 167,
incisos II, V e VII.414

411
Sem contar que a Lei 4.320/1964, ao cuidar da execução orçamentária,
também se refere ao equilíbrio, mas com outras consequências. É o teor
do art. 48, no capítulo relativo à “Programação da Despesa”:
“Art. 48 A fixação das cotas a que se refere o artigo anterior atenderá aos
seguintes objetivos:
b) manter, durante o exercício, na medida do possível o equilíbrio entre a
receita arrecadada e a despesa realizada, de modo a reduzir ao mínimo
eventuais insuficiências de tesouraria”.
412
Weder de Oliveira, na mesma linha, afirma que “o equilíbrio entre re-
ceitas e despesas pode também ser referenciado como equilíbrio orça-
mentário, equilíbrio fiscal ou controle fiscal” (Curso de responsabilidade
fiscal: direito, orçamento e finanças públicas, p. 385).
413
Idem, ibidem, p. 385.
414
Dispõem esses artigos:
“Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes
orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apre-
ciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento
comum.
[...]
§ 3.º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos
que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
I – sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes
orçamentárias;
II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes
de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre [...]”.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 187

Os mencionados dispositivos colaboram para formar a


ideia central a propósito da matéria, qual seja a de que “a con-
cessão de crédito orçamentário (fixação de despesa) deve estar
lastreada em fonte de recursos devidamente identificada (pre-
visão de receita)”.415 Esta parece uma noção simples, lógica e
efetivamente correspondente à ideia de equilíbrio de contas.
O que costuma acontecer, na realidade [brasileira, ao me-
nos], entretanto, é que o equilíbrio é frequentemente forjado,
mediante a previsão otimista de arrecadação ou pela “subestima-
tiva irresponsável”416 de despesas.
Não se pode creditar, no entanto, sempre, a decisões po-
líticas “insinceras, casuísticas ou oportunistas”417 essa incom-
patibilidade entre a realidade e o que consta formalmente do
orçamento. Deve-se reconhecer que deficiências técnicas e
instrumentais dos entes federados contribuem em grande me-
dida a esse descompasso. Segundo Oliveira, a situação relatada

“Art. 167. São vedados:


[...]
II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que
excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
[...]
V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização
legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;
[...]
VII – a concessão ou utilização de créditos ilimitados.”
415
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 385.
416
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 385. O autor dá como exemplos dessa subesti-
mativa responsável: despesas obrigatórias, despesas de funcionamento,
despesas com execução regular de contratos, despesas com expansão e
implementação de programas. “Ou por composição de ambas as práticas
contrárias ao princípio da sinceridade e absolutamente deletérias para a
sanidade do processo orçamentário.”
417
Idem, ibidem, p. 386.
188 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

decorre também da complexidade econômica e organizacional


de cada nível de governo, “tornando as margens de erro maiores
quando não se dispõem de técnicas mais sofisticadas de previsão
e controles tecnologicamente avançados e mais apurados das
despesas”.418
Não é difícil perceber que a insuficiência de recursos (reais)
no correr da execução orçamentária, ou porque a arrecadação
não cobriu as expectativas, ou porque as despesas foram subes-
timadas com relação à arrecadação, ou, ainda, pela conjugação
desses dois fatores, provoca certas situações que estamos acos-
tumados a ver: obras paralisadas, liberação de recursos no final
do ano, inscrição volumosa em “restos a pagar” etc.419
Queremos nos deter no segundo dos exemplos acima apon-
tados – a liberação de recursos no final do ano –, pois é uma das
situações recorrentes que presenciamos, ao menos no âmbito da
União e do Estado de São Paulo (embora tenhamos a forte intui-
ção de que isso se alastra pelas demais entidades federativas do
País). Com efeito, todos os anos, é como se o governo represasse
os recursos orçamentários até mais ou menos meados do mês
de novembro e, depois, os liberasse, de uma só vez, para que
a Administração pudesse pôr em prática tudo o que não tinha
conseguido até então, em poucos dias. Consequência disso é,
v.g., a realização apressada de licitações, a corrida para o empe-
nhamento antes do final, da execução orçamentária, previsto em
decreto, o que acaba desaguando no terceiro exemplo acima – a
inscrição volumosa na conta “restos a pagar” etc.
Este é, no entanto, um problema que classificaríamos como,
ao mesmo tempo, “congênito” e “crônico” (que se nos perdoe a
linguagem médica) que, esperamos, seja paulatinamente supe-
rado.

418
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 386.
419
Exemplos trazidos pelo autor citado, p. 386.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 189

5.10.2 O equilíbrio orçamentário e o princípio federativo


Queremos ressaltar aqui uma questão de fundo acerca do
equilíbrio orçamentário. É a sua relação com o princípio fede-
rativo.
Com base no art. 4.º, I, a, da Lei de Responsabilidade Fiscal
acima transcrito, tem-se, a princípio, a impressão de que essa
lei, ao obrigar que a Lei de Diretrizes Orçamentárias disponha
sobre o equilíbrio entre receitas e despesas, estaria obrigando,
ipso facto, que todos os entes da federação tenham orçamento
equilibrado.
Tenha-se presente que a Lei Complementar n. 101/2000 foi
editada com fundamento nos arts. 163, I, e 165, § 9.º, ambos da
Constituição Federal.420-421 Sendo assim, pretende-se que ela se
aplique a todos os entes federativos, já que é considerada como
“lei de normas gerais” sobre Direito Financeiro. Aliás, ela pró-
pria se apressa em dizer que se aplica também a Estados, Distrito
Federal e Municípios, conforme o § 2.º do art. 1.º, verbis: “As
disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Esta-
dos, o Distrito Federal e os Municípios”.
Ressalte-se, outrossim, que legislar sobre Direito Finan-
ceiro está na faixa da competência concorrente entre a União,
os Estados e o Distrito Federal (art. 24, I, da CF). No entanto,
quando a União legislar sobre essa matéria, limitar-se-á a dispor

420
“Art. 163. Lei complementar disporá sobre:
I – finanças públicas.”
421
“Art. 165. [...]
[...]
§ 9.º Cabe à lei complementar:
I – dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração
e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e
da lei orçamentária anual;
II – estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administra-
ção direta e indireta, bem como condições para a instituição e funciona-
mento de fundos.”
190 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

sobre “normas gerais” (art. 24, § 1.º, da CF). Destarte, não há


dúvidas de que a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LC
101/2000), tratando de “normas de finanças públicas voltadas
para a responsabilidade na gestão fiscal”, como atesta o seu art.
1.º, caput, aplica-se, além de à União, a Estados-Membros, ao
Distrito federal e aos Municípios. Não porque ela o diz, mas
porque a Constituição assim determina.
Por outro lado, não se pode olvidar, nunca, que o Brasil é
uma federação. Esta pressupõe que os entes federados sejam au-
tônomos, embora não soberanos, e que possam cuidar dos seus
próprios assuntos, materiais e legislativos, sem a interferência
dos outros entes que compõem essa Federação. Quando acon-
tece de alguém “de fora” interferir nessa autonomia, é somente
porque a Constituição contempla alguma exceção. No Estado
brasileiro, uma dessas “exceções” é a possibilidade de o legisla-
dor da União, embora atuando aí em nome da nação brasileira,
edite “normas gerais” sobre determinadas matérias e essas nor-
mas valham para todos os entes federados.
“Normas gerais” existem em Direito Financeiro, Direito
Tributário, Direito Econômico, orçamento (art. 24, I e II, da CF),
licitação (art. 22, XXVII). No intuito de uniformizar a legisla-
ção a fim de evitar maior complexidade do que essas matérias já
contêm, o constituinte decidiu criar essa figura, cujos conteúdo
e alcance até hoje não foram total e definitivamente assentados
pela doutrina.
Portanto, se, de um lado, a Constituição prevê a edição de
normas gerais sobre uma determinada matéria, a ser editada pelo
legislador da União, de outro lado, continua subjacente, na mesma
Constituição, o princípio federativo. Daí que, considerando-se a
existência dessas normas gerais como “exceção” ao princípio fede-
rativo, ou, melhor, de mitigação desse princípio, deve ser interpre-
tada – a possibilidade de criar “normas gerais” – restritivamente.
O grande Geraldo Ataliba, após alentada explanação dos
princípios federativo e da autonomia municipal, traz seu enten-
dimento sobre as normas gerais:
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 191

[...] pode-se afirmar que as normas gerais editadas pelo Estado


federal não são superiores às leis federais, estaduais e muni-
cipais. São únicas, no seu campo, como únicas no seu campo
são estas. A interpretação dos preceitos constitucionais defi-
nidores do campo das normas gerais há de ser restritiva. Tais
normas não podem invadir a área de competência legislativa
dos Estados e Municípios.422
Em poucas palavras, o que procuramos dizer é que não se
deve simplesmente aceitar qualquer regra trazida por uma lei
de “normas gerais” pelo mero fato de esta lei arvorar-se em ser
portadora de normas gerais. Pode suceder que algum dispositivo
da lei não se enquadre no conceito de norma geral e, aí, então,
não será obrigatório para outros entes federativos que não a
União (esta porque o legislador que editou a lei coincide com o
legislador dessa pessoa política). Em todo caso, não se entrará
aqui no conceito ou no alcance do que seja uma norma geral”
no sentido constitucional. Partiremos do pressuposto de que o
preceito estampado no art. 4.º, I, a, da Lei de Responsabilidade
Fiscal constitui norma geral de Direito Financeiro. A questão
aqui sujeita à verificação é a da compatibilidade desse dispositi-
vo com o princípio federativo.
Podemos, assim, enunciar do seguinte modo a questão que
nos preocupa: estariam os Estados-Membros, o Distrito Federal
e os Municípios obrigados a elaborar os seus respectivos orça-
mentos sempre com a existência de equilíbrio entre receitas e
despesas, conforme determinado pelo art. 4.º, I, a? Podem esses
entes ser obrigados a sujeitar-se a este preceito, em face do prin-
cípio federativo?
Imagina-se que o equilíbrio das contas públicas é desejo
(ou deveria ser) de todo administrador público. Pense-se, po-
rém, na possibilidade de um governador de Estado entender que,
para aquecer a economia do seu Estado, fosse necessário injetar

Geraldo Ataliba, Normas gerais na Constituição – leis nacionais, leis fe-


422

derais e seu regime jurídico, p. 41 (grifou-se).


192 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

recursos públicos em quantidade maior do que o orçamento per-


mite sem se “desequilibrar”. Estaria ele impedido de fazê-lo por
força da imposição contida no preceito legal retromencionado?
À primeira vista, a resposta imediata seria afirmativa.
Afinal, há uma lei complementar federal que trata do assunto,
lei essa que obriga Estados e Municípios; o equilíbrio é um
princípio orçamentário, a política econômica, no geral, deve ser
elaborada pela União etc.
Em uma análise mais aprofundada, no entanto, ter-se-ia que
ponderar o fato de que esse Governador foi eleito tão democrati-
camente quanto o Presidente da República e, ao menos em tese,
o povo do Estado o elegeu em razão do plano de governo por ele
proposto e para que ele bem executasse esse plano. Assim, se
lhe parecer útil ao interesse público daquele Estado que ele pro-
ponha um orçamento deficitário em um determinado exercício
financeiro, será que ele não poderia fazê-lo?
A nosso ver, outros impeditivos poderiam ser cogitados
para levar a que ele assim procedesse, por exemplo, aqueles
constantes das limitações ao endividamento, referidas no art. 52
da Lei Maior,423 especialmente em seus incisos V, VI, VII e IX.

“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:


423

[...]
V – autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municí-
pios;
VI – fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para
o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Fe-
deral e dos Municípios;
VII – dispor sobre limites globais e condições para as operações de cré-
dito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Po-
der Público federal;
[...]
IX – estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida
mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 193

Não nos parece, contudo, que o art. 4.º da LRF teria o condão
de inibir a elaboração de orçamento na forma anteriormente
ilustrada.

5.10.3 Equilíbrio na execução do orçamento


Coisa distinta, parece-nos, é a manutenção do equilíbrio
na execução do orçamento. Voltamos, aqui, ao art. 9.º da LRF,
que oferece remédio para a situação de a arrecadação ser infe-
rior à prevista em um período determinado e que isso ameace
o cumprimento das metas estabelecidas no Anexo de Metas
Fiscais. Nessa hipótese, haverá limitação de empenho, ou seja,
por um período não se poderá gastar (e, portanto, empenhar), ou
somente se poderá fazê-lo até certo patamar, até que as coisas se
normalizem (que a arrecadação esperada aconteça).
Em termos gerais, o equilíbrio na execução orçamentária
já vem consignado na Lei n. 4.320/1964, no Capítulo referente
à programação da despesa – arts. 47 a 50.424 A esse propósito
salientamos a observação de Weder de Oliveira, no sentido de

424
Da Programação da Despesa
“Art. 47. Imediatamente após a promulgação da Lei de Orçamento e com
base nos limites nela fixados, o Poder Executivo aprovará um quadro de
cotas trimestrais da despesa que cada unidade orçamentária fica autori-
zada a utilizar.
Art. 48. A fixação das cotas a que se refere o artigo anterior atenderá aos
seguintes objetivos:
a) assegurar às unidades orçamentárias, em tempo útil a soma de recur-
sos necessários e suficientes a melhor execução do seu programa anual
de trabalho;
b) manter, durante o exercício, na medida do possível o equilíbrio entre
a receita arrecadada e a despesa realizada, de modo a reduzir ao mínimo
eventuais insuficiências de tesouraria.
Art. 49. A programação da despesa orçamentária, para feito do disposto
no artigo anterior, levará em conta os créditos adicionais e as operações
extra-orçamentárias.
194 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

que os citados dispositivos, para mais de prestigiarem o equilí-


brio na execução do orçamento, procuram garantir recursos “em
tempo útil” para que os respectivos órgãos cumpram o previsto
no orçamento.425 De fato, mediante a distribuição dos recursos
sob a forma de cotas trimestrais, facilita-se muito o trabalho os
agentes públicos no acompanhamento do cumprimento da pro-
gramação orçamentária se esta distribuição for feita como deter-
mina a lei, o que usualmente não ocorre. E a lei é clara ao dizer
que “o Poder Executivo aprovará um quadro de cotas trimestrais
da despesa que cada unidade orçamentária fica autorizada a uti-
lizar” (art. 47, caput).

5.11 Equilíbrio em que sentido?


Talvez a mais sensata maneira de entender o “equilíbrio
orçamentário” seja a mais singela e lógica e, aí, passível de ser
aplicada em todas as situações implícitas ou explícitas na legis-
lação: deve haver sempre o volume de receitas suficientes para
satisfazer os gastos. Para todo débito deve haver um crédito
correspondente e, espera-se, vice-versa. Explica-se esta última
parte da frase: pode ser que se poupem recursos em um determi-
nado exercício financeiro para aplicá-los em exercícios menos
abundantes economicamente; nessa hipótese, a receita superará,
evidentemente, a despesa. A regra, no entanto, é a de que somen-
te se devam arrecadar tributos para custear os gastos necessários
à sociedade, de acordo com as escolhas que esta realizou.
Em verdade, isso nada mais é do que o óbvio, pois não
se pode gastar à falta de recursos para tanto. Se esses recursos
provierem da arrecadação de tributos, de empréstimos ou de

Art. 50. As cotas trimestrais poderão ser alteradas durante o exercício,


observados o limite da dotação e o comportamento da execução orça-
mentária”.
425
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 387.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 195

emissão de moeda, pouco importa, para os efeitos de considerar


o orçamento equilibrado na acepção proposta.
De toda sorte, podemos considerar o equilíbrio nos três mo-
mentos do processo orçamentário, quais sejam o da sua elabo-
ração, o da execução e o da sua avaliação. Este último, em rigor,
seria o correspondente a um balanço.426
Quando da elaboração do orçamento, deve-se prever o
equilíbrio entre receita e despesas, calculando tantas despesas
quantos serão os recursos para cobri-las. Nesse ponto, consoante
observa Caldas Furtado,
os projetos orçamentários apresentam formalmente sempre
receitas iguais a despesas; acontece que os déficits orçamen-
tários, quando existem, estão acobertados com a previsão de
operações de crédito a serem contratadas.427
Do mesmo modo, na fase de execução orçamentária, deve-
-se procurar manter o equilíbrio, com base nos elementos e
caminhos apresentados pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nesse período, as contas serão monitoradas, de modo que, iden-
tificada uma tendência ao desequilíbrio, tomar-se-ão as medidas
necessárias para que o equilíbrio seja restabelecido.
Por fim, na fase posterior ao exercício financeiro, se saberá
se houve déficit, superávit428 ou equilíbrio (o que dificilmente
sucederá).
A título de curiosidade, transcrevem-se a seguir as “Razões
de Veto” ao art. 43 da Lei n. 4.320/1964, referente à abertura de
créditos suplementares e especiais, veto este que foi derrubado

426
Lei 4.320/1964: “Art. 102. O Balanço Orçamentário demonstrará as re-
ceitas e despesas previstas em confronto com as realizadas”.
427
J. R. Caldas Furtado, Elementos de direito financeiro, p. 89.
428
Para a Lei 4.329/1964, superávit financeiro é “a diferença positiva entre
o ativo financeiro e o passivo financeiro, conjugando-se, ainda, os saldos
dos créditos adicionais transferidos e as operações de crédito a eles vin-
culadas” (art. 43, § 2.º).
196 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

pelo Congresso Nacional, mas em cujas razões se vê refletido


um pouco da realidade financeira brasileira da época, relativa-
mente ao equilíbrio do orçamento:
A despeito da tenaz luta encetada desde alguns decênios pelo
setor público em matéria financeira, nas suas três esferas de
governo, poucas vezes este apresentou orçamento equilibra-
do, visto serem normalmente superados os incrementos de
arrecadação pela desproporcionalidade da contrapartida dos
gastos públicos.
Portanto, condicionar-se como disponibilidades para novas
despesas os prováveis excessos de arrecadação em exercícios
marcados pelo déficit, sem qualquer inclinação, por ora, para
o equilíbrio, constituiria fuga à realidade financeira.
Saliente-se ainda a irrealidade e o artificialismo no tocante às
estimativas da receita, a que poderá ser levada a administração
financeira caso admitidas algumas definições compreendidas
nos parágrafos do dispositivo vetado.

5.12 Equilíbrio e dívida pública


Está-se referindo aqui ao conceito “clássico’ de equilíbrio.
Nesse sentido, o orçamento deve ser equilibrado unicamente
com o manejo da tributação e dos gastos, não sendo admitido
o endividamento. Essa verdadeira ojeriza ao endividamento
público, acrescida da repulsa à intervenção do Estado na vida
da sociedade (em princípio em inúmeros aspectos, que não só
o econômico), é própria do liberalismo, que prevaleceu, grosso
modo, até o início do século XX, ao menos na sua forma mais
radical, se é que se pode assim dizer.
Logo após, com o surgimento do Estado do Bem-Estar
(Welfare state), o liberalismo clássico cedeu o passo a um ideal
mais preocupado com o aspecto social das nações em geral, no
qual se pode dizer, pelo prisma econômico, que o keynesianismo
prevaleceu, sob diversas roupagens, porém mantendo a essência.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 197

Já a partir do final dos anos da década de 1970, entrando


na de 1980, instalou-se o, por alguns denominado, “neolibe-
ralismo”, corrente que, embora se considere liberal, aceita al-
guns ingredientes trazidos posteriormente à fase do liberalismo
clássico, como algo do Estado intervencionista e controlador e
formas de protecionismo estatal.
Nos dias atuais, a nosso ver, o mundo encontra-se em uma
fase de transição – não se sabe, ainda, em direção a que exata-
mente –, em que se podem vislumbrar acenos de retorno a uma
ampliação da intervenção do Estado na economia (pense-se no
volume de recursos públicos injetados na economia dos Estados
Unidos e da União Europeia).
Com essa pequena digressão pretendemos realçar a noção
de que a forma de encarar o endividamento público – e, conse-
quentemente, o reflexo disso no equilíbrio orçamentário – varia
de acordo com o momento político em que se encontra uma
sociedade.
Desde a aceitação, em maior ou menor medida, das ideias
gerais preconizadas por Keynes, a verdadeira aversão pela dívi-
da pública foi amainada pela potencialidade de benefícios que
o endividamento público pode proporcionar a um país. Como
afirma Weder de Oliveira,
[...] Desde então, os governos recorrem ao endividamento para
desenvolver as políticas de desenvolvimento [sic] econômico-
social, e controle macroeconômico. A questão central passa
a ser como controlar a dívida pública.429
Esse mesmo autor também se refere a um princípio do equi-
líbrio orçamentário moderno, que para ele pode ser denominado
de “princípio do endividamento sustentável”.430

429
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 392 (sem grifos no original).
430
Idem, ibidem, p. 396.
198 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

5.13 A “regra de ouro”


Tema relacionado ao equilíbrio é o trazido pela menção,
especialmente por parte dos economistas, da denominada “regra
de ouro’ das finanças.
Fala-se de “regra de ouro” do orçamento no mesmo senti-
do que se refere a ela em qualquer outro âmbito, científico ou
não. Na religião, por exemplo, temos o preceito que reza: “tudo
quanto quereis que os outros vos façam, fazei também a eles”
(Mateus 7:12), que teria sido transmitido por Jesus Cristo. Não
somente o cristianismo, como também o budismo, o judaísmo, a
filosofia grega, Confúcio e outros, de uma forma ou de outra se
reportam a esta máxima, como sendo, talvez, a mais importante
recomendação a um discípulo de como levar a vida.
Debaixo da denominação “regra de ouro” vamos encontrar
a referência ao fundamento mais importante de uma ciência, re-
ligião e que tais. Quando se alude a essa expressão está-se reme-
tendo a algo que é visto como o fundamento daquela atividade,
ciência, religião etc.
Pois bem, quando se trata de finanças públicas também é
comum encontrar referências à “regra de ouro”, especialmente
no que concerne ao orçamento, à qual se denomina, portanto,
“regra de ouro orçamentária”.
Mais frequentemente nos deparamos com a alusão a esta re-
gra como significando que o empréstimo de dinheiro aos cofres
públicos não deve servir para financiar despesas correntes. É
isso o que diz, em outros termos e, a contrario sensu, o art. 167,
III, da Constituição da República.
Isso não obstante, pensamos que, em matéria orçamentária,
outra possível “regra de ouro” é a do equilíbrio entre receitas e
despesas, que abrange a anterior, mas que com ela não se con-
funde.
De todo modo, começaremos por tratar da primeira delas, a
prevista no art. 167, III, da CF.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 199

Regra de ouro I – o Estado não deve contrair dívida


para custear despesas correntes
Esta “regra de ouro” expressa o objetivo de procurar evitar-
-se o pagamento de despesas correntes com recursos decorrentes
de emissão ou contratação de novo endividamento.
O citado preceito constitucional reza:
Art. 167. São vedados:
[...]
III – a realização de operações de créditos que excedam o
montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas
mediante créditos suplementares ou especiais com finali-
dade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria
absoluta.
Ricardo Lobo Torres informa que este dispositivo,
que se propõe a limitar o endividamento público [...] inspirou-
se no art. 115 da Constituição da Alemanha, que também proíbe
os créditos superiores aos gastos de investimento (Ausgaben
für Investitionen).431

Ricardo Lobo Torres, Tratado de Direito Constitucional Financeiro e


431

Tributário, vol. V: o Orçamento na Constituição, p. 287. O art. 115 da


“Lei Fundamental da República Federal da Alemanha assim proclama
(edição castelhana):
“Artículo 115
[Obtención de créditos]
(1) La obtención de créditos y la prestación de fianzas, garantías u otras
clases de seguridades que puedan dar lugar a gastos en ejercicios econó-
micos futuros, necesitan una habilitación por ley federal que determine
o permita determinar el monto de los mismos. Los ingresos provenientes
de créditos no podrán superar la suma de los gastos para inversiones
previstos en el presupuesto, no admitiéndose excepciones sino para con-
trarrestar una alteración del equilibrio global de la economía. La regu-
lación se hará por una ley federal”.
200 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

No Reino Unido também se propôs como “regra de ouro”


para o Governo, dentro das regras fiscais, já desde 1997, a mes-
ma seguinte: “over the economic cycle, the government will
borrow only to invest and not to fund current spending”.432
No Brasil, a Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Com-
plementar 101/2000 -contemplou-a no artigo 12, § 2o, com o
seguinte teor:
Art. 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas
e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação,
da variação do índice de preços, do crescimento econômico
ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas
de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da
projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da
metodologia de cálculo e premissas utilizadas.
§ 2.º O montante previsto para as receitas de operações de
crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital
constantes do projeto de lei orçamentária.
Contra este parágrafo (dentre outros dispositivos dessa lei),
foi interposta Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN
2.238-5 – na qual o Supremo Tribunal Federal, proferiu julga-
mento de Medida Cautelar, suspendendo a sua eficácia, embora
conste da Ementa desse acórdão que se tenha deferido a cautelar
“para conferir ao dispositivo legal interpretação conforme ao in-
ciso III do art. 167 da Constituição Federal, em ordem a explici-
tar que a proibição não abrange operações de crédito autorizadas
mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade
precisa, aprovados pelo Poder Legislativo”.
Na referida ação, os autores pediram a declaração de in-
constitucionalidade do §2.º do art. 12 da Lei Complementar
n. 101/2000 alegando, basicamente, que, se aberto crédito

Carl Emmerson, Chris Frayne e Sarah Love, The government’s fiscal


432

rules, p. 2. “Ao longo do ciclo econômico, o governo somente tomará


empréstimo para investir e não para financiar despesas correntes”.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 201

suplementar ou especial na forma autorizada pelo dispositivo


constitucional acima, isso claramente resultaria no aumento do
montante relativo às operações de crédito inicialmente previsto
na lei orçamentária. Desta forma, a lei orçamentária, nos termos
da Lei de Responsabilidade Fiscal (§2.º do art. 12) estaria se so-
brepondo ao texto constitucional, razão da “flagrante e evidente”
inconstitucionalidade.
Weder de Oliveira posiciona-se de forma contrária ao en-
tendimento encampado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn
indicada, pois enxerga o dispositivo da Lei de Responsabilidade
Fiscal em questão como referido ao projeto de lei orçamentária,
e não à lei orçamentária propriamente dita.433 Explica-se: se-
gundo esse autor, conhecendo-se o contexto em que foi elabora-
do esse dispositivo da L.C. 101/2000, o “montante previsto para
as receitas de operações de crédito” referir-se-ia ao montante
previsto no projeto de lei. Para ele,
a finalidade do dispositivo é a de explicitar que, no projeto
de lei orçamentária, o montante previsto para as receitas de
operações de crédito não pode ser superior ao previsto para
as despesas de capital.434
A leitura que se teria feito nessa ação, segundo, ainda o
autor ora em comento, é que o dispositivo da L.R.F. estaria se
reportando a duas situações distintas: despesas de capital cons-
tantes do projeto de lei orçamentária e o montante de receitas
de operações de crédito previsto em “outro lugar normativo”.
Este outro lugar, a seu turno, seria a) a lei orçamentária ou b) o
projeto de lei orçamentária.
Conforme este raciocínio, a Suprema Corte pátria teria
entendido, “equivocadamente”, que o §2.º do art. 12 da L.R.F.
estaria proibindo que “o montante previsto para as receitas de

433
Weder de Oliveira, Curso de Responsabilidade Fiscal: Direito, Orça-
mento e Finanças Públicas, p. 843-844.
434
Idem, ibidem, p. 844.
202 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

operações de crédito na lei orçamentária não poderia ser supe-


rior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orça-
mentária”. A conclusão, nestes termos, seria, então, exprimível
na seguinte proposição:
inexistindo qualquer referência à “lei orçamentária”, mas uni-
camente ao projeto de lei orçamentária, a leitura consentânea
com a lógica da regra de ouro não poderia deixar de ser: “no
projeto de lei orçamentária anual, o montante previsto para
as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao
previsto para as despesas de capital”.435
Em que pese ao arguto e lógico raciocínio do autor sob
análise, parece-nos que a solução a ser dada ao alcance do §2.º
do art. 12 da L.C. 101/2000 passa pela interpretação conforme à
Constituição, tal qual referido de passagem na Ementa do acór-
dão proferido na Medida Cautelar, na ADIn citada.
Com efeito, independentemente de se levar em considera-
ção o histórico que levou à inclusão do dispositivo em tela ao
projeto de lei complementar, o fato é que a lei infraconstitucio-
nal não pode extrapolar nem restringir aquilo que prevê a Lei
Maior. Nesse sentido, parece claro que o dispositivo em questão
refere-se ao projeto de lei orçamentária, ou seja, ao se elaborar
o projeto dessa lei, deverá ser que “o montante previsto para as
receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das
despesas de capital” constantes do “projeto de lei orçamentária”.
Embora a redação não seja a mais desejável e precisa, cremos
possível dessumir que, tanto o montante das receitas decorrentes
de operações de crédito, quanto o das despesas de capital, são os
previstos no projeto de lei orçamentária: ao se orçar dever-se-á
tomar em conta esses limites.
De toda sorte, o que o que se nos afigura ter chamado a aten-
ção dos autores da ação de inconstitucionalidade – e com o que

Weder de Oliveira, Curso de Responsabilidade Fiscal: Direito, Orça-


435

mento e Finanças Públicas, p. 845 (grifos no original).


EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 203

estamos de pleno acordo – é que o preceito impugnado restringiu


aquilo que a Constituição dispôs, porquanto pode dar azo à inter-
pretação de que o montante das receitas de operações de crédito
não pode exceder aquele previsto para as despesas de capital,
simplesmente, sem considerar o permissivo constitucional que
autoriza, como exceção a essa regra, a abertura de “créditos su-
plementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo
Poder Legislativo por maioria absoluta” (art. 167, III, parte final).
A interpretação conforme à Constituição seria, pois, a de
entender-se que o parágrafo sub examine, além de repetir a Lei
das Leis no que tange aos limites do montante das operações
de crédito, traria implícita a possibilidade, constitucionalmente
prevista, de admitir-se os créditos suplementares ou especiais,
sempre mediante aprovação legislativa por maioria absoluta.
Regra de ouro II – equilíbrio entre receitas e despesas
Já a outra “regra de ouro” das finanças públicas, mais am-
pla que a anterior seria a do equilíbrio entre receitas e despesas,
que será tratado em item próprio deste estudo. Somente a título
introdutório, pode-se fazer referência aqui ao que acontece nos
dias de hoje na União Europeia, que, tendo de lidar com a crise
econômica com que se depara desde 2008, estabeleceu certos li-
mites de endividamento e de déficit orçamentário. Tendo isso em
mente, Vincent Glad propõe as seguintes perguntas introdutórias
ao tema, todas relativas, aliás, ao significado de “equilíbrio de
contas”. Afinal, o que isso quer dizer? Ele aponta três definições
(que divergem claramente) do que isso pode significar:
1) um déficit de 0%, portanto um equilíbrio perfeito das
receitas e das despesas no período de um ano;
2) um déficit de 0%, mas somente sobre as despesas de
custeio, deixando uma margem de manobra orçamentá-
ria para o investimento (é a “regra de ouro” proposta por
François Bayrou há muitos anos);
3) um déficit compreendido entre 2,5% e 3% do PIB, ní-
vel abaixo do qual o endividamento para de crescer (é
204 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

o espírito da proposta de François Hollande para uma


modificação da lei de finanças garantindo-se um retorno
aos 3% em 2013.436
Percebe-se que há várias “regras de ouro” que podem ser
invocadas como fundamento da economia e das finanças, e o
resultado da persecução de uma delas pode acarretar diferentes
resultados se a opção tivesse sido outra.
O fato é que estamos vivendo um período de transição so-
cial, financeira (e de outras naturezas, também) e haverá que se
esperar para ver onde as coisas se estabilizarão.
Como ilustração dessa visão, temos que na Europa se
debate há algum tempo acerca da constitucionalização das nor-
mas relativas às Finanças Públicas, muito especialmente com
referência à “regra de ouro”. A esse respeito, Michel Bouvier
entende que referida constitucionalização – ou mesmo a sua le-
galização expressa –, além de depender de vontade política, não
é o bastante para atribuir-lhe eficácia real. Dependeria, também,
do exercício de um controle sobre a sua aplicação – que, no caso
francês se daria por intermédio do Conselho Constitucional –,
com base em critérios claramente estabelecidos.437
Na verdade, verifica-se nos dias de hoje – e isso há aproxi-
madamente trinta anos – que as finanças públicas mudaram bas-
tante e que, figurativamente, constituem “um instituto em busca
de um modelo”. O próprio Bouvier, ao reportar-se aos critérios
acima mencionados, afirma que eles estão por serem inventados,
de tão inédita que é a configuração das finanças públicas con-
temporâneas.438

436
Vincent Glad, La règle d’or, une publicité mensongère, sem indicação de
página.
437
Michel Bouvier, La “règle d’or” des finances publiques a-t-elle un
avenir ?, p. 135.
438
Idem, ibidem.
EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO 205

Na Alemanha, a “regra de ouro” pode ser desmembrada em


dois princípios, conforme expõe Carine Soulay,439 na mesma
linha de raciocínio por nós apresentada acima: a) o equilíbrio
entre as receitas e as despesas, na conformidade do art. 110, 1.º
da Lei Fundamental alemã440 e b) a limitação das receitas de em-
préstimos ao montante de créditos destinados a investimentos
pelo orçamento (art. 115, § 1.º).441
Seja como for, esta “regra” está a compor, de uma forma
ou de outra, a orçamentação nos dias atuais. Eis a razão de nos
referirmos a ela em separado.

5.14 À guisa de conclusão


Do que restou dito até aqui, pode-se encerrar o capítulo da
mesma forma que foi iniciado: pela ideia de que o equilíbrio de
contas é um anseio de governantes e da sociedade, e que deve
iluminar a elaboração e a execução do orçamento, sem que isso
signifique um dogma absoluto. Razões políticas, econômicas
e sociais podem servir para justificar, temporariamente, orça-

439
Carine Soulay. La règle d’or des finances publiques en France et en Ale-
magne: convergence au delà des différences, p. 188.
440
Dispõe este artigo (versão espanhola):
“Artículo 110. 1. Todos los ingresos y gastos de la Federación deberán
consignarse en los Presupuestos, si bien en el caso de empresas fede-
rales (Bundesbetriebe) y de patrimonios especiales (Sondervermogen)
será suficiente que figuren las entradas o las entregas. Los Presupuestos
deberán estar equilibrados en gastos e ingresos”.
441
“Artículo 115. 1. La asunción de empréstitos, así como la prestación
de fianzas (Burgscharten), garantías u otras seguridades susceptibles de
originar gastos en ejercicios económicos venideros, requerirán, según
su importe, una habilitación determinada o determinable mediante ley
federal. Los ingresos procedentes de créditos no podrán sobrepasar el
importe de los gastos consignados para inversiones en los Presupuestos,
y solo procederán excepciones a esta regla cuando sea para evitar una
perturbación del equilibrio económico general. Se regularan por ley fe-
deral los pormenores de aplicación”.
206 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

mentos “desequilibrados”, em função do interesse maior da


sociedade.
Quando se fala da estabilidade, é importante responder à
indagação sobre se o equilíbrio entre receitas e despesas, quan-
do aceito e/ou imposto, deve ser considerado em cada exercício
financeiro ou em um determinado ciclo plurianual. As coisas
mudam, conforme se reporte a um ou a outro período: às vezes
pode ser conveniente, necessário ou imprescindível ter um orça-
mento equilibrado em um determinado exercício, de qualquer
forma e tomado em consideração isoladamente; outras vezes,
no entanto, pode-se (ou deve-se) admitir o “desequilíbrio” em
um certo ano fiscal, retornando-se ao equilíbrio no seguinte. Em
outras palavras, parece mais adequado pugnar pelo equilíbrio
vislumbrando-se um ciclo plurianual, no seu todo, que insistir
que isso ocorra todos os anos.
Avaliamos que dessa forma ainda se poderá falar em “es-
tabilidade orçamentária”, ainda que tenha havido desequilíbrio
em algum momento desse ciclo.
O que foi mencionado encaminha o assunto para a conclu-
são de que, em primeiro lugar, reitera-se, o “fenômeno” finan-
ceiro é complexo e deve ser sempre analisado no seu conjunto, é
dizer: receitas, despesas e a gestão de ambas devem ser levadas
em conta mediante uma análise conjunta, até para que tenha a
visão do todo.
Em segundo lugar, essa constatação leva a que o equilíbrio
orçamentário tenha que ser avaliado em períodos de tempo maio-
res do que um simples exercício financeiro, pois esse exercício
pode ter se iniciado, formalmente, com um orçamento equilibra-
do e, no seu curso, tenha tido que ser alterado, “desequilibrando-
-se”, ainda que circunstancialmente, por razões supervenientes.
Em suma, o que se quer significar é que o desequilíbrio
circunstancial do orçamento não afeta, necessária e obrigatoria-
mente, a estabilidade orçamentária.
207

Capítulo 6
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO

Sumário: 6.1 Razões de propostas de Emendas Constitucionais


tornando o orçamento impositivo – 6.2 O orçamento no contexto
atual – 6.3 A natureza de lei formal e a impositividade do orça-
mento – 6.4 A possibilidade de recurso ao Poder Judiciário para
contrastar a constitucionalidade do orçamento – 6.5 Repercussão
da proposta de orçamento impositivo na mídia – 6.6 Algumas
opiniões doutrinárias – 6.7 Versão técnica “oficial” – 6.8 Mais uma
excrescência – 6.8 Nossa opinião.

A questão que se pretende abordar neste ponto parece-nos


fundamental no momento atual, no Brasil, sem dúvida, e o seu
desenrolar tem enorme repercussão no Estado Democrático
de Direito em que se constitui o nosso país (art. 1.º, caput, da
Constituição da República). Trata-se, em breves palavras, da
cogitação de ser o orçamento impositivo ou simplesmente auto-
rizatório.
Classicamente o orçamento é definido como o documento
que estima as receitas e autoriza as despesas do Estado. Nessa
linha de raciocínio, é fácil perceber que essa autorização signifi-
ca o limite de valor que os “Poderes” têm para gastar, ou seja, as
dotações orçamentárias aprovadas na lei respectiva são o limite
máximo para o dispêndio público para aquela rubrica. Isso não
significaria que o administrador devesse gastar nessa dotação
tampouco que tivesse de atingir aquele importe.
A indagação que nos chama a atenção e nos move a buscar
um aprofundamento pode ser assim colocada: uma vez que a
lei orçamentária é analisada e aprovada pelo Poder Legislati-
208 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

vo, pode o Poder Executivo simplesmente deixar de executar


o aprovado, ao sabor da sua conveniência e nos termos do seu
entendimento quanto à oportunidade?
Sabe-se que na fase de execução do orçamento há sempre
verdadeiras barganhas políticas, com as quais o Executivo acaba
negociando com o Congresso Nacional a liberação de verbas
decorrentes de emendas ao projeto de lei orçamentária apresen-
tado pelo Executivo.442 Em outras palavras, embora aprovado o
orçamento com tais emendas parlamentares, o Executivo decidi-
rá quanto à sua efetivação por época da execução do orçamento.
Sobre este ponto específico nos deteremos mais adiante.
Antes disso, a segunda parte da indagação – ou melhor,
a sua complementação – é a ampliação da questão a ponto de
abranger o orçamento como um todo; é dizer: a lei orçamentária,
após aprovada pelo Parlamento, pode ter a sua execução integral
deixada a critério discricionário do Poder Executivo?

6.1 Razões de propostas de Emendas Constitucionais


tornando o orçamento impositivo
Em Nota Técnica sobre a PEC 565/2006,443 a Consultoria
de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputa-
dos reconhece como “notório” o uso da execução orçamentária
para influir direta ou indiretamente na tramitação de proposições
no âmbito do Congresso Nacional. Dizem os seus autores:
A fixação de condições políticas, e não meramente técnicas
ou legais, para liberação da execução de dotações orçamen-
tárias, inclusive das emendas parlamentares, afeta a isonomia

442
O jornal Folha de S. Paulo, em matéria de capa da edição de 14.05.2013,
traz a notícia de que a Ministra das Relações Institucionais reconhece
negociação para liberar a execução de emendas.
443
A ementa atual dessa Proposta de Emenda Constitucional é: “Altera os
arts. 165 e 166 da Constituição Federal e acrescenta os arts. 35-A e 35-B
ao ADCT, tornando obrigatória a execução da programação orçamentá-
ria que especifica”.
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 209

do mandato legislativo e o próprio estado democrático de


direito, na medida em que pode constranger o exercício pleno
das atribuições do Poder Legislativo. A execução da LOA, em
especial a parcela das emendas individuais, não deveria ser-
vir como instrumento de barganha na apreciação das demais
proposições.444
A Nota Técnica em questão refere que, desde 2001, as nor-
mas legais da União contemplam o que os seus autores denomi-
nam “princípio da neutralidade orçamentária”, que inicialmente
foi inserido nas Leis Orçamentárias Anuais de 2001 e 2002.
A partir da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de
2003,445 o princípio passou a constar dessas normas diretivas das
finanças públicas federais. A LDO de 2013 contém o princípio
em seu art. 118; o mesmo ocorrendo com o projeto de LDO para
2014, que o preserva em seu art. 110. Esses dispositivos legais
vedam expressamente o uso da execução orçamentária como
indutor do processo legislativo ordinário, observados os princí-
pios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralida-
de, publicidade e eficiência na administração pública federal.446
Afirma a Nota Técnica ainda que, em decorrência da “na-
tureza exclusivamente programática dos dispositivos menciona-
dos, não lhes atribuiu a força impositiva necessária”.447

444
Câmara dos Deputados, Consultoria de Orçamento e Fiscalização Finan-
ceira, PEC 565/2006 – Orçamento Impositivo, Nota Técnica n. 10/2013,
p. 5.
445
A Lei 10.524, de 25.07.2002, que “dispõe sobre as diretrizes para a ela-
boração da lei orçamentária de 2003”, em seu art. 22 reza: A execução
da lei orçamentária e seus créditos adicionais obedecerá os princípios
constitucionais da impessoalidade e moralidade na Administração Pú-
blica, não podendo ser utilizada com o objetivo de influir, direta ou in-
diretamente, na apreciação de proposições legislativas em tramitação no
Congresso Nacional”.
446
Nota Técnica n. 10/2013, p. 5.
447
Idem, ibidem, p. 5.
210 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Justamente visando a sanar essa insuficiência,


[...] a Mesa da Câmara dos Deputados aprovou, em reunião dia
17.04.13, a apresentação de emenda ao projeto de LDO/14,
visando dar eficácia ao princípio da neutralidade política dos
Orçamentos da União. Proposições similares foram apresen-
tadas nas últimas LDOs e, em 2013, com apoio ainda maior de
seus membros, em que o Legislativo propõe preservar a pro-
gramação decorrente de emendas individuais, financiada até
valor equivalente à parcela específica da reserva de contingên-
cia prevista nas LDOs, nas quais é usualmente apropriada.448
Outra passagem significativa do parecer da Consultoria da
Câmara dos Deputados que merece transcrição pela clareza com
que expõe o problema de fundo no assunto ora versado é a que
segue:
Subjacente às propostas de dar um caráter impositivo à LOA
ou de proteção das emendas parlamentares está a percepção
de perda gradativa de importância política do papel do Con-
gresso Nacional na matéria orçamentária e financeira. Mesmo
que todo o orçamento venha a ser considerado impositivo, o
problema político identificado nas propostas apresentadas está
centrado na forma como é utilizado o contingenciamento e seu
reflexo na execução das emendas parlamentares.449
É realmente essa a razão que levou parlamentares a apoia-
rem as emendas que propõem a instalação do orçamento impo-
sitivo, ainda que somente no tocante às emendas parlamentares.
De toda sorte, a retomada, pelo Senado Federal, da votação
da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 22A/2000,450 de

448
Nota Técnica n. 10/2013, p. 5.
449
Idem, ibidem, p. 6.
450
Altera os arts. 165 e 166 da Constituição Federal e acrescenta os arts.
35-A e 35-B ao ADCT, tornando obrigatória a execução da programação
orçamentária que especifica. Disponível em: <http://www.senado.gov.
br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=114143>. Acesso em:
20 out. 2013.
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 211

autoria do então Senador Antônio Carlos Magalhães, traz aos


holofotes o chamado orçamento impositivo, uma vez que a pro-
posta em questão visa tornar obrigatória a execução de emendas
parlamentares ao Orçamento da União.
É a seguinte a redação, para o segundo turno, da Proposta de
Emenda à Constituição 22A, de 2000 (n. 565, de 2006, na Câmara
dos Deputados), que é a última consultada antes de finalizarmos
este trabalho, datada de 12.11.2013 (somente se transcreverá o
que for de interesse imediato para o ponto aqui tratado):
Art. 166. [...]
[...]
§ 9.º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária se-
rão aprovadas no limite de um inteiro e dois décimos por cento
da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado
pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual
será destinada a ações e serviços públicos de saúde.
[...]
§ 11. É obrigatória a execução orçamentária e financeira das
programações a que se refere o § 9.º deste artigo, em montante
correspondente a um inteiro e dois décimos por cento da receita
corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme os
critérios para a execução equitativa da programação definidos
na lei complementar prevista no § 9.º do art. 165.
§ 12. As programações orçamentárias previstas no § 9.º deste
artigo não serão de execução obrigatória nos casos dos impe-
dimentos de ordem técnica.451
A má utilização dos instrumentos necessários ao processo
de execução do orçamento, fazendo com que a liberação de re-
cursos já contingenciados se torne verdadeira moeda de troca no
plano político, faz com que PECs como a 22A/2000 sejam vistas
como necessárias, quando, há bem da verdade, são instrumentos
redundantes.

Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.


451

asp?p_cod_mate=114143>. Acesso em: 20 nov. 2013.


212 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Cumpre salientar, por fim, que a PEC em questão prevê a


obrigatoriedade da execução da programação do orçamento de-
corrente das emendas legislativas à lei orçamentária. Em outras
palavras, a referida Proposta de Emenda Constitucional não pre-
vê trazer caráter impositivo ao orçamento como um todo.

