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COENSINO: UMA ANÁLISE NA PERSPECTIVA OMNILÉTICA DA INCLUSÃO DE


CRIANÇAS COM TEA NO ENSINO REGULAR

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Mônica Pereira dos Santos Paula Pereira de Carvalho


Federal University of Rio de Janeiro
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COMUNICAÇÃO ORAL
TEMÁTICA: 10. TRANSTORNOS GLOBAIS DE DESENVOLVIMENTO NOS DIFERENTES NÍVEIS DE
ESCOLARIZAÇÃO.

COENSINO: UMA ANÁLISE NA PERSPECTIVA OMNILÉTICA DA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM


TEA NO ENSINO REGULAR
1
MÔNICA PEREIRA DOS SANTOS, PhD.UFRJ[2]
PAULA PEREIRA DE CARVALHO. UFF[1]

RESUMO: Este artigo relata a experiência de dois professores baseada em uma prática de
coensino, numa perspectiva omnilética de inclusão em educação. Ao longo do texto, é abordada
a definição do TEA com base em literaturas acerca do transtorno e suas peculiaridades; a
definição da prática de coensino desenvolvida pelos docentes envolvidos, através do relato e
análise das vivências realizadas em sala de aula; e, por fim, a análise dos impactos dessa prática
a partir da perspectiva ominiletica e sua real relevância no processo de ensino e aprendizagem de
crianças com TEA.

PALAVRAS-CHAVES: Coensino, autismo, omnilética e inclusão em educação.

INTRODUÇÃO
A escola do nosso tempo é aquela que promove aprendizagens que vão constituir sujeitos.
A escolarização desejada pressupõe um processo contínuo e significativo de propostas
pedagógicas contextualizadas, flexíveis, colaborativas e diversificadas. Dessa forma, a escola
deve ser o lugar que se ajuste a todas as crianças que desejem matricular-se em sua localidade.
De acordo com a Declaração de Salamanca sobre necessidades educacionais especiais,
“aquelas que possuem necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola normal, a
qual deve acomodá-las dentro de uma pedagogia centrada na criança capaz de atender às suas
necessidades.” (Unesco, 1995)
O conhecimento deve se estabelecer entre diferentes idades, na interlocução com adultos,
nas relações dialógicas que ao longo do processo são interiorizadas transformando
qualitativamente todos os sujeitos envolvidos no grupo. O espaço escola é o lugar de
intercambiar, de olhar o mundo de dentro dele, de construir caminhos, sendo parte dele.
Partindo dessa perspectiva, o trabalho escolar deve refletir uma prática em sala de aula e
fora dela, onde legitimar as diferenças signifique potencializar a diversidade em prol do
desenvolvimento, onde a organização dos processos de ensino, numa perspectiva sócio-histórica,
promova espaços de diálogos, crescimento e apropriação significativa dos bens culturais a que
temos direitos.
Todas as crianças conseguem aprender; todas as crianças frequentam classes
regulares adequadas a sua idade em suas escolas locais, [...] recebem programas

1
[1] Aluna do Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão na Universidade Federal Fluminense
(www.cmpdi.uff.br). E-mail: ppcarvalho12@gmail.com
1
[2] Profa. Adjunta dos Programas de Graduação e Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Lapeade – Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à
Diversidade em Educação (www.lapeade.com.br). E-mail: monicapes@gmail.com
1
educativos adequados, [...] recebem um currículo relevante as suas
necessidades, [...] participam de atividades co-curriculares e extracurriculares,
[e] beneficiam-se da cooperação e da colaboração entre seus lares, sua escola e
sua comunidade. (BRUNSWICK, 1994 apud PACHECO, 2007, p. 14)
Mas o que quer dizer uma prática educacional inclusiva? Segundo a declaração de
Salamanca (1994, p.61), Inclusão em Educação significa:
O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças
deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou
diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder
às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos
diferentes de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos
através de um currículo apropriado, modificações organizacionais, estratégias de
ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade.
Este artigo relata a experiência de duas professoras em uma escola privada na zona sul da
cidade do Rio de Janeiro. A escola, no ano de 2011, recebeu um aluno com autismo, e estas
educadoras, iniciaram uma metodologia de trabalho de coensino. Para compreendermos o
assunto, no decorrer do texto, tentamos responder a seguinte questão: Quais os impactos de uma
prática de coensino?
Inicialmente iremos apresentar esse aluno, fazer um breve relato sobre os transtornos
globais de desenvolvimento, mais especificamente, o autismo, e suas características, baseando-se
no DSM- IV, o CID X e o Compêndio de Psiquiatria. E num segundo momento, apresentaremos
como essa proposta de trabalho ocorreu relatando nossas vivências em sala de aula, embasando-
as com a fundamentação teórica, dentro de uma perspectiva omnilética.

