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Gracieli Fernanda Volpato Marques Pereria1; Deise Cristina de Araújo2; Ana Laura da Silva Tei-
xeira3*
RESUMO
Ao buscar na vivência do contexto hospitalar, o olhar voltado às crianças e adolescentes que se en-
contram internadas, remete-nos à alguns questionamentos a respeito dos direitos a educação, bem
como a formação cidadã a estes sujeitos. Dessa forma, a pedagogia hospitalar faz com que a criança
e o adolescente, quando hospitalizado por longo período, retome o contato com o seu cotidiano, como
ir à escola, brincar, o que pode auxiliar na diminuição da ansiedade, amenizar as condições psicoemo-
cionais, sociais, e principalmente cognitiva no que diz respeito ao processo de aprendizagem. Entre-
tanto, existem pouquíssimas classes hospitalares no Brasil e onde elas existem há inúmeros desafios
a serem enfrentados. Dessa forma, a pedagogia hospitalar é fundamental para o desenvolvimento da
criança em situação de internação e traz consigo um profissional extremamente necessário: o profes-
sor. Assim, este estudo tem como objetivos: apresentar as peculiaridades do trabalho pedagógico den-
tro do hospital, destacando a importância da formação continuada e como objetivo específico: identificar
as contribuições e os enfrentamentos vivenciados pelos professores no atendimento educacional hos-
pitalar. A abordagem metodológica utilizada foi a revisão bibliográfica, de modo que foi possível com-
preender a contribuição do pedagogo para o contexto hospitalar. Os resultados apontam que a peda-
gogia hospitalar pode trazer inúmeras contribuições à instituição hospitalar e as crianças internadas
promovendo uma aproximação com o cotidiano escolar e a aprendizagem.
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recuperados. Diante disso, o preju- Educação Especial, e, posterior-
ízo de uma internação ociosa, sem mente normalizado entre os anos
estímulos para que o desejo de de 2001 e 2002 com os documen-
aprender continue vivo no sujeito, tos, também do MEC, intitulados de:
pode causar na vida da criança algo Diretrizes Nacionais para Educação
extremamente drástico (DANTAS, Especial na Educação Básica e
2020, p. 233). Classe Hospitalar e atendimento
pedagógico domiciliar: orientações
2 A PEDAGOGIA NO CONTEXTO e estratégias (OLIVEIRA, 2013, p.
27686).
HOSPITALAR E A CLASSE HOSPITA-
LAR Ainda segundo Oliveira (ibid.), a
primeira professora dessa classe hospi-
A pedagogia hospitalar vem se ex- talar foi Lecy Rittmeyer e as aulas eram
pandindo no atendimento à criança e dadas individualmente, nas enfermarias,
adolescentes hospitalizados, segundo o visto que não existia no hospital instala-
Conselho Nacional de Educação (Reso- ções apropriadas para esse tipo de aten-
lução nº 1 de 15 de maio de 2006 no ar- dimento. Somente em 1958, ou seja,
tigo 5º, parágrafo IV). O Pedagogo de- oito anos depois, foi que o Departamento
verá estar apto a “trabalhar, em espaços de Educação Primária cedeu ao Hospital
escolares e não escolares, na promoção Jesus a Professora Esther Lemos Zabo-
da aprendizagem de sujeitos em diferen- rousky e os alunos puderam ser mais
tes fases do desenvolvimento humano, bem distribuídos e consequentemente
em diversos níveis e modalidade do pro- mais bem atendidos em suas necessida-
cesso educativo”, logo, o pedagogo des.
manterá diálogo entre todos os envolvi-
dos no processo de aprendizagem do Apesar de passados mais de cin-
paciente escolarizado. quenta anos desde a primeira expe-
A classe hospitalar não é uma cria- riência em classe hospitalar e mais
ção recente na história da educação e de uma década da resolução que
prevê este tipo de atividade no Bra-
sua origem remonta do início do século
sil, evidenciamos dois fatos que de-
XX na França (OLIVEIRA et al., 2008). monstram fragilidade acerca desse
Em 1935, quando Henri Sellier assunto. Um diz respeito aos relató-
inaugurou a primeira escola para crian- rios do Censo Escolar que apresen-
ças inadaptadas, em Paris, seu exemplo tam números sobre classes especi-
ais públicas, as quais compreen-
foi seguido na Alemanha, em toda a
dem classes com alunos com de ne-
França, na Europa e nos Estados Uni- cessidades educacionais especiais,
dos, com o objetivo de suprir as dificul- institucionalizados em escolas ex-
dades escolares de crianças tuberculo- clusivamente especializadas e/ou
sas, teve início o histórico de classes em classes especiais do ensino. Es-
tes dados não tratam de nenhuma
hospitalares.