6.2 O orçamento no contexto atual


A análise do tema relativo ao caráter impositivo do orça-
mento passa, necessariamente, pelo conceito de orçamento,
sua natureza jurídica, a concepção de gastos públicos dentro do
orçamento, bem como dos seus mecanismos de controle. Alguns
desses pontos já foram objeto de consideração neste estudo,
cabendo, nesse momento, fazer simples referência, quando ne-
cessário, ao que pensamos conveniente ressaltar.
A partir da evolução do papel do Estado na economia, o
conceito de orçamento, igualmente, evoluiu de tal modo que ele
passou a ser o principal instrumento de atuação econômica esta-
tal e, como tal, passou ter feições políticas, econômicas, técnicas
e jurídicas.
Assim, no contexto moderno, o orçamento está intrinse-
camente ligado à necessidade de planificação da economia,
deixando de ser uma mera peça financeira e tornando-se verda-
deiro executor de programa de governo, com nítidas feições ex-
trafiscais, na medida em que ajusta comportamentos, pressiona
condutas e encaminha soluções.
Adilson Dallari, ao tratar do Orçamento impositivo, obser-
va, com muita propriedade e objetividade, que o orçamento “não
é um amontoado de números, mas, sim, a representação numé-
rica de um programa completo de governo, coroando todo um
sistema de planejamento”.452 Partindo da ideia de plano, plane-
jamento, esse autor conclui pela impositividade do orçamento.

Adilson Abreu Dallari, Orçamento impositivo, p. 315. Em outro ponto


452

do estudo aqui citado, o mesmo autor reforça essa ideia, ligando-a ao


O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 213

Fazendo contraponto a essa visão, Ricardo Lobo Torres


entende que o planejamento,
[...] consubstanciado no plano plurianual, na lei de diretrizes
orçamentárias ou na lei orçamentária anual, é mera autorização
para que a Administração execute o programa traçado em leis
específicas do Direito Administrativo [...]. O planejamento,
qualquer que seja ele, controla a Administração quanto ao
limite máximo de gastos, mas não a obriga a realizar a des-
pesa autorizada [...] em virtude de sua natureza simplesmente
formal.453
Não nos parece que seja assim, até porque cremos que a lei
sempre prescreve, determina, obriga (no sentido de ser impositi-
va: obrigando literalmente, proibindo, ou até mesmo facultando)
comportamentos. Não vemos a lei – qualquer lei – como uma
simples “recomendação”, uma “carta de sugestões”, um “cardá-
pio”. Assim, se há lei do plano plurianual, lei de diretrizes orça-
mentárias e lei orçamentária anual, elas devem ser obedecidas,
como qualquer outra lei.
Na realidade brasileira acontecem, com frequência, situa-
ções de descumprimento do previsto na lei orçamentária, tais
como a de programas e projetos serem efetivamente previstos
e devidamente contemplados com os recursos correspondentes,

orçamento-programa, e proclama: “[...] Os números que vão figurar nas


dotações orçamentárias são simplesmente decorrentes das decisões to-
madas sobre o que fazer, em decorrência das prioridades estabelecidas e
das escolhas feitas, em face da sempre existente insuficiência dos recur-
sos e da capacidade de gestão, diante da enormidade dos problemas que
afetam a coletividade” (p. 321).
453
Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-
butário: o orçamento na Constituição, v. 5, p. 61 (grifos nossos). O emi-
nente autor assim conclui, porquanto entende que o orçamento “não visa
precipuamente ao controle do Executivo e ao intervencionismo, senão
que procede à regulação da economia e das relações sociais (em tema
de educação, saúde, políticas públicas etc.) por intermédio da atividade
administrativa, de caráter subsidiário” (idem, ibidem).
214 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

mas que não são executados ou o são apenas parcialmente, sem


atingir as metas objetivadas, como lembrado por Adilson Dalla-
ri.454 Normalmente isso é justificado pela falta de recursos efeti-
vos, ponto de vista que parece ser defendido por Ricardo Lobo
Torres, quando afirma que a atividade administrativa objeto do
planejamento

[...] passa a depender da efetiva realização da receita orçamen-


tária e dos resultados da economia [...]. Os direitos sociais e
a ação governamental vivem sob a reserva do possível, isto
é, da arrecadação dos ingressos previstos nos planos anuais
e plurianuais.455

Se isso é certo em alguns momentos – o fato de a arreca-


dação não corresponder ao esperado –, não é crível que ocorra
todas as vezes, em todos os momentos. Compartilhamos do
entendimento de Adilson Dallari quando assevera que esse com-
portamento consiste, no fundo, em descumprir o orçamento, não
podendo mais ser aceito. As suas palavras são por demais claras
e externam cabalmente o nosso pensamento, razão pela qual nos
permitimos transcrever o trecho abaixo, apesar de longo:

[...] o orçamento-programa, que é elaborado em função de


objetivos e metas a serem atingidas, de projetos e programas a
serem executados, dos quais as dotações são a mera represen-
tação numérica, não mais pode ser havido como meramente
autorizativo, tendo, sim, por determinação constitucional um
caráter impositivo.
A lei orçamentária, uma vez aprovada, obriga o Executivo a
lhe dar fiel cumprimento, sob pena de configuração de crime
de responsabilidade. Cumprir a lei orçamentária significa
executar ou implantar os projetos e programas que embasa-

Adilson Abreu Dallari, Orçamento impositivo, p. 235.


454

Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-


455

butário: o orçamento na Constituição, v. 5, p. 61 (grifos no original).


O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 215

ram ou justificaram os quantitativos expressos nas dotações


orçamentárias.456
Nesse ponto, Kiyoshi Harada é mais contundente, quando
averba:
As costumeiras diferenças enormes entre o orçado e o efetiva-
mente executado só pode revelar a incapacidade do governo
em planejar a atividade estatal implicando a necessidade de
remanejamento de verbas consignadas no orçamento ou desvio
de verbas públicas, descambando para o campo das sanções
de natureza política, administrativa e penal.457
Esse mesmo autor, com base em dados extraídos de matéria
do jornal O Estado de S. Paulo (de 02.07.2013, p. A6), refere
que, nos setores em que a sociedade mais critica o Estado – saú-
de, educação e transportes –, em nenhum deles a totalidade das
verbas orçadas foi efetivamente aplicada, e os gastos nessas áre-
as foram, respectivamente, de 39,3%, 61,3% e 60,5% das verbas
consignadas na Lei Orçamentária Anual de 2012.458
Não obstante o exposto anteriormente por Harada, ele en-
tende que o orçamento anual que resulta dos dispositivos cons-
titucionais vigentes não é impositivo e que “o exaurimento das
despesas fixadas não é obrigatório”. Justifica essa concepção
invocando o art. 167, IV, da CF, que, para ele, é indicativo de que
a Constituição adotou a modalidade de orçamento autorizativo
e, ainda, o art. 169, que “flexibiliza as despesas com pessoal de
acordo com o comportamento da receita, nos termos definidos
em lei complementar”.459
Com o devido respeito, cremos que o art. 167, IV, da
Constituição da República não é fundamento para a conclusão a

456
Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-
butário: o orçamento na Constituição, v. 5, p. 61 (grifou-se).
457
Kiyoshi Harada, Orçamento impositivo. Exame da PEC n. 565/06, p. 8.
458
Idem, ibidem, p. 8.
459
Idem, p. 8.
216 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

que o autor em comento chegou, pois esse dispositivo, a nosso


ver somente se refere à não afetação da receita de impostos – o
que teria como consequência que a destinação dessa receita fos-
se atribuída pela lei orçamentária. Quanto ao art. 169 da Carta
Magna, conquanto ele, efetivamente, trate da limitação com des-
pesas de pessoal, entraria nas exceções que estariam a balancear
a completa impositividade do orçamento, conforme se verá mais
adiante.

6.3 A natureza de lei formal e a impositividade do


orçamento
Para Villegas, a lei orçamentária é uma lei formal, conforme
referimos na parte dedicada à natureza jurídica da lei orçamen-
tária, e, assim, no que concerne aos gastos, ela tampouco con-
teria “normas substanciais”, pois se limita a autorizá-los. Nessa
ordem de ideias, segundo ele, a lei do orçamento não obriga o
Poder Executivo a realizar os gastos. Este [o Poder Executivo],
por conseguinte, “no está forzado a efectuar todas las erogacio-
nes contenidas en el presupuesto; por el contrario, puede llevar a
cabo economías de funcionamiento o de inversión”.460
Deve-se ter presente que a discussão acerca da natureza
jurídica da lei orçamentária teve no seu bojo, além de outros
elementos, uma pretendida separação entre o ato que aprova o
orçamento e o documento que contém as receitas e as despesas.
Isso propiciou a criação das diversas teorias que procuraram
explicar a sua natureza, conforme se viu.
Na medida em que não é possível estabelecer uma separa-
ção entre a parte que contém o plano financeiro e o texto legal
que o aprova, dado que ambos constituem um todo orgânico, as
perspectivas política e econômica do orçamento devem ser con-
sideradas globalmente.

Héctor Belisario Villegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tribu-


460

tario, p. 128.
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 217

Nas palavras de Regis Fernandes de Oliveira:


Um orçamento sistematicamente descumprido torna-se mera
peça de ficção, vã promessa de austeridade, desenvolvimento
e igualdade social, que desacredita seus dirigentes e menos-
preza seus verdadeiros mandantes. Se a reprimenda popular
não é suficiente para assegurar o cumprimento das diretrizes
previamente traçadas, o controle externo do orçamento deve
ter a intensidade suficiente para reconduzir o governo a níveis
aceitáveis de subordinação à lei e de credibilidade financeira.461

6.4 A possibilidade de recurso ao Poder Judiciário para


contrastar a constitucionalidade do orçamento
Dentro da lógica do sistema de freios e contrapesos que
sustenta a teoria da tripartição dos poderes aperfeiçoada por
Montesquieu, claramente adotado pela Constituição da Repú-
blica, o controle externo do orçamento se dá tanto pelo Poder
Legislativo (e seu órgão auxiliar, o Tribunal de Contas) quanto
pelo Poder Judiciário.
Lembre-se que, tanto a Lei das Leis quanto a Lei 4.320/1964
(art. 7.º, art. 22 e ss.) preveem que o Executivo prestará contas
ao Legislativo, que as analisará após parecer prévio do Tribunal
de Contas.
Tal determinação, por óbvio, não afasta a possibilidade de o
controle externo ser exercido pelo Judiciário, desde que incitado
a tanto. Esse Poder poderá ser chamado a exercer tal controle
por meio do ajuizamento de Ação Popular ou Ação Civil Pública
e, bem assim, de ações individuais, desde que o autor comprove
seu interesse de agir.
Mais um ponto para se concluir que o orçamento não é uma
mera carta de intenções, sendo várias as formas de controle do
seu cumprimento.

Regis Fernandes de Oliveira, Curso de direito financeiro, 5. ed., p.


461

419.
218 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

De toda sorte, fixado que o orçamento – no caso brasileiro,


as três leis orçamentárias – é lei, deve ser cumprida. Deve ser
cumprida pelo Poder Executivo, em princípio, e, salvo as exce-
ções previstas na própria legislação (como, v.g., o art. 9.º da Lei
Complementar n. 101/2000), da forma como restou aprovada
pelo Poder Legislativo, como determina a Lei das Leis.
Como ensina Hely Lopes Meirelles,462 de modo preciso e
objetivo: “A execução do orçamento é de ser feita com fiel aten-
dimento do que dispõe, quer quanto à arrecadação, quer quanto
à despesa. Executar é cumprir o determinado”.
Em que pese o exposto, não se pode olvidar, no tocante ao
atendimento às despesas aprovadas, que a realização dos recur-
sos necessários depende de fatores que, em sua maioria, não
podem ser previstos ou controlados, de modo que não é possível
exigir o cumprimento da lei orçamentária com o mesmo rigor
que se impõe o atendimento às demais normas. Nesse sentido,
observa José Maurício Conti:
O papel do processo de execução do orçamento é cumprir,
com a maior fidelidade possível, o orçamento aprovado, de
modo que se façam apenas os ajustes necessários, no montante
imprescindível para adequar a aplicação das receitas arreca-
dadas no atendimento às necessidades públicas, sempre tendo
em vista o interesse da coletividade. Para que isso ocorra são
necessários instrumentos de flexibilidade, a serem utilizados
de modo a cumprir o que foi estabelecido pela lei orçamentária
em seu aspecto essencial [...] sem com isso descaracterizá-la
[...].463

Hely Lopes Meirelles, Direito municipal brasileiro, p. 569.


462

José Maurício Conti. Orçamento impositivo é avanço para administra-


463

ção. O autor prossegue na exposição do seu pensamento:


“Para isso existem instrumentos como os créditos adicionais, por meio
dos quais são aprovadas alterações na lei orçamentária, o contingencia-
mento, com o qual o Poder Executivo, gestor das finanças públicas e co-
mandante do processo de execução orçamentária, adéqua e compatibiliza
a entrada e saída de recursos, os remanejamentos e tantos outros.
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 219

6.5 Repercussão da proposta de orçamento impositivo na


mídia
O jornal Folha de S. Paulo, de 10 de agosto de 2013 pu-
blicou, na sua coluna “Tendências e Debates” (p. A3), duas
opiniões acerca do orçamento impositivo. A pergunta que se
desejava ver respondida é: “O Brasil deve adotar o Orçamento
impositivo?”.
O primeiro artigo, escrito pela Senadora Ana Amélia, do
PP do Rio Grande do Sul, retrata a triste realidade do monopó-
lio do Poder Executivo na condução do orçamento (desde a sua
apreciação até a sua execução, diríamos nós), mantendo a ideia
de que o que se tem é um orçamento de ficção. Diz a autora que
é esse monopólio “que está equivocado e que condena o Legis-
lativo a uma situação de permanente minoridade”. Reconhece,
por outro lado, que a emenda parlamentar “tornou-se a válvula
de escape de um federalismo doente, um instrumento de nego-
ciações não republicanas e de desrespeito à oposição”.
Parece-nos que o mais importante a ressaltar é a ideia, su-
gerida pela Senadora, com a qual concordamos, de que se está
“diante da negação da democracia, que supõe responsabilidade
compartilhada na gestão do dinheiro público”.
Com efeito, não somente pelo prisma político é válida tal
observação. Do ponto de vista estritamente jurídico também
parece evidente que a Constituição da República vislumbra o
orçamento como o resultado da manifestação de vontade dos
Poderes Executivo e Legislativo. Não fosse assim, a Lei Maior

São instrumentos úteis e necessários para o processo de execução orça-


mentária, que, no entanto, devem ser utilizados com parcimônia, pois
o abuso e falta de critérios pode fazer deles instrumentos que desviam
a execução da lei orçamentária de seu curso, levando o orçamento exe-
cutado a diferir substancialmente do que foi aprovado – e tornando-o,
portanto, uma lei com pouco ou nenhum conteúdo material, incapaz de
produzir os efeitos que lhe são próprios, como o de dar segurança jurídica
ao sistema de planejamento governamental e gestão pública”.
220 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

não preveria a iniciativa do Executivo no que concerne às leis or-


çamentárias (do plano plurianual, de diretrizes orçamentárias e
a orçamentária anual – art. 165) e determinaria a sua apreciação
pelo Congresso Nacional, no âmbito da União (§ 6.º do art. 166),
passando pelas emendas parlamentares (§§ 2.º e 3.º do mesmo
artigo). E isso não pode ser simples ficção.
Na realidade dos fatos, o que acontece é que o Executivo
propõe o orçamento e o Legislativo basicamente o referenda
(por vezes tardando a sua aprovação), após as negociações e ine-
xoráveis concessões a parlamentares por meio da aceitação das
suas emendas (cujo valor correspondente é até mesmo fixado
para cada parlamentar).
E essa situação não para por aí. Por ocasião da execução
orçamentária, no também inescapável “contingenciamento”
de verbas, “o Executivo decidirá o que será feito, anulando o
esforço legislativo”, consoante observa a autora do artigo. Sobre
o tema do chamado “contingenciamento” de verbas trataremos
mais adiante.
Por seu turno, o segundo artigo, que, presumidamente, se
contraporia ao acima, é de autoria de Raul Velloso, conhecido
economista que se ocupa frequentemente da análise das finanças
públicas.
Já no título do seu ensaio denomina a proposta de orçamen-
to impositivo de “proposta inoportuna”.
Em verdade, esse autor examina o assunto pela perspectiva
estritamente econômica, sem adentrar nas considerações políti-
cas que permeiam o artigo acima comentado.
Principia por dizer que hoje, na prática, o Orçamento da
União é “uma gigantesca folha de pagamento, que tende a ex-
plodir nas próximas décadas”. Isto se dá em razão de que parte
relevante das receitas desse orçamento é “vinculada a certas
finalidades”.
Munido de dados estatísticos, Velloso demonstra que, so-
mando-se 73,6% do total gasto pela União para “pagamentos de
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 221

pessoas”; 8,2% para a saúde; 12,4% para “outros gastos corren-


tes”, sobram somente 5,8% para investimentos (dos quais 1,3%
para o transporte).
Relata que, da época da promulgação da Constituição em
1988 aos dias de hoje, “o Orçamento se tornou uma peça ine-
ficiente de tal forma que, sem reformas, sua rigidez tenderá à
explosão em futuro não muito distante”.
Pugna pelo aumento da eficiência do orçamento e pelo re-
passe de tarefas relevantes ao setor privado.
Claro está que, diante dessa constatação, manifesta-se o au-
tor contra a proposta de orçamento impositivo, dizendo que, “se
aprovada, essa medida significará um passo à frente em direção
ao comprometimento total da receita da União”.
O mesmo periódico, em maio de 2013, dá a seguinte notí-
cia:
A possível inconstitucionalidade do orçamento impositivo foi
reafirmada pela Ministra do Planejamento, Miriam Belchior,
em 28.05.13, durante audiência pública sobre o projeto de
LDO/14,8 quando se manifestou:
“Uma questão que nos preocupa de uma maneira especial
é, num Orçamento que já tem 88,4% de vinculações, gerar
engessamento ainda maior do Orçamento, que não permita
ajustes quando os ajustes são necessários”.464
Ora, o “engessamento” a que se refere a Ministra realmen-
te poderia acontecer, tornando-se o orçamento integralmente
“impositivo”, em situações excepcionais, porquanto nas corri-
queiras decorreria, como é fácil supor, da falta de planejamento

Cf. Nota Técnica Câmara dos Deputados, Consultoria de Orçamento e Fis-


464

calização Financeira, PEC 565/2006 – Orçamento impositivo, p. 7. Dispo-


nível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/05/1286340-go-
verno-considera-orcamento-impositivo-inconstitucional-diz-ministra.
shtml>.
222 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

adequado e/ou de superestimativa de receitas e subestimativa de


despesas, segundo parece.

6.6 Algumas opiniões doutrinárias


Marcos Nóbrega entende que o orçamento deve ser tratado
como autorização, posto que a realidade econômica, as adversi-
dades, a mudança do contexto no qual está inserida a execução
orçamentária, e até mesmo a mudança de planos determinada
pelo Governo podem ensejar a não execução de programas já
contemplados nas peças orçamentárias.465
Héctor Villegas, como já se viu, preconiza que, no que con-
cerne aos gastos, a lei orçamentária tampouco contém “normas
substanciais”, pois limita-se a autorizá-los sem obrigar, portan-
to, o Poder Executivo a realizá-lo.466
César de Moraes Sabbag sugere estabelecer o que ele deno-
mina de regime de vinculação das leis orçamentárias,467 o que,
queremos crer, seria o mesmo que orçamento impositivo, pois
esse regime obrigaria o governante a “executar os programas a
maneira como foram previamente discutidos”.468
Há autores que estabelecem ligação entre o princípio da
eficiência e o orçamento impositivo, pois entendem que tal prin-
cípio busca a consecução dos fins propostos e que os recursos,

465
Marcos Nóbrega, Lei de Responsabilidade Fiscal e leis orçamentárias,
p. 99.
466
Héctor Villegas, Curso de finanzas, derecho financiero y tributario, p.
127.
467
César de Moraes Sabbag, Breves considerações sobre deficiências estru-
turais do sistema orçamentário brasileiro. Propostas para incrementar
a legitimidade e a eficiência do modelo, p. 460.
468
Idem, ibidem, p. 127. Segundo o autor, “não se trata de engessamento ou
imposição pura e simples: o novo regime admitiria certa flexibilidade,
com definição de margens de segurança ou e liberdade na execução dos
créditos. Dez ou vinte por cento dos valores, para mais ou para menos,
com prévia autorização legislativa, não seriam patamares ruins”.
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 223

“habitualmente limitados, se utilicen de la forma más adecuada


para obtener la finalidade prevista”.469
Sob esse ângulo, Bayona de Perogordo e Soler Roch são
mais contundentes, ao afirmarem que o princípio da eficiência
“implica que el gasto previsto y aprobado efeticvamente se
produzca”.470
Também pensamos assim. Com efeito, qual é a razão de
exigir que o Parlamento se manifeste quanto ao projeto de lei
orçamentária, que o aprove, se, posteriormente, a sua execução
se dá da maneira que melhor aprouver ao Executivo? Se se exige
a manifestação de vontade política do povo, por meio dos seus
representantes, para que ele decida sobre o destino dos recursos
públicos, e esse pronunciamento é exteriorizado pela aprovação
do orçamento, há que pressupor que aquilo que foi aprovado
será executado pelo Poder Executivo no exercício financeiro
respectivo.
Weder de Oliveira aponta para o debate que tem lugar
quando do exame deste dispositivo da Lei de Responsabilidade
Fiscal, aparecendo a questão “orçamento autorizativo vs. orça-
mento impositivo”.
Ao tratar do primeiro desses pontos, diz do orçamento auto-
rizativo: “por autorizativo, entenda-se a concepção do processo
orçamentário que concede ao Poder Executivo o ‘poder não
executivo, o poder de não executar ações (projetos, atividades e
operações especiais) incluídas na lei orçamentária”.471 A indigna-
ção insinuada por estas palavras é por nós compartilhada, espe-
cialmente no trecho seguinte, quando constata que o poder discri-

469
É o que dizem Luis Aguiar de Luque e Gema Rosado Iglesias, La estabi-
lidad presupuestaria y su eventual proyección en el estado de las autono-
mías, p. 20.
470
Juan José Bayona de Perogordo e María Teresa Soler Roch, Compendio
de derecho financiero, p. 174.
471
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 406.
224 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

cionário de decidir não executar, ou executar parcialmente, sem


que requeira a Constituição que justifique essa decisão perante o
Poder Legislativo, concluindo que “esse é o modelo dominante no
Poder Executivo e passivamente aceito no Poder Legislativo”.472
Deveras, não se compreende como o Poder Legislativo possa
abrir mão de prerrogativa tão importante em termos do destino
dos recursos públicos. A Constituição da República, efetiva-
mente, não obriga que o Executivo justifique ao Legislativo esse
“desvio” (ou não utilização) no destino dos recursos aprovados
pelos representantes do povo. Estes, entretanto, deveriam exigir
explicações sempre que isso acontecesse. A não ser que se enten-
da todo o processo orçamentário como algo pro forma ou “para
inglês ver”.
A não execução do acordado entre o Poder Executivo e o
Poder Legislativo – pois é isso o que ocorre com a aprovação do
orçamento – ou a sua execução parcial somente deveriam acon-
tecer nas hipóteses previstas legalmente, como é o caso do art.
9.º da LRF, acima citado. Ou, se não, mediante nova autorização
específica por parte do Legislativo.
Oliveira indica, ainda, o instrumento jurídico apto para o
caso de o Poder Executivo deixar de executar o que foi programa-
do no orçamento, seja por falta de condições normativas ou opera-
cionais, ou, ainda, por alterações de prioridades: os projetos de lei
de créditos adicionais, “por meio dos quais se cancelam dotações
desnecessárias aproveitando-se os recursos em outras programa-
ções, já existentes ou criadas no mesmo projeto”.473

6.7 Versão técnica “oficial”


O que se vê, na prática, é o “congelamento” de verbas
efetuado no início do ano e os recursos serem liberados a conta-

472
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 406-407.
473
Idem, ibidem, p. 414.
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 225

-gotas, quando, e se, o Governo desejar. Pode haver razões – e


elas existem – que justifiquem algum tipo de contingenciamento
de verbas. Aliás, a isso se remete a Lei de Responsabilidade Fis-
cal, no art. 9.º, que impõe a limitação de empenho e movimen-
tação financeira, “se verificado, ao final de um bimestre, que a
realização da receita poderá não comportar o cumprimento das
metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo
de Metas Fiscais [...]”.
No site do Ministério do Planejamento, Orçamento e Ges-
tão, em entrevista concedida a um repórter, na seção “Educação
para o Orçamento”, no “Momento do Orçamento”, o Diretor do
Departamento de Programas da área econômica da Secretaria de
Orçamento Federal, ao responder sobre o que seria o “contin-
genciamento”, diz:
O contingenciamento é uma medida de programação finan-
ceira. Assim como isso existe para o governo, a gente também
tem esse mesmo efeito na nossa vida particular, que nada mais
é que do que a limitação dos gastos frente à receita que você
tem anualmente, frente ao que você recebe, para economizar.
E essa economia então é direcionada para a diminuição da
dívida que o poder público tem em relação aos seus credores.
É para isso que a gente faz o contingenciamento.
Em seguida a isso, o entrevistador complementa:
Loc./Repórter: O diretor do Departamento de Programas da
Área Econômica da SOF, Bruno César de Souza, acrescenta
ainda que é importante que o Brasil honre os compromissos
financeiros realizados para ganhar a confiança internacional
e assim aumentar os investimentos no país.474
Em outras palavras, o Governo Federal admite que a re-
tenção de verbas aprovadas no orçamento existe, no mais das
vezes, para poupar recursos a fim de direcionar essa poupança à

Página “Educação Orçamentária”, no site da Secretaria de Orçamento


474

Federal, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.


226 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

“diminuição da dívida que o poder público tem em relação aos


seus credores”, conforme confessado anteriormente, sem ne-
nhum tipo de prurido. Fica, assim, mais evidente ainda a dúvida
sobre o porquê da necessidade de aprovação da lei orçamentária
pelo Poder Legislativo. Se já se sabe de antemão que os recursos
(talvez na sua maior parte) aprovados não irão para aquilo que
constou na lei de orçamento, para que, então, a passagem do pro-
jeto pelo Parlamento? Para que, então, o próprio orçamento do
jeito que é? Bastaria um documento contábil para o Executivo
situar-se nos respectivos números de entradas e saídas de recur-
sos, sem a preocupação com o aspecto político ou social, pois,
em última análise, o Poder Executivo acaba fazendo o que quer
e quase como quer.
É certo que pode haver – e certamente há – períodos em que
a arrecadação não corresponde às expectativas, obrigando a que
se proceda ao “contingenciamento” de verbas. A própria Lei de
Responsabilidade Fiscal alude a essa hipótese, no art. 9.º, como
se viu anteriormente, quando reza:
Art. 9.º Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização
da receita poderá não comportar o cumprimento das metas
de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de
Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promove-
rão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta
dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação
financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes
orçamentárias.
Antes da promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal
era comum que se aguardasse o decreto de execução do orça-
mento, que, na prática, fixava limites para movimentação e para
o empenho e pagamento das dotações orçamentárias. Isso, em
uma frase, é o denominado “contingenciamento de despesas”.
Ora, após a publicação da Lei Complementar 101/2000, quer-
-nos parecer que esse proceder passou a não mais ser permitido,
ficando essa possibilidade restrita ao que essa lei prevê, como é
o caso do art. 9.º, já citado. Existe a possibilidade de “congelar’
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 227

despesas, porém sempre visando ao cumprimento de metas fis-


cais.
De todo modo, agora exige-se maior transparência, pois a
lei em questão requer a fixação dos critérios a serem utilizados
para o contingenciamento pela Lei de Diretrizes Orçamentárias,
bem como os dos montantes que serão objeto dessa ação.

6.8 Mais uma excrescência


O jornal “Folha de São Paulo”, de 18 de dezembro de 2013,
publicou reportagem com o seguinte título: “Para aprovar logo o
Orçamento, governo dá bônus de emenda”.475
A informação jornalística não é, reconhecemos, a maneira
mais tecnicamente aceitável de ser incluída num trabalho acadê-
mico. Não se pode negar, entretanto, que a Academia não pode
– e não deve – distanciar-se do mundo real e, muitas vezes, a
mídia em geral toca em assuntos que propiciam reflexão teórica
e auxiliam na elaboração de exemplos e conclusões sobre temas
importantes, dos quais a Academia não pode se alhear. É o caso
aqui trazido à colação, que possibilita a aplicação concreta de
ensinamentos teóricos colhidos pela doutrina e jurisprudência.
A matéria em apreço diz, resumidamente que, para “des-
travar” a votação do Orçamento para o ano de 2014, o Governos
Federal acenou com o “mimo” de um “bônus” de R$2 milhões
em verbas destinadas às “emendas parlamentares”, ou seja,
como diz o próprio jornal, para “as obras apadrinhadas por de-
putados e senadores”.
Esta questão está relacionada como se pode ver, à discussão
acerca da “impositividade” do orçamento, acima tratada.
Num pré-acordo sobre o orçamento, os parlamentares
concordaram em reduzir em cerca de R$ 1 bilhão os recursos
destinados ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimen-

Folha de S. Paulo de 18 de dezembro de 2013, Seção “Poder”, p. A7.


475
228 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

to), montante este que seria direcionado principalmente para


o atendimento das emendas. Lembre-se que a lei de Diretrizes
Orçamentárias teve regra nela inserida que obriga o governo a
executar parte as emendas parlamentares.
A reportagem, contudo, não se restringe a isso, acrescen-
tando:
Na discussão do Orçamento, deputados e senadores aumen-
taram a previsão de receita em R$ 12,1 bilhões a partir da
proposta do governo – a menor reestimativa feita pelos con-
gressistas nos últimos quatro anos (grifamos).
Ainda não termina o descalabro. Continua o texto:
Ele [o relatório da Comissão Mista de Orçamento] libera
ainda quatro das seis obras que receberam recomendação
de paralisação pelo TCU (Tribunal de Contas da União) por
irregularidades graves.
Passemos a algumas reflexões que o conteúdo desta repor-
tagem jornalística propicia.
No aspecto concernente ao orçamento impositivo, consoan-
te já expusemos retro, nosso entendimento é a favor do orçamen-
to impositivo, com algumas temperanças e poucas exceções.
O que se apresenta aqui, no entanto, é a possibilidade de o
orçamento somente ser obrigatório no que diz com as emendas
parlamentares e, ainda assim, dentro de limites de montantes
previamente estabelecidos. Com isso não podemos compactuar:
ou as emendas parlamentares vão ao encontro do interesse pú-
blico e por isso são aprovadas pelo Poder Legislativo e devem
ser cumpridas quando da execução orçamentária, ou se rejeita a
emenda exatamente por não condizer com o interesse público.
Demais disso, pode o interesse público ser aferido em razão do
montante de recursos a ser destinado para a respectiva emenda?
Se a obra, atividade ou mesmo parte de programa implicar dis-
pêndio maior de recursos do que aquele previamente acertado
(aquele que esteja no limite fixado para a emenda parlamentar),
isso deixa de ser de interesse público?
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 229

Pensamos que a resposta a ambas indagações deve ser


negativa. A razão para existir a possibilidade de parlamentares
apresentarem emendas ao orçamento só pode estar relacionada
ao interesse público.
A participação do parlamento na análise do projeto das leis
orçamentárias476 tem pelo menos a dupla função de fiscalizar o
Poder Executivo – como tantas vezes acentuado neste trabalho
– e de colaborar na discussão acerca da efetiva necessidade de
recursos (principalmente os de caráter tributário) e muito espe-
cialmente no que respeita a alocação desses recursos visando a
respeitar, em primeiro lugar, os desígnios constitucionais – ex-
pressos ou implícitos – e o interesse da população da nação. Isto,
de tão óbvio, é até difícil de ser objeto de grandes divagações.
Não se cuida de argumento de caráter meramente político ou
sociológico, por exemplo (embora também o seja), mas é o que
se dessume do texto constitucional e das razões históricas nele
arraigadas e que servem de base, também, à sua interpretação.
Não se concebe que os representantes do povo legislem contra o
interesse deste e esse interesse está, ainda que em linhas gerais,
estampado na Lei das Leis.
Se assim é, da mesma forma que a elaboração do orçamen-
to pelo Poder Executivo tem de se pautar pelos caminhos aqui
apontados, o Legislativo, ao participar da análise do orçamento
deve proceder igualmente. E como o faz? Por meio da apresenta-
ção de emendas ao respectivo projeto, na mesma linha da busca
pelo atingimento do interesse público. Não pode ser o valor de
uma obra, v.g., o que impeça a apreciação dessa emenda, mesmo
que ela ultrapasse o “limite consentido” para cada parlamentar
emendar o orçamento. Evidentemente, haverá limitação de
recursos no próprio orçamento. Será somente em função disso
que uma emenda não deverá ser aprovada ou eventualmente até

Ainda que isso seja mais visível quando se trata da Lei Orçamentária
476

Anual, aplica-se, também, à Lei do Plano Plurianual e à lei de Diretrizes


Orçamentárias.
230 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

proposta; o que não se pode é limitar adrede a proposta de emen-


da em razão de o importe relativo ao seu objeto ser superior à
“concessão” feita a cada parlamentar.
A Constituição da República é clara: as restrições à apro-
vação de emendas ao orçamento somente podem ser aquelas
constantes do seu próprio texto. Assim dispõe o art. 166 da Lei
Maior, naquilo que aqui interessa ressaltar:
§ 2.º As emendas serão apresentadas na Comissão mista, que
sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental,
pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional.
§ 3.º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos
projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
I – sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de
diretrizes orçamentárias;
II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os
provenientes de anulação de despesa, excluídas as que inci-
dam sobre:
a) dotações para pessoal e seus encargos;
b) serviço da dívida;
c) transferências tributárias constitucionais para Estados,
Municípios e Distrito Federal; ou
III – sejam relacionadas:
a) com a correção de erros ou omissões; ou
b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.
§ 4.º As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias
não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano
plurianual.
Por constituírem restrição ao poder dos representantes do
povo na apreciação da lei mais importante do Estado, a interpre-
tação da Constituição neste aspecto também deve ser restritiva,
qual seja, a de que unicamente essas são as condicionantes à
emendas parlamentares ao orçamento.
É lamentável perceber que o Poder Legislativo federal (isso
ocorre em outras esferas, também, certamente) abra mão de uma
O ORÇAMENTO IMPOSITIVO 231

de suas mais importantes prerrogativas em favor das imposições


do Poder Executivo. Mais deplorável, ainda, é a circunstância de
que uma questão de tanta relevância passe praticamente desper-
cebida na maioria dos setores da sociedade. Afinal, é o destino
do dinheiro dessa sociedade que está sendo objeto de barganha,
muitas vezes imoral e ilegítima.
Ora, “as obras apadrinhadas por deputados e senadores”,
conforme afirma a reportagem, ou são de interesse público – e
podem perfeitamente sê-lo – e daí merecem a respectiva dotação
orçamentária, ou não o são e, por isso (ou por absoluta falta de
recursos) as emendas não serão aprovadas e contempladas com
recursos orçamentários. O “bônus” de R$2 milhões em verbas,
destinado às “emendas parlamentares” é simplesmente uma
excrescência, infelizmente já assentada na nossa “cultura” orça-
mentária, que não encontra amparo constitucional e, atrevemos
a ir mais longe, é mesmo inconstitucional, por ser imoral.
Na segunda parte da reportagem ora objeto de comento,
fala-se da reestimativa da receita para o orçamento do próximo
exercício. Ora, a não ser que os parlamentares possuam assesso-
ria econômica de altíssimo nível – que deveria existir –, parece
mais adequado ao Poder Executivo estimar a receita, pois ele
é que tem, a princípio, as informações técnicas e econômicas
a respeito da economia do país e pode fazer as projeções de
arrecadação das receitas. Como ele é que controla a “máqui-
na” administrativa, é ele que está mais próximo da realidade,
razão, aliás, por que se atribui ao executivo a iniciativa das leis
orçamentárias (art. 165, CF). É evidente que o Legislativo, se
vai analisar o projeto de lei orçamentária, deve ter condição e
elementos técnicos para fazê-lo. Agora, como se explica a dis-
crepância – a se confirmarem os dados fornecidos pela matéria
jornalística – entre o montante estimado pelo Executivo e pelos
deputados e senadores? Mais de R$12 bilhões?
Quando se diz que o orçamento estima as receitas e autoriza
as despesas está pressuposto que esta estimativa haverá de ser
feita com base em critérios e dados reais.
232 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

6.8 Nossa opinião


Como vimos no capítulo referente à natureza jurídica da
lei orçamentária, grande parte da doutrina entende que tratar o
orçamento de lei formal ou material depende do Direito positivo
de cada país.
No Brasil, estamos convencidos, o orçamento é uma forma
de atuação da Constituição; é dizer: a Lei das Leis exige o plane-
jamento por parte do Estado, aponta as prioridades para o gasto
público, exige a participação do Poder Legislativo na aprovação
do orçamento etc. Se a pressuposição é de que o orçamento é o re-
sultado da conjugação de todos esses elementos, significa que ele
traduz a vontade do povo (mediante a junção das vontades do Po-
der Executivo e Legislativo, eleitos por ele) e que, portanto, a sua
não realização somente pode ocorrer em situações excepcionais,
das quais o exemplo mais evidente é a arrecadação não acompa-
nhar a estimativa ou, ainda, de haver risco de não cumprimento
das metas fiscais (que, por sua vez, decorrem do “plano”).
Vemos, também, na defesa do orçamento impositivo que o
seu obrigatório cumprimento deriva, também, do princípio da
eficiência, consoante averbado em doutrina retrocitada. Deve-
ras, se são poucos os recursos e se a sua destinação foi discutida
e acordada entre Executivo e Legislativo, pressupõe-se que o
que foi decidido é para ser cumprido.
Parece razoável que haja válvulas de escape para a rigidez
da “impositividade” do orçamento, porém estas também devem
constituir exceção.
Talvez uma possibilidade seja a de deixar um percentual
(reduzido) como margem de manobra, impondo o estrito cum-
primento (afora os casos excepcionais antes mencionados) de
todo o restante do orçamento.
Outro ponto que merece atenção é que, a entender-se pela
impositividade do orçamento, este é “impositivo” por inteiro,
não somente quanto às emendas parlamentares.
233

Capítulo 7
A preocupação com
a performanCe

Sumário: 7.1 Percurso para a chegada aos orçamentos de desem­


penho: 7.1.1 Estados Unidos da América; 7.1.2 Os orçamentos
com base em programas; 7.1.3 Orçamento por objeto (line item
budgeting); 7.1.4 Orçamento cíclico; 7.1.5 Orçamento funcional;
7.1.6 O PPBS – (Planning, Programming, Budgeting System)
– Sistema de planejamento e programação orçamentária; 7.1.7
Orçamento “base zero”; 7.1.8 Orçamento-programa – 7.2 A
performance: 7.2.1 A busca por melhor desempenho; 7.2.2 Uma
nova governança financeira pública; 7.2.3 A Escola do Public
Choice – 7.3 O orçamento e desempenho: 7.3.1 Orçamento de
resultados (outro nome para “de desempenho”); 7.3.2 O “novo”
orçamento de desempenho; 7.3.3 A performance e os recursos
humanos; 7.3.4 O que esperar com a adoção do orçamento de
resultado? – 7.4 Conclusão.

7.1 Percurso para a chegada aos orçamentos de


desempenho
No estágio histórico em que vivemos prevalece a ideia, tan-
to na economia quanto nas finanças públicas, de “desempenho”,
“resultados”, “eficiência”, e não saberíamos dizer se disso se
poderá afastar muito no futuro. O que se pretende neste capítulo
é fornecer uma noção geral de como foi o caminho percorrido
até agora para se chegar à etapa atual. Evidentemente, não temos
intenção de esgotar o assunto, pois isso demandaria a elaboração
de um tratado, mas cremos ser possível apresentar um panorama
global que auxilie na compreensão senão das possíveis soluções,
234 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

ao menos das dificuldades para chegar a elas no tocante ao que


fazer com os recursos públicos e com as contas públicas.
Iniciamos por uma breve evolução histórica da teoria orça-
mentária nos Estados Unidos da América, que é um dos países
que influenciaram e seguem influenciando a questão orçamentá-
ria em nosso país.

7.1.1 Estados Unidos da América


Lance Le Loupe, no seu Budget Theory for a New Century,
aponta três períodos pelos quais passou a Teoria do Orçamento
nos Estados Unidos. Seriam eles: 1) o “incrementalismo”, que
estaria dentro do “velho paradigma”; 2) a “Era do déficit”, que é
a fase de transição; e 3) o surgimento de um “novo paradigma”,
que corresponderia ao momento atual.
A primeira dessas fases, o “incrementalismo”,477 caracteri-
zou-se, basicamente, por crescimento econômico, suporte popu-
lar para a expansão [orçamentária], decisões tomadas de baixo
para cima, com processo fechado, rotineiro, de nível “micro”,
centrado no Presidente dos Estados Unidos.478 No incrementa-
lismo, que, segundo Wildavsky, é o critério que preside a elabo-
ração dos orçamentos,
grande parte dos recursos é apropriada em programas anti-
gos, já objetos de análises e decisões anteriores, e os novos
programas têm de competir em busca dos poucos recursos
disponíveis, o chamado incremento anual.479

477
O “incrementalismo” caracteriza-se por alterações marginais na aloca-
ção dos recursos orçamentários disponíveis de um ano para outro, com
forte propensão à manutenção do status quo (conforme Armando Cunha
e Fernando Rezende, Orçamento e desenvolvimento, p. 69), ou seja, no
qual a tomada de decisões propicia ajustes marginais, baseados nas dota-
ções dos exercícios anteriores.
478
Lance Leloup, Budget Theory for a New Century, p. 13.
479
Aaron Wildavsky, The politics of budgetary process, apud James Giaco-
moni, Orçamento público, p. 169.
A preocupação com a performanCe 235

Naquilo que ele denomina “Era do déficit”, como indica o


nome, houve estagnação econômica, déficits, o povo voltando-
-se contra o Presidente, a política orçamentária focava-se na
redução do déficit, no controle dos benefícios, as decisões eram
tomadas de cima para baixo, o processo orçamentário era aberto,
de nível “macro”, público, plebiscitário e havia um recorrente
conflito entre Poderes [Executivo e Legislativo].480
Na fase que o autor denomina de “novo paradigma”, o
ambiente é de crescimento, excedentes, há pressões, ainda que
conservadoras, para o desenvolvimento de novos programas; o
foco está em manter equilibrado o orçamento, os benefícios, ain-
da prevendo redução de impostos e da dívida; há, também, um
balanceamento entre os níveis de elaboração orçamentária “ma-
cro” e “micro”; pretende-se privatizar, desregular, “reinventar o
Estado”; a relação entre Executivo e Legislativo é proporcional
de cooperação e embate entre ambos.481 Note-se que o estudo
data de 2002 e que, depois disso, os Estados Unidos e a Europa,
especialmente, mergulharam em uma forte crise econômica a
partir de 2008, que, certamente, alterou vários pontos da expec-
tativa aqui referida, devendo-se considerar, ainda, a entrada no
Poder do Presidente Barak Obama, o que também tem reflexos
no assunto em tela, dado o fato de pertencer ao Partido Demo-
crata.
O que já se pode extrair desse panorama descrito em breves
linhas é o importante papel desempenhado pela Economia e pelo
povo, diante dos reflexos que esta produz em uma nação.

7.1.2 Os orçamentos com base em programas


Como se procura salientar diversas vezes neste estudo, o
orçamento “clássico” era um documento que continha, sim-
plesmente, a previsão de receitas e a autorização de despesas

James Giacomoni, Orçamento público, p. 169.


480

Idem, ibidem, p. 169.


481
236 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

públicas, as quais eram classificadas por objeto. Previam-se as


despesas por itens, sem a preocupação de encaixar esses itens
em determinados programas ou atividades. Como ensina José
Afonso da Silva, uma vez que o orçamento era informado pelos
princípios do liberalismo,
[...] refletia a ideia de que a atividade financeira do Estado
deveria restringir-se ao indispensável, à satisfação das neces-
sidades primárias do Estado, vedada qualquer ingerência na
ordem econômica e social.482
Não se havia pensado o orçamento como um instrumento
de ação sobre a economia. Servia, basicamente, para propiciar o
controle parlamentar sobre o Poder Executivo, além de consti-
tuir um documento jurídico de previsão de receita e autorização
para o gasto.
Em um Estado intervencionista, essa neutralidade orça-
mentária já não encontrava mais lugar, tendo-se descoberto a
vocação do orçamento também para interferir na economia,
quando, então, ele passou a ser peça fundamental na elaboração
da política fiscal, auxiliando na condução dos rumos da econo-
mia. A crise financeira de 1929 e a II Guerra Mundial foram os
eventos que possibilitaram a aferição da íntima relação entre o
orçamento público e a economia nacional.483
Em contraposição às chamadas finanças neutras, surgiram,
então, as finanças funcionais, que se caracterizam por serem
aquelas que se orientam no sentido de influir sobre a conjuntura
econômica.484
Há várias técnicas que partem do elo que se acabou por
estabelecer entre o orçamento e os programas de governo. Passa-
remos a caracterizar algumas delas até chegarmos ao orçamento
de desempenho, no qual nos deteremos mais amplamente.

482
José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 1-2.
483
Idem, ibidem, p. 3.
484
Idem, p. 4, com apoio em Lerner.
A preocupação com a performanCe 237

7.1.3 Orçamento por objeto (line item budgeting)


Esse é o orçamento clássico. Ele simplesmente enume-
ra, arrola, lista as despesas por categorias, ou seja, por objeto
(line-items), por exemplo, salários, gasolina, suplementos etc.485
Esses itens poderiam caber em qualquer tipo de atividade ou
programa. Era de fácil compreensão pelos elaboradores e exe-
cutores do orçamento e, além disso, favorecia o controle, que é
uma das razões de ser do orçamento.486
O fato de ser a forma tradicional de orçar, ele convive até
hoje com os orçamentos “modernos”, sendo mesmo a sua base.