UM POUCO SOBRE O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Ao receber um educando com o diagnóstico de autismo, foi de fundamental valor entender de que
se trata especificamente este transtorno. Sua definição não é tão óbvia como o senso comum estabelece,
ou como a mídia apresenta nos filmes, novelas e livros.
Cientificamente não se conseguiu, até hoje (2013), uma delimitação consensual das terminologias
sobre o Autismo. A multiplicidade de seus sinônimos demonstram a complexidade da questão, e a
diversidade dos princípios existentes até hoje.
Segundo o DSM – IV, o autismo se apresenta como uma complexidade no
desenvolvimento, que se manifesta entre o nascimento e os três primeiros anos de vida de
maneira grave e por toda a vida. Ele é quatro vezes mais comum entre meninos do que meninas,
e quando a menina é acometida, normalmente é mais grave.
KAPLAN, Harold I; SADOCK Benjamin J e GREBB Jack (1996) afirmam que o
transtorno autista é compreendido dentro dos transtornos invasivos do desenvolvimento, que
causam prejuízos severos e invasivos nas seguintes áreas do desenvolvimento: habilidades de
interação social recíproca, de comunicação ou presença de comportamentos e/ou interesses
estereotipados.
Segundo Faccion (2003), entre as características observadas na pessoa com autismo nota-
se: a) distúrbios no ritmo do desenvolvimento das habilidades físicas, sociais e de linguagem; b)
reações anormais aos sentidos. As funções ou áreas mais afetadas são: visão, audição, tato, dor,
equilíbrio, olfato, gustação e maneira de equilibrar o corpo; c) ausência ou atraso de fala ou
linguagem. Ritmo imaturo da fala; restrita compreensão de ideias; uso de palavras sem
associação com o significado; d) relacionamento anormal com pessoas, objetos ou lugares; e e)
respostas não apropriadas a adultos ou crianças.
Sendo este o diagnóstico do discente apresentado, propusemos a construção de um
programa de atividades pedagógicas com a finalidade de desenvolver a autonomia nas suas
atividades acadêmicas em uma classe comum. Portanto, a busca de uma estruturação de
comportamentos desejados, e de uma aprendizagem acadêmica significativa, só pôde ser possível
com o engajamento dos professores em uma proposta de coensino, como veremos mais adiante.
Isto porque, como diz Damasceno:
O professor é elemento-chave para a efetivação do processo inclusivo por mais que esta
responsabilidade deve ser compartilhada junto aos órgãos competentes e demais
membros da sociedade, e que embora a responsabilidade seja de todos, caberá ao
professor possibilitar o acolhimento. (2006, p. 17)
O ingresso de uma criança com TEA (Transtorno do Espectro Autista) em um espaço
escolar representa a quebra de paradigmas educacionais e uma reestruturação do fazer
pedagógico, o que caracteriza um desconforto por parte dos educadores que se veem sem saber
como lidar com diferentes maneiras de aprender. Entretanto, essa mudança que se faz necessária
estabelece ganhos significativos para toda a comunidade escolar. Concordamos com Grabois
(2009, p.1) quando ela afirma:
Ser educador é uma profissão desafiadora por natureza, não se sabe quem vai chegar, e
por isso mesmo precisamos garantir aos alunos com TGD o direito de estar na escola e
ser parte da sociedade; e não mais um aluno denominado por sigla. Um ser humano com
nome, endereço e vida própria, mais um aluno da escola.
Há muito tempo, acreditava-se num forma padronizada de ensinar, em que o aluno
deveria se adaptar ao método de ensino do professor. Hoje (2013), com a diversidade que se
apresenta nas escolas, essa realidade mudou.
Para que a inclusão ocorra de maneira responsável, é necessária uma ação consciente e
persistente para que a mesma seja um processo de socialização, aprendizagem e
desenvolvimento da criança. Em relação à Escola Inclusiva, as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Especial (MEC/SEESP, 1998, 21), afirmam que:
(...) implica uma nova postura de escola comum, propõe no projeto político pedagógico,
no currículo, na metodologia de ensino, na avaliação e na atitude dos educandos, ações
que favoreçam a integração social e sua opção por práticas heterogêneas (...).
Para compreender como ocorreram os processos de ensino-aprendizagem e
desenvolvimento desse aluno, iniciaremos apontando a importância do professor regente e do
professor de apoio, além de destacar suas diferenças em sala de aula. Para isso, contamos com
os pensamentos de autores que consideram a importância do professor, seja ele regente ou de
apoio, como mediador do processo de aprendizagem.