informação específica acerca das
classes hospitalares. Dessa forma,
No Brasil, essa prática educacional não é possível conhecermos a real
iniciou-se em 1950, com a classe dimensão e distribuição deste tipo
hospitalar no Hospital Jesus, locali- de atendimento no nosso país (XA-
zado no Rio de Janeiro, porém há VIER, et al., 2013, p. 610).
registros que em 1600, ainda no
Brasil Colônia, havia atendimento
escolar aos deficientes físicos na Entretanto, o marco decisório das
Santa Casa de Misericórdia em São classes hospitalares adveio da Segunda
Paulo. Essa modalidade de ensino Guerra Mundial, com um grande número
só foi reconhecida em 1994 pelo Mi- de crianças e adolescentes atingidos e
nistério da Educação e do Desporto que permaneceram hospitalizados e im-
(MEC) através da Política da
possibilitados de irem à escola
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(FONSECA, 2003). stricto sensu, isto é, um profissional qua-
lificado para atuar em vários campos
Em 1961 foram cedidas, a título pro- educativos para atender a demandas so-
visório, cinco salas destinadas à ra- cioeducativas de tipo formal e não formal
diologia, que não funcionavam por
motivos técnicos. Essas condições e informal” (LIBÂNEO, 2010, p. 38), ade-
improvisadas possibilitaram a prá- mais o pedagogo hospitalar é o profissi-
tica de atividades extracurriculares, onal que necessita apropriar-se de um
como teatro, bandinha, canto orfeô- vasto conhecimento e flexibilidade para
nico e atividades manuais. Em 1963 lidar com diversidade humana, além de
a Classe Hospitalar do Hospital Je-
sus o quadro de professoras foi am- diferentes experiências culturais e capa-
pliado para seis. Em 1964, as cinco cidade de identificação das necessida-
salas ocupadas a título provisório des educacionais das crianças que se
foram instalados o Serviço de Radi- encontram impedidas de frequentar a es-
ologia e a Documentação Radioló- cola (VASCONCELOS, 2001).
gica com isso, o trabalho passou a
ser desenvolvido nas enfermarias Assis, menciona em sua obra lite-
com prejuízo para as crianças e rária “não é fácil, nem simples, ser peda-
desgaste para as professoras. Em gogo, tão pouco ser responsável pelo co-
1965 as professoras em exercício nhecimento e pelas intervenções peda-
obtiveram diploma do Curso de Es- gógicas, assegurando a estreita relação
pecialização em Deficientes Físi-
cos, o que passou a serem exigidos entre o cognitivo e o afetivo no processo
as novas professoras das classes de aprendizagem” A atuação do peda-
hospitalares (OLIVEIRA, 2013, p. gogo hospitalar vai além das esferas cur-
27691). riculares, perpassando pelas emoções e
sentimentos muitas das vezes oculto, o
Segundo Loss, no sec. XX emerge- paciente escolar tem características sin-
se o conceito de Direitos Humanos, gular percebidas e adquiridas durante o
dando à saúde e à educação tomadas de processo de internação; se no ambiente
decisões correlatas a escolarização hu- “escola” o pedagogo possui empatia
manizada, ações que trazem ao ambi- para lidar com seus alunos, sabendo-se
ente hospitalar atividades lúdicas, de en- que há um vínculo de reciprocidade con-
tretenimento e empatia, sendo assim, a cebida por dias de convivência, no ambi-
humanização é mais que um ato huma- ente hospitalar a humanização, empatia
nitário; é considerar a essência do ser e o compromisso com o outro são itens
humano. indispensáveis para uma pratica peda-
Segundo Camaru e Goldani (2004), gógica com resultados positivos e o mais
durante a Declaração dos Direitos da próximo a realidade dos enfermos esco-
Criança Hospitalizada, em 1987, deter- lares.