7.1.4 Orçamento cíclico


A ideia do orçamento cíclico tem a ver com a ênfase no as-
pecto econômico do orçamento. Segundo essa concepção, o or-
çamento, em vez de ser uno e único, seria bipartido, ou seja, ha-
veria um duplo orçamento: o orçamento “ordinário”, algo como
“de custeio”, e o orçamento de capital. Como realça Baleeiro,
[...] em lugar do orçamento por exercícios financeiros, equili-
brados em cada ano, propuseram e realizaram [os financistas]
orçamentos “cíclicos”, ou adaptados às flutuações de conjun-
tura, ajustando-se os déficits na depressão aos saldos no boom
ou fase alta dos negócios.487
Pretende-se com esse tipo de orçamento, que se enquadra
naquilo que se denomina “finanças funcionais”, a utilização do
orçamento visando à manutenção do equilíbrio econômico du-
rante as fases cíclicas.488

485
Charlie Tyer e Jennifer Willand, Public Budgeting in America. A Twen-
tieth Century Retrospective, sem indicação de página.
486
James Giacomoni, Orçamento público, p. 160.
487
Aliomar Baleeiro, Uma introdução à ciência das finanças, p. 405.
488
O ciclo econômico consistiria de quatro fases: 1) a fase ascendente, de
prosperidade ou expansão; 2) a descendente, denominada depressão ou
contração; 3) a crise, ou passagem da prosperidade para a depressão; e
238 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Segundo José Afonso da Silva, com base em Mateo Kau-


fmann, não existe propriamente orçamento cíclico; o que há é
uma política financeira que, ‘atuando como auxiliar da po-
lítica econômica, enxerta veladamente no orçamento anual
um orçamento plurianual que corresponde mais ou menos à
duração do ciclo.489
A partir da constatação de que o equilíbrio anual do or-
çamento pode ser mais danoso que benéfico, especialmente
em épocas de depressão econômica, agravando o quadro con-
juntural, a teoria do orçamento cíclico “propôs a formação de
uma política de superávits e déficits orçamentários com efeitos
compensatórios”.490 Com isso, na fase de prosperidade serão
criados superávits para serem utilizados no estágio de depres-
são. Por outro lado, será gerado déficit sistemático em épocas
de depressão, porquanto nelas o Estado deverá realizar gastos de
investimentos ou inversões reais a fim de estimular a economia.
José Afonso da Silva relata que essa teoria teve pouca apli-
cação na prática, com experiências em alguns países – Suécia,
Dinamarca, Finlândia, Bélgica e Suíça. Isso teria ocorrido em
razão de esse tipo de orçamento não ter sido pensado para um
sistema econômico não intervencionista. Ele visava, de certa
forma, a
salvar o laissez-faire em seus fundamentos, porquanto a inter-
venção estatal seria também cíclica, só para manter o equilíbrio
da economia, que o sistema não conseguia com seus próprios
mecanismos.491

4) a recuperação ou passagem da depressão para a prosperidade (cf. José


Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 6, em nota de roda-
pé, com base nas lições de Sebastião de Sant’Anna e Silva).
489
Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 6.
490
Idem, ibidem, p. 7.
491
Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 9.
A preocupação com a performanCe 239

A teoria do orçamento cíclico contribuiu com quatro ideias


básicas para a evolução do direito orçamentário, a saber:
(i) demonstrou que o equilíbrio do orçamento na forma conce-
bida pelas finanças clássicas era um dogma injustificado sob
qualquer ponto de vista; (ii) mostrou que o princípio da anua-
lidade orçamentária não satisfaz as exigências da economia
moderna; (iii) sugeriu, em consequência, que o princípio da
unidade deveria sofrer reformulações; (iv) iniciou nova clas-
sificação das contas orçamentárias: correntes (ordinárias) e de
capital (Suécia e Dinamarca), que se tornaria especialmente
fértil na prática do orçamento programa.492
Pode-se dizer, no mínimo, que a concepção do orçamento
cíclico iniciou a importante classificação das contas orçamentá-
rias em correntes e de capital, o que influenciou sobremaneira
aquilo que viria a ser o orçamento-programa493 e o que é hoje, no
Brasil, a inspiração do plano plurianual.

7.1.5 Orçamento funcional


Precursor do orçamento de desempenho é o denominado
“orçamento funcional”, que surgiu como uma nova técnica de
apresentação do orçamento, inicialmente sob o nome de taskset-
ting budget, logo generalizada, nos Estados Unidos pela desig-
nação performance budget.494
Esse sistema tasksetting, aplicado originariamente na Ho-
landa em 1948, consiste em substituir a tradicional especificação
das despesas por um regime de dotações globais em favor dos
funcionários encarregados dos serviços estatais. A lei fixa o
gasto máximo autorizado para cada seção, determinado segundo
cálculos prévios sobre a forma mais eficaz de realização”.495

492
Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 9-10.
493
Idem, ibidem, p. 10.
494
Carlos M. Giuliani Fonrouge, Derecho financiero, v. 1, p. 164.
495
Idem, ibidem, p. 164-165.
240 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Segundo Fonrouge, com esse proceder, não se presta tanta


atenção ao controle de utilização das rubricas autorizadas quan-
to “ao controle técnico e econômico da eficácia dos serviços a
cargo da Administração Pública”.496
Consta que a Comissão Hoover utilizou pela primeira vez
a expressão performance budget,497 que o definiu como “um or-
çamento baseado em funções, atividades e projetos” e, segundo
outro relatório, como um orçamento caracterizado por despesas
discriminadas “em termos de serviços, atividades e projetos de
trabalhos, antes que em termos de coisas compradas”.498
Parece-nos que ninguém melhor e mais objetivamente
definiu as características do orçamento por desempenho que
Burkhead. Ele diz que, em termos gerais,
[...] o orçamento de desempenho é aquele que melhor se associa
a uma classificação focalizando aquilo que o Governo faz, de
preferência àquilo que adquire. O orçamento de desempenho
transfere a ênfase dos meios de realização para a realização
em si mesma”.499
Burkhead chama a atenção, ainda, para a tendência a con-
fundir o orçamento-programa e o orçamento de desempenho,
que, para ele, apresentam diferenças, entre as quais destacare-
mos as seguintes:
a) um programa compreende várias unidades de desempe-
nho;
b) um órgão ou departamento pode realizar vários pro-
gramas diferentes ou deles participar, ao passo que as

496
Carlos M. Giuliani Fonrouge, Derecho financiero, p. 165.
497
Ainda que, conforme se viu, esse sistema já era empregado na Holanda e
por algumas cidades e entidades públicas dos Estados Unidos (Carlos M.
Giuliani Fonrouge, Derecho financiero, v. 1, p. 165).
498
Carlos M. Giuliani Fonrouge, Derecho financiero, v. 1, p. 165. Veja-se,
também, José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 18-19.
499
Jesse Burkhead, Orçamento público, p. 175, grifou-se. (Adaptou-se o
texto citado à ortografia atual.)
A preocupação com a performanCe 241

unidades organizacionais (de nível inferior ao de depar-


tamento, por exemplo), desenvolvem atividades deriva-
das, sendo diretamente responsáveis pelo desempenho;
c) os custos do programa podem ser determinados pela
soma dos custos das unidades de desempenho.
Além dessas, outra diferença, que se nos afigura expressiva,
é a de que, no tocante ao fator “tempo”, os programas orçamen-
tários são, pela sua própria natureza, projeções para o futuro
das políticas econômicas e sociais de um Governo, enquanto o
desempenho “deve ser baseado no passado, no registro das rea-
lizações anteriores”.500
Em outras palavras, para esse autor a distinção entre esses
tipos de orçamento resume-se em que o primeiro coloca ênfase
na programação no nível da instituição como um todo ou dos
grandes órgãos (Ministérios, por exemplo), auxilia as decisões
macroadministrativas, bem como a participação do legislador
no processo orçamentário. O orçamento de desempenho, por
sua vez, apresenta maior interesse nos níveis organizacionais
responsáveis pela execução dos programas, tomando em consi-
deração as unidades de desempenho, os custos etc.501
De toda sorte, nesse tipo de orçamento, ressalta a necessi-
dade de integração do planejamento, avaliação e orçamento.502
O orçamento funcional (Tasksetting Buget), colocado como
antecedente ao orçamento-programa, “constituiu o primeiro
passo no sentido da reforma da técnica orçamentária”.503

500
Jesse Burkhead, Orçamento público, p. 182-183 (grifou-se).
501
Em trabalho do Bureau do Orçamento americano, citado por Burkhead
(Orçamento público, p. 187).
502
Pedro Luiz Cavalcante, Orçamento por desempenho: uma análise com-
parativa do modelo de avaliação dos programas governamentais no Bra-
sil e nos Estados Unidos, p. 3.
503
José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 14.
242 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Representa, de certo modo, sob a forma monetária, as mo-


dalidades de intervenção do Estado na atividade econômica.
Nele, as despesas são classificadas por funções, atividades e
tarefas governamentais, e não por objeto. A ideia, nessa forma
de estruturação, é a ênfase no alcance das metas impostas, e não
no objeto. Pretende-se, com a sua implantação, a racionalização
das atividades estatais, onde cada responsável por unidades de
serviço participa da elaboração dos objetivos e responde pela
sua execução, tal qual na empresa privada “onde o orçamento
funcional teve a sua primeira experiência”.504
Nas palavras de José Afonso da Silva, “o processo orça-
mentário funcional generaliza, de fato, a ideia de orçamento.
Definindo as tarefas administrativas, contribui para precisar as
responsabilidades e revela seus resultados”.505
Esse professor explica de forma minuciosa a proposta que
traz esse orçamento:
Ele implica que todos os escalões administrativos formulem a
um tempo a missão correspondente às suas funções, a natureza
dos meios a utilizar para atingi-la, a etapa de realização de seus
programas e os procedimentos de controle de execução. Ele
supõe que esses programas sejam suficientemente flexíveis
para serem modificados no curso da execução, de maneira a
melhor adaptá-los às tarefas a realizar. Ele supõe que essas
realizações – mesmo que não sejam efetivadas à vista de um
benefício mensurável – sejam feitas ao menor custo financeiro,
não para reduzir o volume do orçamento, mas para desembar-
car, liberar recursos, graças aos quais será possível conservar
e realizar uma a longo prazo. Ele supõe, enfim, que os respon-
sáveis por cada tarefa disponham de autoridade e de meios que
lhes permitam atuar suas responsabilidades, porque nada é
mais injusto – o que é pouco – nem mais deprimente – o que é
grave – do que cravar no pelourinho dos índices de resultado

José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 14-15.


504

Idem, ibidem, p. 15.


505
A preocupação com a performanCe 243

um indivíduo que absolutamente não pode exercer iniciativas


para aumentar o rendimento de sua tarefa.506

7.1.6 O PPBS – (Planning, Programming, Budgeting


System) – Sistema de planejamento e programação
orçamentária
Esse tipo de orçamento caracteriza-se “pela ênfase nos ob-
jetivos, nos programas, nos elementos dos programas, tudo esta-
belecido em termos de produto”.507 Ele significou uma tentativa
de usar instrumentos racionais de fusão de processos de plane-
jamento, de programação e o sistema orçamentário.508 Embora
isso tudo, isoladamente, não constituísse nenhuma novidade, a
sua peculiaridade foi tentar combinar esses elementos.
O planejamento seria usado para determinar os objetivos e os
programas para atingi-los. A programação auxiliaria no geren-
ciamento dos esforços para realizar os objetivos. O orçamento
viria com as estimativas financeiras dos recursos necessários
pelos órgãos para executar os planos.509

7.1.7 Orçamento “base zero”


O orçamento base zero (ou por estratégia) constitui uma
técnica para a elaboração do orçamento-programa.

506
Brochier-Trabatoni, Economie Financière, apud José Afonso da Silva,
Orçamento-programa no Brasil, p. 14-16.
507
Cf. David Novick, apud James Giacomoni, Orçamento público, p. 164.
508
Charlie Tyer e Jennifer Willand, Public Budgeting in America. A Twen-
tieth Century Retrospective, com apoio em Miler, sem indicação de pági-
na.
509
Idem, ibidem, sem indicação de página. No original: “Planning was to
be used to determine goals and programs to help achieve them. Pro-
gramming would assist in administering efforts to efficiently accomplish
goals. Budgeting would come up with financial estimates of resources
needed by agencies to execute the plans”.
244 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Como averba Luís Faria, os orçamentos tradicionais são


marcados por uma despesa rígida e uma tendência incremental.
“A abordagem OBZ [Orçamento Base Zero] pressupõe a intro-
dução de uma certa racionalidade económica na elaboração dos
orçamentos line-item budgeting, numa perspectiva bottom-up
[de baixo para cima].”510
O orçamento base zero é adotado para que a elaboração do
orçamento seja feita como se partissem do zero, a fim de evitar a
continuidade de programas desnecessários.
Teoricamente, esse tipo de orçamento requer que os progra-
mas sejam justificados sempre, de modo que isso ultrapassa o
que acontece no orçamento de base tradicional, que não recebia
a devida atenção. Ele exige identificação de decisões isoladas
e em conjunto e classificação de unidades dentro do conjunto
e avaliação de níveis alternativos de gastos para essas unidades
dentro do conjunto.511
Em suma, a singularidade do orçamento base zero estava na
formatação da informação e na redefinição da base orçamentá-
ria a fim “de incluir decréscimos e não somente acréscimos no
financiamento”.512
Esse tipo de orçamento foi aplicado nos Estados Unidos em
nível nacional somente durante a gestão do Presidente Carter,
logo tendo sido deixado de lado com a subida de Reagan ao po-
der, alegando-se, naquela época, como razão para esse abando-
no, pois, como um observador pontuou: “apanharam-se algumas
borboletas, mas não se parou nenhum elefante”.513

510
Luís Faria, Orçamento estratégico, p. 25. Lembra o autor que Portugal
encontra-se ainda na fase de transição ao orçamento por resultados, e
que, por ora, utiliza o orçamento por objeto (line up budgeting), aqui
mencionado em item anterior.
511
Charlie Tyer e Jennifer Willand, Public Budgeting in America. A Twen-
tieth Century Retrospective.
512
Idem, ibidem.
513
Idem. No original: “some butterflies were caught, no elephants stopped”.
A preocupação com a performanCe 245

7.1.8 Orçamento-programa
Talvez se possa dizer que o orçamento-programa – ou,
como preferimos chamar, orçamento por programas514 – seja o
tipo de orçamento que retrata a moderna visão que se pode apon-
tar como vigente, com aperfeiçoamentos, nos tempos atuais. É
enxergar o orçamento pelo prisma dinâmico.
Ele já parte da ideia de planejamento, para a qual o orça-
mento deve conter as respectivas dotações visando à realização
de programas, e não simplesmente a atribuição de determinado
volume de recursos para itens isolados do todo. A título exem-
plificativo, em um “orçamento-programa” a preocupação deve
ser com atribuir o montante de recursos necessários para obter a
meta de alfabetizar “n” milhões de adultos, e, para tanto, serão
computados recursos para a construção de salas de estudo, car-
teiras, pagamento de salários de professores etc.
Ele vem no bojo do “orçamento estrutural”, no qual existe a
integração do orçamento público com o econômico, garantindo
a necessária coordenação entre a política fiscal e a política eco-
nômica.
A partir do momento em que se percebeu a necessidade de
tornar dinâmico o orçamento, no sentido de fazê-lo interagir com
a economia é que se começou a falar, por exemplo, em finanças
funcionais, que, como vimos, são aquelas que se orientam no
sentido de influir sobre a conjuntura econômica e se preocupam
em conseguir o equilíbrio da economia como um todo.
Nos Estados Unidos, a preocupação com uma gestão públi-
ca mais eficiente vem de longa data. A Comissão Taft, criada em
1910, adotando o nome do então presidente, William Howard

José Afonso da Silva procede a uma distinção entre “orçamento por pro-
514

gramas” e “orçamento-programa”, afirmando ser aquele o gênero, “que


comporta várias espécies, desde a programação orçamentária mais sim-
ples até a mais requintada”, e este seria uma espécie, que se distinguiria
das demais “por sua integração no sistema de planejamento econômico e
social” (Orçamento-programa no Brasil, p. 377).
246 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Taft, tinha como preocupação a de melhor gerir a coisa pública


e reforçar os poderes do Executivo. Essa Comissão produziu um
relatório em 1912, no qual fazia apelo à gestão do Estado de for-
ma mais racional, adotando-se os “orçamentos por programa”,
ou seja, a de “orçamentos fundados sobre a base de objetivos a
realizar em períodos mais ou menos longos e de uma avaliação
dos resultados obtidos”, que se substituiriam aos clássicos orça-
mentos “de meios”.515 Essa proposta não foi, entretanto, posta
em prática, em virtude, principalmente, de que os orçamentos
de meios permitiam um controle mais fácil da regularidade das
operações financeiras.516
Simplificando o tema, Martner afirma que “o orçamento
moderno é [...] um conjunto harmônico de programas e projetos
a serem realizados no futuro imediato e se chama orçamento-
-programa”.517
Na verdade, o orçamento-programa é uma modalidade de
orçamento no qual a previsão dos recursos financeiros neces-
sários, assim como sua destinação, decorre do estabelecimento
prévio e completo de um plano.
Em 1959, a Organização das Nações Unidas (ONU) tratava
o orçamento-programa como
[...] um sistema em que se presta particular atenção às coisas
que um governo realiza mais do que às coisas que adquire. As
coisas que um governo adquire, tais como serviços pessoais,
provisões, equipamentos, meios de transporte etc., não são,
naturalmente, senão meios que emprega para o cumprimento
de suas funções.518

515
Michel Bouvier, Crise des finances publiques et refondation de l’État, p.
5.
516
Idem, ibidem.
517
Gonzalo Martner, Planificación y presupuesto por programas, p. 31.
518
Cf. Idem, ibidem, p. 33.
A preocupação com a performanCe 247

Oswaldo Maldonado Sanches, em uma definição bastante


completa e densa, entende o orçamento-programa como:
Método de orçamentação por meio do qual as despesas pú-
blicas são fixadas a partir da identificação das necessidades
públicas sob a responsabilidade de um certo nível de governo
e da sua organização segundo níveis de prioridade e estruturas
apropriadas de classificação da programação (programas e
subprogramas), discriminando-as de modo a: a) dar ênfase
aos fins (e não aos meios); b) indicar as ações em que setor
público gastará seus recursos; c) definir os responsáveis pela
execução; d) especificar os resultados esperados. Suas prin-
cipais orientações são: a demonstração das realizações pro-
gramadas para um período determinado de tempo, a obtenção
de racionalidade na alocação dos recursos (seleção de ações
através de instrumental técnico) e a mensuração da eficiência
e eficácia das entidades governamentais. Constitui, portanto,
um conjunto de procedimentos técnicos que permite arrolar,
de modo integrado e racional, os objetivos, metas, recursos
e estruturas de execução, ao lado de uma clara definição de
prazos e responsabilidades.519
No Brasil, as tentativas de adoção do orçamento-programa
ocorreram em fases, consoante relata José Afonso da Silva,520
sendo elas, respectivamente:
(a) orçamento de planos – sob essa denominação estão as ex-
periências de planificação parcial em que o plano estabelecido
se reflete no orçamento, que inclui os recursos financeiros para
sua execução (ex. Plano Especial de Obras Públicas e da Defesa
Nacional – Decreto-lei n. 1.058, de 19.01.1939);
(b) planejamento orçamento – é uma noção correlata do or-
çamento-programa. “Consiste num método de planejamento
que chega ao nível de determinação dos custos e dos recursos

519
Oswaldo Maldonado Sanches, Dicionário de orçamento, planejamento e
área afins, p. 174.
520
José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 378.
248 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

financeiros necessários a sua execução”, correlaciona o plano


ao orçamento, e tem a função de dar conteúdo racional ao
próprio processo orçamentário, propiciando o controle dado
o fato de permitir correlacionar dispêndios com realização
definida. Expressa-se documentalmente por um plano cor-
relacionado ao orçamento ou uma modalidade especial de
orçamento programado;
(c) orçamento-programa:A Constituição de 1946 não propiciara
lugar para reformulação orçamentária no Brasil, porque os arti-
gos 73 e 74 adotara a concepção de orçamento clássico, “apesar
do esforço doutrinário no sentido de mostrar a compatibilidade
do orçamento cíclico ou qualquer outro plano plurianual, com
aquela Carta Magna desde que, em cada exercício, fossem
consignadas, pelo orçamento ordinário, as autorizações para a
cobrança de tributos, exceto os aduaneiros e os de guerra (art.
141,§ 34), assim como figurasse na lei de planos, as despesas
fixas são especificadas ou discriminadas (art. 73,§ 2.º).
Giacomoni, por seu turno, traz à mostra um interessante
quadro, em que aponta as que ele considera principais dife-
renças entre o orçamento tradicional e o orçamento-programa,
das quais destacaremos algumas que, a nosso ver, ilustram com
maior clareza os seus respectivos conceitos, a saber:
– no orçamento tradicional, o processo orçamentário é
dissociado dos processos de planejamento e de programa-
ção, enquanto no orçamento-programa este é exatamente
o elo entre o planejamento e as funções executivas da
organização de que se trate;
– no primeiro, a alocação de recursos visa à aquisição de
meios; no segundo, à consecução de objetivos e metas;
– a estrutura do orçamento tradicional dá ênfase aos as-
pectos contábeis de gestão; já a estrutura do orçamento-
-programa está voltada para os aspectos administrativos e
de planejamento;
– os principais critérios classificatórios no orçamento tra-
dicional são: unidades administrativas e elementos; no
A preocupação com a performanCe 249

orçamento-programa a classificação é funcional-progra-


mática;
– no orçamento tradicional, o controle visa a avaliar a ho-
nestidade dos agentes governamentais e a legalidade no
cumprimento do orçamento; o controle, no orçamento-
-programa, tem por objetivo avaliar a eficiência e a efeti-
vidade das ações governamentais.521
Por sua vez, José Afonso da Silva bem resume o substrato
do orçamento-programa, ao dizer:
[...] Na verdade, o orçamento-programa não é apenas uma peça
financeira, é, antes de tudo, um instrumento de execução de
planos e projetos de realização de obras e serviços, visando
ao desenvolvimento da comunidade.522
Já a própria Lei 4.320/1964, uma das mais importantes
“normas gerais de direito financeiro” brasileiras, dispõe no seu
art. 2.º:
Art. 2.º A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita
e despesa de forma a evidenciar a política econômica finan-
ceira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os
princípios de unidade universalidade e anualidade.

7.2 A performance
Falar de orçamento “de performance” implica, sempre,
tratar, ainda que de forma implícita, do papel do Estado na so-
ciedade, da intervenção maior ou menor que ele deve realizar.
Encaminhando-se para a tentativa de obter o melhor nível
de eficiência, pois os recursos, em geral, são insuficientes para a
sua atuação em todas as frentes, a primeira providência que aco-
de à mente dos economistas é repensar o Estado de Bem-Estar.
Essa é uma questão que, de fato, precisa ser pensada e repensada

James Giacomoni, Orçamento público, p. 167.


521

José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 40.


522
250 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

sempre: até que ponto deve-se afastar o Estado de Bem-Estar


e deixar principalmente os hipossuficientes por sua conta e
proclamar um Estado “mínimo”. Contudo, esse debate deve ser
realizado no seio da sociedade, e a partir da decisão [política]
tomada, proceder nos seus termos.
Essa decisão, evidentemente, vai produzir consequências
no orçamento, tanto quantitativa quanto qualitativamente. Não
obstante, parece-nos possível compaginar um Estado atuante e
orçamento de desempenho, uma vez que, seja qual for o modelo
de Estado imposto, os recursos públicos existirão, em maior ou
menor monta, e deverão ser aplicados com eficiência, da melhor
maneira possível.
Um orçamento de desempenho, em uma concepção pensa-
da para o performance budget norte-americano, é aquele
[...] que apresenta os propósitos e objetivos para os quais os
créditos se fazem necessários, os custos dos programas pro-
postos para atingir aqueles objetivos e dados quantitativos
que meçam as realizações e o trabalho levado a efeito em cada
programa.523
A “estrutura programática”, por seu turno, compreende,
grosso modo, os Programas e as Atividades. Programa é o
“campo em que se desenvolvem ações homogêneas que visam
ao mesmo fim”,524 ou, como consta no Manual de orçamento por
programas e realizações da ONU:
[...] o programa é o nível máximo de classificação do trabalho
executado por uma unidade administrativa de nível superior
no desempenho das funções que lhes são atribuídas. Utiliza-se
a palavra para designar o resultado do trabalho, ou seja, um

523
James Giacomoni, Orçamento público, p. 162, que extraiu o trecho de
um trabalho do Bureau de Orçamento americano.
524
Cf. Idem, ibidem, p. 173.
A preocupação com a performanCe 251

produto ou serviço final, representativo dos propósitos para


que a unidade foi criada.525
O conceito de atividade, estampado no mesmo Manual edi-
tado pela ONU, é definido como
[...] uma divisão do esforço total, dentro de um programa ou
subprograma, em um tipo de trabalho razoavelmente homogê-
neo, cujo propósito é contribuir para a realização do produto
final de um programa. A atividade representa um agrupamento
de operações de trabalho ou tarefas geralmente executadas
por unidades administrativas de nível secundário dentro de
uma organização a fim de alcançar as metas e objetivos do
programa da unidade.526

7.2.1 A busca por melhor desempenho


Na França, a lei orgânica relativa às leis de finanças (LOLF),
de 1.º de agosto de 2001, procedeu a uma reforma orçamentária,
mas também a uma reforma do conjunto da gestão pública orien-
tada para a busca do desempenho, conforme acentua Canépa.527
A posta em prática dessa lei provocou impactos sobre a
gestão pública, como era de esperar, tendo o autor acima regis-
trado três pontos em relação aos quais aqueles seriam maiores,
a saber: a) a introdução de uma “cultura de gestão”; b) um novo
equilíbrio de poderes; e c) uma adaptação dos modos de ges-
tão.528
Quanto ao primeiro ponto, ao fazer depender os recursos
das administrações dos resultados esperados sobre a gestão
desses mesmos recursos, introduz-se [a lei em questão] uma
cultura empresarial, uma “cultura de gestão”. Para cada política

525
Transcrito por James Giacomoni, Orçamento público, p. 174.
526
Idem, ibidem, p. 174-175.
527
Daniel Canépa, La mise en œuvre de la LOLF. Point de vue sur la nou-
velle gestion de l’État, p. 221.
528
Idem, ibidem, p. 222.
252 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

do Estado são identificados um programa e um responsável, o


qual tem objetivos a cumprir e dispõe de meios e de liberdade
de emprego desses meios. Ele elabora a estratégia e o orçamento
do programa, conduz o programa e apresenta uma prestação de
contas dos resultados da sua execução nos relatórios anuais de
desempenho.529
O “novo equilíbrio” é estabelecido entre a administração
central e os serviços desconcentrados, existindo a preocupação
com a “territorialização” da política do Estado.530 Houve uma
reestruturação da organização das estruturas administrativas,
por exemplo, a criação da Direção Geral de Modernização do
Estado. Além disso, ressalta a manifesta intenção de fazer da
reforma orçamentária a alavanca de ação da reforma do próprio
Estado.531
Por fim, ao introduzir uma gestão voltada ao desempenho e
a necessidade de articular a autonomia de gestão dos responsá-
veis por programas e dar a necessária coerência às políticas no
nível ministerial, a LOLF conduz a uma adaptação dos modos
de gerenciamento organizacional e humano. Traremos aqui o
exemplo que Canépa oferece acerca do gerenciamento humano:
em matéria de recursos humanos, a lei introduz
[...] uma lógica de desempenho [performance] na gestão: com
o fator “trabalho” ou “fator humano” tornando-se o primeiro
dos fatores de “produção” das políticas públicas, a gestão do
capital humano no sentido de uma melhor performance dos
serviços, faz que seja necessário o desenvolvimento de uma
verdadeira gestão de recursos.532

529
Daniel Canépa, La mise en œuvre de la LOLF. Point de vue sur la nou-
velle gestion de l’État, p. 222-223.
530
Lembre-se que a França é um Estado unitário, dividido em regiões.
531
Daniel Canépa, La mise en œuvre de la LOLF. Point de vue sur la nou-
velle gestion de l’État, p. 223.
532
Idem, ibidem, p. 225. No original: “En matière de ressources humaines,
la LOLF introduit une logique de performance dans la gestion: le facteur
A preocupação com a performanCe 253

Em conclusão, o autor comentado reconhece que ainda res-


ta um caminho a percorrer e que, como esperado, as coisas não
se modificarão imediatamente como que “por decreto”, confor-
me acontece em todos os aspectos da vida. Ressaltamos, porém,
uma colocação deveras relevante, a qual, pensamos, pode ser
aplicada a todas as propostas de introdução de novos caminhos,
de novos métodos de gestão, seja no orçamento, seja no todo das
finanças públicas:
A ambição de modernização da gestão pública não deve condu-
zir à mudança de todas as regras permanentemente. Os agentes
precisam de quadros estáveis, que lhes permitam assimilar as
grandes mudanças recentes e melhorar o seu desempenho in-
dividual e coletivo ao serviço do Estado e da modernização.533
Uma observação que não deve ser deixada de lado ao cuidar
desse tema é a de que a preocupação exclusiva com a gestão pú-
blica acaba por deixar de lado a faceta humana, em um momento
em que se reconhece como elemento mais importante para o
desenvolvimento nas sociedades atuais o potencial humano.
É essencial reunir a preocupação com a gestão e os aspectos
relacionados à equidade e à eficiência, a fim de pensar na criação de
um novo “Estado de Bem-Estar”, “um Estado com face humana”,
um Estado do século XXI, enfim, como quer Michel Bouvier.534

‘travail’ ou facteur ‘humain’ devenant le premier des facteurs de ‘produc-


tion’ des politiques publiques, la gestion du capital humain pour une meil-
leure performance des services rend nécessaire le développement d’une
véritable gestion des ressources”. Prossegue o autor: “a esse respeito, os
dispositivos de avaliação dos resultados implicam a introdução progressiva
de um gerenciamento dos recursos humanos em função dos objetivos den-
tro do campo das avaliações anuais de desempenho, especialmente. Esta
lógica concretiza-se nas reflexões sobre os dispositivos de remuneração
que devem permitir reconhecer, de forma justa, o mérito do pessoal e a sua
contribuição aos resultados” (mesma página, em tradução livre).
533
Idem, p. 229.
534
Michel Bouvier, Culture de la performance, l’équité et espace financier
public durable, Editorial.
254 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

7.2.2 Uma nova governança financeira pública


A procura por uma nova gestão pública ou, para usarmos a
expressão atual, de uma nova “governança” pública, não é algo
tão recente, tendo surgido ao final do século XIX.
Essa nova forma de gestão pública funciona sobre a base de
uma cadeia de responsabilidades fundada sobre uma lógica de
resultado, como bem sumariam Bouvier, Esclassan e Lassale.535
Esses autores são categóricos ao dizer: “é uma nova evolução da
cultura financeira pública em direção a uma aproximação com a
cultura financeira da empresa o que se persegue hoje no seio da
Administração do Estado”.536
Nos seus primórdios, no momento da sua “conceitualiza-
ção”, já em 1887, Woodrow Wilson propunha a edificação de um
conceito de governança o mais próximo possível do empresarial,
fazendo a gestão pública desprender-se das rusgas políticas e da
corrupção que se tinha espraiado, entregando-a a expertos.537
A programação plurianual, que é um dos pontos centrais da
nova governança, é ideia particularmente recorrente nos escritos
relativos à gestão pública,538 mostrando que nem tudo é “novo”
na “nova governança”.
A crise mundial de 1929 provocou uma retomada nos estu-
dos relativos à gestão pública, pois, como é fácil compreender, a
escassez de recursos acarreta uma visão mais atenta aos diversos
componentes da despesa pública. Foi nessa época, em 1936,

535
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-
ces Publiques, p. 453.
536
Idem, ibidem, p. 454, grifos no original. No texto francês: “C’est une
nouvelle évolution de la culture financière publique vers un rapproche-
ment avec la culture financière de l’entreprise qui se poursuit aujourd’hui
au sein des administrations de l’État”.
537
Michel Bouvier, Crise des finances publiques et refondation de l’État, p.
5.
538
Idem, ibidem, p. 5.
A preocupação com a performanCe 255

diante dos trabalhos de uma Comissão instituída pelo Presidente


Roosevelt, que foram elaborados os primeiros indicadores de
desempenho (performance).539
Em 1937, o Presidente Truman criou a chamada Comissão
Hoover, que trabalhou até 1949, e propôs um “orçamento de
desempenho” (performance budget), uma modificação da no-
menclatura orçamentária e a apresentação do orçamento sob a
forma de programas.540
A ideia de que conviria transpor ao Estado os métodos e
procedimentos utilizados pelas grandes empresas norte-ame-
ricanas veio com o Planning Programming Budgeting System
(PPBS).541
Bouvier informa que o PPBS foi implantado nos Estados
Unidos antes de ser de interesse para países europeus, incluindo
a França, que o aplicou primeiramente em dois Ministérios, es-
tendendo-o, posteriormente, a outros, mas sem ter obtido muito
sucesso, em razão de que foi abandonada.

7.2.2.1 Características da “nova governança”

Procederemos, a seguir, a enumerar e caracterizar breve-


mente os principais pontos que preconiza essa “nova governan-
ça” pública, com base na LOLF francesa, sem ter, contudo, a
preocupação com os seus resultados ou com a sua plena imple-
mentação naquele país. Os postulados básicos aqui apontados
se aplicam, de modo geral, a todos os países que buscam seguir
essa nova forma de gestão financeira. Nosso objetivo é, simples-
mente, propiciar uma visão geral. Basearemos nosso breve pa-

539
Cf. Michel Bouvier, Crise des finances publiques et refondation de l’État,
p. 5.
540
Idem, ibidem, p. 5.
541
Idem, p. 5. O principal incentivador dessa concepção foi Robert Mac
Namara que, antes de ser Secretário de Estado da Defesa de Kennedy, era
Diretor-Geral das fábricas Ford. Já nos referimos ao PPBS acima.
256 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

norama nas lições de Bouvier, Esclassan e Lassale, que, a nosso


ver, foram os autores consultados que de forma mais completa
apresentaram as diversas facetas desse tema.

7.2.2.2 O modelo do governo da empresa

Um primeiro ponto a ser destacado como parte da nova go-


vernança é que esta tem, entre seus fundamentos, abeberar-se na
gestão própria das empresas privadas.
Sob esse aspecto vê-se a empresa como um centro de re-
gulação e de origem de relações contratuais. Há uma relação
(contratual) entre aquele que vai decidir e o agente, gestor; eles
estão mutuamente engajados; por outro lado, quem recebe uma
delegação de poder para realizar o objetivo estabelecido é relati-
vamente autônomo.
Nesse cenário, quem decide deve ter a preocupação de asse-
gurar que, uma vez que o contrato foi firmado, o gestor respeite
os seus compromissos. Quanto ao gestor, ele será julgado com
base nos resultados que apresentar e poderá ser sancionado po-
sitiva ou negativamente. Ele é objeto de controle no que se refere
ao seu desempenho e deve elaborar um relatório de desempenho
demonstrando que os objetivos colocados no início foram atin-
gidos.542
Outro aspecto relevante é o papel que se atribui à infor-
mação, a qual é essencial para o controle. Daí a necessidade da
criação de sistemas de informação e de desempenho que per-
mitam ao dirigente e ao gestor seguir em tempo real a evolução
financeira da empresa e poder programá-la.543
Nesse modelo, as diferenças entre a gestão pública e a pri-
vada vão diminuindo progressivamente. O espaço público aqui

542
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-
ces Publiques, p. 455.
543
Idem, ibidem, p. 455-456.
A preocupação com a performanCe 257

é visto como um lugar de regulação, onde se organizam as rela-


ções com os seus ambientes interno e externo, as quais são ba-
seadas na contratualização e na responsabilização. Adotando o
modelo e a lógica da empresa privada, a gestão pública é levada
ao estabelecimento de uma relação “cliente – fornecedor entre o
Estado e os cidadãos”.544
Segundo os autores em comento, nos últimos anos esse mo-
delo foi adotado em diversos países, tais como Nova Zelândia,
Canadá, Austrália, Reino Unido, Dinamarca e Finlândia.
No que diz com o monitoramento (pilotage) da gestão, na
parte relativa à responsabilidade dos gestores, há um disposi-
tivo na Lei Orgânica francesa que prevê a “globalização dos
créditos” e a sua “fungibilidade”. Isso proporciona autonomia
aos gestores. O gestor executa o programa que está a seu cargo
como melhor lhe parece, tendo, assim, uma ampla margem de
manobra: ele pode remanejar recursos, a seu critério, entre as
rubricas; tem a faculdade de transformar os créditos de custeio
em créditos de investimento ou inversão etc.545
É evidente que há uma contrapartida a essa autonomia
dada ao gestor, que é a responsabilidade deste relativamente
aos objetivos perseguidos e aos resultados que se comprome-
tera a apresentar. Nessa nova visão, não se concedem simples-
mente os meios, mas também os objetivos de desempenho. Há
indicadores que permitem a avaliação da qualidade da gestão
realizada.546
Há um responsável pelo programa, que se compromete com
o respectivo Ministro pela realização desse programa. Sendo

544
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-
ces Publiques, p. 456.
545
Idem, p. 457.
546
Idem, p. 457.
258 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

assim, os responsáveis fazem a ponte entre a Administração e a


esfera política.547
No que tange à avaliação da gestão, são associados obje-
tivos e indicadores de resultado (as nossas metas fiscais?) que
representem as prioridades do programa. O objetivo expõe a
estratégia e as prioridades do programa, devendo ser mensurado
por indicadores quantitativos e ter em vista as seguintes preocu-
pações:
a) no que se refere ao cidadão, ter em mente que o que este
deseja é a eficácia socioeconômica;
b) para o usuário importa a qualidade do serviço; e
c) o contribuinte busca a eficácia da gestão de maneira que
a carga fiscal seja a menos pesada possível.548

7.2.3 A Escola do Public Choice


Parece-nos que este item se enquadra como preliminar ao
estudo do orçamento de desempenho, razão da escolha de tratá-
-lo nesta parte do trabalho.
A denominada Escola das “Escolhas Públicas”, ou das
“Escolhas Coletivas”, tem como líder James Buchanan e teve
início com a intenção de estudar as decisões políticas sob o
ângulo das suas consequências quanto à racionalidade das es-
colhas susceptíveis de gerar despesas públicas.549 O ponto de
partida do pensamento dessa Escola consiste em perquirir se,
tendo-se em conta que as despesas públicas se avolumam, elas
estão sempre justificadas no plano econômico, ou seja, se o
setor público as administra a contento e se, em segundo lugar,

547
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-
ces Publiques, p. 458-459.
548
Idem, ibidem, p. 463.
549
Cf. Idem, p. 201.
A preocupação com a performanCe 259

as despesas não constituem um embaraço ao desenvolvimento


econômico geral.550
Não se trata de uma disciplina nova nem de um ramo da
Ciência Política, mas, como acentuam Bouvier, Esclassan e
Lassale,
[...] uma abordagem estritamente econômica que projeta
os seus conceitos e os seus modelos sobre as instituições e
comportamentos políticos tendo como postulado de base uma
assimilação do político a um mercado concebido à imagem do
mercado econômico.551
Essa teoria, de ideologia liberal e utilitarista, afirma que o
indivíduo age, na política, como agiria em um mercado econô-
mico, isto é, em função dos seus interesses pessoais, de modo
racional e utilitário. Luta contra a burocracia, pregando que o
Estado se integre aos mecanismos do mercado e que siga os
modelos de gestão das empresas privadas para se tornar eficaz.552
Percebe-se que a doutrina em tela se contrapõe ao keynesia-
nismo, dado que preconiza a diminuição do Estado, que ele deve
aprender a ser administrado adequadamente e, acima de tudo, a
equilibrar o seu orçamento.553
Resumindo, as vantagens dessa teoria são reconhecidas,
tanto assim que muitos governos acabaram por adotar, expressa
ou implicitamente, algumas dessas ideias, no intuito de moder-

550
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-
ces Publiques, p. 201-202.
551
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Fi-
nances Publiques, p. 202. No original: “[…] une approche strictement
économique projetant ses concepts et ses modèles sur les institutions et
comportements politiques avec comme postulat de base une assimilation
du politique à un marché conçu à l’image de marché économique”.
552
Idem, ibidem, p. 202.
553
Idem, p. 203.
260 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

nizar a sociedade e o Estado.554 Um de seus méritos foi chamar


a atenção para o fato de que a decisão, por parte do Estado, de
gastar, não pode vir desacompanhada do estudo das suas conse-
quências econômicas.
Por outro lado, critica-se a forma exagerada de integração
entre a política e a economia, que desemboca em propostas
desmesuradamente unilaterais. Como apontam os autores aqui
citados, “a realidade de uma sociedade não pode ser reduzida a
um de seus aspectos”. Desejando-se conhecer uma sociedade e
agir sobre ela, haverá de se proceder a uma abordagem
mais ampla, levando-se em conta a irracionalidade que pode
decorrer ao se aplicarem certas medidas econômicas sem ter em
mente as disfunções sociais e políticas que elas provocam.555

7.3 O orçamento e desempenho


A OCDE define o orçamento de desempenho (performance
budget) em poucas e objetivas palavras, como “a form of budge-
ting that relates funds allocated to measurable results”.556 Trata-
-se de uma definição que espelha bastante satisfatoriamente o
que subjaz na ideia desse tipo de orçamento, ou seja, também
em poucas palavras, a de que há de se perseguir e acompanhar
os resultados da aplicação dos recursos públicos.
Robinson e Brumby reportam-se a uma variedade de defi-
nições do orçamento de desempenho, mas enunciam a que vão
adotar no estudo monográfico sobre o tema em questão, que é a
seguinte:

554
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-
ces Publiques, p. 203.
555
Idem, p. 203.
556
Apud Marc Robinson e Jim Brumby, Does Performance Budgeting
Work? An Analytical Review of the Empirical Literature, p. 5. Em tradu-
ção livre: “tipo de orçamento que relaciona fundos alocados a resultados
mensuráveis”.
A preocupação com a performanCe 261

[...] orçamento de desempenho refere-se a procedimentos ou


mecanismos destinados a reforçar a relação entre os recursos
providos pelas entidades do setor público e os seus produtos e/
ou resultados através do uso da informação formal de desem-
penho na tomada de decisões sobre a alocação de recursos.557
Reforçam a noção de que o objetivo essencial do orçamento
de desempenho é aumentar a eficiência alocativa e produtiva do
gasto público.558
Eles chamam a atenção para a diversidade de tipos de or-
çamentos de desempenho existentes, circunstância que deve ser
levada em conta para saber que nem todo tipo de orçamento de
desempenho funcionará e a eficácia de algumas versões desse
orçamento pode depender do contexto onde ele é aplicado.559
Outro ponto importante por eles ressaltado alude ao fato de
que muitas definições de orçamento por desempenho somente
o caracterizam “pela metade” quando, por exemplo, referem-
-se somente à relação, nesse tipo de orçamento, entre medidas
de financiamento (funding measures) e medidas (indicadores,
measures) de desempenho, e não à informação de desempenho,

557
Marc Robinson e Jim Brumby, Does Performance Budgeting Work? An
Analytical Review of the Empirical Literature, p. 5. No original: “per-
formance budgeting refers to procedures or mechanisms intended to
strengthen links between the funds provided to public sector entities and
their outcomes and/or outputs through the use of formal performance
information in resource allocation decision-making”. Os autores, por
outro lado, lamentam a falta de uniformização dos conceitos, razão pela
qual indicam como serão usados “output” e “outcome”, conforme segue:
“outputs in this paper refer to goods or services provided to external par-
ties (particularly to the public) by agencies, whereas outcomes refer to
the desired changes induced in persons, social structures or the physical
environment by those outputs and other factors”.
558
Idem, ibidem, p. 12.
559
Idem, p. 8-9.
262 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

isto é, outros tipos de informação são necessários e não somente


o binômio recursos/indicadores de desempenho.560
Ao se engendrar esse tipo de orçamento, partiu-se da cons-
tatação de que a alocação de recursos públicos não acompanha
de forma adequada a mudança de necessidades e prioridades
da sociedade, desembocando em programas ineficientes, prin-
cipalmente pela falta de atribuição de responsabilidade pelos
resultados imaginados.
Os orçamentos tendem a ser excessivamente “incremen-
talistas”, o que provoca a reelaboração de um orçamento quase
que automaticamente, sem praticamente levar em consideração
o surgimento de novas políticas públicas.561
Diversos fatores podem contribuir para que o orçamento
de desempenho não funcione, ou funcione inadequadamente,
segundo os críticos.
Exemplo disso é a pretensa racionalidade que deveria per-
mear as escolhas sobre o que fazer com poucos recursos para
serem mais bem aproveitados para atingir os grandes objetivos
sociais. Alega-se que o político nem sempre age racionalmente.
Outro ponto objeto de crítica é o fato de que nem sempre
é possível ao setor público claramente especificar os resultados
pretendidos e a sua relação com os serviços oferecidos e ativida-
des desenvolvidas.562

7.3.1 Orçamento de resultados (outro nome para “de


desempenho”)
Os estudos acerca do chamado “orçamento de resultados”
ou “de desempenho” são razoavelmente bem difundidos em di-

560
Marc Robinson e Jim Brumby, Does Performance Budgeting Work? An
Analytical Review of the Empirical Literature, p. 10.
561
Marc Robinson e Jim Brumby, Does Performance Budgeting Work? An
Analytical Review of the Empirical Literature, p. 12.
562
Idem, ibidem, p. 15-16.
A preocupação com a performanCe 263

versos países, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, mas


não têm despertado grande interesse no Brasil. A doutrina brasi-
leira, não obstante a relevância do tema, apresenta relutância no
aprofundamento de sua investigação, pois, em linhas gerais, a
dificuldade inicial diria respeito à discussão sobre a necessidade
de uma reforma ampla para a implementação de um modelo ade-
quado ao ordenamento jurídico nacional, bem como as dificul-
dades inerentes ao processo de modernização da gestão pública.
Pode-se afirmar que o orçamento de resultados é circuns-
crito pela “gestão de resultados”, isto é, está intimamente ligado
à própria natureza teleológica da ideia de Estado. O que a apli-
cação do orçamento de resultados deixa em evidência é que o
Estado existe para desempenhar um papel perante os cidadãos,
para gerir a coisa pública da maneira mais eficiente, mais eficaz
e mais vantajosa para os administrados.
A atenção do planejamento orçamentário está voltada para
o desempenho (resultado), passando pela teleologia (finalida-
des), ou seja, antes do resultado preexiste a finalidade.
A orientação estatal deixaria de estar depositada sobre in-
sumos e meios, e passaria a “ressaltar os resultados dos serviços
efetivamente prestados e dos produtos entregues ictu oculi à
população”.563 Pode-se dizer, também, que a implementação do
orçamento voltado para os resultados implica uma concepção
do orçamento como instância reformadora inexorável, pois, se-
gundo esse modelo, a meta não basta, importante é a obtenção
de proventos.
Baseando-nos na extensa pesquisa do economista Marc
Robinson, do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Mo-
netário Internacional (FMI), temos que orçamento de resultados
pode ser definido como aquele baseado no emprego metódico

Jens Kromann Kristensen e Walter S. Groszyk, Outcome-focused Mana-


563

gement and Budgeting, p. 31.