A PERSPECTIVA OMNILÉTICA DE INCLUSÃO


De acordo com Santos (2013), a perspectiva omnilética é um modo de explicar/conceber
e ser ao mesmo tempo. Um conceito, portanto, de caráter tanto reflexivo e contemplativo quanto
aplicativo às práticas, ao seu modo de ser.
(...) omnilética significa uma maneira totalizante de compreender as diferenças
como partes de um quadro maior, caracterizado por suas dimensões culturais,
políticas e práticas em uma relação ao mesmo tempo complexa e dialética.
(Santos, 2013, p. 23)
Para compreender melhor essa perspectiva, Santos recorreu às dimensões, propostas por
Booth (1981), culturas, políticas e prática, e aos conceitos de dialética (Konder, 1981) e de
complexidade (Morin, 1987). Por cultura, Booth refere-se à
(...) criação de comunidades estimulantes, seguras e colaboradoras, em que cada
um é valorizado, como base para o maior o sucesso de todos os alunos. (...) Os
princípios derivados nas escolas de culturas inclusivas orientam decisões sobre as
políticas e as práticas de cada momento de forma que a aprendizagem de todos
seja apoiada através de um processo contínuo de desenvolvimento da escola.
(BOOTH, 2000, p.45)

Por políticas, Booth quer


(...) assegurar que a inclusão esteja presente no bojo do desenvolvimento da
escola, permeando todas as políticas, de forma que estas aumentem a
aprendizagem e a participação de todos os alunos. (...) Todas as formas de apoio
são consideradas juntas em uma estrutura única, e são vistas a partir da
perspectiva dos alunos e seu desenvolvimento (...) (BOOTH, 2000, p. 45)

E por fim, mas não menos importante, as práticas, que segundo Booth
(...) reflitam as culturas e as políticas de inclusão da instituição. O ensino e o
apoio são integrados na orquestração da aprendizagem e na superação de
barreiras à aprendizagem e à participação. (BOOTH, 2000, p. 45)

Em relação ao conceito da dialética apresentada por Konder (1981), Santos (2003) destaca a
seguinte concepção:
(...) dialética significa outra coisa: é o modo de pensarmos as contradições da
realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente
contraditória e em permanente transformação. (Konder apud em Santos, 2013, p.
24)

Já a complexidade apresentada por Morin (s/d), em Santos (2003) aborda os seguintes aspectos:
Não se trata de forma alguma, de um pensamento que expulsa a certeza com a
incerteza, a separação com a inseparabilidade, a lógica para autorizar-se todas as
transgressões. A dérmache consiste, ao contrário, num ir e vir constantes entre
certezas e incertezas, entre o elementar e o global, entre o separável e o
inseparável. ela utiliza a lógica clássica e os princípios de identidade, de não
contradição, de dedução, de indução, mas conhece-lhes os limites e sabe que, em
certos casos, deve-se transgredí-los. [...] Trata-se de repor as partes na totalidade,
de articular os princípios de ordem e de desordem, de separação e de união, de
autonomia e de dependência, em dialógica (complementares, concorrentes e
antagônicas) no universo. ( Morin apud Santos, 2013, p. 25 e 26)

O COENSINO
O Coensino tem sido tradicionalmente adotado nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Trata-se de uma estratégia de ensino composta pela presença de dois professores em uma mesma
turma: um professor regular e outro “especial”. Ambos são formados e possuem o status de
professor. Nos países de língua inglesa este ensino tem sido progressivamente adotado para
ensinar inglês. Os alunos são ensinados junto com seus pares linguísticos na sala comum com um
especialista em alfabetização compondo o par de professores.
Segundo Brinkmann e Twiford (2012, tradução livre),
O coensino rapidamente evoluiu como uma estratégia para assegurar que
estes estudantes [com deficiências] tenham acesso ao mesmo currículo
que outros estudantes e ao mesmo tempo recebam o ensino especializado
ao qual têm direito. O coensino pode ser definido como a parceria entre
um professor da educação regular e um professor da educação especial ou
outro especialista tendo em vista ensinarem conjuntamente a um grupo
diverso de alunos, incluindo aqueles com deficiências ou outra
necessidade especial, em um ambiente comum de educação de modo que,
com flexibilidade e deliberadamente, atenda às suas necessidades de
aprendizagem.
O termo foi “batizado” por Cook e Friend (1995) e pode ser aplicado de pelo menos seis
maneiras diferentes, conforme o quadro abaixo:

Os seis tipos de coensino definidos por Cook e Friend:


Tipo Aplicação

Um ensina, um observa Os professores decidem antecipadamente que tipos de


informações querem levantar via observação durante a
aula e concordam sobre uma estratégia para coletar os
dados. Depois disso, os professores analisam as
informações colhidas.