minou-se que seria o pedagogo, o profis- Para Loss, o pedagogo hospitalar:
sional responsável pelo processo de en-
sino-aprendizagem da criança hospitali- é o profissional que interconecta os
zada e/ou convalescente, enfatizando saberes acadêmicos e experiência-
que elas precisam continuar a vida esco- dos e em uma dinâmica dialética da
teoria e prática constrói uma praxis
lar durante a permanência no hospital e educativa hospitalar no trabalho
de serem beneficiadas com políticas pú- multi/inter/transdisciplinar. Ele co-
blicas que as autoridades escolares pos- loca seus esforços pedagógicos em
sam colocar a sua disposição. três eixos: a) Tempo de escolariza-
ção; b) Equipe interdisciplinar; c)
Valores e humanização (LOSS,
2.1 O pedagogo hospitalar 2014, p. 61).
Como discorre Libâneo, “O curso
de pedagogia deve formar o pedagogo Segundo Loss, a parceria entre
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educação e saúde requer trabalho em atuação do pedagogo hospitalar no am-
equipe, havendo trocas de experiência, biente hospitalar.
dialogando com base em um planeja-
mento e avaliações no decorrer das prá- 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
ticas pedagógicas, sempre procurando
estratégias motivadoras, adaptadas a Tendo em vista os aspectos obser-
especificidade de cada paciente. vados para a construção deste artigo, os
resultados apontam o quanto a Pedago-
3 FORMAÇÃO CONTINUADA gia Hospitalar pode trazer inúmeras con-
tribuições a instituição hospitalar, as cri-
A formação pedagógica desde a anças e adolescente hospitalizados e a
Lei de Diretrizes e Base da Educação de seus responsáveis.
1996, proporciona o profissional peda- Além dos aspectos das aprendiza-
gogo a atuação em diversas modalida- gens e do desenvolvimento das habilida-
des formal, não-formal, informal mencio- des pedagógicas, a pedagogia hospita-
nado anteriormente. Nesta perspectiva, lar corrobora com novas formas de en-
Paulo Freire entende que a formação pe- frentamento do processo de hospitaliza-
dagógica é um instrumento libertador e ção, promovendo uma aproximação com
emancipatório diante de reflexões críti- a rotina escolar, capaz de favorecer uma
cas que se voltam tanto ao aluno quanto relação mais harmoniosa entre a equipe
ao docente em uma dialogicidade cons- de saúde e paciente, reduzindo a ansie-
tante através da prática pedagógica, pro- dade natural do processo de hospitaliza-
porcionando a autoavaliação como me- ção.
diador de conhecimentos em uma teia Ademais a formação continuada
coletiva de experiência. A formação é um faz necessária a atuação do pedagogo
processo pedagógico intencional e polí- hospitalar, promover o aperfeiçoamento
tico, pois diz respeito a interesses do pedagógico, tornar efetiva uma prática
povo e para o povo como política públi- pedagógica condizente com as necessi-
cas, com preparação teórico-científica e dades especificas a cada paciente esco-
técnica inclinada ao processo de ensino lar.
e aprendizagem e formação cidadã.
Nesta conjuntura, a formação con- REFERÊNCIAS
tinuada é a compensação de conheci-
mentos não adquiridos na graduação ARANHA, M. L de A. Filosofia da educa-
percebidos na atuação da prática peda- ção. 3ªed. São Paulo: Moderna, 2006.
gógica, resultado da autorreflexão.
Segundo Farfus (2012), os pedago- BOGDAN, R.; BILKEN, S. Investigação
gos necessitam ter competências técni- qualitativa em educação. Porto: Porto
cas e humanas pautadas por conceitos Editora, 1994.
que permitam não somente observar a
realidade, mas também recriá-la promo- DANTAS, J. L. L. "Viver é muito peri-
vendo assim o desenvolvimento das goso" - A prática pedagógica hospitalar
aprendizagens. em tempos de pandemia: uma reflexão à
O referido artigo apresenta resul- luz de Grande Sertão: Veredas. Pedago-
tado parcial do trabalho de conclusão de gia em Ação, Belo Horizonte, v. 13, n. 1,
curso em execução, no qual a pesquisa p. 226-236, 1 sem. 2020.
realizada evidenciou a escassez de
aportes bibliográficos fidedignos que re- FARFUS, D. Espaços educativos: um
late a formação continuada voltada a pe- olhar pedagógico. Curitiba: Intersaberes,
dagogia hospitalar, bem como, a 2012.
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