264 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

de informações, por meio do qual se pode potencializar, linhas


gerais, o manuseio da verba pública. Em suas exatas palavras:
A definição de orçamento de desempenho [ou de resultado]
apresentada é ampla. Ele se refere aos mecanismos e processos
de financiamento do setor público elaborados para reforçar o
vínculo entre financiamento e resultados (outputs e outcomes),
mediante o uso sistemático de informação formal de resultado,
com o objetivo de melhorar a alocação e a eficiência técnica do
gasto público. A “informação de resultado”, neste contexto,
refere-se, primeiramente, à informação sobre os resultados
atingidos pelo gasto público e, depois, à informação sobre os
custos para atingir esses resultados. Segue-se que esta defi-
nição contrasta com algumas visões alternativas sobre o que
significa o orçamento de desempenho.564
Para o pesquisador, o elemento basilar na definição do
conceito de orçamento de resultados é a informação, mais espe-
cificamente as informações atinentes tanto ao desempenho do
Poder Público no alcance de resultados quanto aos custos engen-
drados na obtenção destes. Dito de outro modo, as informações
importam na medida em que podem ser manejadas como indica-
dores de tomada de decisão pela entidade pública.
Portanto, em termos conceituais, o orçamento de resulta-
dos corresponde a um modelo orçamentário que arregimenta e
articula informações a respeito do desempenho de programas

Marc Robinson, Performance Budgeting – Linking Funding and Results,


564

p. 10. No original: “The definition of performance budgeting put forward


is a broad one. It refers to public sector funding mechanisms and proces-
ses designed to strengthen the linkage between funding and results (ou-
tputs and outcomes), through the systematic use of formal performance
information, with the objective of improving the allocative and technical
effi ciency of public expenditure. ‘Performance information’ in this con-
text refers, first, to information on results achieved by public expenditure
and, second, to information on the costs of achieving those results. In
what follows, this definition is contrasted with some alternative views of
what performance budgeting means”.
A preocupação com a performanCe 265

instituídos pelo Poder Público, com o objetivo de auxiliar na


tomada de decisões e na sua efetividade. Desse modo, tanto
informação sobre o desempenho quanto o emprego dessa in-
formação no processo de tomada de decisões pelos Poderes
constituídos são fatores fulcrais na conceituação do orçamento
de resultados.
Apesar de, nesse tipo de orçamento, o enfoque estar dire-
cionado para os fins da atividade empreendida pelo órgão esta-
tal, o que evidentemente implica maior grau de maleabilidade
no exercício das funções de públicas, não se pode elencar o fator
“maleabilidade”565 como constitutivo do orçamento de resulta-
dos ou como pressuposto de seu êxito, mas sim como um fator
muito mais ligado a circunstâncias de ordem política.
Em outras palavras, o que aqui se está acentuando é que a
visão “formal” do orçamento não permite a sua flexibilização
depois de aprovado, a não ser excepcionalmente e sob certas
condições, e que há quem pugne por essa “flexibilização” para
dar mais efetividade ao orçamento.
Esse é um tema complexo do ponto de vista jurídico,
porquanto a pressuposição é a de que, quando aprovada a lei
orçamentária, a decisão política foi a que ali restou plasmada. A
menos que se encontrem mecanismos aptos a justificar e “flexi-
bilizar” o orçamento aprovado, deve ele ser executado conforme
a lei aprovada.
A relação dessa ideia com a do orçamento impositivo não
é, como à primeira vista pode parecer, totalmente paradoxal.
Mesmo considerando-se um orçamento mandatório, poder-
-se-iam engendrar cláusulas de flexibilização, a serem utili-
zadas sob certas circunstâncias, que tornariam o orçamento
mais “maleável” no sentido da persecução da maior eficiência
possível.

Allen Schick, The Performing State: Reflection on an Idea Whose Time


565

Has Come but Whose Implementation has not, p. 110.


266 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

7.3.2 O “novo” orçamento de desempenho


Giacomoni aponta três componentes básicos no “novo” or-
çamento de desempenho: a estrutura de programa, o sistema de
mensuração e o sistema de determinação de custos.566 Pode-se
notar que parte desses elementos, especialmente a estrutura de
programas, já integrava o orçamento de desempenho original, o
mesmo acontecendo com o orçamento-programa.
Em verdade, a ideia do “programa” está na base de todos
os movimentos reformistas do processo orçamentário, desde a
década de 1950.567
No que respeita à mensuração do desempenho, cremos que
se pode resumir a questão da seguinte forma, em termos evolu-
tivos: a) no orçamento tradicional, “o foco central da avaliação
do desempenho é a conformidade e o controle; b) no orçamento-
-programa, “mede-se o desempenho do ponto de vista da efici-
ência econômica, dada pela relação insumo/produto”; e c) no
orçamento de resultado, o desempenho considera “o impacto
que os produtos têm frente às necessidades sociais, à resolução
de problemas e ao desenvolvimento econômico-social”.568
Como já se percebeu, as formas de pensar o orçamento,
aproximadamente desde meados do século XX até os nossos
dias, vêm se aprimorando, buscando sempre maior eficiência
na aplicação dos recursos públicos. Podemos dizer, assim, que
talvez não seja adequado enquadrar um determinado modo de
orçar a um tipo fixo, pronto e acabado. O que se vê permeando
os orçamentos em períodos históricos recentes é a ideia de pro-
grama, de resultado, de eficiência, de responsabilização. Nesse
sentido, algo do orçamento-programa permanece presente nos
vários modelos de orçamento por desempenho, assim como no
“novo” orçamento de desempenho estão embutidas as ideias do

566
James Giacomoni, Orçamento público, p. 193.
567
Idem, ibidem, p. 194.
568
Idem, p. 197.
A preocupação com a performanCe 267

orçamento-programa, do orçamento-funcional, dos primeiros


orçamentos por (ou de) desempenho etc.
Costuma-se distinguir os vários tipos de orçamento surgi-
dos na atualidade, mas não se devem deixar de lado as conside-
rações feitas anteriormente.
Dito isso, passemos à distinção, objetivamente exposta por
Giacomoni,569 entre os tipos que mais se aproximam, tendo como
paradigma o “novo” orçamento de desempenho: este se diferen-
cia do “orçamento por produtos”, do “orçamento-programa”, do
“PPBS” e do “de desempenho”, por incluir uma nova categoria
de objetivos, quais sejam os resultados (outcomes). Diz ele:
No performance budget original e no Orçamento-programa,
a medida do desempenho estava representada principalmente
nos produtos (outputs) levados a cabo pela administração
pública. Nos processos convencionais de produção, os pro-
dutos representam as saídas do sistema. Na administração
governamental, ainda que os produtos – bens e serviços pro-
duzidos ou providos pelo setor público – tenham relevância
por princípio, o que importa são os resultados alcançados em
termos econômicos e sociais.570
Mesmo entre o “novo” orçamento de desempenho e o
“orçamento por resultados” que poderiam, à primeira vista, ser
sinônimos, a doutrina aponta diferenças.
O mesmo autor aqui citado relata que em 1993, aprovado
o Government Performance and Results Act (GPRA), restava
determinar a elaboração de um orçamento de desempenho que,
para distinguir daquele existente desde os anos 1950, passou a
denominar de “novo”. Já o orçamento por resultados decorreu
de uma compreensão a respeito do orçamento de consultores,
dentre eles David Osbone e Peter Hutchinson, que se basearam
na realidade de que, uma vez que são os cidadãos que financiam

James Giacomoni, Orçamento público, p. 198.


569

Idem, ibidem, p. 198 (grifos no original).


570
268 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

o Estado por meio de impostos, eles devem conduzir o processo


orçamentário e dizer o que desejam em contrapartida a esses
recursos transferidos ao setor público; assim, o orçamento deve
basear-se em resultados e “a administração pública ser controla-
da e responsabilizada por eles”.571
Voltando os olhos para o que se passa em nosso país, com-
partilhamos a opinião de Marcos Nóbrega, quando afirma que
nosso sistema jurídico – ele se refere especificamente ao Direito
Financeiro e ao Direito Administrativo – ainda possui “fortes
entraves” para a aceitação de padrões de eficiência. Atribui essas
dificuldades à nossa tradição legalista, que encara os relatórios
contábeis e informações financeiras “apenas como instrumentos
para comprovação de conformidade entre os gastos e a legisla-
ção correlata”.572
Efetivamente, talvez o maior entrave para qualquer reforma
administrativa – aqui encaixando-se também qualquer reforma
orçamentária – seja a natural e consistente resistência que a “bu-
rocracia” estatal costuma apresentar ao novo. Primeiramente,
sob o aspecto psicológico, porque velhos hábitos se consolidam
e, normalmente, as pessoas têm certo receio do “novo”. Em um
segundo plano talvez esteja o temor de perder algum poder ou
privilégio.

7.3.2.1 Ainda o “novo” performance budget

Nazaré da Costa Cabral refere-se a uma “nova versão” da


performance budgeting, que agora aparece associada a novas
formas de gestão financeira: a performance management, tra-
duzida em Portugal como “gestão por objetivos”.573 A autora
sustenta que o último degrau para a mudança que desembocou

571
James Giacomoni, Orçamento público, p. 202-203.
572
Marcos Nóbrega, Orçamento, eficiência e performance budget, p. 203.
573
Nazaré da Costa Cabral, Orçamentação pública e programação: tendên-
cias internacionais e implicações sobre o caso português, p. 642.
A preocupação com a performanCe 269

no atual “orçamento de objetivos” teve lugar durante a Adminis-


tração Clinton, nos Estados Unidos, mediante a aprovação do
Relatório Gore, em 1994, intitulado Reinventing Government,
que apresentou medidas de reforma na gestão administrativa e
apontou caminhos de mudança no processo orçamentário.574
A partir daí, surge esse “novo” modelo de performance
budgeting, que contém os elementos deste (que privilegiava os
inputs), e acresce outros elementos inovadores, a saber: “(a)
incorpora expressamente medidas de performance e sistemas
de avaliação de resultados; (b) inclui formas mais exigentes de
controlo e responsabilidade, associadas a sistemas de prémios/
incentivos e de sanções”.575
Uma observação fundamental é feita pela autora, segundo
a qual a performance
[...] não deve ser, portanto, apenas uma ideia. Um dos seus
impactos mais reclamados e aclamados prende-se com as
mudanças ao nível dos processos e estruturas orçamentais.
Deste ponto de vista, a questão fundamental que se coloca é a
de saber que estrutura orçamental melhor se adapta “a orça-
mentação por objetivos”.576
Não conseguimos imaginar como implantar, em qualquer
lugar do planeta, o orçamento de resultado sem que essa introdu-
ção venha acompanhada da mudança da mentalidade e da cultu-
ra de gestão no ambiente público. Essa mudança de cultura, em
direção a uma gestão de objetivos, envolve os seguintes fatores,
em uma apreciação feita pala autora citada retro:
a) concretização de uma gestão em termos de mercado, o que
supõe a concretização de alguns elementos de privatização de
gestão pública (lato sensu);

574
Nazaré da Costa Cabral, Orçamentação pública e programação: tendên-
cias internacionais e implicações sobre o caso português, p. 643.
575
Idem, ibidem, p. 645, com base em Jack Diamond.
576
Idem, p. 646.
270 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

b) redefinição do modelo de Administração Pública: substi-


tuição do modelo burocrático (vertical), por mecanismos de
tomada de decisão horizontal, por um maior envolvimento de
funcionários e dirigentes, maior responsabilização de todos
os actores e uma maior cultura de accountability;
c) flexibilização da gestão pública, designadamente ao nível
dos procedimentos de contratação e aquisição de bens e ser-
viços;
d) eliminação de todos os mecanismos de centralização na
aquisição de bens e serviços (v.g. centrais de compras públicas
etc.);
e) flexibilização na contratação de pessoal;
f) flexibilização na atribuição de dotações e de execução
orçamental;
g) mecanismos de avaliação de desempenho a aplicar a todos
os altos dirigentes e pessoal e de responsabilização efectiva pe-
rante os objetivos associados a cada programa de atividades.577

7.3.3 A performance e os recursos humanos


Um aspecto que não pode ficar de fora do debate sobre o
desempenho é o pertinente a “recursos humanos”. Uma vez que
se procura adotar os instrumentos da empresa privada no âmbito
público, deve-se, a nosso ver, proceder como estas na busca do
aprimoramento do pessoal que vai gerir as contas públicas, sig-
nificando, no nosso caso, mais proximamente, aqueles que irão
efetivamente elaborar e executar o orçamento.
Deve-se, em primeiro lugar, embora isso seja óbvio, lem-
brar que serão seres humanos que elaborarão e executarão o
orçamento, bem como serão humanos os destinatários últimos
dos efeitos do orçamento.

Nazaré da Costa Cabral, Orçamentação pública e programação: tendên-


577

cias internacionais e implicações sobre o caso português, p. 653.


A preocupação com a performanCe 271

Yves Chevalier salienta que, com a elaboração de normas


jurídicas, a função pública é um dos mais poderosos meios de
ação do Estado e, em um contexto orçamentário forçado à redu-
ção do déficit e do endividamento – como ora sucede na Europa –,
“o desempenho da gestão dos recursos humanos (GRH) é incon-
testavelmente uma questão maior, senão o principal desafio, da
reforma do Estado nos próximos anos”.578
Os fatores citados pelo autor ora invocado, embora se refi-
ram à situação vivida na atualidade na União Europeia, podem
perfeitamente, de modo geral, ser reconhecidos em nosso país.
Para ilustrar esse ponto, recorremos à alusão de Chevalier ao fato
de que os grandes desafios da nossa época – como a educação,
a luta contra a exclusão, a segurança, a saúde pública –, aliados
ao crescente aumento da exigência em termos de qualidade do
serviço público pelos usuários e outras circunstâncias, entre elas
“a profunda demanda de reconhecimento por parte dos funcio-
nários [públicos]”, demonstram a rapidez da mudança de padrão
no respeitante à gestão pública.579

7.3.4 O que esperar com a adoção do orçamento de


resultado?
Os países que pretendam enquadrar seus orçamentos no
tipo “orçamento de resultado” esperam, em primeiro lugar, re-
duzir a despesa e tornar mais eficientes a alocação e a utilização
dos recursos financeiros, além de, evidentemente, melhorar o

578
Yves Chevalier, LOLF et fonction publique: GRH, performance et ma-
nagement, p. 99, em tradução livre. No original: “la performance de la
gestion des ressources humaines (GRH) est incontestablement un enjeu
majeur, sinon le principal enjeu, de la réforme de l’État dans les années à
venir”.
579
Idem, ibidem, p. 100.
272 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

desempenho do setor público e a informação relativa à accoun-


tability580 para os políticos e cidadãos.581
Como explica Luís Faria:
Esta nova perspectiva de análise dos resultados permite uma
utilização mais flexível dos recursos orçamentais e, desta
forma, os gestores públicos dispõem de uma maior liberdade
na utilização dos recursos que têm à sua disposição, mas,
simultaneamente, tornam-se responsáveis pelo desempenho
obtido na prestação de serviços.582
Esse mesmo autor observa, também, que vários procedi-
mentos e expedientes utilizados por esse tipo de orçamento não
são novos, simplesmente percebeu-se que “com cada vez menos
recursos para gastar torna-se fundamental conceder mais aten-
ção aos resultados obtidos com a despesa pública”.583
Com base no estudo de Faria, apresentaremos aquilo que se
considera como vantagens e também as críticas ao orçamento de
resultado (ou por resultados).
As principais vantagens constatadas nas recentes aplicações
desse tipo de orçamento são: a) a comunicação entre o governo e
os cidadãos; b) a melhor gestão dos serviços públicos; c) a tomada
de decisão em termos de orçamento mais informada com base nos
resultados obtidos; e d) mais transparência e accountability, uma
vez que o orçamento por resultados apresenta indicadores de de-
sempenho e facilita o escrutínio das políticas públicas.584
Quanto às críticas, o autor em análise aponta que o orça-
mento por resultados é habitualmente criticado por conduzir a

580
Reconhecendo a dificuldade de traduzir o termo para o português, para
nós accountability será tida como “responsabilização” pura e simples e
“responsabilização pela gestão de recursos”.
581
Luís Faria, Orçamento estratégico, p. 4-5.
582
Idem, ibidem, p. 5.
583
Idem, p. 6.
584
Idem, p. 8.
A preocupação com a performanCe 273

sistemas de planejamento mecanicistas, demasiado complexos,


recheados de informação inútil e pelo fato de a informação de
desempenho ter pouco impacto na tomada de decisões.585
Outro ponto de desaprovação do orçamento por resultado
está em que há poucos exemplos de programas bem definidos,
com objetivos claros e indicadores coerentes.
É igualmente mencionada a utilização de métodos tradi-
cionais detalhados line-item e a ausência de delegação de au-
toridade nos gestores públicos, fato que os impede de gerirem
eficientemente o seu orçamento ou, por exemplo, de contratarem
ou despedirem pessoal.
Por fim, alega-se que o desempenho não tem a influência
desejada na tomada de decisão orçamentária.586
Após análise das críticas apresentadas, pode-se concluir
que elas incidem, sobretudo, na indefinição e fraca implementa-
ção do programa, e não sobre os objetivos que o orçamento por
resultados se propõe atingir.587
Nesse ponto, cabe lembrar que, embora nossa legislação
não o denomine “orçamento de desempenho” ou equivalente, a
Lei 4.320/1964 já se reporta ao “controle de resultado” no art.
art. 75, III, ao dizer que “o controle da execução orçamentária
compreenderá: [...] III – o cumprimento do programa de traba-
lho expresso em termos monetários e em termos de realização de
obras e prestação de serviços”.

7.4 Conclusão
Se pudéssemos resumir o que está no bojo deste capítulo – e
é o que se pretende realçar –, diríamos que a evolução do orça-
mento em termos de sua eficiência demonstra que, desde que ele

585
Luís Faria, Orçamento estratégico, p. 10.
586
Idem, ibidem, p. 10.
587
Idem, p. 10-11.
274 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

deixou de ser uma peça estática, quase que exclusivamente con-


tábil, houve uma busca pelo seu aperfeiçoamento, implícita na
qual estava a procura pela eficiência, conscientemente ou não.
Ao orçamento de desempenho inicial faltava vinculação
ao planejamento, com o que se passou ao orçamento-programa.
Como o orçamento de desempenho ainda era falho, faltando-
-lhe a vinculação com o planejamento governamental, partiu-se
para uma técnica mais elaborada, que é o orçamento-programa.
Reconhecendo a insuficiência deste último, a busca continuou –
e prossegue sempre –,desembocando no “novo” orçamento de
resultado, ou de desempenho, ou performance budget, o nome
que se lhe queira dar.
A ligação entre orçamento e programas continua como
uma ideia fundamental, principalmente dado o fato de que a
Constituição de 1988 colocou o planejamento em um processo
contínuo da ação estatal, o que implica a necessária imbricação
planejamento/orçamento.
O fato é que, a despeito dos acréscimos ocorridos durante
essa evolução, a maior parte dos elementos dos tipos de orça-
mentos anteriores permaneceu nos mais atuais, revelando que
nem sempre se deve deixar de parte totalmente um instrumento
mais antigo (em qualquer aspecto da vida) em benefício do
novo, somente por sê-lo.
Ademais, como se disse, a busca pelo aperfeiçoamento do
orçamento (melhor dito, da “orçamentação” como um todo) é
constante e permanente, como também o é a busca pelo aper-
feiçoamento do Estado, das instituições e, consequentemente,
da otimização dos recursos públicos, dado que estes serão os
responsáveis pela manutenção do Estado (e pelo seu aprimora-
mento), seja ele de que tipo for.
275

Capítulo 8
ORÇAMENTO PÚBLICO E
PLANEJAMENTO

Sumário: 8.1 Introdução – 8.2 Intervenção do Estado na Econo-


mia: 8.2.1 Os economistas e a intervenção; 8.2.2 A intervenção
do Estado e o Estado Social de Direito; 8.2.3 A intervenção e o
equilíbrio orçamentário – 8.3 O planejamento: 8.3.1 Conceito de
planejamento; 8.3.2 O planejamento no Direito positivo brasileiro
– 8.4 Algumas conclusões.

8.1 Introdução
O esquema engendrado pela Constituição Federal de 1988
adotou, como uma das ideias norteadoras do sistema financeiro-
-econômico, a do planejamento.
Com efeito, é o planejamento que constitui o ponto de par-
tida de qualquer intenção de equilíbrio de contas, sejam públicas
ou privadas.
Infelizmente, não integra o rol de características do povo
brasileiro, em geral, planejar. É fácil observar no dia a dia como
as pessoas não atribuem grande importância – sempre genera-
lizando aqui – ao planejamento. Essa cultura – ou a falta dela
– se reflete no âmbito público, consoante se pode perceber no
acompanhamento do andamento da atividade do Estado corri-
queiramente.
No campo privado, a falta de planejamento é assunto que
diz respeito unicamente à própria pessoa que não planeja e
que irá (ou não) sofrer as eventuais consequências desse não
276 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

planejamento. No ambiente público, entretanto, evidentemente


as coisas não podem ser (e não deveriam ter sido nunca) assim.
Afinal, trata-se de res publica, cujo gerenciamento deve ser con-
duzido de modo a aplicar da melhor forma possível, em todos os
sentidos, os recursos do povo.
O fato é que a Constituição republicana de 1988 obrigou o
Estado a planejar. Contrariando a tendência usual da legislação,
que é a de ser editada para consolidar aquilo que já ocorre na
realidade, o constituinte houve por bem antecipar-se a ela, ou
melhor, forçar a mudança de mentalidade.
Reforcemos novamente que o orçamento público não é hoje
mais uma peça estática contendo a mera previsão das receitas e
a autorização das despesas do Estado, tal como considerado em
seu conceito clássico, tendo passado a assumir um papel decisi-
vo na vida econômica e social da nação como um todo.
Contrariando, como se disse anteriormente, a tendência que
parece estar subjacente como um dos aspectos da cultura brasi-
leira, o legislador constituinte resolveu antecipar-se à mudança
dessa característica e impôs o planejamento ao setor público.
Assim declara o art. 174 da nossa Carta Magna:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade
econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determi-
nante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1.º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento
do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará
e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desen-
volvimento.
Cremos poder dizer que esse dispositivo constitucional é de
caráter geral, aplicável a todo o Estado brasileiro, em todas as
perspectivas possíveis de serem cogitadas. Constitui essa deter-
minação a estrutura básica da intervenção do Estado na Econo-
mia como uma de suas facetas (as outras duas são, como refere
o artigo transcrito, a fiscalização e o incentivo).
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 277

No âmbito específico do orçamento, o planejamento come-


ça com o plano plurianual passa pela Lei de Diretrizes Orçamen-
tárias e culmina na Lei Orçamentária Anual. Pode-se afirmar
que, de certa forma, após a Constituição de 1988, o planejamen-
to permeia todo o orçamento; é ideia indissociável deste.

8.2 Intervenção do Estado na Economia


Antes de adentrarmos no planejamento especificamente,
diremos algo sobre a intervenção do Estado na economia, que
constitui questão intimamente enlaçada com o orçamento, como
é fácil perceber.
O Direito Financeiro tem como ponto de partida a noção
de “necessidade pública”, no sentido de que é em razão da pre-
sença desta é que o Estado existe, e para supri-la precisa obter
recursos. Não se entrará, aqui, na discussão acerca do que são
necessidades públicas; ficar-se-á somente com a ideia de que es-
tas correspondem às situações que o povo, em um determinado
momento histórico, elegeu como tais, e manifestou a sua escolha
por meio da Constituição e de outras leis.
Assim, as necessidades consideradas como públicas varia-
rão em qualidade e em quantidade conforme seja a intensidade
da intervenção do Estado na Economia, e, por via indireta, na
própria sociedade,
Efetivamente, na vigência do modelo de “Estado Liberal”
(État Gendarme), entendia-se que ele deveria restringir-se a cui-
dar da segurança (interna e externa), da administração da Justiça
e pouco mais.
Com a passagem para o “Estado do Bem-Estar” (Welfare
State), as funções do Estado foram sobremaneira ampliadas,
tendo assumido encargos que até então era impensável que um
dia tomasse para si.
Nesse trânsito, as necessidades públicas encampadas pelo
Estado também se expandiram e, via de consequência, também
se ampliou a necessidade de mais recursos públicos.
278 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Vislumbramos como necessidade pública aquela que,


mais que consistir em algo que as pessoas, individual ou cole-
tivamente, entendem como tal; aquela que o Direito Positivo
trouxe para si. Quer isso significar que é o Direito que irá dizer,
em um determinado Estado e em um certo momento histórico,
o que constitui necessidade pública naquele Estado e naquele
momento.
José Marcos Domingues, com apoio em Baleeiro, não dei-
xa passar despercebido que:
[...] superadas as finanças neutras do liberalismo clássico,
desde a Constituição de Weimar (1919) passou-se às finanças
funcionais, reconhecendo-se a função social das finanças
públicas no sentido de permitir ao Estado a intervenção na
conjuntura e a modificação das estruturas através dos processos
financeiros (tributação e despesa), especialmente no campo
da implementação dos direitos sociais.588
A doutrina econômica de inspiração keynesiana, que pro-
pugna pela utilização de recursos públicos em épocas de depres-
são, é exemplo evidente de intervenção do Estado na Economia
e, segundo Catarino, “fez aportar o conceito de finanças públi-
cas funcionais e trouxe, como consequência, uma complexidade
crescente à atividade financeira pública”.589
A intervenção do Estado na Economia generalizou-se no
mundo ocidental já na década de 1930, devendo-se entender
esse movimento como decorrente das teorias jurídicas, po-
líticas e econômicas da época e as “penúrias econômicas do
momento”.590

588
José Marcos Domingues, Tributação, orçamento e políticas públicas, p.
188.
589
João Ricardo Catarino, Finanças públicas e direito financeiro, p. 233.
590
Conforme Luis Aguiar de Luque e Gema Rosado Iglesias, La estabilidad
presupuestaria y su eventual proyección en el estado de las autonomías,
p. 10, nota de rodapé n. 2.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 279

8.2.1 Os economistas e a intervenção


Os economistas estudam se a intervenção o Estado na Eco-
nomia melhora o seu desempenho (performance). Em geral, os
argumentos para concluir pela afirmativa são assim enumera-
dos: a) a utilização de bens de interesse social (merit goods);
b) considerações relativas à equidade; c) crescimento e desen-
volvimento; e d) estabilização, conforme síntese apresentada
por Block, Kordsmeier e Horton591 que, após trazerem as ideias
da doutrina econômica acerca de tais justificativas, criticam-
-nas por delas discordarem. No entanto, aqui entendemos útil
valermo-nos desse estudo a título de colaborar com o raciocínio
para a análise da temática do presente capítulo.
Sobre a alínea a, a ideia subjacente nos merit wants ou
merit goods é a de que há certo bens considerados tão louváveis
(ou meritórios) que o Estado deve provê-los por meio do seu
orçamento; o Estado entende que existem bens que são “bons”
ou “ruins”, e procura incentivar aqueles e desestimular estes últi-
mos.592 Exemplos de merit wants são: fornecimento de merenda
nas escolas públicas, subsídios à moradia, educação gratuita
etc.593
A crítica levada a cabo por Block et al. pode ser resumida
no sentido de que os bens que os autores que defendem os merit
goods desejam promover ou subsidiar são mais baseados em
propósitos ideológicos do que em razões financeiras. Chegam a
dizer que aqueles autores deveriam denominar as suas escolhas
dos merit goods como “os seus bens favoritos”.594

591
Walter Block, William Kordsmeir e Joseph Horton, The failure of public
finance, p. 43.
592
Conforme Musgrave, The Theory of Public Finance; Richard Atkinson e
Stiglitz, Lectures on Public Economics, ambos apud Block et al., citados
na nota anterior, p. 43-45.
593
Musgrave, op. cit.
594
Walter Block et al., The failure of public finance, p. 45.
280 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Acerca da equidade (letra b), os autores que tratam de Fi-


nanças Públicas em geral defendem a intervenção governamen-
tal para redistribuir a renda, a fim de promover a equidade. Ale-
gam que o mercado por si só não procederia a uma “distribuição
desejável” da renda, devendo o Estado (Governments) consultar
a população para perquirir acerca de se deve haver maior assis-
tência aos grupos de renda mais baixa, e, se se decidir por isso,
que deveria suportar o peso de uma tributação mais elevada onde
haja um padrão desigual de distribuição de renda.595
Novamente a crítica dos autores em comento é ácida e eles
ponderam que não há uma medida determinada do que seria uma
“distribuição desejável” [da renda]; que, ainda que fosse dada
essa medida, parece difícil conciliá-la com a Economia “con-
creta” (positive economics) e que haveria uma confusão entre
equidade e igualdade, uma vez que não está claro que rendas
mais igualitárias são, efetivamente, mais equitativas.596
No que concerne ao crescimento e desenvolvimento (c),
costuma-se [os especialistas em Finanças Públicas] dizer que a
taxa de crescimento não é a melhor [is not optimal] sob o esque-
ma da livre-iniciativa, o que justificaria a política de imposição
de tributos e de gasto público.597 O Governo teria condições
proceder a avaliações a respeito do consumo, tendo em mira
o futuro, utilizando valores que diferem dos valores privados
(McCready).598 Os particulares, ao planejarem seus negócios,
geralmente subestimam a importância da poupança, superesti-
mando o consumo presente.599 Varia, pois, a taxa de desconto
a ser utilizada por um (Estado) e pelos outros (particulares) na

595
, A.L. Auld e F.C. Miller, Principles of Public Finance: a Canadian Text,
apud Walter Block et al., The failure of public finance, p. 46-47.
596
Walter Block et al., The failure of public finance, p. 59.
597
Idem, ibidem, p. 59.
598
Apud Idem, p. 60.
599
Richard Musgrave, Peggy Musgrave e Richard M. Bird, apud Walter
Block et al., The failure of public finance, p. 60-61.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 281

valoração do consumo de bens e serviços, devendo aquele atuar


para abaixar essa taxa.
A este respeito, Block et al. afirmam que pode ocorrer exa-
tamente o contrário, ou seja, que o executivo de uma empresa
moderna pode possuir uma visão de longo prazo maior que a dos
políticos, até porque o tempo destes raras vezes ultrapassa o da
próxima eleição. Ironicamente dizem que, por época da chegada
da cobrança acerca dos avanços fundamentais que prometeram,
os políticos estarão “aposentados, ou na prisão, ou em postos
mais altos”, então por que se preocupariam com isso agora?600
Nesse ponto, abrimos um parêntese para tratar de um assun-
to, relacionado a este tema, que nos interessa mais de perto, pois
aplica-se de imediato a países como o nosso “em desenvolvi-
mento”. Aproveitaremos as lições de Richard Musgrave, Peggy
Musgrave e Richard M. Bird, já referidos, quando cuidam do
bem-estar das gerações futuras.
Analisando as Social Discount Rates,601 esses autores apon-
tam o argumento de que as pessoas são demasiadamente ganan-
ciosas e não se preocupam suficientemente com o bem-estar
daquelas que as sucederão. Se o fizessem, poupariam mais para
deixar às futuras gerações um estoque de capital mais elevado e,
consequentemente, um maior nível de renda. A poupança é vista
como um merit good. Ressaltam os mencionados professores
que “esta pode ser uma decisão a ser enfrentada pelos órgãos
de planejamento de um país em desenvolvimento, que têm que
escolher entre um desenvolvimento mais rápido e um precoce
incremento no nível de consumo”.602

600
Walter Block et al., The failure of public finance, p. 61.
601
“Social discount rate (SDR) is a measure used to help guide choices
about the value of diverting funds to social projects” (literalmente “taxa
de desconto social”). É a medida usada para auxiliar nas escolhas que
culminarão no montante de recursos a serem destinados a projetos so-
ciais (tradução livre).
602
Na obra citada, apud Walter Block et al., The failure of public finance, p. 62.
282 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Parece ser exatamente esse o momento vivido pelo Brasil


nos últimos anos, embora tenha-se optado, ao que se afigura
visível, pela busca de um desenvolvimento mais rápido, justa-
mente à custa do aumento do consumo.
Seja como for, Block et al., comentando essa posição, ale-
gam que não há critério objetivo para determinar o nível “apro-
priado” de ganância, nem seria possível fazê-lo. “Qual seria a
prova de que o Governo é o guardião das gerações futuras? Nin-
guém, em nenhuma geração futura, jamais elegeu um membro
de qualquer Parlamento do presente.”603 Para eles, se alguém re-
presenta a geração presente, este alguém é aquele que o elegeu.
Se a ideia dos “bens fundamentais” (merit goods) é uma
falácia, o planejamento de um país em desenvolvimento é uma
contradição em termos. Exemplificam os autores com o que su-
cede com Hong Kong, Singapura e Coreia do Sul, nações que re-
almente estão se desenvolvendo economicamente, segundo eles,
exatamente na proporção em que evitaram os planning boards.604
Por fim, a estabilização (letra d) seria facilitada pelo Esta-
do, porquanto o mercado está sujeito a períodos de depressão,
e a intervenção do Estado seria necessária a fim de manter a
economia em um nível estável. Block et al. veem aí a reiteração
da “frase pronta familiar”: “o fracasso do mercado”. A isso eles
contrapõem que, nesse sentido, como nos casos semelhantes, o
que ocorre, ao contrário, é “o fracasso do Governo”. Este seria o
responsável pela falha erroneamente atribuída ao mercado.605 Há

603
Walter Block et al., The failure of public finance, p. 62.
604
Idem, ibidem, p. 63.
605
Idem, ibidem, p. 64. Para esses autores, o desemprego, por exemplo, não
é intrínseco à ordem capitalista. Ao contrário, ele [o desemprego] é tra-
zido por meio de toda sorte de intervenções imprudentes e insensatas do
Governo, tais como a legislação do salário mínimo; o suporte legal para
que os sindicatos possam aumentar salários acima dos níveis de produ-
tividade; tributação excessiva etc. Chegam a afirmar que a Depressão
de 1929, atribuída ao livre e desimpedido mercado, teria sobrevindo em
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 283

evidência de que o desemprego e a inflação seriam fenômenos


causados pelo Governo.606
Concluem o aprofundado estudo com as seguintes palavras:
Dada esta evidência [mencionada no parágrafo anterior], as
alegações de que é desejável maior estabilidade que os mer-
cados podem proporcionar e que deveria ser imposta pela
interferência do Governo não merecem nem mesmo consi-
deração. Assim, pensamos que faltam às alegações de praxe
que justificam a interferência do Governo no livre mercado a
base numa economia concreta ou consistem meramente em
preferências daqueles que escrevem sobre Finanças Públicas.
Estas seriam reforçadas, como uma empreitada intelectual,
se desistissem dessas supostas razões que suportam o Estado
como meio de corrigir defeitos do mercado.607
O fato é que, de um tempo a esta parte, houve uma revira-
volta na visão do papel do Estado e um retorno ao liberalismo
(neoliberalismo ou neocapitalismo), ressuscitado notadamente
pelo chamado thatcherismo, que apregoa, dentre outras propos-
tas, as privatizações de grandes empresas e serviços públicos608 e

virtude da insensatez de políticas governamentais, tais como o colapso


da oferta de moeda; controle de preços/salários que os fizeram que per-
manecessem inflexíveis caminhando para baixo e o período de inflação
durante a década de 1920, que, artificialmente, encorajou e estimulou
indústrias básicas e métodos de produção.
606
Walter Block et al., The failure of public finance, p. 65.
607
Idem, p. 65, em tradução livre. No texto original: “Given this evidence,
the normative claims that greater stability than free markets provide is
desirable and should be imposed by government does not even require
consideration. Thus, we find that the common normative justifications
for government interference with free markets lack a basis in positive
economics or consist merely of the preferences of those writing on public
finance. Public finance would be strengthened as an intellectual endeavor
if it gave up these supposed reasons supporting government as a means of
correcting defects in the market”.
608
Em nosso país, exemplo marcante dessa volta ao pensamento liberal foi a
alteração na Constituição originária de 1988, mediante a Emenda Cons-
284 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

desregulamentação de certas atividades. Como consequência da


“globalização”, foi essa ideologia espalhada pelo mundo afora,
não podendo o Brasil deixar de participar dos seus efeitos.
Vemos, entretanto, que a fase acima mencionada já parece
ter sido ultrapassada, ainda que parcialmente. Atualmente, ao
menos se permite a discussão séria sobre o assunto, apontando
críticas ácidas ao modelo neoliberal, coisa que nos anos 1980
quase se tornou um tabu. Foi com a crise mundial iniciada em
2008 que se retomou o questionamento acerca da adequação,
indiscutível até então, da utilização dos preceitos propugnados
pelo chamado “neoliberalismo”.

8.2.2 A intervenção do Estado e o Estado Social de Direito


O tema da intervenção do Estado também pode ser anali-
sado pelo prisma do Estado de Direito e/ou do Estado Social de
Direito.
Embora nossa Carta Magna se refira ao Brasil como um
Estado Democrático de Direito (art. 1.º), uma interpretação sis-
temática do seu texto pode levar a considerá-lo como um Estado
Democrático e Social de Direito. Basta a leitura dos arts. 1.º,
3.º, 6.º e 7.º do Texto Constitucional para se deduzir o afirmado
retro.
De toda sorte, o que se quer salientar é que, se o Estado
Social de Direito tem como um dos objetivos precípuos a justiça
social, o Estado brasileiro nele se enquadra.
Sobre isso, ao comentar a passagem do Estado de Direito
para o Estado Social de Direito, Pablo Lucas Verdú afirma que
“o Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro
e individualista, para transformar-se em Estado material de Di-

titucional 8/1995, pela qual se abriu à iniciativa privada a exploração de


serviços de telecomunicação, antes de competência do Estado ou suas
concessionárias.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 285

reto, enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça


social”.609
Afigura-se-nos importante essa observação em razão de
que uma das justificativas que se podem invocar para aceitar a
intervenção do Estado na economia a despeito das críticas dos
mais conservadores é a de que, ao lado de preservar a economia,
deve o Estado cumprir os seus desígnios constitucionalmente
traçados. Em outras palavras, no que importa ressaltar neste item
– que é a ligação existente entre o orçamento e a intervenção –,
não necessariamente, a qualquer custo, deve ser preservado o
equilíbrio orçamentário.
A esse propósito, Luis Aguiar de Luque e Gema Rosado
Iglesias enfatizam a tendência atual de que, para alcançar a
estabilidade orçamentária, somente se cogita de reduzir o gasto
público, redução esta que resulta ser “drástica e perigosa” para o
cumprimento, por parte do Poder Público, dos fins de interesse
geral que são próprios do Estado, ao menos nos Estados que
constitucionalmente continuam se autoproclamando como Es-
tados sociais de Direito.610
Em nosso país, não temos dúvida em afirmar que a ativi-
dade de planejamento deve ser desempenhada com intuito de
realizar os objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, previstos no art. 3.º da Constituição Federal de 1988, a
saber: (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (ii)
garantir o desenvolvimento nacional; (iii) erradicar a pobreza e
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
(iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

609
Pablo Lucas Verdú, Estado de derecho y justicia constitucional.
Aspectos históricos, ideológicos y normativo-institucionales de su
interrelación, p. 8.
610
Luis Aguiar de Luque e Gema Rosado Iglesias, La estabilidad presupues-
taria y su eventual proyección en el estado de las autonomías, p. 12.
286 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

8.2.3 A intervenção e o equilíbrio orçamentário


Visto que, há tempos, o orçamento tem caráter dinâmico,
servindo de indicativo dos caminhos da economia, a sua maior
ou menor intervenção nesta, fatalmente, produzirá efeitos eco-
nômicos e, dependendo da magnitude dessa interferência, pro-
duzirá déficits orçamentários.
Conquanto tenhamos tratado do “equilíbrio orçamentário”
em outra parte deste trabalho, importa aqui referir, ainda que a
breve trecho, a este “princípio” orçamentário, dada a sua total
imbricação com o tema da intervenção estatal, em razão da co-
nexão entre esta e o orçamento.
No Estado liberal, dado o escasso número de atividades
desenvolvidas pelo Estado, bastava que os gastos ordinários
fossem cobertos com receitas também ordinárias. Não era bem
visto o déficit orçamentário, pois ele significava até mesmo a
incompetência do governante.
A noção de equilíbrio orçamentário decorreu dessa ordem
de pensamento. O equilíbrio havia sido guindado a “principio
rector que debía presidir toda la actividad financiera de los po-
deres públicos, tomándose para ello como modelo la gestión
económica del núcleo familiar”.611
Diante das crises enfrentadas no início do século XX, muito
especialmente a da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, o
liberalismo clássico também entra em crise, dando lugar a novas
teorias econômicas (Keynes), e os novos textos constitucionais
europeus, qualificando os seus respectivos Estados como Esta-
dos sociais de Direito, atribuirão ao Estado a função de “motor
da Economia”. O Estado passa a atuar como agente regulador
das relações sociais e se lhe impõem obrigações concretas de
prestações a favor dos cidadãos.612

611
Luis Aguiar de Luque e Gema Rosado Iglesias, La estabilidad presupues-
taria y su eventual proyección en el estado de las autonomías, p. 14.
612
Idem, ibidem, p. 15.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 287

Termina o Estado por ter o papel fundamental de ordenar o


mercado, e o faz por intermédio do orçamento. “O pensamento
keynesiano acaba, assim, com a entronização liberal do equilí-
brio orçamentário”613 que prevalecia até então.
Os autores agora citados resumem o ocorrido nesse mo-
mento histórico, com base em Buchanan, de modo exemplar,
razão por que nos permitimos reproduzir o texto abaixo:
La estabilidad del presupuesto ya no es en sí misma un valor
positivo. Antes bien, es al Estado a quien corresponde com-
pensar los ciclos económicos, participando directamente en
la economía. A estos efectos, el presupuesto (y la política pre-
supuestaria que aquél traduce) se convierten en instrumentos
fundamentales para conseguir los fines y valores del nuevo
Estado social.614
Sainz de Bujanda lembra que na época liberal não se acre-
ditava na possibilidade de o “instrumental financeiro” influir
na estrutura e na dinâmica da economia, corrigindo as suas de-
formações e impulsionando todo o mecanismo econômico em
direção a objetivos previamente determinados.615 Para ele, a
mudança profunda, verdadeiramente revolucionária, produziu-
-se quando o Estado ou seus governantes perceberam que “o
orçamento pode deixar de ser um espelho da vida econômica
para converter-se no mais formidável agente ou instrumento
dela”.616
A partir daí, o Estado se viu obrigado a definir as suas pre-
tensões e optar por uma política econômica que deve conduzir
paralelamente a uma política orçamentária.

613
Luis Aguiar de Luque e Gema Rosado Iglesias, La estabilidad presupues-
taria y su eventual proyección en el estado de las autonomías, p. 16.
614
Idem, ibidem, p. 16.
615
Fernando Sainz de Bujanda, Hacienda y derecho, v. 1, p. 78-79.
616
Idem, ibidem, p. 79.
288 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

8.3 O planejamento
O planejamento estatal traz consigo a noção de intervenção
do Estado no domínio econômico visando a assegurar, dentro da
máxima eficácia ínsita aos ditames constitucionais, os direitos e
garantias individuais, bem como os objetivos do Estado brasilei-
ro proclamados pela Constituição. Em outras palavras, ele é uma
forma de intervenção.
O planejamento é noção ínsita ao orçamento nos dias
atuais. Aquele decorre deste último e é, podemos dizer, a sua
materialização.
Já tivemos oportunidade de afirmar que “o orçamento mo-
derno, sob qualquer de suas feições, constitui-se no plano de
governo juridicizado”. 617
José Afonso da Silva destaca que
[...] um orçamento, na concepção moderna e segundo o direito
brasileiro atual, não passa do equivalente financeiro do plano de
ação governamental. Nunca pode ser independente do plano.
Mostra de onde vêm os recursos para financiá-los e quanto
deve ser gasto para atingir os objetivos traçados.618
Também para Guilherme Bueno de Camargo o orçamento
configura um verdadeiro programa de governo, haja vista evi-
denciar o planejamento governamental e a definição das priori-
dades da gestão pública.619
Gonzalo Martner pontua que o planejamento é, nos dias de
hoje, o pressuposto básico que informa a elaboração e a execu-
ção dos orçamentos modernos.620

617
Estevão Horvath, Orçamento público e planejamento, p. 131.
618
José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 72.
619
Guilherme Bueno de Camargo, Governança republicana e orçamento: as
finanças públicas a serviço da sociedade, p. 774.
620
Gonzalo Martner, Planificación y presupuesto por programas, p. 8.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 289

No Brasil, o Poder Legislativo participa ativamente – ao


menos do ponto de vista formal – do planejamento estatal por
meio da aprovação das leis orçamentárias. É uma concepção di-
ferente da existente em outros países, nos quais o planejamento
estatal decorre de atos administrativos, ficando, portanto, restri-
to à esfera de competência do Poder Executivo.

8.3.1 Conceito de planejamento


José Afonso da Silva conceitua planejamento como “um
processo técnico instrumentado para transformar a realidade
existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos”.621
Planejar, para Gonzalo Martner, é reduzir o número de
alternativas que se apresentam a algumas poucas, “compatíveis
com os meios disponíveis”. O planejamento escolhe uma alter-
nativa e descarta outras; “indica inteligentemente o que se deve
fazer no futuro e o que não se deve fazer”.622
Ensina, ainda, esse autor que a ideia central do planejamen-
to é a de racionalidade. Isso supõe que, dada a multiplicidade de
possibilidades de ação “dos homens, do governo, das empresas
e das famílias, é necessário escolher ‘racionalmente’ quais as
melhores alternativas para a realização dos valores finais” dessas
pessoas.623
O fragmento seguinte resume muito claramente a noção de
Martner sobre planejamento:
[...] Planejar é, em consequência, um processo em virtude do
qual a ‘atitude racional’ que já se adotou se transforma em
atividade: se coordenam objetivos, se preveem fatos, se pro-
jetam tendências. Sob o ponto de vista do trabalho a realizar,
programar é uma disciplina intelectual de ordenação racional

621
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 809.
622
Gonzalo Martner, Planificación y presupuesto por programas, p. 8.
623
Idem, ibidem, p. 8.
290 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

de recursos escassos; implica, além do diagnóstico, a tarefa


de prognosticar o futuro.624
Nesse sentido, observa Eros Grau625 que o planejamento
é uma “forma de ação racional caracterizada pela previsão de
comportamentos econômicos e sociais futuros, pela formulação
explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coorde-
nadamente dispostos”.
A nosso ver, a atividade de planejar está intimamente ligada
à eficiência, ou à busca desta. Partindo-se da premissa de que
os recursos são, em geral, exíguos, o planejamento, tomando
em conta essa circunstância, deve buscar, seguindo critérios
racionais e ademais de organizar as escolhas feitas, otimizar o
uso desses recursos. Aliás, a própria exigência de planejamento
para o setor público traz embutida a procura pela eficiência na
aplicação das receitas públicas.
Martner é autor, também, de outro trecho que, a nosso ver,
prima pela precisão e objetividade. Referindo-se ao resultado
da programação, diz que planejar é a atividade de fazer planos
de ação para o futuro; fixam-se as metas para serem persegui-
das dentro de um determinado período de tempo e atribuem-se
os meios para a obtenção daqueles objetivos.626 Em seguida,
sumaria:
Planejar implica, em consequência, dar forma orgânica a um
conjunto de decisões, integradas e compatíveis entre si, que
guiarão a atividade de uma empresa, de um governo ou de
uma família. Programar é fazer planos, programas e projetos;
é fixar metas quantitativas para a atividade, destinar os recursos
humanos e materiais necessários, definir os métodos de tra-
balho que serão empregados, fixar a quantidade e a qualidade

624
Gonzalo Martner, Planificación y presupuesto por programas, p. 8.
625
Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 150.
626
Gonzalo Martner, Planificación y presupuesto por programas, p. 9.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 291

dos resultados, e determinar a localização espacial das obras


e atividades.627

8.3.2 O planejamento no Direito positivo brasileiro


A Constituição de 1988, em diversos dispositivos, traz ex-
pressa a ideia de planejamento como norte condutor da atividade
estatal. Citem-se, a título exemplificativo, os arts. 21, IX, 30,
VIII, 43, II, 48, II, 49, IX, 68, § 1.º, 74, I, 84, XXIII, 165, § 7.º,
e 182, § 1.º.
Ao lado de tais normas, o art. 167, § 1.º, ao estabelecer que
“nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício
financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano
plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime
de responsabilidade”, demonstra a importância que o legislador
constituinte deu ao planejamento no Brasil.
No entanto, é no art. 174, caput, que a obrigatoriedade do
planejamento estatal fica ainda mais evidente, conforme já acen-
tuado anteriormente.
O dever do planejamento estatal, por força de mandamento
expresso contido no art. 174, caput, da Constituição Federal (o
planejamento é determinante para o setor público), impõe ao
administrador a obrigatoriedade de adotar um plano de ação go-
vernamental para atingir os fins colimados pela nossa Lei Maior,
especialmente como instrumento de intervenção no domínio eco-
nômico. Seria um contrassenso, portanto, admitir que as despesas
autorizadas com base nas receitas previstas no orçamento não
tenham, por trás de tudo, um planejamento estruturado e sistema-
tizado das ações que o Estado deve assumir e protagonizar.
José Maurício Conti anota que
[...] a implementação do planejamento da ação governamental
dá-se por meio das leis de natureza orçamentária que, atual-

Gonzalo Martner, Planificación y presupuesto por programas, p. 9.


627
292 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

mente, com o desenvolvimento das técnicas de orçamento por


programas, associadas a sistemas de leis que se vinculam para
estabelecer políticas de longo prazo, permitem que se construa
um sistema jurídico que dá sustentação ao planejamento da
administração pública.628
O orçamento público brasileiro é estruturado por meio das
três leis indicadas no art. 165 da Constituição da República:
o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Tais normas pos-
suem uma relação de coordenação entre si, possibilitando que
o plano de ação governamental se estruture de forma coesa e
harmônica. É o que se extrai do próprio Texto Constitucional.
Vejamos.
O art. 165, § 2.º, estabelece que a LDO orientará a elabora-
ção da LOA, e os orçamentos fiscal e de investimento das empre-
sas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria
do capital social com direito a voto serão compatibilizados com
o PPA (art. 165, § 7.º).
Ademais, o art. 166, § 3.º, I, prevê que a LOA será compa-
tível com o PPA e com a LDO, transmitindo novamente a ideia
de que as três leis orçamentárias, cada qual dentro de seu âmbito
de aplicação, são coordenadas e integradas de modo a espelhar
precisamente a forma de atuação estatal.
A estrita vinculação entre orçamento e planejamento esta-
tal, porém, não decorre apenas da Constituição Federal – como
se isso já não bastasse –, encontrando eco também na Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF). É o que se depreende da leitura
do art. 1.º, § 1.º, da Lei Complementar 101/2000, o qual, ao tra-
tar da responsabilidade na gestão fiscal, diz que esta pressupõe
a ação planejada e transparente. Ora, por ação planejada só se
pode imaginar um plano de ação de governo que atue dentro das

José Mauricio Conti, Planejamento e responsabilidade fiscal, p. 41.


628
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 293

balizas legais e com intuito de realizar o bem comum da vida em


sociedade.
Demais disso, nota-se que o Capítulo II da LRF, ao tratar
das leis orçamentárias, denomina-se “Do Planejamento”, re-
forçando a ideia de que o PPA, a LDO e a LOA são verdadeiros
instrumentos de planejamento dos quais o Estado se vale para
alcançar os objetivos fundamentais plasmados no art. 3.º da Car-
ta da República, de tal sorte que o gasto público esteja vinculado
sempre a um determinado programa ou meta que, em última
análise, reflita um plano de ação governamental.
A Constituição de 1988 engendrou uma estrutura orça-
mentária baseada no planejamento. Formalmente, parece-nos,
não há como criticar o legislador constituinte, pois, no papel, o
esquema imaginado é “redondo”. Com efeito, se consideramos
que um governo é eleito, como diz Jèze, para aplicar o seu plano
de governo, este plano toma forma jurídica por meio da Lei do
Plano Plurianual, que é o primeiro passo, o mais “abstrato”, de
colocar no mundo jurídico o plano de governo.
Intermediariamente, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a
cada ano, recolhe daquele plano (que perdura por quatro anos)
a parcela que será posta em vigor no exercício financeiro subse-
quente, dispondo como será elaborada a Lei Orçamentária Anu-
al, também para o exercício seguinte (art. 165, § 2.º).629
Por fim, a Lei Orçamentária Anual traz, de forma mais
individualizada, o pedaço do plano a ser aplicado em um certo
exercício. É a lei que “materializa”, no sentido mais próximo
possível que se pode atribuir a uma lei, o plano a ser aplicado.

“Art. 165. [...]


629

§ 2.º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades


da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para
o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei or-
çamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e
estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de
fomento.”
294 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Há de existir, portanto, correspondência entre as três leis;


é dizer: a Lei de Diretrizes Orçamentárias deve submeter-se à
orientação traçada pelo Plano Plurianual e a Lei Orçamentária
Anual deve conformar-se às duas anteriores. Sempre nos pare-
ceu óbvio que assim fosse, porquanto não faria sentido reforçar
de maneira tão cabal a necessidade de planejamento, criar uma
lei que juridiciza esse planejamento e depois não se exigir que o
orçamento respeite esse plano.
Por outro lado, embora a Constituição não diga isso ex-
pressamente, fá-lo quando se refere às emendas parlamentares,
prevendo que “as emendas ao projeto de lei de diretrizes orça-
mentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com
o plano plurianual” (art. 166, § 4.º), e “as emendas ao projeto
de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem
somente podem ser aprovadas caso sejam compatíveis com o
plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias” (art.
166, § 3.º, I). Ora, se emendas ao orçamento devem guardar a
compatibilidade acima referida, com muito mais razão deve o
mesmo acontecer no tocante às Leis de Diretrizes e à Lei Orça-
mentária Anual.
Ricardo Lobo Torres, com base em doutrina estrangeira, as-
severa que o plano plurianual é lei formal, que depende do orça-
mento anual para que possa ter eficácia quanto à realização das
despesas. Segundo ele, “constitui mera programação ou orien-
tação, que deverá ser respeitada pelo Executivo na execução dos
orçamentos anuais, mas não que não vincula o Legislativo na
feitura das leis orçamentárias”.630
Não nos parece que seja assim, ao menos na conformidade
do direito positivo brasileiro. É que o plano plurianual é de inicia-
tiva do Poder Executivo, mas requer aprovação pelo Poder Legis-
lativo, o que faz com que vincule também este Poder por época
da elaboração tanto da Lei de Diretrizes Orçamentárias quanto

Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-


630

butário: o orçamento na Constituição, v. 5, p. 64. Últimos grifos nossos.


ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 295

da Lei Orçamentária Anual. O que pode ocorrer é a modificação


desse plano pelo Legislativo, mas isso dependeria de uma reapre-
ciação do plano inicial e, a partir daí, também assujeitaria as ou-
tras duas leis às suas determinações. A não ser assim, novamente
frisamos, a ideia de planejamento engendrada pela Constituição
se veria esvaziada e ineficaz, ainda que parcialmente.
De toda sorte, hoje não há mais margem à discussão, uma
vez que a Lei Complementar 101/2000 explicitou isso no texto
do seu art. 5.º: “Art. 5.º O projeto de lei orçamentária anual,
elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a
lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Com-
plementar [...]”.

8.3.2.1 O plano plurianual

No que concerne ao nosso tema central – o orçamento –, a


ideia de “plano” é “materializada” na Lei do Plano Plurianual.
É dizer, nesse plano plurianual estará (deverá estar) consubstan-
ciado o plano de governo para quatro anos;631 é o plano pluria-
nual o plano de governo juridicizado.
Como diz a Lei das Leis, também, no seu art. 165, § 1.º:
A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma
regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração
pública federal para as despesas de capital e outras delas decor-
rentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

Veja-se o art. 35, § 2.º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-


631

rias:
“§ 2.º Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art.
165, § 9.º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:
I – o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro
exercício financeiro do mandato presidencial subsequente, será enca-
minhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício
financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legisla-
tiva”.
296 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Não é outro, em outras palavras, o pensamento de José


Maurício Conti, que concorda que é no plano plurianual que
“deverá estar materializado o plano de governo, explicitando-se
as políticas públicas, programas e ações governamentais a serem
implantados, incentivados e desenvolvidos” ao longo de quatro
anos.632
O que se vê na realidade causa a impressão de que os planos
plurianuais são elaborados porque têm de sê-lo. De tão gené-
ricos que costumam ser, acabam por contemplar tudo e nada
ao mesmo tempo, deixando de lado a transparência que seria
esperada e os fins que efetivamente se pretende obter a médio e
longo prazos.
Tratando dos planos plurianuais municipais, Conti observa
que a clareza e a transparência desejáveis em um documento
desse teor nem sempre interessam aos administradores que, não
deixando claras as prioridades, talvez até propositadamente,
escondem o que e quem não foi contemplado.633
Em última análise, até os dias de hoje, os planos plurianuais
são, de modo geral, “para inglês ver”, são uma “quase fantasia”,
apenas para dizer que se cumpriu a Constituição.
Atribuímos essa situação, em primeiro lugar, à tradição no
modo de atuar das Administrações Públicas, à sua clássica aco-
modação, talvez em virtude do peso da burocracia.
Outras vezes pode-se constatar a existência de políticos que
querem o poder pelo poder e não possuem grandes planos de

632
José Maurício Conti, Planejamento municipal precisa ser levado a sério.
Prossegue o autor: “[...] ou, de outro lado, também os que serão encer-
rados, descontinuados e desincentivados. É lá que se verificarão se as
promessas de campanha efetivamente serão contempladas, e, portanto,
aumentando as expectativas de que venham a ser cumpridas, e onde se
espera encontrar a previsão de quais serão os investimentos públicos e
políticas econômicas e sociais”.
633
Idem, ibidem.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 297

Governo, contentando-se com levar adiante a Administração do


seu território, com uma que outra inovação ou criação.
Não é difícil deparar com políticos dotados de ótimas ideias
e que não encontram condições políticas e/ou econômicas para
colocá-las em prática.
Isso tudo deságua, como bem adverte Conti, em que os
planos plurianuais municipais, especialmente dos municípios
menores, “são elaborados com base em modelos que se repetem
ano a ano, sem uma efetiva preocupação dos prefeitos de neles
incorporarem as previsões para o que se vai fazer no decorrer do
mandato”.634
De todo modo, passemos à previsão constitucional do plano
plurianual.
A Lei Maior, no art. 165, I, reza que Lei de Iniciativa do Po-
der Executivo estabelecerá o “plano plurianual”, conceituando-
-o no seu § 1.º:
A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma
regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração
pública federal para as despesas de capital e outras delas decor-
rentes e para as relativas aos programas de duração continuada.
Como registra Regis de Oliveira, o plano plurianual “cor-
responde ao desdobramento do orçamento-programa”.635
Deveras, desde que o orçamento deixou de ser simples-
mente um documento “estático”, foram engendradas formas
orçamentárias que decorrem do orçamento “funcional”, ou pelo
menos ali têm o seu germe. O orçamento-programa, por sua vez,
é o miolo que, mesmo após toda a evolução sofrida nas últimas
décadas pelo instituto “orçamento”, permanece presente nas
demais espécies até a atualidade.

José Maurício Conti, Planejamento municipal precisa ser levado a sério.


634

Regis Fernandes de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 366.


635
298 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

8.3.2.1.1 Adoção do orçamento-programa


Como relata José Afonso da Silva, a concepção do planeja-
mento econômico, social e financeiro apareceu na antiga União
Soviética como meio de promover o desenvolvimento do país.636
Esse planejamento apoiava-se em “planos quinquenais” ou de
maior duração.
Nesse sistema, o orçamento era concebido como fundo
nacional centralizado dos recursos monetários destinados ao
financiamento ininterrupto das necessidades da economia so-
cialista, definindo-se como “plano financeiro fundamental”
para a formação e utilização do fundo centralizado dos recursos
monetários destinados a “desenvolver sistematicamente a pro-
dução socialista, elevar constantemente o nível de vida do povo
e reforçar a capacidade defensiva do país”.637
Inicialmente, por sua natureza global e impositiva não
fora aceito pelos países de economia de mercado, por entender
constituir um paradoxo a planificação rígida e o regime demo-
crático.638
Logo percebeu-se que o “viés ideológico” presente na “pla-
nificação quinquenal” soviética não retirava os méritos da con-
cepção do orçamento-programa que, com outras características,
acabou por ser praticamente universalizado, evidentemente sob
as mais variadas formas, mas conservando a sua ideia central.
No Brasil, vemos também o plano plurianual como um su-
cessor atual do orçamento-programa.
É planejamento “conjuntural para a promoção do desen-
volvimento econômico, do equilíbrio entre as diversas regiões

636
José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 20.
637
José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 20, com apoio
em Alajverdián e outros (Instituto de Finanças de Moscou).
638
Idem, ibidem, p. 20-21.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 299

do País e da estabilidade econômica”, conforme define Ricardo


Lobo Torres.639
Este mesmo autor dá notícia de que se chegou a duvidar
da utilidade de um plano plurianual na época do “declínio da
função econômica do orçamento e da política desenvolvimen-
tista induzida pelo dinheiro público”, alcançando a mencionar
economistas que propunham a extinção do plano plurianual.640
Cremos que a referência é do período em que o chamado neo-
liberalismo estava no auge – anos 1990 –, com as privatizações
em curso e outros elementos, que, direta ou indiretamente, pug-
navam pelo afastamento das ideias keynesianas.
Em seguida, contudo, Torres aponta a retomada, nos últi-
mos anos, do interesse pelo plano plurianual, principalmente
nos países-membros da OECD, o que teria projetado influência
também sobre o orçamento brasileiro.641
Não vemos em que a abolição do plano plurianual – ou de
algo que com ele se compare – traga de benefício para a elabora-
ção orçamentária. A existência de defeitos no modelo existente
não significa, necessariamente, que ele deva ser abandonado
tampouco que não possa ser utilizado em regimes de cunho mais
liberal. O planejamento veio para ficar e, ao que tudo indica,
em termos de orçamento, não basta que ele seja feito somente
visando ao orçamento anual, devendo ser pensado, também, a
médio e longo prazos.
Nos países europeus, principalmente após a implantação
dos Pactos de Estabilização, em todos eles recomenda-se a exis-
tência de um planejamento para um prazo superior a um ano.
Na Alemanha, por exemplo, com a reforma da legislação orça-
mentária no final dos anos 1960, sugeria-se que os orçamentos

639
Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-
butário: o orçamento na Constituição, v. 5, p. 61-62.
640
Idem, ibidem, p. 62, e nota de rodapé n. 47, na mesma página.
641
Idem, p. 62.
300 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

dos governos dos Länder fossem elaborados “no contexto de um


plano de meio-termo cobrindo cinco anos”.642

8.3.2.1.2 O plano plurianual na Constituição


Como se nota da simples leitura do § 1.º do art. 165 da
Constituição da República, ele se refere às diretrizes, objetivos
e metas da administração pública federal para as despesas de
capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos pro-
gramas de duração continuada.
A primeira parte do dispositivo em tela, quando alude às
diretrizes, objetivos e metas, sem pretendermos aqui especificar
o que significa cada uma destas palavras, é fácil nelas captar a
noção que lhes está subjacente, que é a de plano. O que se preci-
sa salientar agora é que a Lei do Plano Plurianual tem por conte-
údo a fixação do plano de governo somente quanto às despesas
de capital (e outras delas decorrentes) e àquelas que derivam de
programas de duração continuada. A razão disso está, a nosso
ver, em que as demais despesas (despesas correntes e transferên-
cias correntes – art. 13, Lei 4.320/1964) são inerentes ao próprio
funcionamento do Estado, à sua rotina e, embora devam ser
levadas em conta pelo planejamento, não requerem tanto estudo
para a sua inserção no orçamento, ao contrário das despesas de
capital (investimentos, inversões financeiras e transferências de
capital, nos termos do art. 13 da Lei 4.320/1964).
Corroborando essa amarração engendrada pela Consti-
tuição está o art. 167, § 1.º, já transcrito retro, que exige que
qualquer investimento cuja execução ultrapasse um exercício
financeiro somente poderá ser iniciado se for incluído no plano
plurianual, ou que lei autorize esta inclusão, inclusive sob pena
de crime de responsabilidade.

OECD, The Legal Framework for Budget Systems – an international


642

comparison, p. 224.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 301

Impende notar que, em conformidade com o que dissemos,


a Lei Maior pátria preconiza outros planos, por exemplo, os
planos nacionais de desenvolvimento econômico e social, “in-
tegrantes dos planos nacionais de desenvolvimento econômico
e social” e que devem ser aprovados com estes (art. 43, § 1.º,
II). Esses planos devem guardar harmonia com os planos plu-
rianuais, pois, consoante averba Regis de Oliveira, “o objetivo
específico de tais planos plurianuais, juntamente com aqueles
regionais ou setoriais, será o de ‘reduzir desigualdades inter-
-regionais, segundo critério populacional’ (art. 165, § 7.º, da
CF)”.643
Ressalte-se, por oportuno, que há outros tipos de planos,
que não o plano orçamentário, que o Estado deve realizar; porém,
todos eles precisam ser levados em consideração neste último. É
o que, aliás, estatui o art. 165 da Constituição da República, em
seu § 4.º: “Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais
previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância
com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional”.
Assim sendo, Ricardo Lobo Torres lembra que o orçamento
plurianual deve se adequar: aos planos de ordenação do territó-
rio e de desenvolvimento econômico e social (art. 21, IX), às di-
retrizes e bases do planejamento e desenvolvimento econômico
equilibrado (art. 174, § 1.º) e aos planejamentos setoriais na área
da educação (art. 214), turismo (art. 180), meio ambiente (art.
225) etc.644
Não podemos deixar de mencionar que a Lei 4.320/1964,
quando trata da elaboração da proposta orçamentária, já se refe-
ria às “Previsões Plurienais”, dispondo no art. 23: “As receitas e
despesas de capital serão objeto de um Quadro de Recursos e de
Aplicação de Capital, aprovado por decreto do Poder Executivo,
abrangendo, no mínimo um triênio”. Vê-se, portanto, que a pre-

Regis de Oliveira, Curso de direito financeiro, p. 368


643

Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-


644

butário: o orçamento na Constituição, v. 5, p. 62-63.


302 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

ocupação com o planejamento de prazo maior que um ano não


configura total novidade em nosso ordenamento jurídico.
Ao comentar esse artigo, J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo
da Costa Reis formulam observação de máxima relevância:
Um problema que afligia a Administração se relacionava com
a manutenção dos investimentos. Com efeito, não basta alocar
recursos para os investimentos sem programação de sua ma-
nutenção e operação [...]. É necessário que a Administração
Pública, ao alocar recursos para investimentos, se prepare
concomitantemente para a manutenção e o funcionamento
dos mesmos em termos de pessoal e outras despesas. O plano
plurianual, com base nas normas constitucionais, deverá, por-
tanto, prever recursos para os gastos decorrentes das Despesas
de Capital que se destinam à manutenção e à operação desses
investimentos.645
Infelizmente, é o que se vê acontecer com frequência inde-
sejável em nosso país: a falta de continuidade nas ações públicas,
quer se trate de obras ou de programas. Muita vez a realização
de uma obra ou de um determinado programa chega a provocar
grande otimismo na sociedade, até que a falta de planejamento
competente faz com que eles sejam interrompidos ou cancela-
dos. Criam-se órgãos para realizarem programas sem a contra-
tação de pessoal suficiente para desempenhá-los; constroem-se
obras para depois não se preocupar com a sua manutenção etc.
A esse respeito, continuam os autores acima citados:
[...] A Lei 4.320 nos ensina, então, que o processo de previsão
é contínuo. Não se faz previsão e se cruza os braços, aguar-
dando os acontecimentos. A Administração tem obrigação
de ir à frente dos fatos, prevendo-os e procurando controlar a
sua realização. O acompanhamento é necessário não só para
melhorar as previsões futuras, como também para que a Ad-

J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis, A Lei 4.320 comentada,


645

p. 75.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 303

ministração coordene suas próprias ações frente aos desvios


entre a previsão e a execução.646
Não é preciso muito esforço para perceber que o planeja-
mento não é uma atividade isolada e estanque; ele é contínuo
e permanente, devendo buscar alcançar os objetivos até o final
esperado.

8.3.2.2 A Lei de Diretrizes Orçamentárias

De modo intermediário entre o plano plurianual (lei do) e


o orçamento anual (lei do) inseriu o Texto Magno a Lei de Di-
retrizes Orçamentárias. É lei de caráter anual, da mesma forma
que a lei orçamentária [anual] e, conforme dicção do art. 165, §
1.º, da CF,
[...] compreenderá as metas e prioridades da administração
pública federal, incluindo as despesas de capital para o exer-
cício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei
orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação
tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências
financeiras oficiais de fomento.
Ricardo Lobo Torres relata que esta lei foi inspirada em
parte nas Constituições da República Federal da Alemanha e da
França.647
Seguindo coerentemente o seu raciocínio, o autor em tela
afirma que a lei de diretrizes orçamentárias, como já havia dito
do plano plurianual e o repete no tocante à lei orçamentária anu-
al, é lei formal. Diz ele:
É simples orientação ou sinalização, de caráter anual, para
a feitura do orçamento [...] Não cria direitos subjetivos para

646
J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis, A Lei 4.320 comentada,
p. 75-76.
647
Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-
butário: o orçamento na Constituição, v. 5, p. 66.
304 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

terceiros nem tem eficácia fora da relação entre Poderes do


Estado. Da mesma forma que o plano plurianual, não vincula
o Congresso Nacional quanto à elaboração da lei orçamen-
tária, nem o obriga, se contiver dispositivos sobre alterações
da lei tributária, a alterá-la efetivamente, nem o impede, no
caso contrário, de instituir novas incidências fiscais [...] Não
sendo lei material, não revoga nem retira a eficácia das leis
tributárias ou das que concedem incentivos. A lei de diretri-
zes é, em suma, um plano prévio, fundado em considerações
econômicas e sociais, para a ulterior elaboração da proposta
orçamentária do Executivo, do Legislativo (arts. 51, IV, e 52,
XIII), do Judiciário (art. 99, § 1.º) e do Ministério Público
(art. 127, § 3.º).648
Novamente somos forçados a discordar do mestre na parte
em que afirma que a lei de diretrizes não vincula o Legislativo
quanto à elaboração da lei orçamentária, pelas mesmas razões
que anteriormente referimos ao tratar do plano plurianual. O
Legislativo está, sim, submetido à LDO ao elaborar o orçamento
anual, assim como aquela está subordinada ao plano plurianual
que a antecede.
Concordamos com o autor quando alega que o Legislativo
não está obrigado a modificar a legislação tributária se a lei de
diretrizes contiver dispositivos sobre alterações da lei tributária
nem o impede de instituir novas incidências fiscais, do mesmo
modo que não revoga nem retira a eficácia das leis tributárias
ou das que concedem incentivos. Aí, sim, ela tem o caráter de
“orientação” ou de “sinalização”.
No entanto, no que se refere a “orientar a elaboração da lei
orçamentária anual” e “estabelecer a política de aplicação das
agências financeiras oficiais de fomento”, é função sua, consti-
tucionalmente prevista, e o que ficar decidido nessa “orientação”
para a elaboração do orçamento e sobre a “política de aplicação

Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-


648

butário: o orçamento na Constituição, v. 5, p. 66-67, grifou-se.


ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 305

das agências financeiras oficiais de fomento” deve ser respeitado


até mesmo pelo Legislativo ao apreciar a lei orçamentária anual.
Mais evidente ainda exsurge a obrigatoriedade da obediên-
cia, pela lei orçamentária anual, do que for aprovado no tocante
às “metas e prioridades da administração pública federal, in-
cluindo as despesas de capital para o exercício financeiro sub-
sequente”, como reza o Texto Constitucional. Afinal, se a LDO
tem por missão constitucional, além de outras, escolher a parte
do plano plurianual que será executada no exercício financeiro
subsequente, não vemos como é possível à lei orçamentária anu-
al, elaborada “sob a orientação” daquela, deixe de contemplar o
que foi ali estabelecido.
Discute-se, na doutrina, o que significaria a dicção cons-
titucional de que a lei de diretrizes “compreenderá as metas e
prioridades da administração pública federal [...]”. Busca-se
que haja participação do Executivo e do Legislativo na fixação
destas, ainda que, a nosso ver, elas devam ser extraídas do que
estiver contido no plano plurianual.
Para Weder de Oliveira,
O verbo “dispor” traduz melhor o sentido do verbo “com-
preender”. O constituinte não utilizou verbos como “fixar”
ou “estabelecer”, mais determinados e objetivos. Deixou a
possibilidade de os Congressistas e o Presidente da Repúbli-
ca optarem tanto por definir metas quantitativas quanto por
definirem metas qualitativas, ou mesmo critérios sobre metas
a serem alcançadas, possibilidades abarcadas pelo verbo
“compreender”.649
Vemos nessa opinião uma interpretação bastante razoável
de aplicar o disposto no § 2.º do art. 165 da CF, desde que, de
qualquer modo, o que restar decidido, quantitativa ou qualita-

Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento


649

e finanças públicas, p. 344, em nota de rodapé.


306 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

tivamente, guarde correspondência com as escolhas feitas no


plano plurianual.
Embora a lei de diretrizes orçamentárias possua várias
incumbências, importa-nos destacar a que consideramos como
a sua função precípua (além da atribuição de dizer como será
feito o orçamento anual), que é a de retirar do plano plurianual a
parcela das metas e prioridades que deverá ser realizada no ano
subsequente. A explicação por essa preferência é a de que isso
demonstra a aplicação paulatina da obrigatoriedade de planejar,
que se iniciou com o plano plurianual e irá desembocar na lei
orçamentária anual.
A comprovar a obrigatoriedade da LDO – e não somente a
sua função “orientadora” –, estão diversos dispositivos constitu-
cionais, por exemplo:
a) as propostas orçamentárias dos Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário, além do Ministério Público, elaborarão
as suas respectivas propostas orçamentárias dentro dos limites
estipulados pela lei de diretrizes e, se estas propostas forem
encaminhadas em desacordo com aquela, o Poder Executivo
“procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da
proposta orçamentária anual” (art. 99, §§ 1.º e 4.º, e 127, §§ 3.º
e 5.º);
b) a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remune-
ração [no tocante ao pessoal ativo e inativo da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios], a criação de cargos, em-
pregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como
a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos
órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive
fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão
ser feitas “se houver autorização específica na lei de diretrizes or-
çamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de
economia mista”, na conformidade do art. 169, II da CF.
Estas são apenas algumas hipóteses a reforçar o caráter
também material – para quem admite a distinção – da Lei de
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 307

Diretrizes Orçamentárias. Não continuaremos a menção a outras


para não tirar o foco sobre o planejamento.
Além das funções constitucionalmente atribuídas à lei de
diretrizes, outras foram acrescentadas pela Lei Complementar
101/2000, em seu art. 4.º:
Art. 4.º A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto
no § 2.º do art. 165 da Constituição e:
I – disporá também sobre:
a) equilíbrio entre receitas e despesas;
b) critérios e forma de limitação de empenho, a ser efetivada
nas hipóteses previstas na alínea b do inciso II deste artigo, no
art. 9.º e no inciso II do § 1.º do art. 31;
c) (Vetado.);
d) (Vetado.);
e) normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos
resultados dos programas financiados com recursos dos or-
çamentos;
f) demais condições e exigências para transferências de re-
cursos a entidades públicas e privadas. 650

650
Prossegue esse artigo:
“§ 1.º Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de
Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores cor-
rentes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e
primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem
e para os dois seguintes.
§ 2.º O Anexo conterá, ainda:
I – avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior;
II – demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodolo-
gia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as
com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistên-
cia delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional;
III – evolução do patrimônio líquido, também nos últimos três exer-
cícios, destacando a origem e a aplicação dos recursos obtidos com a
alienação de ativos;
308 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Acerca da primeira dessas funções – a de dispor sobre o


equilíbrio entre receitas e despesas – reportamo-nos ao capítulo
relativo ao equilíbrio orçamentário.
Falaremos algumas palavras sobre outro mister, de suma
importância, da LDO, qual seja o de estabelecer os critérios e a
forma de limitação de empenho.
Uma das formas de atingir e manter a responsabilidade na
gestão fiscal é procurar não gastar mais do que se arrecada; e isso
considerado não somente no final de um exercício financeiro,
mas no correr desse exercício. Na busca por atingir esse equilí-
brio entre receitas e despesas, a Lei de Responsabilidade Fiscal
previu a “limitação de empenho”.
A LRF é clara ao prever as hipóteses em que isso pode
acontecer, ou seja, “se verificado, ao final de um bimestre, que a
realização da receita poderá não comportar o cumprimento das
metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo
de Metas Fiscais”.
Estando presente essa situação, “os Poderes e o Ministério
Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessá-
rios, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e mo-

IV – avaliação da situação financeira e atuarial:


a) dos regimes geral de previdência social e próprio dos servidores pú-
blicos e do Fundo de Amparo ao Trabalhador;
b) dos demais fundos públicos e programas estatais de natureza atuarial;
V – demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e
da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.
§ 3.º A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais,
onde serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de
afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas,
caso se concretizem.
§ 4.º A mensagem que encaminhar o projeto da União apresentará, em
anexo específico, os objetivos das políticas monetária, creditícia e cam-
bial, bem como os parâmetros e as projeções para seus principais agrega-
dos e variáveis, e ainda as metas de inflação, para o exercício subsequen-
te”.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 309

vimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de


diretrizes orçamentárias” (art. 9.º).
Quando se procederá à limitação do empenho? Na situação
descrita no parágrafo acima e na hipótese do art. 31, § 1.º, inciso
II, ou seja, quando “a dívida consolidada de um ente da Federa-
ção ultrapassar o respectivo limite ao final de um quadrimestre,
deverá ser a ele reconduzida até o término dos três subsequen-
tes”, promovendo, entre outras medidas, limitação de empenho,
na forma do art. 9.º, a fim de obter resultado primário necessário
à recondução da dívida ao limite.
Weder de Oliveira afirma que não se trata de inovação. A
“limitação de empenho”, nome técnico que “no jargão orça-
mentário é denominado de ‘contingenciamento’” existe, como
procedimento usual na administração federal pelo menos desde
o final dos anos 1980, sendo uma variante do “conhecidíssimo
sistema de cotas de despesas disciplinado nos arts. 47 a 50 da Lei
n. 4.320/64 [...]”.651
De toda sorte, parece-nos que estas são as únicas possibili-
dades autorizadas legislativamente para o “contingenciamento”,

651
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 404.
Dispõem esses artigos da Lei 4.320/1964:
“Da Programação da Despesa
Art. 47. Imediatamente após a promulgação da Lei de Orçamento e com
base nos limites nela fixados, o Poder Executivo aprovará um quadro de
cotas trimestrais da despesa que cada unidade orçamentária fica autori-
zada a utilizar.
Art. 48. A fixação das cotas a que se refere o artigo anterior atenderá aos
seguintes objetivos:
a) assegurar às unidades orçamentárias, em tempo útil a soma de recur-
sos necessários e suficientes a melhor execução do seu programa anual
de trabalho;
b) manter, durante o exercício, na medida do possível o equilíbrio entre
a receita arrecadada e a despesa realizada, de modo a reduzir ao mínimo
eventuais insuficiências de tesouraria.
310 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

e que não cabe o abuso na utilização desse instrumento como


vem sendo feito pelo Poder Executivo, que termina por des-
cumprir aquilo que foi previsto no orçamento e aprovado pelo
Legislativo. De fato, o “contingenciamento porque sim”, que é
o que prevalece, não encontra eco no Direito Positivo brasileiro,
significando, simplesmente, a nosso ver, a execução do orça-
mento ao sabor da vontade do governo, e não daquilo que ficou
decidido pelos representantes do povo.
Esse tema tem estreita vinculação com o tema do “orça-
mento impositivo” e, dada a sua importância, será tratado em
capítulo à parte.
Registre-se, por oportuno, que
A LDO só adquire sentido, só justifica sua razão de existir,
segundo sua concepção original, em um sistema político em
que o Poder Legislativo tenha interesse pelo processo orça-
mentário em seu nível mais elevado de instrumento vital de
consecução de políticas públicas e cumprimento dos deveres
e funções do ente federado e que, ao mesmo tempo, zele por
suas prerrogativas constitucionais de independência perante o
Poder Executivo. Para um Poder Legislativo manietado pelo
Poder Executivo a LDO será um instrumento que assumirá
as feições que o Poder Executivo desejar.652
Documento fundamental que acompanha a Lei de Diretri-
zes Orçamentárias é o “Anexo de Metas Fiscais”, previsto nos
§§ 1.º e 2.º da LRF, abaixo transcrito para que se tenha a visão
integral do seu mister:

Art. 49. A programação da despesa orçamentária, para feito do disposto


no artigo anterior, levará em conta os créditos adicionais e as operações
extraorçamentárias.
Art. 50. As cotas trimestrais poderão ser alteradas durante o exercício,
observados o limite da dotação e o comportamento da execução orça-
mentária”.
652
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 343. Grifou-se.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 311

Art. 4.º [...]


§ 1.º Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias
Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas
anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas,
despesas, resultados nominal e primário e montante da dívi-
da pública, para o exercício a que se referirem e para os dois
seguintes.
 § 2.º O Anexo conterá, ainda:
I – avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano
anterior;
II – demonstrativo das metas anuais, instruído com memória
e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pre-
tendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios
anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premis-
sas e os objetivos da política econômica nacional;
III – evolução do patrimônio líquido, também nos últimos três
exercícios, destacando a origem e a aplicação dos recursos
obtidos com a alienação de ativos;
IV – avaliação da situação financeira e atuarial:
a) dos regimes geral de previdência social e próprio dos
servidores públicos e do Fundo de Amparo ao Trabalhador;
b) dos demais fundos públicos e programas estatais de natu-
reza atuarial;
V – demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia
de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias
de caráter continuado.
É esse Anexo que servirá de parâmetro para se aferir, pari
passu com a execução orçamentária, o cumprimento dos obje-
tivos fixados pela política fiscal, sempre tendo-se em conta três
exercícios financeiros (“para o exercício a que se referirem e
para os dois seguintes” – § 1.º).
A título exemplificativo, compõe um dos requisitos para
que possa ocorrer a chamada “renúncia de receitas”, quando, no
art. 14, a LRF determina a necessidade de “demonstração pelo
proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de
312 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não


afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio
da lei de diretrizes orçamentárias” (inciso II).
Weder de Oliveira entende que o Anexo de Metas Fiscais
abrange os aspectos da transparência fiscal e da solidez, com
base no que diz o “Manual de Transparência Fiscal do Fundo
Monetário Internacional”, quando este Manual afirma que
a transparência fiscal é apenas um aspecto da boa gestão fiscal,
e é preciso atenção para distingui-la de dois outros aspectos
essenciais, a saber: a eficiência da atividade do governo e a
solidez das finanças públicas.653
O Anexo de Metas Fiscais é, pois, um documento que con-
tém um demonstrativo e um relatório, ao mesmo tempo, da polí-
tica fiscal que se pretende seguir. O demonstrativo está refletido
especialmente nos incisos II e V do parágrafo acima transcrito,
enquanto o relatório, pode-se dizer, encontra-se estampado nos
incisos I, III e IV.
Prevê a LRF, também, outro anexo: o Anexo de Riscos Fis-
cais, como estatui o § 3.º do art. 4.º:
A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos
Fiscais, onde serão avaliados os passivos contingentes e outros
riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as
providências a serem tomadas, caso se concretizem.
Segundo Oliveira, os riscos fiscais, em sentido lato, abran-
gem os passivos contingentes e os riscos fiscais em sentido
estrito, que, por sua vez, se desdobram em riscos orçamentários
e riscos decorrentes da administração da dívida pública mobili-
ária.654 Todas essas situações devem ser contempladas, a fim de

653
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 604.
654
Idem, ibidem, p. 645.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 313

que a sua ocorrência não afete o atingimento das metas propos-


tas. É mais um importante instrumento auxiliar do planejamento.
Uma observação deve ser feita quanto à outra função da lei
de diretrizes orçamentárias, não expressamente prevista. É que,
em razão da defasagem da Lei 4.320/1964 no tocante à Consti-
tuição de 1988, e, diante da ausência de lei complementar que
venha a substituir, as Leis de Diretrizes Orçamentárias acabam
por trazer dispositivos que seriam da competência de lei de “nor-
mas gerais” de Direito Financeiro. Giacomoni constata que, no
âmbito federal, “as LDOs, anualmente, trazem as atualizações
necessárias, bem como introduzem classificações e outros de-
talhes de organização específicos para o orçamento federal”.655

8.3.2.3 O orçamento anual

Chegamos, por fim, à Lei Orçamentária Anual, doravante


LOA, que é o passo derradeiro, pelo prisma jurídico, no funil do
planejamento, que se iniciou com o plano plurianual. Decididas
as prioridades e materializadas na Lei do Plano Plurianual e
destacadas algumas delas para serem efetivadas em exercício
financeiro subsequente, desembocam (ou deveriam) no orça-
mento anual.
No Brasil, a LOA compreende:
I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus
fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta,
inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II – o orçamento de investimento das empresas em que a União,


direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social
com direito a voto;

III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as


entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta

James Giacomoni, Orçamento público, p. 248.


655
314 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e


mantidos pelo Poder Público (art. 165, § 5.º).
O tópico constitucional acima consagra expressamente o
princípio orçamentário da universalidade, ao deixar estampado
que o orçamento deve contemplar todas as receitas e despesas
da União.656
Os itens II e III do dispositivo constitucional acima consti-
tuem novidade da Constituição de 1988.
Quanto ao orçamento da seguridade social, era notória a
falta de informação existente anteriormente à Carta de 1988
concernente à então previdência social, cujos recursos, além de
não totalmente conhecidos muitas vezes, eram constantemente
utilizados para fins diversos do campo da previdência. Mais que
isso, a aprovação do orçamento das autarquias previdenciárias
era realizada mediante decreto do Executivo.657
Também no que concerne ao orçamento das estatais, a
Constituição exige, no tocante aos investimentos, a sua inclusão
no orçamento da União. Medida de todo salutar, uma vez que
os investimentos realizados pelas empresas em que o governo
detenha maioria do capital social com direito a voto são prove-
nientes de recursos públicos e, como tais, devem ser objeto de
transparência e controle pela sociedade.
Já o “orçamento fiscal” é aquele com o qual estamos acos-
tumados a nos referir quando falamos do orçamento, simples-
mente. Contém as receitas e as despesas de todos os órgãos da
Administração. É o mais importante dos três orçamentos e bas-
tante abrangente, como se depreende do item I acima.
Queremos destacar dois pontos relativos ao orçamento que
têm relação direta com o planejamento.

656
Sobre o princípio mencionado, remetemos o leitor ao capítulo próprio
relativo aos princípios orçamentários.
657
Cf. James Giacomoni, Orçamento público, p. 231.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 315

O primeiro deles refere-se ao “demonstrativo”, previsto


no art. 165, § 6.º, da Lei Maior – e repetido no art. 5.º, II, da
LRF, que acompanhará o projeto de lei orçamentária e tratará
de exibir, de forma “regionalizada’, o efeito, sobre as receitas e
despesas, “decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios
e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”.
Cuida-se de exigência deveras salutar que funciona como
um instrumento para que o Parlamento tome conhecimento – e
participe ao depois – da política tributária e financeira do Estado.
Conquanto a lei orçamentária não possa criar ou aumentar tribu-
to (princípio da exclusividade), o impacto da “renúncia fiscal”
nas contas públicas é absolutamente relevante para a formulação
da política tributária e, por ocasião da análise do projeto de lei
orçamentária, o Parlamento tem condição de dispor de uma vi-
são geral não somente sobre as despesas a serem efetuadas, mas
também a respeito das receitas.
Não aceitamos a possibilidade da existência de uma política
fiscal que não contemple uma análise séria da tributação e do
gasto. Com efeito, de nada adianta aprimorar o sistema tributário
até o último grau de possibilidade – o que, de resto, está longe de
acontecer – e descuidar da política de gasto, da qualidade deste
e vice-versa. Assim, é de suma relevância saber a magnitude do
chamado “gasto tributário” (tax expenditure), ou, na linguagem
da legislação brasileira, simplesmente “renúncia de receita”.
Para bem se planejar, é indispensável ter conhecimento do
que se vai e também do que não se vai arrecadar – aqui sob a
forma de “renúncia”.
O segundo item que pretendemos acentuar é o relativo ao
anexo [ao projeto de lei orçamentária] que conterá o “demons-
trativo da compatibilidade da programação dos orçamentos com
os objetivos e metas constantes do documento de que trata o §
1.º do art. 4.º [Anexo de Metas Fiscais]” (art. 5.º, I, da LRF).
Cremos que esse é o ponto em que se fecha, ao menos do ponto
de vista jurídico, a noção de planejamento plasmada na Cons-
tituição e a sua obrigatoriedade; é dizer: não há como sustentar
316 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

que a Lei Orçamentária Anual não seja obrigada a ser elaborada


segundo o plano plurianual e a LDO, cujos detalhes em termos
quantitativos e qualitativos estão contidos nessa Anexo, que
deve ser seguido para a elaboração da LOA.658

658
Pela sua importância, transcreve-se a seguir o art. 5.º da LRF até onde ele
interessa para os efeitos aqui pretendidos:
“Art. 5.º O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compa-
tível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com
as normas desta Lei Complementar:
I – conterá, em anexo, demonstrativo da compatibilidade da programa-
ção dos orçamentos com os objetivos e metas constantes do documento
de que trata o § 1.º do art. 4.º;
II – será acompanhado do documento a que se refere o § 6.o do art. 165
da Constituição, bem como das medidas de compensação a renúncias de
receita e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado;
III – conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montan-
te, definido com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na
lei de diretrizes orçamentárias, destinada ao:
a) (Vetado.);
b) atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais
imprevistos.
§ 1.º Todas as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contra-
tual, e as receitas que as atenderão, constarão da lei orçamentária anual.
§ 2.º O refinanciamento da dívida pública constará separadamente na lei
orçamentária e nas de crédito adicional.
§ 3.º A atualização monetária do principal da dívida mobiliária refinan-
ciada não poderá superar a variação do índice de preços previsto na lei de
diretrizes orçamentárias, ou em legislação específica.
§ 4.º É vedado consignar na lei orçamentária crédito com finalidade
imprecisa ou com dotação ilimitada.
§ 5.º A lei orçamentária não consignará dotação para investimento com
duração superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no
plano plurianual ou em lei que autorize a sua inclusão, conforme disposto
no § 1.o do art. 167 da Constituição.
§ 6.º Integrarão as despesas da União, e serão incluídas na lei orçamen-
tária, as do Banco Central do Brasil relativas a pessoal e encargos sociais,
custeio administrativo, inclusive os destinados a benefícios e assistência
aos servidores, e a investimentos”.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 317

8.3.2.4 Da geração da despesa

Não poderíamos deixar de fazer referência a um desdobra-


mento, no nível infraconstitucional, do primado do planejamen-
to. Trata-se dos arts. 15 e 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Esses dispositivos, trazidos pela LRF sob o título da “geração da
despesa”, referem-se, na verdade, à geração de despesa “nova”.
O tema principia pelo art. 15, com o seguinte teor: “Serão
consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimô-
nio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que
não atendam o disposto nos arts. 16 e 17”.
O art. 16 da LRF prescreve que a “criação, expansão ou aper-
feiçoamento de ação governamental” que acarrete aumento da des-
pesa deve vir acompanhada de 1) estimativa do impacto orçamen-
tário-financeiro (referente a três exercícios: ao exercício em que
deva entrar em vigor e aos dois subsequentes) e 2) declaração do
ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentá-
ria e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com
o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
Não há dúvida de que esse preceito está intimamente co-
nectado com o postulado do planejamento. Busca a lei fixar a
necessidade de este estar sempre presente nas suas decisões.
Como afirma Weder de Oliveira, “o artigo 16 representa uma
tentativa da Lei de Responsabilidade Fiscal de imprimir plane-
jamento e reflexões orçamentárias e financeiras às decisões da
Administração Pública”.659
Para esse mesmo autor, que resume com muita felicidade o
conteúdo do dispositivo em exame, a essência do texto do art. 16
pode ser traduzida do seguinte modo:
Toda iniciativa de criar, expandir ou aperfeiçoar a ação gover-
namental e que acarrete aumento de despesa deve ser instruída

Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento


659

e finanças públicas, p. 1040.


318 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

com a estimativa de impacto orçamentário-financeiro (no


exercício em que deva iniciar o aumento de despesa e nos dois
seguintes) e ser submetida à prévia verificação de adequação
orçamentária e financeira (atestada pelo ordenador de despesa)
antes de ser aprovada, quando for o caso, e de serem promovi-
das as licitações necessárias à execução da ação.660
O art. 17, por seu turno, ao tratar da “despesa obrigatória de
caráter continuado”, reza: “considera-se obrigatória de caráter
continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provi-
sória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a
obrigação legal de sua execução por um período superior a dois
exercícios”.
Não parece haver uniformidade, na doutrina, quanto à
conceituação do que seriam as despesas obrigatórias de caráter
continuado. A interpretação que se nos afigura mais adequada a
esse conceito, a nosso ver, é trazida por Weder de Oliveira, que
a extrai de um relatório apresentado em 2001 à Comissão Mista
de Orçamento do Congresso Nacional, por ele encampada, que
é a seguinte:
Despesa obrigatória de caráter continuado
É a despesa decorrente de lei ou medida provisória que atribui
direitos aos que atenderem critérios de elegibilidade, fixando
para o ente federativo a obrigatoriedade de destinar recursos
ao cumprimento das obrigações, nos montantes necessários,
independentemente de considerações sobre disponibilidade
orçamentária.661
Para as despesas que aí se enquadrarem, os atos que as
criarem ou aumentarem “deverão ser instruídos com a esti-
mativa prevista no inciso I do art. 16 [estimativa do impacto
orçamentário-financeiro] e demonstrar a origem dos recursos

660
Weder de Oliveira, Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento
e finanças públicas, p. 1041.
661
Idem, ibidem, p. 965.
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 319

para seu custeio” (art. 17, § 1.º). Além disso, tais atos deverão
ser acompanhados de comprovação de que a despesa criada ou
aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no
Anexo de Metas Fiscais, conforme exigência do § 2.º do art. 17.
Não se entrará em maiores detalhes sobre o tema menciona-
do, por não se tratar de comentar a Lei de Responsabilidade Fis-
cal; o intuito aqui é meramente mostrar a preocupação do legis-
lador constitucional e infraconstitucional com o planejamento.

8.4 Algumas conclusões


A atividade de planejamento orçamentário estatal não é tão
recente assim no ordenamento jurídico brasileiro, como fazem
pensar os dispositivos constitucionais de 1988 e a legislação que
se lhe seguiu.
Além das chamadas “previsões plurienais” da Lei
4.320/1964, a que já nos referimos, o Decreto-lei 200/1967
previa o planejamento como um dos “princípios fundamentais”
para as atividades da Administração Federal (art. 6.º, I). O art. 7.º
desse Decreto-lei dispõe:
Art. 7.º A ação governamental obedecerá a planejamento que
vise a promover o desenvolvimento econômico-social do País
e a segurança nacional, norteando-se segundo planos e pro-
gramas elaborados, na forma do Título III, e compreenderá a
elaboração e atualização dos seguintes instrumentos básicos:
a) plano geral de governo;
b) programas gerais, setoriais e regionais, de duração pluria-
nual;
c) orçamento-programa anual;
d) programação financeira de desembolso.
Como se vê, os conceitos de “plano” e “programas” estão
presentes desde que vingou a ideia de orçamento-programa.
É fundamental para o Estado planejar os seus meios de ação
visando à realização do bem comum e o atingimento dos objeti-
320 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

vos inseridos já no Preâmbulo da Carta da República (assegurar


o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segu-
rança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça),
no art. 3.º e em outros da Lei das Leis.
A Constituição Federal de 1988 prevê em diversos dispo-
sitivos prestações positivas que o Estado deve assumir para o
atendimento do interesse geral da nação, por exemplo, a prote-
ção da saúde (art. 196), a previdência social (arts. 6.º e 201), a
aposentadoria da mulher após trinta anos de contribuição (art.
201, § 7.º, I), entre outros. O Texto Constitucional contempla
também a defesa do meio ambiente e a redução das desigualda-
des regionais e sociais (art. 170, VI e VII).
Tais prestações devem estar contidas em um plano de ação
governamental. E é por meio do orçamento [das três leis orça-
mentárias] que o Estado se planeja, se programa, enfim, se pre-
para para a consecução de suas finalidades, visando a assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social
(art. 170, caput, da CF/1988).
Diante das considerações precedentes, podemos afirmar
que:
(i) orçamento público e planejamento são temas umbi-
licalmente relacionados como demonstra a evolução
histórica do conceito de orçamento público, que pas-
sou de mera peça contábil de autorização de despesas
e previsão de receitas para se constituir em um instru-
mento jurídico-político-econômico de que se vale o
Estado para concretizar os objetivos fundamentais da
República brasileira;
(ii) a Constituição Federal de 1988 alberga uma série de
normas que destacam a importância do planejamento
como forma de organização das diversas atribuições
que o atual ordenamento jurídico confere ao Estado;
(iii) a implementação do plano de ação governamental se dá
por meio das leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA),
ORÇAMENTO PÚBLICO E PLANEJAMENTO 321

que, conjuntamente, estabelecem os mecanismos de


concretização das políticas públicas, seja no plano so-
cial ou econômico;
(iv) a LRF incorporou de forma explícita o planejamento
estatal como vetor de conduta dos agentes públicos na
medida em que somente uma ação planejada e trans-
parente pode ser considerada como responsável em
termos de gestão fiscal.
323

Capítulo 9
Eficiência e Legitimidade

Sumário: 9.1 Eficiência – 9.2 Legitimidade – 9.3 Conclusão.

9.1 Eficiência
Pensamos que a eficiência está no bojo do planejamento,
até porque este deve ser efetuado para atingir-se aquela e produ-
zir seus reflexos no orçamento, razão pela qual teceremos aqui
algumas considerações sobre este princípio.
O princípio da eficiência foi inserido no texto da Constitui-
ção da República por intermédio da Emenda Constitucional n.
19/98, com o que o art. 37, caput passou a ter a seguinte redação:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impes-
soalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: [...].
Após esta inclusão, a doutrina passou dedicar-se ao estudo
do princípio em tela mais acentuadamente. Entretanto, a primei-
ra indagação que se deve fazer é a de se este princípio teria de vir
expresso ou se ele já existia, mesmo antes de passar a constar do
texto da Constituição.
Para aqueles que preferem sempre encontrar um dispositivo
expresso na legislação para só então aceitar a sua existência no
mundo jurídico – não admitindo com muita facilidade o que não
está escrito –, já o Decreto-Lei n. 200/67 referia-se à eficiência
324 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

administrativa (art. 26, III)662 e previa a punição de servidor


ineficiente (art. 100)663, por exemplo. Se isso foi ou está sendo
observado na prática do dia-a-dia, é outro tipo de cogitação.
Como a lei não define o que é eficiência para os fins do art.
37 da Lei das Leis, a doutrina deve esforçar-se para conceituá-
-la, ainda que seja buscando elementos fora do Direito. No
nosso entendimento, uma palavra ou expressão utilizada no
texto constitucional – em certos casos isso se aplica à legislação
infraconstitucional também – deve, para ser interpretada, buscar
elementos na própria Constituição; se isso for inviável, desce-se
à legislação infraconstitucional e, na impossibilidade de se en-
contrar aí também auxílio para a respectiva interpretação, ir-se-á
buscar o significado daquele conceito fora do Direito, seja em
outra ciência ou mesmo na linguagem vulgar.
Este modo de ver parece ser compartilhado também por
Cintra do Amaral, como emerge do trecho seguinte:
Não vejo empecilho a que o cientista do Direito busque em
outras ciências noções que lhe permitam aclarar determinados
conceitos jurídicos. É preconceituosa a ideia de que o positivis-
ta jurídico, que vê o objeto da ciência do Direito como sendo
as normas (postas) que compõem o ordenamento jurídico
vigente em um determinado país, oponha-se necessariamen-
te ao estudo interdisciplinar. Tal oposição seria de profunda
indigência mental.664

662
“Art. 26. No que se refere à Administração Indireta, a supervisão minis-
terial visará a assegurar, essencialmente:
[...] III – A eficiência administrativa”.
663
“Art. 100. Instaurar-se-á processo administrativo para a demissão ou dis-
pensa de servidor efetivo ou estável, comprovadamente ineficiente no de-
sempenho dos encargos que lhe competem ou desidioso no cumprimento
de seus deveres”.
664
Antônio Carlos Cintra do Amaral, O princípio da eficiência no direito
administrativo, p. 3.
Eficiência e Legitimidade 325

Superado este aspecto, outra questão que surge ao tratar da


eficiência refere-se à diferenciação entre eficiência e eficácia,
expressões que, para o leigo, podem ser equivalentes, mas para
os estudiosos são coisas distintas.
No Dicionário Aulete, v.g., numa das suas acepções eficiên-
cia é sinônimo de eficácia. Em outra, é equivalente a produtivi-
dade, como segue:
Eficiência:
1. Ação, força ou capacidade de produzir bem o efeito de-
sejado ou realizar bem tarefas; EFICÁCIA [ antôn.: Antôn.:
ineficiência. ]
2. Qualidade ou capacidade (de alguém, um dispositivo, um
método etc.) de ter um bom rendimento em tarefas ou trabalhos
com um mínimo de dispêndio (de tempo, recursos, energia
etc.); PRODUTIVIDADE.
O mesmo Dicionário define eficácia como “capacidade de
realização de tarefas com eficiência, com bons resultados”, o
que termina por confirmar a identificação das duas palavras.
Já no Dicionário Houaiss, além de também ser equiparada
a produtividade (produtividade econômica; rendimento), efici-
ência acaba sendo identificada com eficácia, porquanto um dos
significados atribuídos a eficiência é o de “poder, capacidade de
uma causa produzir um efeito real”, ao mesmo tempo em que
contempla como um dos sentidos da palavra eficácia a “real
produção de efeitos”.
Voltando ao Direito positivo, o texto original da Consti-
tuição de 1988, antes, portanto, da modificação do art. 37, já se
referia à eficiência e à eficácia, por exemplo, no art. 74, II, que
reza:
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário man-
terão, de forma integrada, sistema de controle interno com a
finalidade de:
[...]
326 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto


à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e
patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal,
bem como da aplicação de recursos públicos por entidades
de direito privado.
Assim, a Administração Pública (lato sensu) ser pautada
pela eficiência não constitui nenhuma novidade.
Aliás, se é o povo o criador do Estado, se “consente” em
desviar parte do seu patrimônio a este para que se cumpram os
fins que ele (povo) escolheu, e se deposita na mão de gestores
circunstanciais a administração do que é público, é lógico e ra-
cional, sob qualquer ponto de vista, que esse gestor deve orientar
a sua gestão aproveitando da melhor forma possível os recursos
fornecidos pelo seu mandante (o povo).
Nessa linha de raciocínio, tendemos a compreender o vo-
cábulo eficiência em outro sentido apontado pelo Dicionário
Houaiss, como significando a “virtude ou característica de (uma
pessoa, um maquinismo, uma técnica, um empreendimento etc.)
conseguir o melhor rendimento com o mínimo de erros e/ou de
dispêndio de energia, tempo, dinheiro ou meios”.
Algumas tentativas de aproximação sobre o que se deve
considerar quando se fala de “eficiência” foram e estão sendo
feitas pela doutrina, em geral, mais abundantemente pelos admi-
nistrativistas. Não é o caso, aqui, de passarmos em revista toda a
doutrina a respeito, pois a ideia é ligar o princípio em análise ao
orçamento, tão só.
Assim, apresentamos, em primeiro lugar uma análise feita
por Antônio Carlos Cintra do Amaral quem, adotando conceitos
a Ciência da Administração, entende que a eficiência está rela-
cionada aos meios, enquanto que a eficácia se reporta aos resul-
tados.665 Trazendo um exemplo muito representativo, referido

Antônio Carlos Cintra do Amaral, O princípio da eficiência no direito


665

administrativo, p. 4.
Eficiência e Legitimidade 327

por Chiavenato, diz que ser eficiente é “jogar futebol com arte”
e ser eficaz é “ganhar a partida”.666
Paulo Modesto, por sua vez, traz do direito comparado al-
gumas expressões com as quais se costuma aludir à eficiência,
tais como “exigência de boa administração (ou bom andamento
da administração)”, “princípio da eficácia”, “princípio da racio-
nalização administrativa”, “princípio da não burocratização”,
“economicidade” etc.667
Este autor, corroborando o que dissemos um pouco atrás,
entende que, mesmo antes da alteração efetuada com relação ao
art. 37 da C.F., a Constituição nunca permitiu a ineficiência (isto
é, o princípio da eficiência já estava nas entrelinhas da Lei das
Leis). Ou, nas suas palavras:
Nunca houve autorização constitucional para uma adminis-
tração pública ineficiente. A boa gestão da coisa pública é
obrigação inerente a qualquer exercício da função adminis-
trativa e deve ser buscada nos limites estabelecidos pela lei.
A função administrativa é sempre atividade finalista [...] O
exercício regular da função administrativa, numa democracia
representativa, repele não apenas o capricho e o arbítrio, mas
também a negligência e a ineficiência, pois ambos violam os
interesses tutelados na lei.668
Este mesmo autor chega a entender a eficiência como “um
requisito da validade jurídica da atuação administrativa”.669
Valendo-se das lições de Hely Lopes Meirelles, diz que o prin-

666
Antônio Carlos Cintra do Amaral, O princípio da eficiência no direito
administrativo, p. 4.
667
Paulo Modesto, Notas para um debate sobre o princípio da eficiência, p. 3.
668
Idem, ibidem, p. 7, grifou-se.
669
Idem, p. 9-10. São as suas palavras:”[...] a necessidade de otimização ou
obtenção da excelência no desempenho da atividade continua a ser um
valor fundamental e um requisito da validade jurídica da atuação admi-
nistrativa”.
328 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

cípio da eficiência pode ser equiparado ao princípio tradicional


da boa administração.
Na administração prestadora, constitutiva, não basta ao ad-
ministrador atuar de forma legal e neutra, é fundamental que
atue com eficiência, com rendimento, maximizando recursos
e produzindo resultados satisfatórios.670
Numa síntese bastante objetiva, Modesto aponta as caracte-
rísticas cravadas na obrigação de atuação eficiente, que seriam:
ação idônea (eficaz); ação econômica (otimizada) e ação satisfa-
tória (dotada de qualidade).671
É evidente que se a Administração Pública deve atuar nor-
teada pela eficiência, isto também se aplica ao orçamento. A ela-
boração deste, bem como a sua execução devem (não somente
podem) seguir o cânone da eficiência.
Ricardo Lobo Torres observa: “[...] mas o princípio da efici-
ência desborda o campo da Administração Pública para penetrar
também no orçamento”.672
Alude ao artigo 31.2. da Constituição da Espanha, que pre-
vê que “El gasto público realizará una asignación equitativa de
los recursos públicos, y su programación y ejecución responde-
rán a los criterios de eficiencia y economía”.
O citado autor pondera que o princípio da eficiência pro-
jeta-se diretamente “para a temática da gestão orçamentária,
que também se deixa influenciar por novas técnicas gerenciais”,
acrescentando que, em certo sentido, este princípio “se apro-
xima do da economicidade e, como esta, permite a abertura do
controle orçamentário ao Judiciário e ao Tribunal de Contas”.673

670
Paulo Modesto, Notas para um debate sobre o princípio da eficiência, p. 9.
671
Idem, ibidem, p. 10.
672
Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, v. 5: O orça-
mento na Constituição, p. 307.
673
Idem, ibidem.
Eficiência e Legitimidade 329

Mais do que saber com segurança a distinção entre efi-


ciência e eficácia, o que se percebe incrustado nos comandos
constitucionais que a elas se referem é a preocupação com a oti-
mização do atuar público em tudo o que diz respeito aos recursos
que vêm do povo.
Aqui, sim, se pode estabelecer um paralelo entre as finan-
ças públicas e as finanças privadas. Todo cidadão tem o natural
desejo de fazer valer o máximo possível os seus recursos finan-
ceiros, procurando sempre a melhor aplicação possível destes
e o melhor gerenciamento que estiver ao seu alcance. No setor
público, com muito mais razão, este deve ser o pensamento,
pois, já de início, o administrador público age em nome do dono
dos recursos e deve fazê-lo a favor deste, não desperdiçando re-
cursos, aplicando-os da forma que leve à produção dos melhores
frutos. A diferença está em que, no âmbito privado, o particular
tem a liberdade de agir como bem lhe aprouver, ainda que, ao
final, em seu desfavor, hipótese que não cabe no setor público,
porquanto este tem a obrigação, por imposição constitucional,
de atuar eficientemente.
Celso Antônio Bandeira de Mello imbrica o princípio da
eficiência com o da legalidade, ou, nas suas palavras, esse prin-
cípio não pode ser concebido “senão na intimidade do princípio
da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiência jus-
tificaria postergação daquele que é o dever administrativo por
excelência”.674
Na opinião do festejado mestre, como, de resto, também
na nossa, o princípio da eficiência nada mais é do que o velho
princípio da “boa administração”. Cita as lições de Guido Falzo-
ne, autor italiano de monografia sobre o tema, datada de 1953,
para quem “boa administração” significa desenvolver a ativida-
de administrativa “do modo mais congruente, mais oportuno e
mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos
meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idô-

Curso de direito administrativo, p. 125.


674
330 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

neos para tanto”.675 Segundo Bandeira de Mello, ainda, trata-se


de um dever não somente ético ou mera “aspiração deontológi-
ca”, mas de um dever “atual e estritamente jurídico”.676
Efetivamente, parece que a melhor forma de encarar a
eficiência é no sentido apontado – como “boa governança” – e,
ao mesmo tempo, ela é implícita na atividade administrativa.
Exercer função pública per se implica fazê-lo com denodo e da
melhor maneira possível.
O desempenho da função administrativa é uma delegação,
uma procuração que o povo outorga, seja mediante eleições para
o Legislativo ou para o Executivo, seja por meio de concurso
público, ou, ainda, por alguma outra forma de “terceirização”
autorizada por lei, mas sempre e em qualquer caso, consiste num
assentimento para que a pessoa delegatária exerça essa função
em nome do povo, que é o dono da coisa pública. Este simples
fato já mostra, a nosso ver claramente, que aquele que exerce a
função pública, sob qualquer das suas possíveis roupagens, tem
de proceder como se a atividade que desenvolve fosse sua, ou
seja, usando a mesma diligência que, presumivelmente, empre-
garia se gerisse a sua própria atividade, negócio ou quejandos.
No intuito de perseguir a eficiência foi criado, no âmbito
federal, o “Sistema de Informações de Custos do Governo Fede-
ral – SIC”, que é “um banco de dados que se utiliza da extração
de dados dos sistemas estruturantes da administração pública
federal, tal como SIAPE, SIAFI e SIGPlan, para a geração de
informações”. Tem ele por objetivo subsidiar decisões gover-
namentais e organizacionais que conduzam à alocação mais
eficiente do gasto público.677

675
Curso de direito administrativo, p. 125.
676
Idem, ibidem, p. 125.
677
Conforme registrado no site do Tesouro Nacional: https://www.tesouro.
fazenda.gov.br/pt/aprenda-com-o-tesouro/sistema-de-informacoes-de-
-custos.
Eficiência e Legitimidade 331

Nota-se, pois, que a eficiência constitui, também, a exem-


plo de outras categorias principiológicas, um work in progress,
ainda longe de atingir os objetivos pretendidos, por certo, mas
com um importante caminho já percorrido.

9.2 Legitimidade
Tema conexo também, a nosso ver, com o da performance
orçamentária, num certo sentido, é o referente à legitimidade.
Delimitemos o alcance da nossa preocupação.
A Constituição da República, no caput o art. 70, inclui a
legitimidade como parte do controle externo a ser exercido sobre
as contas públicas. É o seu teor:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da União e das entidades da admi-
nistração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de recei-
tas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle
externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Sempre pensamos que, uma vez que o Poder Legislativo,
com o auxílio do Tribunal de Contas (at. 71, caput), pode fis-
calizar os entes públicos quanto à legitimidade, poderá julgar
irregulares as contas pelo fato de elas serem ilegítimas.
Ocorre que a aparente simplicidade dessa conclusão im-
plica passar por complexos questionamentos, começando pelo
próprio significado da palavra “legitimidade” nesse contexto.
É praxe, nos estudos introdutórios de Direito, fazer-se o
comparativo entre o “legal” e o “legítimo”.
Elías Díaz declara que “legitimar es justificar, tratar de
justificar [...].678 A princípio, nem tudo o que é legal é legítimo
e vice-versa. O Dicionário Houaiss traz como um dos sentidos
da palavra legítimo: “que é conforme ao direito positivo, que

Elías Díaz, De la maldad estatal y la soberanía popular, p. 21.


678
332 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

está fundado e amparado em lei; legal”. Ou seja, na linguagem


corrente podem-se confundir os dois conceitos (legalidade e le-
gitimidade); no Direito, porém, sabemos que não é exatamente
assim, ou que, pelo menos, não é sempre assim.
No seu Dicionário Jurídico, dentre as definições de “legiti-
midade”, Maria Helena Diniz aponta as seguintes:
na Ciência política: [...] d) homologação do poder governa-
mental pelo consentimento popular; e) adequação do poder à
ideia de direito predominante na coletividade; na Teoria geral
do direito: a) legalidade; [...] c) caráter do que está conforme
à lei e à justiça etc.679
Selecionamos aqui somente as acepções de que nos valere-
mos para encaminhar nosso raciocínio.
Comumente fala-se da legitimidade com relação ao poder
do Estado, que pretende ser legítimo, estar justificado. A este
respeito, transcrevemos as palavras de Elías Días:
[…] el Derecho en cuanto legalidad, expresión de un poder
político […] que institucionaliza la posibilidad de utilizar la
coacción, incluso física, siempre pretende presentarse a sí
mismo, y a esa coacción, incluso física, como legítimo, es
decir – en mayor o menor grado – como algo necesario y justo.
Necesita, pues, justificar aquélla y justificarse él mismo.680
Para Kelsen, a legitimidade acaba sendo identificada com a
legalidade. Partindo da dedução do seu raciocínio sobre a “nor-
ma hipotética fundamental”, Kelsen assevera que
o princípio de que a norma de uma ordem jurídica é válida até
a sua validade terminar por um modo determinado através essa
mesma ordem jurídica, ou até ser substituída pela validade
de uma outra norma desta ordem jurídica, é o princípio da
legitimidade.681

679
Maria Helena Diniz, Dicionário jurídico, verbete “legitimidade”.
680
Elías Díaz, De la maldad estatal y la soberanía popular, p. 22, grifou-se.
681
Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 290.
Eficiência e Legitimidade 333

Habermas, após traçar um quadro sobre a evolução do


Direito, a formação da ideia de direito positivo, a evolução do
Estado Democrático de Direito e outros assuntos afins, averba:
[...] a lo que apunto con todas estas consideraciones es a la
idea de un Estado de Derecho con divisiones de poderes, que
extrae su legitimidad de una racionalidad que garantice la im-
parcialidad de los procedimientos legislativos y judiciales.682
Para ele, a ideia de um contrato social é usada para justificar
moralmente o poder exercido sob a forma de direito positivo,
para justificar moralmente a “dominação legal-racional”, no
sentido Weberiano.683 Assim, um contrato que cada indivíduo
celebra com todos os demais indivíduos (autonomamente) só
pode ter por conteúdo algo que redunde no bem de cada um, fa-
zendo, assim, com que somente sejam aceitáveis aquelas regras
que possam contar com o assentimento não forçado de todos.
Isso levaria a concluir que
a razão do direito natural moderno é essencialmente razão prá-
tica, razão de uma moral autônoma. Esta exige que distingamos
entre normas y principios y procedimientos justificatorios,
procedimientos conforme a los cuales podamos examinar si
las normas, a la luz de los principios válidos, pueden contar
con el asentimiento de todos.684
Percebe-se que, à exceção de Kelsen, cujo sistema teórico
leva a possibilidade de identificar a legitimidade com a legalida-
de, a ideia prevalecente é a de que a legitimidade, de um modo
ou de outro, pressupõe consenso, aceitação. A aceitação do po-
der do Estado, num Estado Democrático de Direito é exatamente
o que o legitima.

682
Jürgen Habermas, ¿Cómo es posible la legitimidad por vía de legalidad?,
p. 37.
683
Idem, ibidem, p. 29.
684
Idem.
334 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Mesmo Kelsen, de uma certa forma traz à baila a ideia da


aceitação, pois, a legitimidade de um sistema jurídico, ainda que
confundida com a sua validade, também decorre da aceitação da
“norma fundamental”, a partir da qual são deduzidas todas as de-
mais, que lhe são inferiores e que a têm como o seu fundamento
de validade (ou, da sua legitimidade).
Feita esta introdução, passemos a tratar da legitimidade tal
qual posta no art. 70, caput, da Constituição Federal.
Se a ideia de que o Tribunal de Contas (e o Congresso
Nacional) pode apreciar as contas públicas sobre o aspecto da
legitimidade e se as entender ilegítimas, declará-las irregulares é
verdadeira, resta saber qual é a “legitimidade” a ser contrastada.
Diante do que se expôs retro, parece que o gasto público
somente pode ser considerado legítimo quando for dirigido às
prioridades escolhidas pela sociedade.
Não sendo de fácil delimitação o conceito de “legitimida-
de”, o que salta aos olhos já na primeira leitura da Constituição
de 1988 a esse respeito é que ela inovou, acrescentando, ao lado
do controle quanto à legalidade, o controle quanto à legitimi-
dade. É dizer: ainda que não se esteja seguro do que significa
a legitimidade neste sentido, sabe-se, com certeza, que a mera
legalidade já não basta. O simples fato de olhar à aplicação do
dinheiro público para verificar se o que foi gasto se ajusta a auto-
rização legislativa para a efetivação desse gasto já não é suficien-
te. A simples operação de subsunção já não é considerada satis-
fatória; ela é, ainda, imprescindível, mas não mais suficiente.
Para Regis de Oliveira, os termos legitimidade e economi-
cidade devem ser interpretados à luz das competências explici-
tadas na Constituição.685 Nas suas palavras, “a legitimidade tem
a ver com a eficiência na aplicação dos recursos”.686 Conforme
o ilustre professor, a legitimidade é muito mais que a simples

Régis Fernandes de Oliveira, Gastos Públicos, p. 170.


685

Idem, ibidem, p. 170.


686
Eficiência e Legitimidade 335

legalidade, referindo-se à circunstância de o gasto estar sendo


dirigido para onde necessário. A conduta “legítima” do admi-
nistrador público válida seria apenas aquela considerada como
a melhor, aquela conduta com a qual ele irá atingir os interesses
públicos. “Não é qualquer conduta, mas apenas aquela exigida
pela norma”.687
A título ilustrativo trazemos o ocorrido na Espanha, por
época da reforma da sua Constituição, para atender aos recla-
mos de obediência à estabilidade financeira exigida pela União
Europeia.
Parte da esquerda daquele país entendeu que a modificação
que acabava de ocorrer, no capítulo relativo à “Dívida Pública”,
supunha um “ataque frontal” aos fundamentos do Estado demo-
crático e social de Direito, na medida em que as
restrições draconianas ao gasto público que decorrem das limi-
tações constitucionais ao déficit estrutural e ao endividamento
público das Administrações Públicas [Estado central, Comu-
nidades Autônomas e Corporações Locais] tornam impossível
manter os compromissos normativos que são consubstanciais
ao Estado de Bem Estar que a Constituição reconhece.688
Tendo como base a cláusula constitucional [da Constituição
espanhola] relativa ao “Estado social e democrático de Direito”,
que faz com que esse tipo de Estado se assente numa” crescente
socialização das necessidades humanas e do modo de satisfazê-
-las”, afirma Rodríguez Bereijo, ao mesmo tempo gera um
aumento das demandas e expectativas sociais “(nem sempre
compatíveis entre si e possíveis de serem financiadas) que, na
consciência dos cidadãos se consolidaram como uma espécie de
direito adquirido da coletividade frente ao Estado e pressionam

Régis Fernandes de Oliveira, Gastos Públicos, p. 170.


687

Conforme relata Álvaro Rodríguez Bereijo, em La reforma constitucio-


688

nal del artículo 135 CE y la crisis financeira del Estado, p. 12.


336 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

(quando não impõem) aos poderes públicos [...] como compro-


missos sociais normativos de certo modo irreversíveis”.689
O ilustre professor tocou no ponto crucial da realidade vi-
vida nos dias atuais por diversos países europeus e, por que não
dizer, de certa forma, também o Brasil. Uma vez que a sociedade
se habitua a gozar efetivamente de certos direitos, dificilmente
se acostumará a deixar de possuí-los senão que, ao contrário, por
tendência humana natural, desejará ampliá-los.
Ocorre que, para que possa o Estado conceder tais direitos,
necessitará, como é elementar de recursos suficientes – que qua-
se nunca existem – e, para ampliá-los, de maior número ainda de
recursos financeiros.
Não se pode negar que o Brasil, embora a Constituição da
República não traga expressamente a expressão “Estado social
e democrático de Direito”,690 é inafastável que a análise do seu
conjunto leva a extrair o acentuado cunho social que o Estado
brasileiro deve buscar. Tenha-se em mente, por exemplo, a re-
ferência aos fundamentos do Estado, explicitados no artigo 3.º,
verbis:
Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
 III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi-
gualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimi-
nação.

689
Álvaro Rodríguez Bereijo, La reforma constitucional del artículo 135 CE
y la crisis financeira del Estado, p. 15.
690
A Constituição Brasileira dispõe no seu art. 1.º: “A República Federativa
do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”.
Eficiência e Legitimidade 337

No mesmo diapasão, no art. 5.º, ao prever a “função so-


cial da propriedade”(inciso XXIII – a propriedade atenderá a
sua função social), logo depois de garantir esse direito (inciso
XXII); os direitos sociais a que se refere o art. 6.º (“art. 6.º: são
direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição”), além de todos aqueles enumerados
no art. 7.º.

9.3 Conclusão
Assim, a legitimidade no gasto público tem estreita relação
com aquilo que foi incorporado pelo Estado brasileiro como
prioridades a serem atendidas. Dada a invariável escassez de
recursos, estes somente podem ser destinados a fins legítimos,
no sentido aqui apontado.
A aparente contradição entre eficiência, desempenho e le-
gitimidade fica, no nosso sentir, somente na aparência. Vejamos.
A legitimidade funciona como um filtro na hora da elabora-
ção do orçamento. Com base nela deverá ser decidido o destino
do dinheiro público e, exatamente por ter de ser levada em conta
a eficiência, a fim de propiciar que o maior número de priorida-
des seja atendido, deve-se cobrar os resultados durante e após a
execução do orçamento.
Percebe-se, pois, que são elementos interdependentes e
complementares.
339

Capítulo 10
O orçamento e o STF –
o Controle Jurisdicional
das Leis Orçamentárias

Sumário: 10.1 Introdução; 10.2 O controle da constitucionalidade


no ordenamento jurídico brasileiro; 10.3 Espécies de inconstitucio-
nalidades; 10.3.1 Inconstitucionalidade por ação; 10.3.2 Inconsti-
tucionalidade por omissão; 10.4 Formas de controle de constitu-
cionalidade; 10.4.1 Controle de constitucionalidade preventivo;
10.4.2 Controle de constitucionalidade repressivo; 10.5 O sistema
de freios e contrapesos de Montesquieu; 10.6 A judicialização da
política; 10.6.1 A natureza jurídica das leis orçamentárias e o seu
controle jurisdicional; 10.7 As lei orçamentárias e o Supremo Tri-
bunal Federal; 10.7.1 Mudança de orientação; 10.7.2 Confirmação
do atual posicionamento; 10.8 Conclusão.

10.1 Introdução
O presente tópico versa sobre a possibilidade de as leis
orçamentárias terem o seu controle constitucional submetido ao
crivo do Poder Judiciário.
O tema em questão, embora aparentemente simples, é mo-
tivo de uma discussão que perdura no Brasil há décadas, e ainda
nos dias atuais é objeto de estudo e questionamentos os mais
diversos, por abranger vários institutos do Direito Constitucio-
nal que colidem, obrigando os operadores do direito a buscar
mecanismos jurídicos e interpretações conforme o Texto Cons-
titucional, valendo-se especialmente dos caminhos trilhados por
340 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Robert Alexy,691 que propugna pelo sopesamento dos desígnios


constitucionais.
Impende salientar que essa “nova realidade” não significa
que não existiam os adeptos da teoria contemporânea em mo-
mento anterior, propugnando que as leis orçamentárias, dada a
sua natureza jurídica de lei material, poderiam e deveriam ter
a sua constitucionalidade questionada e analisada pelo Poder
Judiciário. O fato é que o Supremo Tribunal Federal sempre deu
às normas orçamentárias interpretação na qual as colocava como
lei meramente formal, o que impedia a análise de sua constitu-
cionalidade, pois se trataria, sob esse ângulo, de ato administra-
tivo do Poder Executivo, de cunho eminente político.
Não obstante, após muitos estudos e pesquisas no Direito
comparado, a doutrina contemporânea trouxe elementos efica-
zes e de cunho absolutamente constitucional, que reforçam a
tese acerca da natureza jurídica material das leis orçamentárias,
e que, portanto, admitiriam o seu controle jurisdicional.
A lume da “nova” forma de vislumbrar as leis orçamentá-
rias e com a inovação do quadro de Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal nos últimos anos, houve uma significativa mudança
de posicionamento do Pretório Excelso sobre o tema, pelo qual
se passou a aceitar o controle constitucional das leis orçamentá-
rias com o fito de garantir os desígnios constitucionais.
Não há como falar, porém, de controle jurisdicional das
leis orçamentárias, sem proceder-se à análise, ainda que breve,
de alguns pontos relacionados ao tema. É o que se fará a seguir.

10.2 O controle da constitucionalidade no ordenamento


jurídico brasileiro
Em nosso país, como se sabe, dois são os sistemas de con-
trole de constitucionalidade da norma jurídica.

Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais.


691
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 341

O primeiro deles, o controle “concentrado”, também de-


nominado pela doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal de
controle “abstrato”, ou principal, ou direto, ou objetivo, ou por
via de ação, ou, ainda, fechado. Trata-se de um controle efetuado
em tese, e não sobre um caso concreto, cujo objetivo é retirar
do ordenamento jurídico a lei ou o ato normativo contrários à
ordem constitucional. É um controle exercido exclusivamente
pelo Supremo Tribunal Federal, e que somente pode ser provo-
cado em ações específicas, em que os legitimados são pessoas e
órgãos enumerados de forma taxativa na Constituição Federal.
Os efeitos da decisão proferida nessa sede são erga omnes e
vinculantes (art. 28 da Lei 9.868/1999), podendo ser ex nunc ou
ex tunc conforme entendimento do órgão, nos termos da lei.692

Art. 27 da Lei 9.868/1999. A respeito averba Gilmar Mendes: “Coe-


692

rente com a evolução constada no Direito Constitucional comparado, a


presente proposta permite que o próprio Supremo Tribunal Federal, por
uma maioria diferenciada, decida sobre os efeitos da declaração de in-
constitucionalidade, fazendo um juízo rigoroso de ponderação entre o
princípio da nulidade da lei inconstitucional, de um lado, e os postulados
da segurança jurídica e do interesse social, de outro (art. 27). Assim, o
princípio da nulidade somente será afastado in concreto se, a juízo do
próprio Tribunal, se puder afirmar que a declaração de nulidade acabaria
por distanciar-se ainda mais da vontade constitucional. Entendeu, por-
tanto, a Comissão que, ao lado da ortodoxa declaração de nulidade, há de
se reconhecer a possibilidade de o Supremo Tribunal, em casos excep-
cionais, mediante decisão da maioria qualificada (dois terços dos votos),
estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade,
proferindo a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc ou pro futuro,
especialmente naqueles casos em que a declaração de nulidade se mostre
inadequada (v.g.: lesão positiva ao princípio da isonomia) ou nas hipóte-
ses em que a lacuna resultante da declaração de nulidade possa dar ensejo
ao surgimento de uma situação ainda mais afastada da vontade constitu-
cional” (Gilmar Ferreira Mendes, Processo e julgamento da ação direta
de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal: uma proposta de projeto de lei.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br./CCIVIL/revista?Rev_6/
processo_julgamento.htm>).
342 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

O segundo é chamado de controle “difuso”, também co-


nhecido como controle “concreto”, ou incidental, ou indireto,
ou subjetivo, ou por via de exceção, ou, ainda, aberto (diluído).
Trata-se de um controle realizado no caso concreto, cabendo a
qualquer juiz ou tribunal investido da função jurisdicional. A
decisão, em geral, é inter partes693 e seus efeitos são ex tunc.694

10.3 Espécies de inconstitucionalidades


No sistema de controle de constitucionalidade, há duas es-
pécies de inconstitucionalidades: por ação e por omissão.

10.3.1 Inconstitucionalidade por ação


É aquela encontrada nos atos legislativos ou administrati-
vos contrários ao Texto Constitucional.
O fundamento dessa inconstitucionalidade situa-se no
princípio da supremacia da Constituição, do qual resulta o da
compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de
um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente
valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior –
em último grau, a Constituição.
As que não forem com ela compatíveis são inválidas, pois a
incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas

693
Todavia, essa regra é excepcionada pela previsão do art. 52, inciso X,
da Constituição Federal que permite ao Senado da República suspender
a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por
decisão normativa do Supremo Tribunal Federal. Nesse caso, o caso con-
creto levado a apreciação do STF poderá ter efeito erga omnes, após a
suspensão do Senado Federal acerca do cumprimento da norma.
694
Cumpre observar que o STF já entendeu que, mesmo no controle difuso,
poder-se-á dar efeito ex nunc a uma decisão. O caso concreto foi o jul-
gamento do RE 197.917, em que o STF reduziu o número de vereadores
do Município de Mira Estrela de 11 para 9 e determinou que a aludida
decisão só atingisse a próxima legislatura (cf. íntegra do voto em inf. STF
341, Rel. Min. Maurício Corrêa).
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 343

de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de


validade das inferiores.695
A inconstitucionalidade por ação pode ser formal ou mate-
rial (de conteúdo, substancial ou doutrinário). O aspecto formal
da norma está atrelado ao processo legislativo, à competência da
autoridade que a instituiu e à obediência às formalidades e pro-
cedimentos estabelecidos no Texto Constitucional. Já o aspecto
material diz respeito ao conteúdo da lei ou do ato normativo,
podendo ser total ou parcial conforme a extensão do vício.

10.3.2 Inconstitucionalidade por omissão


A inconstitucionalidade por omissão decorre da falta de
norma regulamentadora das normas constitucionais de eficácia
limitada. Referida inconstitucionalidade pode ser total, também
denominada pura, quando da ausência da regulamentação, e
parcial quando existe a norma, porém não é suficiente para aten-
der o interesse constitucional.

10.4 Formas de controle de constitucionalidade


Quanto às formas de controle de constitucionalidade, en-
contramos dois tipos: a preventiva e a repressiva.

10.4.1 Controle de constitucionalidade preventivo


O controle de constitucionalidade preventivo é aquele exer-
cido durante o processo legislativo. Em um primeiro momento,
esse controle é feito pelo Poder Legislativo, que analisa os pro-
jetos levados a exame na Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJC), nas duas casas.696 Posteriormente, cabe ao

695
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 47, na
esteira de Enrique A. Aftalión, Fernando García Olano e José Vilanova.
696
Conforme art. 32, IV, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados,
o controle será realizado pela Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (Res. da CD 20, de 204 – DCD, Suplemento, 18.03.2004, p.
344 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Poder Executivo, por intermédio do Presidente da República,


vetar projetos que considere violarem a Constituição Federal
ou não atender interesse público.697 Cumpre observar que nessa
fase pode também o Judiciário fazer o controle preventivo. Isto
ocorrerá se, durante a apreciação das proposições, for praticado
ato que viole diretamente norma constitucional sobre processo
legislativo, hipótese em que qualquer parlamentar federal, dota-
do de direito público subjetivo ao devido processo legislativo,

3), enquanto no Senado Federal o controle será exercido pela Comissão


de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de acordo com o art. 101 de
seu Regimento Interno. Ressalve-se que o plenário das duas casas poderá
verificar a inconstitucionalidade do projeto de lei, o mesmo podendo ser
feito durante as votações.
697
O Chefe do Executivo poderá vetar o projeto de lei por duas razões: a
primeira quando julgá-lo inconstitucional e a segunda quando for con-
trário ao interesse público. Sendo aquele denominado veto jurídico e
este, veto político. Tal conduta encontra-se prevista no art. 66, § 1.º,
da Constituição Federal, que assim dispõe: A Casa na qual tenha sido
concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da Repúbli-
ca, que, aquiescendo, o sancionará. § 1.º Se o Presidente da República
considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário
ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quin-
ze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro
de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos
do veto. A Constituição do Estado de São Paulo adota a mesma siste-
mática constitucional no que toca ao controle da Constitucionalidade.
Conforme artigo 28, § 1.º, da Constituição do Estado de São Paulo, o
Governador (Chefe do Executivo) poderá vetar projeto de lei aprovado
pelo legislativo em razão de inconstitucionalidade. Já no que concer-
ne ao controle judicial concentrado, a Constituição Estadual inclui na
Competência do Tribunal de Justiça do Estado (nos termos do disposto
no art. 74, VI), processar e julgar representação de inconstitucionalida-
de de lei ou ato normativo estadual ou municipal. Declarada a inconsti-
tucionalidade, caberá à Assembleia Legislativa, ou Câmara Municipal,
suspender a execução da lei ou ato normativo, como prevê o inciso XIII
do art. 20 e do § 3.º do art. 90 da Constituição Estadual. O controle
judicial difuso encontra-se previsto no § 6.º, art. 90, da Constituição do
Estado de São Paulo.
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 345

poderá propor ação judicial perante o Supremo Tribunal Federal


para questionar o caso concreto.698

10.4.2 Controle de constitucionalidade repressivo


O controle de constitucionalidade repressivo é aquele exer-
cido após a publicação da lei – findado o processo legislativo –,
ainda que a norma esteja no período de vacatio legis.
No Brasil, embora eminentemente judicial,699 o controle re-
pressivo pode ser exercido pelo Poder Legislativo em duas situ-
ações: a) art. 49, V, da CF/1988, quando prevê que o Congresso,
mediante decreto legislativo, poderá sustar os atos do Executivo
que extrapolem os limites do seu poder regulamentar;700 e b) art.
62 da CF/1988, que permite ao Congresso rejeitar medida provi-
sória em razão de inconstitucionalidade.

698
O direito público subjetivo de participar de um processo legislativo
hígido é exclusivo aos membros do Poder Legislativo. Esse é o enten-
dimento em que se consolidou a jurisprudência do STF, no sentido de
negar a legitimidade ad causam a terceiros, que não parlamentar, ainda
que invoquem a sua potencial condição de destinatário da norma, sob
pena de indevida transformação em controle preventivo de constitu-
cionalidade em abstrato, inexistente em nosso sistema constitucional
(RTJ 136/25-26, Rel. Min. Celso de Mello, RTJ 139/783, Rel. Min.
Octávio Gallotti, e MS 21.642/DF – MS 21.747/DF – MS 23.087/SP –
MS 23.328/DF) (Pedro Lenza, Direito constitucional esquematizado,
p. 164).
699
O controle de constitucionalidade no Brasil, determinado pelo pró-
prio Texto Constitucional, é o jurisdicional, baseado no modelo norte-
-americano, e, segundo as lições de José Afonso da Silva, tal controle
é “a faculdade que as Constituições outorgam ao Poder Judiciário de
declarar a inconstitucionalidade de lei e de outros atos do Poder Públi-
co que contrariem, formal ou materialmente, preceitos ou princípios
constitucionais” (José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional
positivo, p. 49).
700
É o caso de lei delegada que viole os limites fixados pelo Congresso, no
momento que autorizou o Presidente legislar.
346 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Parte da doutrina entende que o Poder Executivo também


exerce o controle repressivo ao anular ato da administração por
motivo de inconstitucionalidade.
Em defesa dessa teoria, Lucia Valle Figueiredo averba:
Se a única defesa do contribuinte for a de não ter pago de-
terminado tributo por entendê-lo inconstitucional, quer seja
por bitributação, por existência de isenção não respeitada,
ou, porque haveria imunidade que, inconstitucionalmente,
não está sendo respeitada – nesse caso, se dissermos que,
por exemplo, os Conselhos podem não apreciar este tipo de
defesa, estaremos assumindo que eles não estarão cumprindo
o inciso LV do artigo 5.º do Texto Constitucional. [...] estes
tribunais administrativos seriam sem utilidade, ou quase sem
utilidade, se determinada lei, que primasse pela inconstitu-
cionalidade – e, infelizmente para nós, o país vem primando
pela inconstitucionalidade – não pudesse ser tida para aquele
caso concreto como inaplicável. E, isso, dá, evidentemente, ao
Judiciário uma sobrecarga de trabalho desumana.701
Também já nos manifestamos a propósito:
[...] se o ordenamento jurídico faculta o julgamento de questões
administrativas em geral (nestas incluídas as de ordem tribu-
tária) se a lei disciplina a matéria, atribuindo competência ao
julgador individual ou ao órgão colegiado correspondente para
decidir o caso submetido à análise, tais pessoas são colocadas
como se no Judiciário estivessem. Devem, então, apreciar os
fatos, as provas e o Direito aplicável ao caso concreto como
se juízes fossem. [...] Em outras palavras, não há como aplicar
o Direito desconsiderando a Constituição, que é norma que
funda o próprio Estado.702

701
Lucia Valle Figueiredo, Processo administrativo e controle de constitu-
cionalidade pelos Tribunais administrativos. Mesa de debates G: (apre-
sentado no XII Congresso Brasileiro de Direito Tributário, p. 151-161
(grifos no original).
702
Estevão Horvath e Pedro Satiro, Apreciação de inconstitucionalidade por
órgão julgador administrativo fiscal, p. 99.
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 347

Como se vê, embora os três Poderes Estatais (Legislativo,


Executivo e Judiciário) sejam independentes e harmônicos entre
si, existem plenas possibilidades de um interferir nas atribuições
do outro, desde que seja com a finalidade única de garantir os
desígnios constitucionais, que revelam a vontade do constituinte
originário, o povo.
Ao contrário do que poderia se cogitar, essa interferência
não afronta a cláusula pétrea prevista no art. 60, § 4.º, III, que
garante proteção à separação dos poderes, inspirada nos ensina-
mentos seculares de Aristóteles e Montesquieu.
Vemos na antiga e ao mesmo tempo atual ideia pregada
por Montesquieu o principal fundamento a autorizar o controle
jurisdicional das leis orçamentárias no Brasil.

10.5 O sistema de freios e contrapesos de Montesquieu703


Um dos objetivos principais que regiam o pensamento de
vários filósofos, teóricos e pensadores desde a Antiguidade sem-
pre foi o de encontrar uma forma, um modelo de Estado onde
o poder não se centralizasse somente nas mãos de uma pessoa
ou de um pequeno grupo e/ou instituição.
Preocupados em encontrar uma forma de governo que não
favorecesse tiranias nem absolutismos, de maneira a obter uma
igualdade de direitos entre todos e um Estado justo e democrá-
tico, esses pensadores, a partir de Platão e Aristóteles, e chegan-
do ao século XVI, no ápice do iluminismo, com John Locke,
apontavam como forma de obter uma sociedade mais justa uma
divisão entre os tipos de poderes.
A concepção de Três Poderes que temos hoje é gerada
a partir do século XVII, após um árduo trabalho de análise social
de pensadores ainda anteriores a este século e que com o ilumi-

O trecho que segue, tratando de expor o essencial da doutrina da separa-


703

ção de poderes, foi elaborado com base na obra clássica de Montesquieu,


De l’Esprit des lois.
348 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

nista Montesquieu, em 1748, vem a ser elaborada de maneira


mais clara e definitiva.
Todo Estado tido como democrático ou não absolutista tem
em sua estruturação a identificação dos Poderes Executivo, Le-
gislativo e Judiciário, mesmo com defasagens possíveis ou mes-
mo nomenclaturas diferentes.
Montesquieu (Charles-Louis de Secondat, Baron de La
Brède et de Montesquieu) nasceu no período do absolutismo
francês, governado pelo rei Luís XIV, em que o monarca tinha
poderes absolutos. Na época, a França vivia seus melhores
momentos, pois era uma potência ultramarina e o maior centro
cultural do mundo. E isso graças ao envolvimento em diversas
guerras, que demandaram muitos gastos, e, no final do século
XVII, esse país começou a ter problemas de ordem econômica.
Com a morte de Luís XIV, assumiu o trono o rei Luís XV,
com apenas cinco anos de idade. Em seu governo, Luís XV trou-
xe mais gastos à França, mostrando-se um péssimo governante,
e com isso promovendo o descontentamento da população fran-
cesa, o que mais tarde provocou a Revolução Francesa.
Foi nessa situação, aliado ao surgimento da monarquia
constitucional inglesa, que Montesquieu começou a escrever
sobre política.
A fase do iluminismo colocava em pauta o incentivo ao
pensamento livre, à crítica ao sistema vigente, o questionamento
dos costumes. Dessa perspectiva, não havia espaço para uma
monarquia absolutista, comandada por um rei controlador de
todas as coisas que envolviam a vida francesa.
A Revolução Francesa pôs um fim a esse tipo de governo,
promovendo, por intermédio da Assembleia Constituinte, a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com base no
lema dos revolucionários: “Liberdade, Igualdade e Fraternida-
de”.
Montesquieu, inspirado nas obras de Aristóteles (Política)
e de John Locke (Segundo Tratado do Governo Civil), escreveu
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 349

O espírito das leis, que trata da Teoria dos Três Poderes. Buscou
a essência, a natureza de cada tipo de poder estabelecido nas
sociedades e comparou as relações que as leis da época tinham
com a natureza em si. 
Ele desenvolve uma ideia que dá o parâmetro do cons-
titucionalismo, ou seja, do conjunto de leis contidas em uma
Constituição. É o tipo de regência mais comum em quase todos
os tipos de governos de hoje e que busca de maneira democrática
designar as autoridades competentes em cada âmbito da socie-
dade, a fim de evitar o autoritarismo, a arbitrariedade e a violên-
cia, comuns na maioria das monarquias absolutistas da época. 
A partir dessa concepção de constitucionalismo, Mon-
tesquieu começa a traçar um pensamento de modo a dividir
os poderes dentro de um governo. Inspirado pela Constituição
inglesa da época – em que pese o fato de que esta não possuía
essa divisão clara em sua estruturação –, Montesquieu separou
de maneira cuidadosa e detalhada, para os moldes de sua época,
os três poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário. Em rigor,
trata-se de Poder (um), subdividido em três.
A ideia central da teoria dos três poderes é a de que um
Poder, em suas atribuições típicas, equilibraria a autonomia e in-
terviria quando necessário no outro, propondo uma harmonia e
uma maior organização na esfera governamental de um Estado.
Trata-se de um regime em que o poder é limitado e equili-
brado pelo poder, ou seja, na célebre frase cunhada pelo próprio
Montesquieu, “só o poder freia o poder”, o que ele chama de
“sistema de freios e contrapesos”. Nenhum dos três poderes tem
autonomia absoluta sobre a sociedade, nem sobre os outros tipos
de poderes, mas sim um, com o outro, deveria reger o Estado de
maneira a exercer uma igualdade social e governamental.
Um dos objetivos de Montesquieu era evitar que governos
absolutistas voltassem ao poder. Para isso, em sua obra, escreve
sobre a necessidade de se estabelecerem a autonomia e os limi-
tes de cada poder.
350 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Na sua visão, cada Poder teria uma função específica como


prioridade, ainda que pudesse exercer também funções dos
outros Poderes dentro de sua própria administração. O sistema
de “freios e contrapesos” consiste no controle do poder pelo
próprio poder, e cada Poder teria autonomia para exercer sua
função, porém seria controlado pelos outros poderes. Isso servi-
ria para evitar que houvesse exagero no exercício de poder por
qualquer um dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
A título de exemplo, o Poder Judiciário, ao declarar incons-
titucionalidade de uma lei, exerce um freio ao ato legislativo que
poderia conter uma arbitrariedade, a ponto de o contrapeso ser
o fato de todos os poderes possuírem funções distintas, fazendo
assim com que não haja uma hierarquia entre eles, tornando-os
poderes harmônicos e independentes.
É exatamente esse sistema de checks and balances que
justifica o controle jurisdicional das leis orçamentárias (não
só, mas também) brasileiras, no sentido de que, embora as leis
orçamentárias sejam aprovadas pelo Poder Legislativo, devem
respeitar os cânones constitucionais, devendo ser contrastadas
judicialmente caso isso não ocorra dessa forma.
Ainda que o processo legislativo orçamentário – em sentido
amplo – seja imbuído de um cunho político mais acentuado que
o processo das demais leis em geral e que as leis orçamentárias
comportem um grau de discricionariedade de grau elevado, es-
pecialmente no que concerne à aplicação das receitas do Estado,
é certo que essas escolhas se submetem ao controle constitucio-
nal por órgão jurisdicional, quando estiverem em desacordo com
os propósitos da Constituição. E isto porque nenhum dos três
poderes é absoluto e prevalece sobre os outros em face da ordem
constitucional.
É irrefutável a influência do Poder Judiciário para a garantia
do Estado Democrático de Direito no Brasil, pois, não obstante
tal instituição não possuir um caráter eminentemente político,
é de profunda importância para o funcionamento do sistema.
Responsável por tratar da interpretação das leis e de seu cumpri-
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 351

mento, é também o interlocutor entre a origem (Legislativo) e o


fim (Executivo).
O Poder Judiciário, não somente por meio de ações diretas
de inconstitucionalidade, mas pela formação da jurisprudência,
influencia claramente no processo de produção legislativa. Além
disso, ações de descumprimento de preceito fundamental, man-
dados de segurança e semelhantes relativos a atos e atividades
do Poder Executivo são parte do dia a dia do Poder Judiciário.

10.6 A judicialização da política


Há muito vem se discutindo o papel do Judiciário no palco
político. Por certo, a ideia de “judicialização da política” ou
ainda da “politização da justiça” tem se afirmado entre diver-
sos doutrinadores. A possibilidade de o Judiciário não apenas
influir, mas muitas vezes dirigir certos momentos do processo
político-democrático, merece ser discutida mais a fundo.
No nosso sentir, a atividade judicial, nesse âmbito, não se
revela como uma usurpação de funções, mas como um controle
exercido entre os poderes, pautados na teoria dos “freios e con-
trapesos”, com o fito de assegurar os desígnios constitucionais.
Assim, seria na realidade uma formulação favorecida pelo pro-
cesso democrático e, além disso, uma resposta à impossibilidade
de mobilização social herdada do regime autoritário.704
O fortalecimento do Judiciário com a Constituição de 1988
veio acompanhado, segundo alguns, do enfraquecimento do Le-
gislativo diante do Executivo e da ultrapassagem do Legislativo
pelo Executivo no tocante à produção normativa. Tal fato seria
fruto do descasamento entre a atividade política e o plano social.
Com efeito:
O próprio Legislativo parece estar consciente dessa contingên-
cia, uma vez que é dele, desde a Constituinte, que têm partido

Eduardo Monteiro Lopes Jr., A judicialização da política no Brasil e o


704

TCU, p. 39.
352 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

as iniciativas de reforçar as funções de checks and balances do


Poder Judiciário e de instituir [...] uma modalidade de esfera
pública que medre em torno da representação funcional.705
Cada vez mais percebe-se a viabilidade jurídica do controle
dos atos dos três Poderes, fundada na teoria do sistema de freios
e contrapesos, sempre pautada pelo atendimento dos ditames
constitucionais.
Resta-nos agora analisar se, diante da natureza jurídica das
leis orçamentárias, é possível o seu controle jurisdicional no
atual regime jurídico brasileiro.

10.6.1 A natureza jurídica das leis orçamentárias e o seu


controle jurisdicional
Em capítulo próprio deste trabalho cuidamos especifica-
mente do tema relativo à natureza jurídica das leis orçamentá-
rias. Nesse momento, trata-se de comprovar que o entendimento
pela lei orçamentária como lei material ou formal teve repercus-
são quanto a se admitir o questionamento sobre a sua constitu-
cionalidade. Enxergando essa lei como meramente formal, o seu
contraste pelo Poder Judiciário no que tange à sua constitucio-
nalidade não seria cabível, sucedendo o contrário no caso de ela
enquadrar-se como lei material.
A nosso ver, sob esse aspecto, qual seja o da possibilidade
da impugnação da lei orçamentária quanto à sua constituciona-
lidade, é irrelevante se se cuida de lei em sentido material ou se
é lei em sentido formal somente. Temos para nós que é muito
clara a dicção constitucional que outorga competência ao Supre-
mo Tribunal Federal para guardar a Constituição e julgar ações
diretas de inconstitucionalidade, no art. 102:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipua-
mente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

Luiz Werneck Vianna, A democracia e os Três Poderes no Brasil, p. 15.


705
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 353

I – processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo


federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade
de lei ou ato normativo federal [...].
A eventual inconstitucionalidade de uma lei orçamentária
afetará todo o Estado e toda a sociedade. Partilhamos do enten-
dimento de José Afonso da Silva, quando rechaça a possibilida-
de de considerar a lei orçamentária como mero ato administrati-
vo, ou como simples autorização:
Em verdade, o orçamento somente adquire valor jurídico
depois de sua aprovação pelo Poder Legislativo. Constitui
inegavelmente um sistema de limites de atuação do Poder
Executivo. Ora, se fosse materialmente ato administrativo, cer-
tamente que o Executivo poderia modificá-lo, sem autorização
legislativa, desde que mantivesse o montante dos dispêndios
originariamente fixado. É certo que os funcionários adminis-
trativos devem cumprir as metas previstas na programação
orçamentária, e não o podem fazer livremente, mas nos termos
e limites fixados na lei de orçamento. Não podem deixar de
cumprir as atividades e projetos constantes na lei de orçamento,
sem razão justificativa para tanto, ou com a simples justificativa
de que não eram obrigados a executá-los, porquanto a lei não
lhes dá mais do que uma autorização para isso, ficando sua
efetivação dependendo da vontade exclusivamente.
Por isso mesmo se exige que o Executivo preste contas da
execução das leis orçamentárias ao Legislativo. Se se tratasse
de ato administrativo ou ato-condição, essa exigência seria
descabida.706
Canotilho aponta critérios constitucionais para a caracteri-
zação de lei e seu significado:
Desde a Constituição francesa de 1791 que o conceito de lei
se identifica com um conceito constitucional de lei que, por

José Afonso da Silva, Orçamento-programa no Brasil, p. 272.


706
354 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

sua vez, se reconduz a normas nas quais o povo participa. [...]


Desta forma, não se poderia falar de leis meramente formais,
porque toda a deliberação emanada sob a forma legislativa do
Parlamento constitui uma norma superior de direito. Numa pa-
lavra: os actos legislativos das assembleias representativas têm
força e valor de lei. Daí que hoje a doutrina tenda a considerar
superado o duplo conceito de lei e opte por uma delimitação do
acto legislativo, ancorada em dados sobretudo formais, como
intuíra Haenel que, ao opor-se ao conceito labandiano de lei,
considerava já que todo o acto revestido da forma de lei leva
em si mesmo um conteúdo jurídico.707
O dinamismo do direito e a realidade contemporânea jurí-
dica fizeram com que doutrinadores percebessem a necessidade
de trazer modificações na teoria de clássica de Laband. Na con-
cepção de Cabral Moncada, por exemplo:
Findo o período weimariano, começou a doutrina a pôr em evi-
dência as incapacidades da dogmática clássica para traduzir a
riqueza de manifestações da moderna atividade administrativa,
sobretudo daquela que se traduz na atribuição de prestações
económicas e sociais aos cidadãos em geral através de uma
vasta rede de serviços públicos, desenvolvendo uma função de
curadoria da existência individual e social com tanta impor-
tância para a situação do cidadão como as formas tradicionais
da atividade administrativa. [...] O conceito tradicional de
Rechtsatz não se mostrava apropriado para fazer abarcar pelo
âmbito da norma jurídica de origem parlamentar tão vastas e
complexas atividades cujo conteúdo nada tinha que ver com
aquele que tradicionalmente se imputava à lei. Desde cedo que
a doutrina foi colocada perante a seguinte encruzilhada; ou
alargar o conceito de lei, nela incluindo as noveis direcções e
modalidades da atividade dos poderes públicos ou remetê-las
pura e simplesmente para a esfera do Executivo constituindo-o
a breve trecho no mais poderoso poder estadual. A estrutura
constitucional alemã não comporta a segunda solução. Daí
que a orientação dominante tenha sido no sentido da primeira;

José Joaquim Gomes Canotilho, A Lei do Orçamento, p. 553.


707
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 355

alargar o conceito de lei (parlamentar) de modo a fazê-la abar-


car o essencial das novas modalidades da ação administrativa,
fazendo jus ao modelo político de predominância parlamentar
que a nova constituição alemã consagra.708
O fato é que, atualmente, a clássica teoria dualista de La-
band está fragilizada. Como destaca Canotilho, “as objeções à
fiscalização da constitucionalidade da lei do orçamento radicam
[...] na sobrevivência encapuzada ou não, dos dogmas conceitu-
alistas da teoria do duplo conceito de lei”.709
Nas palavras do eminente constitucionalista:
Um primeiro argumento contra a admissibilidade de fisca-
lização constitucional da lei do orçamento é este: a lei do
orçamento é uma lei simplesmente formal e como o controle
da constitucionalidade é um controle sobre normas, ficaria
arredado, in limine, que leis não normativas pudessem ser
objeto de um controle da constitucionalidade. A restrição da
fiscalização constitucional às leis materiais, pressupõe, como
facilmente se intui, a relíquia doutrinal da teoria da norma
jurídica e da doutrina do duplo conceito de lei.710
E prossegue:
Os textos constitucionais positivos não estabelecem qualquer
graduação dos actos legislativos que assegure uma base mi-
nimamente objectiva para a distinção entre leis normativas,
sujeitas a controlo de inconstitucionalidade, e leis formais,
isentas desse controlo.711
Como se vê, os diversos autores referidos demonstram em
seus argumentos a fragilidade da teoria clássica – a qual vislum-
bra a lei orçamentária como lei meramente formal –, em razão

708
Luís S. Cabral de Moncada, A reserva de lei no actual direito público
alemão, p. 105.
709
José Joaquim Gomes Canotilho, A Lei do Orçamento, p. 577.
710
Idem, ibidem, p. 578.
711
Idem, p. 578.
356 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

de rechaçar uma característica importante do orçamento, qual


seja a existência de preceito jurídico em seu conteúdo.
É do conteúdo jurídico da lei orçamentária a vinculação
aos fins a que se destina; dessarte, as finalidades incorporadas à
Lei de Orçamento se caracterizam por revelarem determinações
dirigidas aos administradores públicos. Nesse sentido, os obje-
tivos estratégicos, fiscais e programáticos incorporados à Lei
Orçamentária se mostram obrigatórios.
Considerando que o ordenamento jurídico brasileiro atual-
mente abarca um inconteste viés de Orçamento por Resultados,
a ordem e a proibição contidas na lei orçamentária não podem
ser aferidas à vista de critérios meramente formais. Por tudo
isso, a teoria clássica acerca da natureza jurídica orçamentária
já não mais faz sentido no ordenamento jurídico brasileiro neste
século XXI e a própria Suprema Corte brasileira mudou o seu
posicionamento sobre o tema em seus recentes julgados, os
quais passamos a analisar.

10.7 As lei orçamentárias e o Supremo Tribunal Federal


A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considerava
até há pouco tempo inadmissível a propositura de ação direta
de inconstitucionalidade contra atos de efeito concreto, sob o
argumento de que esta é o meio pelo qual se procede, por inter-
médio do Poder Judiciário, ao controle da constitucionalidade
das normas jurídicas in abstracto. Não se presta ela, portanto, ao
controle da constitucionalidade de atos administrativos que têm
objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos
sejam editados sob a forma de lei – as leis meramente formais,
porque têm forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas
que disciplinem relações jurídicas em abstrato.712

ADIn 647-9/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.03.1992, p. 252. Veja-


712

-se também: ADIn 2.100; ADIn 2484.


O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 357

O Supremo Tribunal Federal, na década de 1990, posi-


cionou-se pela impossibilidade de conhecer de ação direta de
constitucionalidade quando o ato normativo tiver apenas efeitos
concretos, ainda que editados sob a forma de lei, conforme com-
provam os acórdãos adiante mencionados:
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 9.264/96, que dis-
põe sobre a reorganização da carreira policial civil do Distrito
Federal e fixa a remuneração de seus cargos. Alegada ofensa
ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos, à garantia
da intangibilidade das situações jurídicas consolidadas e ao
postulado da isonomia. Juízo de constitucionalidade depen-
dente da prévia análise de atos estatais infraconstitucionais.
Impossibilidade de realização desse cotejo em sede de con-
trole normativo abstrato. Ação direta não conhecida. Não se
legitima a instauração do processo de fiscalização normativa
abstrata sempre que o juízo de constitucionalidade depender,
para efeito de sua formulação, de prévio confronto entre o ato
estatal questionado e o conteúdo de outras normas jurídicas
infraconstitucionais editadas pelo Poder Público. A ação
direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de
instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa
inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse
meio processual exige que o exame in abstracto do ato estatal
impugnado seja realizado, exclusivamente, à luz do Texto
Constitucional. A inconstitucionalidade deve transparecer,
diretamente, do próprio texto do ato estatal impugnado. A
prolação desse juízo de desvalor não pode nem deve depender,
para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise
do diploma estatal objeto da ação direta, examinado em face
de outras espécies jurídicas revestidas de caráter meramen-
te infraconstitucional. Precedentes (STF, Tribunal Pleno,
ADI 1419/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.04.1996, DJ
07.12.2006, p. 34; Ement. 02259-01, p. 87; RT, v. 96, n. 859,
p. 155-162, 2007).
Vê-se nesse acórdão e em diversos outros (por exemplo, na-
queles proferidos no julgamento das ADIns 283, Rel. Min. Celso
de Mello, DJ 12.03.1999; ADIn 647, Rel. Min. Moreira Alves,
358 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

DJ 27.03.1992) que o Pretório Excelso professa o entendimen-


to, consubstanciado nas suas próprias palavras, de que os atos
estatais de efeitos concretos, porque despojados de qualquer
coeficiente de normatividade ou de generalidade abstrata, não
são passíveis de fiscalização, em tese, quanto à sua legitimidade
constitucional.
Em um julgamento envolvendo uma lei estadual do Amapá,
que autorizava a doação de imóveis, o relator, Ministro Gilmar
Mendes, averbou:
No caso, conforme ressaltado pelo Procurador-Geral da Repú-
blica, trata-se de ato materialmente administrativo, de efeitos
concretos, editado, por imperativo constitucional, sob a forma
de lei estadual. Possui, assim, objeto determinado (doação de
dois imóveis localizados na sede do Município de Porto Grande
– Estado do Amapá, sendo o primeiro situado à Avenida Joa-
quim Frazão de Araújo, n. 513, confluência com a Rua Padre
Davi, e o segundo situado na confluência das Ruas 8 de Agosto
com a 13 de Setembro) e destinatário certo (Instituto Brasi-
leiro do Meio Ambiente – IBAMA – AP). A jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a impropriedade da
utilização do controle abstrato de constitucionalidade para a
averiguação da validade de tais atos, destituídos de um coefi-
ciente mínimo de generalidade, abstração e impessoalidade,
conforme entendimento firmado nos seguintes julgados: ADI
n. 1.716/DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
DJ 27.03.1998; ADI-QO n. 1.640-UF, Pleno, unânime, Rel.
Min. Sydney Sanches, DJ 03.04.1998; ADI-MC n. 2.057/AP,
Pleno, unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 31.03.2000;
ADI n. 1.496/DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Moreira Alves,
DJ 18.05.2001; ADI-MC n. 2.484/DF, Pleno, maioria, Rel.
Min. Carlos Velloso, DJ 14.11.2003; ADI n. 3.487/DF, Rel.
Min. Ellen Gracie, DJ 17.05.2005; ADI n. 3.709/DF, Rel. Min.
Cezar Peluso, DJ 15.05.2006 (grifamos).
Negou-se seguimento a essa ação pelas razões expostas
(ADI n. 3181/AP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25.09.2006, DJ
09.10.2006, p. 28).
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 359

A ADIn 2.980 assentou713 que lei ou norma de caráter ou


efeito concreto já exaurido não pode ser objeto de controle
abstrato de constitucionalidade, em ação direta de inconstitu-
cionalidade. O orçamento é concebido como lei formal, ou lei
de efeitos concretos, e tal caracterização, por si só, é suficiente
para que se impeça o reconhecimento desse tipo de ação pela
Suprema Corte pátria.
Esses são alguns dos diversos julgados da Suprema Corte
que demonstram um posicionamento no qual restava obstado o
controle jurisdicional da constitucionalidade por ação direta, em
razão de a lei orçamentária ter efeitos concretos, ou seja, seria lei
apenas formal, não passível, portanto, de controle concentrado
de constitucionalidade. Por se tratar de lei formal, isto é, lei de
efeitos meramente concretos, faltariam às leis orçamentárias os
requisitos de generalidade e abstração eleitos como condições
fundamentais para a viabilidade do controle de constituciona-
lidade abstrato, especialmente por ação direta de inconstitucio-
nalidade.

10.7.1 Mudança de orientação


Entretanto, recentes decisões do Pretório Excelso apon-
tam para uma alteração desse entendimento. O acórdão que
provocou tal mudança foi prolatado na ADIn 2.925-8/DF,714 de
relatoria originária da Ministra Ellen Gracie, depois cedida ao
Ministro Marco Aurélio. Pelo voto da maioria dos Ministros, a
disposição orçamentária passou a ser objeto de controle de cons-
titucionalidade pela via da ação direta.
O debate começou com a observação do Ministro. Marco
Aurélio de que o texto da lei orçamentária não poderia ficar sem

713
Plenário, j. 05.02.2009, Rel. Min. Cezar Peluso, DJE 07.08.2009. No
mesmo sentido: ADIn 2.333/MC, Plenário, j. 11.11.2004, Rel. Min. Mar-
co Aurélio, DJ 06.05.2005.
714
ADIn 2.925-8/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 04.03.2005, p. 112.
360 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

controle. Os demais ministros alteraram os seus pontos de vista


e corroboraram esse entendimento.
No mencionado acórdão, como se disse, o posicionamento
do STF começou a mudar ao reconhecer o caráter normativo das
leis orçamentárias, como no caso da Lei Orçamentária Anual da
União (Lei n. 10.640/2003), em 2003:
Processo objetivo – Ação direta de inconstitucionalidade – Lei
orçamentária. Mostra-se adequado o controle concentrado de
constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contor-
nos abstratos e autônomos, em abandono ao campo da eficácia
concreta. Lei orçamentária – Contribuição de intervenção
no domínio econômico – Importação e comercialização de
petróleo e derivados, gás natural e derivados e álcool combus-
tível – CIDE – Destinação – Artigo 177, § 4.º, da Constituição
Federal. É inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária
n. 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura
de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do
que arrecadado a partir do disposto no § 4.º do artigo 177 da
Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas a,
b e c do inciso II do citado parágrafo.
Na oportunidade, a Corte conheceu e julgou procedente
a ação direta de inconstitucionalidade para dar interpretação
conforme à CF/1988, no sentido de que os recursos referentes à
abertura de crédito suplementar prevista na LOA da União fos-
sem destinados às finalidades enumeradas no art. 177, § 4.º, II,
da CF/1988,715 quais sejam:

O mérito da questão posta, secundário para os nossos efeitos, embora


715

de fundamental importância no que respeita à destinação do produto da


arrecadação das contribuições, pode ser assim resumido: o art. 4.º da
aludida lei orçamentária federal autorizava o Poder Executivo a abrir os
créditos suplementares para complementar outras dotações, distintas da-
quelas despesas vinculadas pelo Texto Constitucional quando da institui-
ção da CIDE-combustíveis.
Alegou a Autora, Confederação Nacional do Transporte – CNT, que a
aplicação literal do art. 4.º, I, “a”, “b”, “c” e “d” da Lei 10.460/2003
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 361

a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de


álcool combustível, gás natural e seus derivados e deri-
vados de petróleo;

afronta o quanto determina o art. 177, §4.º, II da Constituição Federal,


o qual dispõe sobre as finalidades a serem atingidas com os recursos da
Cide-Combustíveis.
Segundo os argumento da autora, o art. 4.º, I, alíneas “b” e “c”, da LOA
daquele ano, ao determinar que a abertura de créditos suplementares para
reforço de dotação se dê até um teto de 10% dos recursos disponíveis,
impediria a destinação de toda a arrecadação da Cide às finalidades cons-
titucionais.
Ademais, argumenta que o art. 4.º, I, alíneas “b” e “d”, impõe limitação
de 10% à suplementação do valor de cada subtítulo ou elemento de des-
pesa, determinando que esta suplementação seja proveniente de anulação
parcial de dotações, da reserva de contingência ou do excesso de arreca-
dação, o que retiraria do art. 177, § 4.º, II, da Constituição Federal sua
máxima eficácia, uma vez que impediria o cumprimento da destinação de
receita estabelecida nesse dispositivo constitucional. A autora argumen-
ta, ainda, que o teto de suplementação impede que todos os recursos da
Cide contingenciados (e aqui aponta que para o exercício de 2003 mais
de 40% dos recursos da Cide foram atribuídos a “Reserva de Contingên-
cia”) sejam efetivamente destinados às suas finalidades constitucionais,
o que leva à inconstitucionalidade da norma.
Alega que as alíneas “a”, “b”, “c” e “d” do mesmo dispositivo, ao possi-
bilitarem que créditos suplementares possam ser abertos com a anulação
de dotações, com o remanejamento de reserva de contingência ou com o
aproveitamento de excesso de arrecadação, poderiam desvirtuar recursos
da Cide-Combustíveis das suas finalidades constitucionais, para suprir
despesas estranhas às destinações deste tributo.
Nesse sentido, a autora requer que o art. 4.º, I, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”,
seja declarado inconstitucional, sem redução de texto, no que refere aos
recursos da Cide-Combustíveis, de modo a: (i) em relação ao art. 4.º, I,
“b” e “c”, da Lei 10.460/2003, impedir que subsista qualquer limitação a
abertura de créditos suplementares quando se tratar de recursos e finali-
dades da Cide-Combustíveis; (ii) e, em relação às alíneas “a”, “b”, “c” e
“d” do mesmo dispositivo, impedir que sejam anuladas dotações, rema-
nejados recursos da reserva de contingência ou aproveitados recursos do
excesso de arrecadação em finalidades outras que não as constitucional-
mente referidas pelo art. 177, § 4.º, II.
362 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados


com a indústria do petróleo e do gás;
c) ao financiamento de programas de infraestrutura de
transportes.
Ao julgar a ação, a Ministra Ellen Gracie não a conheceu,
sob o entendimento de que a norma impugnada teria efeitos
concretos, diante do que não seria possível arguir sua constitu-
cionalidade pela via concentrada.
A Ministra confere a todas as normas orçamentárias as
mesmas características, ou seja, “ausência de abstração, ge-
neralidade e impessoalidade”, atos formalmente legais, de
efeitos concretos, portadores de normas individuais de autori-
zação. Faz alusão aos acórdãos prolatados nas ADI 1.640/1998,
ADI 2.057/2000, ADI 2.100/2001, ADI 2.484/2003 e ADI
1.716/1998, para confirmar a tese contrária à intenção da parte,
de que a norma arguida não teria abstração e generalidade neces-
sárias ao controle concentrado.
Assim, entende a relatora que, mesmo assumindo o argu-
mento de tratar-se de norma programática, ou de estrutura, ela
necessariamente incidirá sobre as situações abrangidas pela lei,
tendo, portanto, destinação específica, o que inviabilizaria o
controle concentrado.
Ademais, entende que não caberia ao STF conferir inter-
pretação conforme, atendendo à pretensão da parte, pois assim
“modificaria o sentido e o alcance da autorização concedida pelo
Legislativo por meio da presente lei formal”, ou violaria o “prin-
cípio basilar da separação de Poderes”, entendendo que o STF
estaria atuando como “legislador positivo”, em vez de manter-se
no seu papel de “legislador negativo”.
Esse voto foi vencido, o que a levou a examinar mais uma
vez o caso, dessa vez devendo adentrar no mérito da pretensão
da autora.
Depois disso, todos os demais Ministros presentes co-
nhecem da ação direta de inconstitucionalidade, e o fazem por
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 363

entender que ela discute dispositivo de caráter geral e abstrato,


sujeito ao controle concentrado de constitucionalidade. Para o
Ministro Marco Aurélio, a generalização que afasta por com-
pleto a possibilidade de controle concentrado de toda e qual-
quer norma orçamentária, se aceita, coloca-a acima da própria
Constituição. Ou seja, a premissa de que a lei orçamentária teria
ficado no âmbito da opção política e, portanto, não estaria sujeita
ao controle concentrado deve ser examinada caso a caso.
Para o Ministro Gilmar Mendes, a norma atacada não
guardaria qualquer relação com as normas típicas de caráter
orçamentário, estando dotada de generalidade e abstração gra-
vada pela temporalidade. O Ministro Sepúlveda Pertence, por
sua vez, fala ainda que é necessário fazer “algum distinguo”,
senão estar-se-ia dando “carta de indenidade a toda a legislação
orçamentária”.
Aponta este Ministro que os precedentes quanto ao trata-
mento dado pela Corte à arguição concentrada de constitucio-
nalidade da lei orçamentária o teriam “inquietado” nos últimos
tempos, até causado remorso quanto ao tratamento conferido
à ação direta de inconstitucionalidade na qual se discutiu a au-
torização para destinar parte da arrecadação da CPMF a cobrir
débitos do Ministério da Saúde, que não foi conhecida segundo
os precedentes.
O Ministro Carlos Ayres Britto expressa o seu pensamento
no sentido de que seria a lei orçamentária, logo abaixo da Cons-
tituição, a norma mais importante, que não poderia ser blinda-
da do controle abstrato de constitucionalidade. O dispositivo
discutido, aponta o Ministro, não determina receita e despesa,
mas uma renovação duradoura entre a hipótese de incidência da
norma e a sua consequência.
Para o Ministro Cezar Peluso, por seu turno, a norma seria
típica norma de competência, guardando todas as características
de generalidade e abstração que a sujeitam ao controle concen-
trado.
364 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

O Ministro Maurício Corrêa também acompanha o entendi-


mento da maioria, considerando a carga de abstração da norma
que afastaria a jurisprudência vigente da Corte. Segundo ele,
“estamos vivendo novos tempos”.
A Corte, portanto, conhece da ação, vencida a Ministra
Ellen Gracie em relação ao posicionamento dos Ministros Mau-
rício Côrrea, Sepúlveda Pertence, Gilmar Mendes, Carlos Ayres
Britto, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Carlos
Velloso e Celso de Mello. Ausente o Ministro Nelson Jobim.
O câmbio de orientação no entendimento do STF se confir-
mou em outros acórdãos, dos quais ressaltamos os proferidos:
ADIn 4048, MC, Tribunal Pleno, j. 14.05.2008, Rel. Min. Gil-
mar Mendes, DJe 21.08.2008; ADIn 4049, MC, Tribunal Pleno,
j. 05.11.2008, Rel. Min. Carlos Britto, DJe 07.05.2009; e ADIn
3949, MC, Tribunal Pleno, j. 14.08.2008, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe 07.08.2009.
Neste último julgado em referência, o Ministro Gilmar
Mendes asseverou:
[...] houve por bem o constituinte não distinguir entre lei dota-
das de generalidade e aqueloutras, conformadas sem o atributo
da generalidade e abstração. Essas leis formais decorrem ou da
vontade do legislador ou do desiderato do próprio constituinte,
que exige que determinados atos, ainda que de efeito concreto,
sejam editados sob a forma de lei (v.g., lei de orçamento, lei
que instituiu empresa pública, sociedade de economia mista,
autarquia e fundação pública).716
Nessa toada ficou assentada a possibilidade de aferição da
constitucionalidade das leis orçamentárias:
O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precí-
pua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos
normativos quando houver um tema ou uma controvérsia

Medida Cautelar em ADIn 3.949-1-MC/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes,


716

DJe 148, 07.08.2009, p. 259-260.


O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 365

constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter


geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possi-
bilidade de submissão das normas de diretrizes orçamentárias
ao controle abstrato de constitucionalidade.717
Nota-se, assim, que a sobrevivência dos dogmas conceitu-
alistas da teoria do duplo conceito de lei, como destacado por
Canotilho, parece cada vez mais perder força. A possibilidade de
fiscalização da constitucionalidade das leis orçamentárias e o re-
conhecimento do seu caráter normativo de disposições contidas
em seu corpo corroboram com esse fato.
Como se vê, a jurisprudência anterior parece ter sido breve-
mente revista, e seu alcance, limitado. A tese consolidada da lei
orçamentária como “lei formal” parece, de fato, ter sido flexibi-
lizada, diante do que restou, nesse caso, como a ratio decidendi
na análise do conhecimento da ação: a lei orçamentária também
pode ser abstrata e geral, portanto, nesses casos, objeto de con-
trole concentrado de constitucionalidade.
Esse é o novo entendimento do STF sempre que há dúvida
concernente à interpretação da lei orçamentária atacada em face
de dispositivo peremptório da Carta, sem que implique interfe-
rência do Judiciário na escolha das políticas públicas.

10.7.2 Confirmação do atual posicionamento


Recentemente, no julgamento da medida cautelar na ADIn
4048, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o STF voltou a
admitir o controle de constitucionalidade das leis orçamentárias.
A questão discutida é a da abertura de crédito extraordinário por
medida provisória. O teor da sua Ementa é suficientemente claro
e amplo. O que interessa aqui salientar é o aspecto concernente à
admissibilidade de apreciação à lei orçamentária, mas não pode-
mos deixar de fazer referência à questão de mérito da ação que

Medida Cautelar em ADIn 3.949-1-MC/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes,


717

DJe 148, 07.08.2009, p. 259-260.


366 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

tem a ver com a edição de medida provisória para a abertura de


crédito extraordinário.
A Constituição da República é de clareza meridiana quando
prevê que
A abertura de crédito extraordinário somente será admitida
para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as de-
correntes de guerra, comoção interna ou calamidade pública,
observado o disposto no art. 62 [uso de Medida Provisória]
(art. 167, § 3.º).
O que tem acontecido com frequência, como foi a hipótese
de que trata o acórdão analisado, é a utilização de medida pro-
visória para a abertura de crédito extraordinário sem obediência
aos requisitos constitucionais retromencionados. Felizmente a
Corte Suprema disse o que tinha de dizer, ou seja, que isso não é
possível. Vamos, porém, à Ementa:
Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade.
Medida Provisória n. 405, de 18.12.2007. Abertura de crédito
extraordinário. Limites constitucionais à atividade legislativa
excepcional do Poder Executivo na edição de medidas pro-
visórias.
I. Medida provisória e sua conversão em lei. Conversão da
medida provisória na Lei n. 11.658/2008, sem alteração subs-
tancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obs-
táculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei
de conversão não convalida os vícios existentes na medida
provisória. Precedentes.
II. Controle abstrato de constitucionalidade de normas orça-
mentárias. Revisão de jurisprudência. O Supremo Tribunal
Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando
houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscita-
da em abstrato, independente do caráter geral ou específico,
concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão
das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitu-
cionalidade.
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 367

III. Limites constitucionais à atividade legislativa excepcional


do Poder Executivo na edição de medidas provisórias para
abertura de crédito extraordinário. Interpretação do art. 167,
§ 3.º c/c o art. 62, § 1.º, inciso I, alínea “d”, da Constituição.
Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Cons-
tituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja
feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes.
Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de re-
levância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla
margem de discricionariedade por parte do Presidente da
República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art.
167, § 3.º) recebem densificação normativa da Constituição.
Os conteúdos semânticos das expressões “guerra”, “comoção
interna” e “calamidade pública” constituem vetores para a
interpretação/aplicação do art. 167, § 3.º, c/c o art. 62, § 1.º,
inciso I, alínea “d”, da Constituição. “Guerra”, “comoção
interna” e “calamidade pública” são conceitos que represen-
tam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e
de consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz
social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a
adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura aten-
ta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos
da MP n. 405/2007 demonstram que os créditos abertos são
destinados a prover despesas correntes, que não estão quali-
ficadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da
MP n. 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos
parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas
provisórias para a abertura de créditos extraordinários.
IV. Medida cautelar deferida. Suspensão da vigência da Lei n.
11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril
de 2008 (grifou-se).
Como dissemos, as razões a justificar a decisão no mérito
são extremamente importantes, consoante revela a leitura do
item III acima. Não obstante, nesse momento trouxemos esse
acórdão a título ilustrativo para reforçar o aspecto da relevância
da admissibilidade de ação de inconstitucionalidade de uma lei
orçamentária, superando entendimento anterior que não o fazia.
368 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Nesse caso, após direcionar solidamente o entendimento da


Corte pela possibilidade de controle abstrato de constitucionali-
dade das leis orçamentárias, revisando a jurisprudência anterior,
o julgamento da medida cautelar terminou por suspender a Lei
n. 11.658/2008 (conversão da MP n. 405/2007).
A fundamentação da medida cautelar contempla a análise
de vícios inconstitucionais relacionados à edição da medida
provisória, de modo que, a despeito de ela ter sido convertida
na lei que foi suspensa, o STF entende que a sua transformação
posterior não convalida os vícios existentes no momento em que
foi editada aquela espécie normativa.
No caso examinado pela Colenda Suprema Corte, foi edita-
da medida provisória para autorizar o Executivo a abrir crédito
extraordinário destinando R$ 5.455.677.660,00 (cinco bilhões,
quatrocentos e cinquenta e cinco milhões, seiscentos e setenta
e sete mil, seiscentos e sessenta reais) a diversificados setores e
atividades estatais, sem observar a necessidade de imprevisibili-
dade e urgência para adotar a medida, como nos casos de guerra,
comoção interna ou calamidade pública, tal qual previsto no art.
167, § 3.º, da Constituição da República. Esse dispositivo me-
rece ser transcrito: “art. 167. [...] § 3.º A abertura de crédito ex-
traordinário somente será admitida para atender a despesas im-
previsíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção
interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62”.
Como se vê, a própria Carta dá parâmetros para que o intér-
prete delimite o alcance da norma. É dizer: somente nos casos
de eventos extremamente graves (guerra, calamidade pública),
capazes de afetar a ordem social e a paz, que será possível a
abertura de crédito extraordinário e, para tal fim, poder-se-á
utilizar o veículo da medida provisória, o que foi flagrante-
mente desrespeitado pelo Chefe do Executivo. Nessa hipótese,
o constituinte foi de clareza solar ao exigir a presença de uma
situação realmente extraordinária para permitir a abertura de
crédito que leva esse mesmo nome. Esta “extraordinariedade”
já está suficientemente caracterizada pelo texto da Constituição
(“para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as de-
O orçamento e o STF – o Controle Jurisdicional das Leis Orçamentárias 369

correntes de guerra, comoção interna ou calamidade pública”).


Da mesma sorte, nesse mesmo cenário, a Constituição já disse o
que entende por “relevância e urgência” (art. 62, caput) quando
se trata da abertura de crédito extraordinário.

10.8 Conclusão
Seja como for, é inegável uma clara alteração no posicio-
namento da Corte Excelsa sobre o tema. Cada vez mais, o STF
vem emprestando à Carta caráter determinante em relação à
realidade do gerenciamento do orçamento público no Brasil, a
fim de conformar esses atos até então incontroláveis, ao quanto
dispõe o Texto Magno.
Portanto, diante da nova concepção [pelo STF] das leis
orçamentárias, o seu controle jurisdicional é algo juridicamente
possível e recomendável, pois, em que pese haver alguns óbices
relativos à discricionariedade do administrador e à potencial
violação ao princípio da separação dos poderes, o fato é que, ao
julgar um caso concreto, deve o Supremo relativizar preceitos e
sopesar princípios para interpretar a melhor forma de aplicar a
Constituição Federal às leis do orçamento.
Por último, quer-se frisar que, em rigor, a questão de fundo
é a mesma que ocorre em inúmeros outros setores que não do
Direito Financeiro. Com receio de “invadir” a competência de
outro Poder, o Judiciário relutou por muito tempo em permitir
examinar o denominado “mérito” do ato administrativo; ocorre
que muitas vezes a inconstitucionalidade está exatamente no
mérito daquele ato. Foi somente com o passar do tempo que os
juízes – alguns, pelo menos – admitiram, em certas circunstân-
cias ao menos, aferir se o ato não viola a Constituição.
O mesmo se passa com a lei orçamentária. Pelo fato de que
por meio dela se repartem os recursos arrecadados entre as dota-
ções escolhidas pela manifestação conjunta – pelo menos em tese
– dos Poderes Executivo e Legislativo, o Judiciário teme apreciar
essa lei imaginando-se acusado de invadir a esfera de outro Poder.
Sucede, então, o mesmo que ocorreu com o ato administrativo: se
uma eventual inconstitucionalidade está no bojo da lei orçamentá-
370 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

ria, como é que se poderá declarar inconstitucional esse ponto da


lei se não for possível sequer admiti-la à análise?
Em dois dos acórdãos acima referidos, como se faria valer
a determinação constitucional de que todo o produto da arreca-
dação da denominada Cide-Combustíveis vá para as finalidades
previstas no art. 177, § 4.º, II, da Constituição Federal, atrás
transcritas, se a lei orçamentária não pudesse ser contrastada
quanto à sua constitucionalidade pela via de ação direta? Se esse
tributo somente pode ter a sua arrecadação dirigida às finalida-
des que autorizaram a sua instituição, é óbvio que está proibida a
sua destinação à outra coisa que não sejam as hipóteses previstas
no dispositivo acima aludido, por exemplo, a abertura de crédito
suplementar em rubrica estranha àquela destinação.718
Da mesma forma, como se faria cumprir a determinação
constitucional de que a abertura de crédito extraordinário so-
mente pode acontecer “para atender a despesas imprevisíveis e
urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou
calamidade pública [...]” (art. 167, § 3.º), se não se permitir apre-
ciar a questão em sede de ação direta de inconstitucionalidade?
Não se trata de “interferir” em outro Poder, nem de “inva-
dir” a competência constitucional desse outro Poder; trata-se
pura e simplesmente de fazer cumprir a Constituição, que não
deveria ser descumprida por esse “outro” Poder.

Não aprofundaremos o estudo da destinação da arrecadação dessa con-


718

tribuição de intervenção no domínio econômico para não nos desviarmos


do tema central deste trabalho. Adiantamos somente que, a nosso ver, é
também inconstitucional a alínea c do § 4.º do art. 177 da Constituição
Federal, acrescentado por Emenda Constitucional (EC 33/2001), quando
destina recursos da Cide-Combustíveis “ao financiamento de programas
de infraestrutura de transportes”, por exemplo, já que isso nada tem a ver
com a finalidade para a qual foi instituída (intervir no setor de combustí-
veis, e não reparar estradas). Tratamos do assunto em nosso Contribui-
ções de Intervenção no Domínio Econômico, São Paulo: Dialética, 2009,
para o qual remetemos o leitor eventualmente interessado.
371

Capítulo 11
Inovações e tendências

Sumário: 11.1 Orçamento participativo.

No nosso trabalho de pesquisa ficou evidenciado que em


vários momentos da história do orçamento foram sendo pro-
postas inovações, certamente, como é óbvio, com o intuito de
aperfeiçoar esta peça tão importante.
Pudemos notar, outrossim, que nem sempre as inovações
oferecidas eram tão “inovadoras”. O que se faz, na maior par-
te do tempo é aplicar o método de acertos e erros, efetuando
mudanças, no mais das vezes pontuais, naquilo que já existe. É
raro deparar com mudanças profundas, com exceção de alguns
períodos específicos e esporádicos que, por isso mesmo, fizeram
história.
Trazemos aqui, a título exemplificativo, o pensamento de
Alen Schick, que aponta algumas inovações recentes, especial-
mente – mas não só – nos Estados Unidos, a saber: objetivos
fiscais envolvidos em quadros de despesas a médio prazo;
objetivos impostos por tratados internacionais ou por organiza-
ções internacionais;719 contabilidade e orçamento com base no
regime de competência (accrual basis); parâmetros para serem
usados em projeções para estimativa de impactos orçamentários
decorrentes de ações tomadas [pelo governo]; parâmetros de
responsabilidade fiscal que exigem transparência na política

De uma certa forma, foi o que ocorreu no Brasil com a edição a deno-
719

minada Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/200),


que teria sido precipitada por “sugestão” (ou imposição?) do F.M.I.
372 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

fiscal e nas orientações do governo e um orçamento em duas


partes, que separa as decisões de conjunto daquelas com relação
a itens particulares ou programas.720
Comentemos alguns desses itens.
Os “quadros de despesas a médio prazo” (MTEF – Me-
dium-term Expenditure Framework) constituem-se num ajuste
segundo o qual as decisões com relação ao orçamento anual são
tomadas em termos de limites globais (aggregate) ou setoriais
de gastos para cada um dos próximos três a cinco anos.721 A ideia
de orçamentos pensados para mais de um ano, aliás, é encontra-
da amiudadamente em vários autores, como proposta dentro da
concepção maior, que é o planejamento.
Pode-se dizer que, no Brasil, esta ideia se manifestou me-
diante a obrigatoriedade da existência do plano plurianual. A
Constituição de 1988 previu expressamente a “lei do plano plu-
rianual” (art. 165, I e §1.º)722, que traz no seu bojo a necessidade
do planejamento, como se viu em outro ponto deste trabalho.
Não obstante o sucesso alcançado pela implantação deste
caminho na Austrália, por exemplo,723 dos muitos países que ale-
gam estar aplicando a MTEF, poucos são os que a usam da forma

720
Allen Schick, Does budgeting have a future?, p. 11.
721
Idem, ibidem. O autor refere que a Austrália liderou este caminho nos
anos 1980 mediante a expansão de estimativas futuras na direção de ob-
jetivos plurianuais, que rapidamente ganharam força e passaram a servir
de base para a solicitação de recursos dos Departamentos de despesa e
para a elaboração do orçamento anual. “No modelo australiano, o MTEF
não foi transplantado (grafted onto) ao processo orçamentário pré-exis-
tente; ele se tornou o próprio processo orçamentário [...]”.
722
O §1.º reza: “A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma
regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública
federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as
relativas aos programas de duração continuada”.
723
V. notas de rodapé anteriores.
Inovações e tendências 373

pretendida pelos seus criadores como bem observa Schick.724


“Em muitos países trata-se de pouco mais que uma projeção plu-
rianual; em outros é um exercício tecnocrático que não envolve
decisões estratégicas pelos líderes políticos”.725 (Tememos que é
o mesmo que se passa em nosso país).
Quanto à “internacionalização das metas fiscais”, Schick
lembra as imposições trazidas na Europa pelo Tratado de Ma-
astricht, cujos “critérios de convergência”, embora tenham sido
fixados já em 1992, não se tornaram totalmente efetivos senão
após a introdução do euro. Segundo este autor, contudo, a eficá-
cia de regras impostas externamente não pode ser aferida até que
os países envolvidos tenham atingido o ciclo fiscal completo.
Outra amostra são as imposições feitas pelo Fundo Mone-
tário Internacional aos países em dificuldades financeiras, para
os quais exige metas fiscais específicas e somente libera cada
parcela dos recursos acordados se ficar satisfeito com o desem-
penho apresentados por esses países.726 (Em nosso país sabemos
por experiência própria o que isso significa).
Deve ser reforçada, outrossim, a ideia de que metas fis-
cais de nada valem se não possuírem mecanismos de torná-las
eficazes. Para Schick, um instrumento essencial para atingir
tal objetivo é que os fluxos de caixa e demais condições sejam
acuradamente registrados e, para a satisfação dessa exigência,
um governo precisa converter o “regime de caixa” ao “regime
de competência”. O ideal seria também colocar o orçamento
sob este último regime.727 Esta recomendação acerca da adoção

724
Allen Schick, Does budgeting have a future?, p. 12.
725
Idem, ibidem, grifou-se.
726
Idem, p. 12-13.
727
Idem, p. 13. Para Schick, tanto a contabilidade quanto o orçamento sob
o regime de caixa produzem um relatório deturpado sobre o que seriam
as verdadeiras ações do governo em matéria financeira. Exemplifica com
o fato de que pagamentos ou recebimentos podem ser deslocados para o
374 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

do regime de competência é também recorrente na literatura


econômica.
O autor em comento considera que os políticos, quando dei-
xados com a rédea solta, são capazes de realizar os mais diversos
malabarismos em termos de orçamento728 e tudo o que puder ser
feito para coibir essa atitude é bem-vindo. Nas suas palavras:
“The opportunities are as boundless as are the imaginations of
budget evaders”.729 Somos forçados a concordar inteiramente
com essa observação, que parece ser realidade em todos os
países, em maior ou menor grau.
A fim de inibir essa “criatividade” dos administradores pú-
blicos e políticos, propõe-se a submissão ao “regime de compe-
tência”, porquanto exige que as receitas sejam registradas quan-
do são geradas (e não quando recebidas) e as despesas quando
são contraídas (em vez de quando o pagamento é efetuado).
Em Portugal, tendo havido, pode-se dizer, descentralização
orçamentária,730 multiplicaram-se os centros de decisão finan-
ceira. Para Catarino, esta dispersão do poder de decisão finan-
ceira, aliada à complexidade crescente da gestão financeira dos
recursos públicos, acabou por “retirar centralidade à instituição

exercício antecedente ou futuro; custos futuros, assim como o pagamento


de pensões podem ser removidos do orçamento etc.
728
O autor ilustra com os seguintes exemplos: “eles concedem garantias e
assumem outros passivos contingentes que não aparecem nos relatórios
financeiros ou no orçamento; eles ‘varrem’ caixa ocioso de empresas es-
tatais para as suas próprias contas; eles encurtam o ano fiscal para 11
meses ou o expandem para 13 [...]” (p. 13).
729
Allen Schick, Does budgeting have a future?, p. 13. Em tradução livre:
“as oportunidades são tão ilimitadas quanto a imaginação dos ‘burlado-
res’ do orçamento”.
730
Como observa Catarino, a atividade financeira do Estado está hoje “es-
partilhada em vários orçamentos”, que são: a) o orçamento estatal, pro-
priamente dito; b) o orçamento das regiões autônomas e c) os orçamentos
das Autarquias Locais. (Finanças Públicas e Direito Financeiro, cit., p.
232).
Inovações e tendências 375

orçamental, com consequências nefastas sobre o arquétipo ga-


rantístico desenhado pelos pais fundadores”.731
Uma dessas “consequências nefastas” seria a de que algu-
mas receitas tributárias deixaram de necessitar o consentimento
expresso das assembleias representativas da vontade dos po-
vos.732 Devemos reconhecer que, em nosso país as coisas não
se passam desse modo, até porque constituímos uma federação,
ainda que, evidentemente, o orçamento da União tenha reflexo
nos orçamentos dos outros entes federados, já que é ela que ela-
bora a política econômica do país.
Seja como for, quer-se enfatizar que, para o autor em tela,
a realidade financeira hoje se finca em movimentos de direções
opostas: estar-se-ia reforçando o peso do orçamento do Estado
no tocante ao equilíbrio das contas públicas, à eficiência dos
gastos públicos e à busca por uma mais intensa disciplina orça-
mentária.733
Já o interesse teórico da matéria vem-se renovando, com ên-
fase mais na contenção das despesas públicas que das políticas
financeiras, ganhando relevo a questão da execução orçamen-
tária e do controle da despesa.734 Esta é uma realidade europeia
que, infelizmente, nos dias atuais, não guarda correspondência
com o que ocorre no Brasil. No presente momento, ao menos,
não se percebe uma grande preocupação com a despesa, embora
se procure adequá-la às receitas existentes.
Nos Estados Unidos, nos anos recentes, o poder para a pro-
posição do orçamento praticamente saiu das mãos dos órgãos
oficiais (agencies) criados para tanto e dos membros de Comitês
do Congresso, indo parar nas mãos do Presidente da República
e seus altos assessores, o que por outro lado foi contrabalançado

731
João Ricardo Catarino, Finanças Públicas e Direito Financeiro, p.233.
732
Idem, ibidem.
733
Idem.
734
Idem, p. 234.
376 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

pelo fato de, com isso, ter sido aberto um canal de negociações
[com o Congresso], mais que algo como uma proposta defi-
nitiva.735 Leloup adverte que, com sérias restrições devidas ao
déficit, o orçamento [ou a “orçamentação”, como preferimos]
tornou-se o foco central no processo de governar.736
Mostrando a face marcadamente política do orçamento,
constata-se que, naquele país, o orçamento deixou de ser fecha-
do e orientado desde dentro, passando a ser, ao revés, mais públi-
co e plebiscitário, “com partidos políticos lutando por vantagens
e suporte nas pesquisas públicas de opinião.737
Conforme professa Leloup, “as mudanças na composição
do orçamento, a sua sensibilidade à economia, e a longa expe-
riência com déficits mudaram o orçamento para sempre”.738
Não se pode perder de vista que, enquanto em outros países
as escolhas orçamentárias podem ser feitas, geralmente, com
grande liberdade, no Brasil a nossa Lei Maior já dá as linhas
mestras para que delas se extraia o destino do dinheiro público.
Tome-se como exemplo o percentual obrigatório para a manu-
tenção e desenvolvimento do ensino739 e todos os direitos funda-
mentais e sociais que ela quer ver atendidos.
Ao final do seu texto, Leloup enumera alguns pontos que,
no seu entendimento, devem ser objeto de atenção na época
atual e para o futuro, não sem antes afirmar que “ninguém pode

735
Conforme Lance T. Leloup, Budget Theory for a New Century, p.1.
736
Idem, ibidem, p.1, em tradução livre. No original: “With severe cons-
traints because of deficits, budgeting became the central government pro-
cess”.
737
Lance T. Leloup, Budget Theory for a New Century, p.1.
738
idem, ibidem, p. 15.
739
Dispõe o art. 212 da CR: “Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca
menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e
cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreen-
dida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento
do ensino”.
Inovações e tendências 377

prever todas as mudanças que irão moldar o orçamento nos Es-


tados Unidos e em todo o mundo no século XXI”,740 o que é uma
constatação lúcida e verdadeira, a qual endossamos plenamente.
São os seguintes:
a) formação de um novo ambiente, no qual os orçamentos
sejam equilibrados ou superavitários;
b) deve haver uma preocupação contínua com os benefícios
(entitlements) e com as despesas obrigatórias;
c) as reformas orçamentárias devem dar atenção mais à ma-
nutenção e superávits que à redução de déficits;
d) necessidade de maior equilíbrio entre micro e macro
orçamento;
e) maior publicidade do orçamento, e
f) relação equilibrada entre o Congresso e o Presidente, sal-
vo em tempo de crises nacionais.741
Tyer e Willand, por sua vez, observam, muito apropriada-
mente, que a maioria dos acadêmicos e profissionais atuantes
concordam em que a maior parte das reformas é supervalorizada
e, “consequentemente, porque as expectativas são irreais, as ava-
liações concluem que elas fracassaram”, conclusões estas que
podem não ser muito exatas.742
Uma interessante situação teve lugar na União Europeia,
quando se constatou que a supervisão orçamentária se mostrou
insuficiente para coibir o déficit e a dívida pública excessivos,
concluindo-se pela necessidade de supervisionar-se, também,
a política econômica dos países membros. Isso serviu para de-
monstrar que, se a supervisão orçamentária de caráter ordinário
pode ser suficiente em tempos normais, as medidas corretoras

740
Lance T. Leloup, Budget Theory for a New Century, p. 19.
741
Idem, ibidem, p. 20.
742
Charlie Tyer e Jennifer Willand, Public Budgeting in America. A Twen-
tieth Century Retrospective, sem indicação de página.
378 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

devem ser aprofundadas num contexto de crise econômica per-


sistente, como é o caso daquele que se instalou a partir de 2008,
principalmente nos países europeus.
Em rigor, o que se aconselha é que, além dessas medidas
corretoras, deve-se buscar, cada vez mais, medidas preventivas,
“que permitam antecipar as reações dos Estados [europeus] para
evitar os graves desequilíbrios das contas públicas”, conforme
observa Antonio López Díaz.743
Com o intuito de procurar debelar a crise europeia, foi
aprovado o Regulamento relativo à prevenção e correção dos
desequilíbrios macroeconômicos, com o qual se pretende
superar a supervisão orçamentária, dando um passo em dire-
ção à supervisão das políticas econômicas com a finalidade
de prevenir os desequilíbrios macroeconômicos que, se não
forem corrigidos, dariam lugar a desequilíbrios e inestabili-
dade orçamentária.744
Registre-se que os países membros da União Europeia vi-
venciam uma situação de cada vez menor “soberania”, porquan-
to certas diretrizes gerais apontadas por Tratados Internacionais
de que fazem parte, são fixadas pelos órgãos e autoridades
centrais dessa espécie de “federação” e devem ser seguidas por
esses países. É claro que resta sempre a opção de eventual desli-
gamento da União, a fim de preservar de forma mais importante
a sua soberania individual; no entanto, a retirada de um país da
“zona do euro” ou, até mesmo, da própria União Europeia, é
questão que parece descartada por aparentemente não convir aos
interesses de qualquer desses países.
De toda sorte, vemos como uma tendência crescente a am-
pliação do vínculo “política econômica – orçamento”. Se, como
já se disse reiteradamente neste estudo, o orçamento deixou de

743
De la estabilidad a la prudencia presupuestaria. El reforzamiento de la
disciplina presupuestaria en las normas comunitarias (six pack), p. 35.
744
Conforme Antonio López Díaz, op. cit., p. 35.
Inovações e tendências 379

ser uma peça meramente estática que expressa as receitas e as


despesas, passando a ser algo dinâmico, com vasta influência
nos rumos da sociedade, não há como negar que a política eco-
nômica e o orçamento são mutuamente influenciáveis: não há
como elaborar planos econômicos sem contemplá-los, oportu-
namente, no orçamento, assim como tampouco pode imaginar-
-se, nos dias atuais, um orçamento que não contenha as linhas
econômicas que se pretende implantar e/ou seguir numa deter-
minada nação.
Em que pese ao fato de o Brasil encontrar-se num posição
bastante distinta de um país membro da União Europeia, a pres-
são externa, explícita ou implícita, dos fatores econômicos faz
com que o Estado brasileiro planeje a sua economia levando
em conta esses dados externos. Ainda que não partilhemos, ao
menos por ora, uma união de Estados nos moldes da União Eu-
ropeia, o fenômeno da globalização nos atinge como a qualquer
outro país do mundo e, sob pena de nos vermos isolados do res-
tante da comunidade mundial, sofremos os influxos dessa mun-
dialização [como preferem os franceses] quando da elaboração
da política econômica.
Em consequência disso, e para o que aqui interessa ressal-
tar, o orçamento do Estado brasileiro deve refletir as diretrizes
econômicas que foram objeto de escolha política, na condução
dos rumos da economia.
De outra parte, percebe-se que há, frequentemente, uma
tendência de acomodação, por parte da Administração Pública;
não somente no que se refere à execução do orçamento, que é o
que mais de perto nos interessa aqui salientar, mas com relação
às mudanças, sempre que elas ocorrem.
Parece ser um fato que a burocracia, termo este ora em-
pregado tanto no sentido técnico, como no pejorativo,745 tem

Atribui-se aqui, à expressão “sentido técnico”, ao significado constante


745

da definição do Dicionário HOUAISS, em seu número 1, ou seja, como


“1 sistema de execução da atividade pública, esp. da administração, por
380 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

dificuldade em se adaptar a alterações no statu quo do funcio-


namento da máquina administrativa. Talvez devido exatamente
à estrutura em feral pesada e complexa, os “novos ares” que de
quando em quando bafejam tenham dificuldade de penetrar os
meandros de mentes e comportamentos arraigados.
Chaffardon e Joye nos dão exemplo disso ao referir à Lei
Orgânica sobre Leis de Finanças francesa-LOLF, de 2001, (cor-
respondente às nossas “normas gerais de Direito Financeiro),
quando, ao indagarem se esta mudará radicalmente o funcio-
namento orçamentário do Estado, respondem que dificilmente,
pois “já se faz sentir a inércia administrativa e o peso dos costu-
mes como razões que podem abalar as ambições de uma gestão
pública eficaz”.746
Este estado de coisas que, como se disse, não é privilégio de
uma ou de outra Administração Pública, senão que se estende a
todas, comprova de que o lado humano – tanto no que se refere
aos cidadãos, quanto aos integrantes da Administração – deve
desempenhar papel essencial na elaboração de qualquer política
fiscal e econômica (dentre outras).

meio de um corpo complexo de funcionários lotados em órgãos, secreta-


rias, departamentos etc., com cargos bem definidos, selecionados e trei-
nados com base em qualificações técnicas e profissionais, os quais se
pautam por um regulamento fixo, determinada rotina e uma hierarquia
com linhas de autoridade e responsabilidade bem demarcadas, gozando
de estabilidade no emprego”. Já no segundo sentido (pejorativo), adota-
-se a definição o número 3 do verbete em questão, do mesmo Léxico: “3
tal sistema ou tal corpo de funcionários enquanto estrutura ineficiente,
inoperante, morosa na solução de questões, falta de iniciativa e de flexi-
bilidade, indiferente às necessidades das pessoas e à opinião pública, ten-
dente a complicar trâmites e a ampliar sua área de influência e seu poder,
com consequente emperramento ou asfixia das funções organizacionais
que são a sua razão mesma de ser”.
746
Guillaume Chaffardon e Jean-François Joye, La LOLF a dix ans : un
rendez-vous (dejà) manqué ?, p. 304.
Inovações e tendências 381

Carlos Alberto Longo aponta as seguintes críticas ao orça-


mento tradicional: é incremental, fragmentado e parcial. Para
ele, entretanto, esse orçamento é mais simples e flexível do que
alternativas tais como o Orçamento de Base Zero e o orçamento
de Planejamento e Programação.747 Segundo este autor, o orça-
mento tradicional pode ser visto como um contrato,
significando um acordo dentro e fora do governo, quanto às
suas prioridades e linha de ação. O orçamento tem metas a
cumprir, mas sendo montado em cima de atividades e funções,
essas metas podem ser modificadas sem com isso afetar a
metodologia de cálculo.748
Vê-se que não há unanimidade no que concerne ao melhor
tipo de orçamento, havendo autores, até, que defendem o orça-
mento clássico, desdenhando, em muitos pontos, dos avanços de
ideias mais recentes.
Em última análise, cremos que a questão que diz respeito
às tendências que o processo orçamentário está seguindo como
um todo são as mesmas que se referem às finanças públicas em
geral.
Grosso modo, todo um conjunto de valores está posto em
xeque e a interpretação de um sistema – seja o financeiro ou ou-
tro qualquer – sofre os influxos dessa mudança, dessa transição
entre os valores antigos e os que ainda não se sabe quais serão.
Como observa Bouvier et al., conceitos e definições que até
recentemente eram automaticamente aceitos e aplicados perde-
ram o seu sentido ou ficaram confusos diante de um contexto
que se alterou consideravelmente e também das interferências
que provocam confrontações entre diversas concepções de fi-
nanças públicas:

747
Carlos Alberto Longo, O Processo Orçamentário: Tendências e Perspec-
tivas, p. 251.
748
Idem, ibidem, p. 252.
382 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

uma que tem um pé no intervencionismo público clássico


enquanto que “outra, ao contrário, não tem em mente senão a
eficácia da gestão e se volta, sem hesitação, à generalização
do modelo marchand, sem contar uma terceira, difícil de de-
finir, que se busca, apalpando, tentando conciliar ao mesmo
tempo solidariedade social, obrigação de resultado e tradição
democrática.749
Efetivamente, parece que os autores citados acima conse-
guiram trazer um diagnóstico bastante arguto e plausível do es-
tado de coisas no atual momento histórico. Não somente no que
se refere ao orçamento e nem mesmo às finanças públicas como
um todo. Os valores em geral estão sendo revistos, quando não
substituídos por outros ou, ainda, segundo alguns, há em muitos
casos inversão de valores.
O fato é que decisões que eram tomadas em razão de va-
lores assentados passaram a ser questionadas e a interpretação
de situações sociais e (também) – no que interessa aqui mais de
perto – jurídicas sofreu a influência desta contingência histórica,
pelo que, pensamos, o momento atual é de transição, uma zona
ainda cinzenta em muitos aspectos.
No que concerne ao orçamento, no sentido ressaltado acima
pelos professores citados, parece-nos que o que se tem de fazer é
encontrar caminhos que procurem combinar e compatibilizar os
vários tipos de orçamentos já testados pela experiência de tantos
anos, aprimorando-os a cada passo, no sentido de aproximar
cada vez mais a lei orçamentária daquilo que ela realmente é, ou
seja, a lei mais importante do Estado e, mais que isso, que a so-
ciedade se dê conta dessa importância e acompanhe atentamente
o orçamento, desde a sua elaboração até o final da sua execução.

Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-


749

ces publiques, p. 35, grifou-se. No original “une autre, au contraire, n’a


en tête que l’efficacité de gestion et se tourne sans hésitation vers la gé-
néralisation du modèle marchand, sans compter une troisième, difficile à
définir, qui se cherche, tâtonne, en s’essayant à concilier à la fois solida-
rité sociale, obligation de résultat et tradition démocratique”.
Inovações e tendências 383

11.1 Orçamento participativo


Uma das formas que enxergamos para que se acelere a
consciência popular sobre a relevância do orçamento é o chama-
do “orçamento participativo”.
O orçamento participativo é uma forma de exercício da
democracia diretamente pelo povo. É uma manifestação do
que proclama o parágrafo único do art. 1.º da Constituição da
República, quando reza que “todo o poder emana do povo, que
o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição”.
Partindo da ideia que a democracia não se exerce somente
por meio do voto, pensa-se na participação popular na elabora-
ção do orçamento que é, afinal, uma lei que vai, ainda que o povo
o desconheça, ter reflexos em toda a vida em sociedade.
A experiência mais conhecida em nosso país foi quando
da implantação do orçamento participativo no governo de Porto
Alegre e, paulatinamente, têm sido feitos esforços em outros
Municípios para a implantação desse tipo de participação po-
pular.
Regis de Oliveira resume em que consiste essa iniciativa:
a) busca a decisão descentralizada;
b) cria conselhos populares, o que enseja a produção de opinião
pública independente;
c) faz com que o cidadão desloque o seu centro de atenção para
os problemas locais;
d) gera a consciência da participação do cidadão;
e) dá nascimento a dois focos de poder democrático: um pelo
voto; outro pelas instituições diretas de participação;
f) objetiva criar condições para aprovação do orçamento e
despertar participação;
g) enseja a instauração de m processo de discussão;
384 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

h) necessita de auto-regulação interna, para disciplina do


processo e para que não nasça ele viciado.750
Ricardo Lobo Torres enquadra o orçamento participativo
como sendo um reflexo da cidadania participativa (ou cidadania
ativa).751 Esta cidadania participativa “alimenta a democracia
deliberativa”.752 No campo financeiro, um dos principais instru-
mentos de participação popular na moderna democracia delibe-
rativa é, justamente, o orçamento participativo.753
Para Adilson Dallari, o Executivo tem (ou deve ter, dirí-
amos) uma visão ampla do conjunto de projetos e programas,
razão por que não seria “suficiente nem conveniente” que o
resultado das consultas populares fosse vinculante para o Execu-
tivo. Este é que, devido a esta visão de conjunto, teria condições
para promover a conciliação de todos os interesses, quando da
formalização da proposta a ser encaminhada ao Legislativo.754
De outro lado, entretanto, pontua este professor: “porém, as
manifestações dos diversos segmentos da sociedade não podem
ser inócuas”. Para ele, a atuação popular exercitada no âmbito
do Executivo precisa ser continuada “no decurso do processo
legislativo da lei orçamentária”.755
A participação nesta fase por último citada, ao que se deduz
do seu texto, se daria por meio do sopesamento dos interesses
daqueles segmentos pelos representantes do povo na respectiva
Casa Legislativa. Efetivamente, esta solução “salomônica”, a
nosso ver, é inafastável, no sentido de que, embora também pen-

750
Curso de direito financeiro, p. 392.
751
Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tri-
butário: o orçamento na Constituição, v. 5, p. 99-101.
752
Idem, ibidem, p. 101.
753
Idem, p. 101.
754
Adilson Dallari, Orçamento impositivo, p. 322.
755
Idem, ibidem.
Inovações e tendências 385

semos não estar o Executivo vinculado à consultas populares, o


resultado destas não pode ser simplesmente ignorado.
Em última análise, trata-se, ao menos de lege lata, de uma
questão política, significando que a sociedade saberá reagir
diante da não aceitação do que ficou decidido nas audiências
públicas, se for o caso.
Conforme se pode perceber, as propostas, postas em prática
ou não, são inúmeras e se referem a diversos pontos do processo
orçamentário, tornando mesmo difícil de esquematizá-las. Fri-
se-se, outrossim, que nem sempre as novas tendências acabam
aprimorando o orçamento. Há, como foi dito anteriormente,
uma certa sobrevalorização das mudanças, normalmente por
parte de quem as propõe, ou, até mesmo da Academia, às vezes
e que não surtem os resultados esperados, frustrando as expecta-
tivas dos seus autores e da própria sociedade.
O importante, a nosso ver, é seguir buscando, ininterrupta-
mente, as melhores soluções para a orçamentação, pois que, do
sucesso do orçamento depende, em ao medida, o atingimento
dos anseios da sociedade.
387

CONCLUSÃO

Do que foi pesquisado para a redação deste trabalho, pode-


mos apontar algumas ideias que serviram para provocar o nosso
espírito e sobre elas meditar. O mesmo esperamos que aconteça
para quem se interessar e percorrer estas linhas.
Em primeiro lugar, ficou-nos mais evidente, ainda, a per-
cepção da importância do orçamento, não somente para o Es-
tado, mas para toda a sociedade. Acabamos de convencer-nos
de que ele é a lei mais importante do Estado. Tanto é assim que,
historicamente, a sua própria gestação se deu no decorrer de um
longo tempo, sempre relacionada ao embate “poder do soberano
vs anseios do povo”.
Desde o momento em que, intuitivamente, o ser humano
se apercebeu que, sozinho, não atingiria os seus desígnios, não
se completaria materialmente – e, talvez, nem mesmo espiritu-
almente –, resolveu juntar- se a outros seres e criar aquilo que
hoje se denomina Estado. Percebeu, daí, também, que a sua
criatura, para poder sobreviver, tinha – como ele – necessidades
que precisavam ser satisfeitas e, para tantos – também a exemplo
do homem – precisava de recursos. Estes, passado o tempo em
que eram obtidos pelo soberano forçadamente, começaram a ser
extraídos do povo, mas agora com o seu consentimento. Era o
sacrifício individual que todos faziam – e continuam fazendo –
em benefício do interesse maior, que seria, em última análise o
de propiciar a que toda gente tivesse condição de se aproximar
mais facilmente daqueles desígnios humanos anteriormente
referidos.
A partir daí, no que interessa salientar, surgiram o consenti-
mento à tributação e, logo em seguida, o consentimento para o
388 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

gasto. Embaralhadas estas ideias foi nascendo o orçamento, tal


como o conhecemos na atualidade, porém mantendo-se sempre
o germe inicial que lhe é ínsito: o consentimento. Afinal, o di-
nheiro que é arrecadado do cidadão vai para o orçamento, que
é o documento que autoriza que aquele recurso seja devolvido
à sociedade; é dizer: o cidadão concede autorização para ser
parcialmente expropriado do seu patrimônio, em vista de um
interesse maior. Depois, ele manifesta o seu consentimento, no-
vamente, agora para dizer onde deseja que seja destinado aquele
seu dinheiro.
Este mecanismo simples, exposto de modo absolutamen-
te singelo também, é o que segue funcionando até o presente,
qualquer que seja o “tipo” de orçamento de que se trate, qual-
quer que sejam as técnicas utilizadas, das mais banais às mais
sofisticadas. No bojo de tudo está o mesmo pressuposto: trata-se
de dinheiro público, que é recolhido do povo e para ele – sob
as mais diversas maneiras – deve retornar, tudo mediante o seu
consentimento.
Se os recursos públicos desembocam no Estado, o seu mon-
tante dependerá do tipo de Estado de que se cuide. Tratando-
-se de Estado “não intervencionista”, serão necessários menos
recursos, o contrário sucedendo quando se cuida de um Estado
mais intervencionista. Extrai-se daí que o orçamento dependerá
da opção política que for a escolhida para um determinado mo-
mento histórico. A consequência é direta: mais recursos para um
Estado intervencionista; menos recursos para um Estado não
intervencionista ou menos intervencionista. Depreende-se dis-
so, imediatamente, que o orçamento, por natureza, submete-se a
decisões políticas.
É no âmbito político, ainda, que se travam os debates sobre
o destino do dinheiro público, tendo-se presente que dois dos
“Poderes” do Estado atuam simultaneamente: o Poder Executivo
e o Poder Legislativo. Em teoria, os dois exprimem a representa-
ção popular nos Estados Democráticos, já que em ambos os seus
titulares foram eleitos. No entanto, a história é farta de exemplos
CONCLUSÃO 389

da luta entre o Parlamento e o Executivo, principalmente na fase


do absolutismo monárquico. Aliás, esta comparação já deveria
deixar evidenciado o paradoxo, a princípio incabível, da conten-
da, frequente, entre Executivo e Legislativo numa sociedade de-
mocrática, especialmente quando se trata de orçamento. Afinal,
ambos foram postos em seus lugares por decisão popular.
A prevalência de um desses poderes sobre o outro nas dis-
cussões orçamentárias varia conforme o momento histórico,
prevalecendo às vezes um, às vezes outro. Como exemplo, te-
mos o Brasil na época do “Estado Novo” (1937-1945), em que
era o Presidente da República que elaborava o orçamento e o
promulgava por meio de decreto, como se viu. Nos dias atuais,
a Constituição exige a participação de ambos os poderes na
aprovação do orçamento, mas sabemos como, de fato, as coisas
terminam, entremeadas de barganhas políticas para o Executivo
obter a aprovação do orçamento.
O fato é que, sem orçamento, o Estado não pode funcionar.
Por outro lado, o orçamento tem de buscar o bem estar da
coletividade, ou tem de ser pensado para obter esse fim.
Seja como for, o tipo de Estado também será determinante
para dizer como será elaborado o orçamento. Não há mais dú-
vida de que o orçamento interfere na economia do país e que,
portanto, será elaborado na conformidade da política econômi-
ca escolhida para esse país. O próprio equilíbrio orçamentário
estará na dependência dessa opção quanto à política econômica,
possibilitando, ou não, a ocorrência de déficit orçamentário.
Levando-se em conta que o processo orçamentário possui
sempre um forte componente político, há que se considerar que
o debate a respeito de qual seria o melhor modelo a ser imple-
mentado passará sempre pela esfera dos que detém momentane-
amente prerrogativas de poder.
A frase já clássica de que os recursos são finitos e as ne-
cessidades infinitas é razão suficiente para que se espere que os
poucos recursos que existem sejam aplicados da melhor forma
390 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

possível. E isso começa pela escolha política feita dentro das


prioridades estabelecidas pela Constituição da República, que
devem, obrigatoriamente, ser consideradas na elaboração do
orçamento.
O planejamento é outro item absolutamente fundamental
(além de obrigatório). A falta dele acarreta perdas significativas
de recursos. Quantas vezes já não se viu obras iniciadas e inter-
rompidas por falta de recursos, por exemplo?
E, justamente, devido à escassez de recursos, mais im-
portante se torna, ainda, “agir com eficiência”, aproveitar ao
máximo os recursos existentes, atingindo o máximo também em
termos de resultados, com o mínimo de gasto.
Tudo, em última análise, remete ao desempenho, aos resul-
tados, seja quando se fala do equilíbrio, seja quando se trata da
estabilidade (que se complementam).
As formas de pensar o orçamento vêm se aprimorando,
procurando sempre maior eficiência na aplicação dos recursos
públicos. Não se deve, a nosso ver, encarar o modo de orçar
como algo fixo, pronto e acabado. As propostas que surgem,
continuadamente, sobre reformas do processo orçamentário,
todas elas contêm, de um modo ou de outro, nelas encravadas, as
ideias de programa, de resultado, de eficiência, de responsabili-
zação. Nesse sentido, algo do orçamento-programa permanece
presente nos vários modelos de orçamento por desempenho, as-
sim como no “novo” orçamento de desempenho estão embutidas
as ideias do orçamento-programa, do orçamento-funcional, do
incrementalismo, dos primeiros orçamentos por (ou de) desem-
penho etc.
Não se pode, jamais, deixar de ter-se presente que o aspecto
político do orçamento explica, por exemplo, por que princípios
como o da racionalidade ficam à margem das tomadas de deci-
sões quando o tema em discussão é o orçamento público. Nem
sempre o político é racional ou, pelo, menos, a racionalidade
que vigora aqui não é uma racionalidade matemática (o que
CONCLUSÃO 391

leva a que a gestão orçamentária nem sempre seja um primor de


eficiência).
De toda sorte, as reformas relacionadas ao orçamento vêm
acompanhadas da mudança da gestão no setor público, por-
quanto não se pode olvidar que serão seres humanos os que irão
propor e executar o orçamento.
Numa simplificação extrema, diríamos que a mudança de
orçamento decorre da mudança do Estado e que um novo mode-
lo de gestão implica um novo modelo de Estado.
Lembre-se, no entanto, da advertência de Canépa:
A ambição de modernização da gestão pública não deve condu-
zir à mudança de todas as regras permanentemente. Os agentes
precisam de quadros estáveis, que lhes permitam assimilar as
grandes mudanças recentes e melhorar o seu desempenho in-
dividual e coletivo ao serviço do Estado e da modernização.756
Parece que, de um modo ou de outro, a tendência mais
evidente em ralação ao orçamento é a adoção de algum tipo de
orçamento de desempenho, “de resultado”, ou “por resultado”.
Vimos que não existe somente um modelo dessa espécie. Trata-
-se de procurar aquele que aparente ser o mais adequado para
aquele país, naquele momento histórico.
O orçamento de desempenho (e seus semelhantes) é apenas
um ingrediente no processo de busca da melhor aplicação para
o dinheiro público. As reformas do orçamento andam juntas
com as reformas do próprio Estado. A mudança de mentalidade,
técnica e política, influi, certamente, na mudança de regras or-
çamentárias.
A razão para esta conclusão decorre da verificação de
que o orçamento de resultados é circunscrito pela “gestão de
resultados”, isto é, está intimamente ligado à própria natureza

Daniel Canépa, La mise en œuvre de la LOLF. Point de vue sur la nouvel-


756

le gestion de l’État, p. 229.


392 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

teleológica da ideia de Estado. O que a aplicação do Orçamen-


to de resultados deixa em evidência é que o Estado existe para
desempenhar um papel perante os cidadãos, para gerir a coisa
pública da maneira mais eficiente, mais eficaz e mais vantajosa
para os administrados.
Cremos que algo desse tipo de orçamento já está contem-
plado na legislação pátria, em dispositivos da Lei 4320/64 e da
Lei Complementar 101/2000. Alguns desse preceitos já cuidam
de pontos que a legislação europeia, principalmente pós crise
de 2008, trata de incorporar. Cuida-se, permanentemente, de
aperfeiçoar o que já existe e, no caso brasileiro, de fazer cumprir,
efetivamente, o que já existe.
Outra constatação que restou evidenciada é que, a despeito
dos acréscimos acontecidos durante a evolução do orçamento
(histórica e técnica), a maior parte dos elementos dos tipos de
orçamentos anteriores permaneceram nos mais recentes, reve-
lando que nem sempre se deve deixar de parte totalmente um
instrumento mais antigo em benefício do novo, somente por
sê-lo.
Fala-se hoje no “orçamento impositivo“. Conforme se viu
no capítulo a ele dedicado, a discussão sobe a sua viabilidade é
acirrada, mas queremos deixar patente que, inteiramente “man-
datório” ou não o orçamento, a partir do momento em que ele foi
aprovado pelo Poder Legislativo, é lei e, como tal, deve ser cum-
prido. O contingenciamento de verbas, já de praxe, constitui, a
nosso ver, um atentado à separação de poderes e à cidadania. Ele
existe, é necessário em certas circunstâncias, como a própria lei
o diz, mas não pode ser utilizado da forma como sói ser, ou seja,
o que se executa é o orçamento “do Executivo”, e não necessa-
riamente o orçamento que foi aprovado pelo Legislativo. Ora,
se houve a participação (a forma adequada ou nem tanto) dos
representantes do povo na aprovação do orçamento, deve preva-
lecer o que o povo decidiu e não o que o Executivo, ao seu sabor,
entende deva ser executado.
CONCLUSÃO 393

É claro que, num regime parlamentarista, a situação seria


distinta, pois, ao se aprovar o orçamento, ocorre praticamente
uma homologação do que os partidos majoritários já acordaram
previamente, ou, em caso contrário, provoca a queda do Gabi-
nete.
Não se está, aqui, a fazer a defesa do engessamento de
modelos. Há situações que dão azo – ou até mesmo impõem
– alguma alteração naquilo que foi aprovado, mas estas já es-
tão autorizadas em lei; o que se defende é simplesmente que o
orçamento aprovado não consista numa simples peça de ficção,
como às vezes parece ser.
O contingenciamento referido, certamente, não age em
prol do bem comum. Os resultados poderiam, em qualquer de-
mocracia sólida, mesmo em países emergentes, representar um
norte para que se conferisse maior flexibilidade para os gestores
públicos. No Brasil, todavia, o modelo orçamentário vigente pri-
vilegia os meios e não os resultados. E, segundo nossa perspec-
tiva, tal sistema será perpetuado enquanto o orçamento público
continuar a ser manejado como repositório político de disputas
de poder.
Não cremos que muito do que foi aqui analisado e even-
tualmente serve de proposta aos administradores públicos que
lidam com o orçamento será efetivamente implantado na nossa
realidade orçamentária, ao menos integralmente.
Todavia, pensamos que, ao menos parcialmente – e paulati-
namente – existe a possibilidade de que, com o amadurecimento
das nossas instituições e das relações entre os Poderes Executivo
e Legislativo, algumas dessas ideias sejam aperfeiçoadas e apli-
cadas, melhorando a gestão da coisa pública.
Os fundamentos da “boa governança”, em última análise,
levados a sério, acabarão por propiciar o melhor gerenciamento
do dinheiro público e, consequentemente, a sua melhor e mais
eficiente aplicação nos interesses da sociedade.
394 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

Há, ainda, um longo caminho a ser percorrido, a fim de que


o orçamento desempenhe por completo o papel (ou os papéis) a
que ele é destinado, e ainda a outros em que ele pode atuar como
coadjuvante. Não sabemos, aliás, se chegaremos ao orçamento
ideal, até porque ele é um permanente work in progress.
A busca pelo aperfeiçoamento do orçamento, como disse-
mos no corpo do trabalho, é constante e permanente, como tam-
bém o é a busca pelo aperfeiçoamento do Estado, das institui-
ções e, consequentemente, da otimização dos recursos públicos,
já que estes serão os responsáveis pela manutenção do Estado (e
pelo seu aprimoramento), seja ele de tipo for.
Quanto mais a sociedade exigir dos governantes que deem
o melhor destino aos recursos públicos, mais os políticos, vo-
luntariamente ou não, se verão na contingência de aprimorar a
gestão pública como um todo e isso, certamente, refletirá, tam-
bém, em tudo o que se refere ao orçamento, desde a escolha das
prioridades até a sua execução.
Pensamos, por outro lado, ser de suma importância a mu-
dança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca
da possibilidade de análise, em controle concentrado, da consti-
tucionalidade da lei orçamentária. Sempre nos pareceu despro-
positada a recusa desse exame, já que se trata de contrastar uma
lei infraconstitucional em face da Lei Maior, para aferir a sua
compatibilidade com esta, como ocorre com qualquer outra lei.
Se a Constituição dá as diretrizes, tanto para a elaboração do or-
çamento quanto para o seu conteúdo, a obediência ou não, pelo
legislador, dessa lei, deve ser apreciada pela Suprema Corte, sob
pena de se retirar a eficácia de preceitos constitucionais, o que,
no caso, traz consequências para toda a sociedade. Aqui não se
trata de “judicializar a política”, mas sim de – como em outras
várias hipóteses – “aplicar a Constituição”.
O controle jurisdicional, nessa circunstância, é algo juridi-
camente possível e recomendável, pois, em que pese a lidar com
situações como a discricionariedade do administrador e com
uma potencial violação ao princípio da separação dos poderes, o
CONCLUSÃO 395

fato é que, ao julgar um caso concreto, deve o Supremo Tribunal


Federal relativizar preceitos e sopesar princípios para interpre-
tar a melhor forma de aplicar a Constituição Federal às leis do
orçamento.
Há uma indagação fundamental que deve ser objeto de re-
flexão por toda a sociedade e pelos estudiosos do orçamento: há
coincidência de propósitos entre o que o Estado deixa transpare-
cer nos seus orçamentos e os anseios da sociedade?
É questão basilar, pois, se a resposta for negativa, significa
concluir que algo está errado. Em bora os anseios da sociedade
devam se acomodar, em termos orçamentários, aos recursos exis-
tentes, é lícito a esta sociedade exigir que estas pretensões sejam
atendidas, na medida do possível. Não pode o Estado (criatura)
desviar-se das prioridades decididas pelo povo (criador).
Nesse sentido ressalta a importância da transparência das
contas públicas, em geral, e do orçamento em particular. Com
todos os recursos tecnológicos hoje existentes e os que ainda
virão, a Administração deve propiciar todos os meios à sua
disposição para levar ao conhecimento da sociedade, de forma
compreensível, na medida do possível, o que é feito e o que se
pretende fazer com o dinheiro público, proporcionando, outros-
sim, o controle do agir estatal a respeito das contas públicas.
O que permeou todo o trabalho, por outro lado, foi o propó-
sito de chamar a atenção para a mudança de foco nas Finanças
Públicas como um todo, que passam de um momento em que a
preocupação maior era com relação à regularidade das opera-
ções com recursos públicos para a era da “eficácia da gestão”,757
sem, evidentemente, que tenha sido deixada de lado a atenção
com a regularidade “formal” das contas públicas.
Pretendeu-se, também, acentuar a necessidade de reunir a
preocupação com a gestão e os aspectos relacionados à equidade

Nesse sentido manifesta-se também M. Bouvier, Les ambiguïtés fatales


757

du droit public financier p. 1.


396 O ORÇAMENTO NO SÉCULO XXI: TENDÊNCIAS E EXPECTATIVAS

e à eficiência, a fim de se deixar o caminho aberto para a cria-


ção de um novo “Estado de Bem Estar”, “um Estado com face
humana”, um Estado do século XXI, enfim, como quer Michel
Bouvier.758
Cremos poder asseverar que, felizmente ou não, estamos
vivendo a “Era da Economia”. Se isso é uma verdade incon-
teste, ao menos que se lembre de colocar ao seu lado o Direito
também. Diz-se isso, pois é bastante comum depararmos com
situações em que o Direito posto parece ceder a sua vez à Eco-
nomia, ou, pior, que esta passe como um rolo compressor por
sobre o Direito, o que principalmente nós, juristas, não podemos
permitir que aconteça.
Ao final de tudo, reconhecemos que as finanças públicas
encontram-se em um estágio confuso, de mudança, de transição,
o que reflete, indubitavelmente, no orçamento.
Em última análise, conforme muito bem adverte Bouvier
(et. al.), para se chegar a um Estado mais adequado às suas finali-
dades, deve-se buscar conciliar solidariedade social, obrigação
de resultado e tradição democrática.759
Por fim, no que concerne às expectativas, como consta do
subtítulo do trabalho, cremos poder afirmar que existe uma ex-
pectativa com relação ao orçamento, que é: deve ele estampar,

758
Michel Bouvier, Culture de la performance, l’équité et espace financier
public durable. Editorial, na Revue Française de Finances Publiques n.
99.
759
Este ponto foi ressaltado com maestria por Michel Bouvier et al., que
o resumiu com muita felicidade, dizendo que há um vai e vem entre as
diferentes concepções de finanças: uma que tem um pé no intervencio-
nismo clássico, enquanto que outra, ao contrário, não tem no pensamento
senão a eficácia da gestão e se volta sem hesitação à generalização do
modelo do mercado (modèle marchand), sem contar uma terceira, difícil
de definir, que se procura, se tateia, tentando conciliar ao mesmo tempo
solidariedade social, obrigação de resultado e tradição democrática. (cf.
Michel Bouvier, Marie-Christine Esclassan e Jean Pierre Lassale, Finan-
ces publiques, p. 35).
CONCLUSÃO 397

tanto quanto possível, os anseios da população, que espera ver


a aplicação os seus recursos realizada da maneira mais eficiente
possível e que resulte numa real melhora do que se espera que o
Estado possa oferecer, em termos de serviços públicos adequa-
dos, de preenchimento das necessidades públicas eleitas como
prioritárias de forma também satisfatória, e que comprove,
enfim, que o sacrifício de levar dinheiro aos cofres públicos lhe
trouxe compensações – esperadas e devidas.
399

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