Um ensino, um ajuda Um professor fica com a principal responsabilidade


pelo ensino enquanto o outro circula pela sala provendo
assistência junto aos estudantes conforme necessário,
mas sem intromissão no ensino do outro.

Ensino paralelo Ambos os professores ensinam a mesma informação,


mas dividem a classe e ensinam a informação
simultaneamente.

Estação de Ensino Os professores dividem o conteúdo e os estudantes.


Cada professor ensina, então, o conteúdo a um grupo e
o repete subsequentemente ao outro grupo. Se
considerado necessário, uma terceira “estação” pode
ser montada para que os alunos estudem
independentemente.

Ensino alternativo Um professor assume a responsabilidade por um grupo


maior, enquanto o outro o faz por um grupo menor.

Ensino em equipe Os dois professores dão a mesma aula ao mesmo


tempo. Um pode ser o modelo enquanto o outro fala.
Um pode demonstrar enquanto o outro explica. os
professores podem representar um papel ou trocar de
papéis em turnos durante a aula.

A experiência aqui narrada insere-se, com adaptações realizadas conforme as


possibilidades de nosso contexto, nos tipos Ensino alternativo e Ensino em equipe.
Vale lembrar que a tipologia acima proposta não estabelece uma hierarquia entre
“melhores” e “piores” tipos. O que a literatura reconhece, consensualmente, é que nas realidades
aonde esta proposta (de coensino em geral) tem sido adotada, a inclusão tem-se tornado mais
possível. A diferença é que alguns tipos adaptam-se melhor em certos casos do que outros, e por
isso é que cabe a cada contexto, a partir de sua própria realidade, utilizar os modelos que lhes
convenham.
Ressaltamos, ainda, que esta perspectiva de trabalho coaduna-se intimamente com a
perspectiva omnilética de inclusão em educação, especialmente os dois últimos tipos, que fazem
mais uso da noção de coletividade e corresponsabilização, chegando mais próximo à ideia
omnilética de que inclusão é para todos, portanto, também é de responsabilidade de todos na
escola, incluindo alunos, funcionários de apoio e de gestão, pais e comunidade do entorno. Com
estas breves palavras acerca de nossa perspectiva e do coensino, priorizamos, a partir de agora, o
caso propriamente dito.

O CASO
O estudo de caso ocorreu em uma instituição de ensino que contava com,
aproximadamente, 200 alunos na Educação Infantil; a sala de aula era constituída de 21 crianças,
na faixa etária de 5 e 6 anos, entre elas uma criança com TEA, que nesse artigo chamaremos pelo
nome fictício de Marcio; e por dois professores: um regente e o outro de apoio, ambos graduados
em Pedagogia e com experiência em classes inclusivas. Além disso, essa turma contava com a
presença de uma estagiária do curso de Psicologia.
A chegada de Marcio à escola gerou uma expectativa da equipe de professores sobre a
melhor maneira de conduzir o processo de inclusão do aluno. Marcio é uma criança com autismo
clássico não verbal, que realiza pouco contato visual, é permissivo ao toque, entretanto, é muito
voluntarioso; não possui autonomia para vestimenta nem para o uso do banheiro, necessitando de
acompanhamento 24 horas por dia. Além disso, não tem noção de perigo.
Marcio chegou à escola uma semana depois do início do ano letivo. Sua adaptação
ocorreu gradativamente, ou seja, no primeiro dia, ele permaneceu duas horas; no segundo, três
horas; e assim até completar a carga horária total da escola.
Para que Marcio realizasse as atividades propostas, no primeiro semestre, o professor
regente e de apoio precisavam repetir os comandos várias vezes e em frases curtas e simples.
Muitas vezes, o professor regente realizava o movimento para que Marcio visse e depois ele
reproduzisse igual, ou então, o professor de apoio precisava segurar a mão de Marcio para que
ele realizasse o que foi pedido. No final do ano letivo, não havia mais necessidade de repetir
tantas vezes o comando. Em algumas situações, Marcio já conseguia realizar as tarefas apenas
com a orientação de um dos professores.
Nos momentos de desorganização, ou quando ocorria alguma mudança na rotina, ou
quando Marcio tinha que fazer alguma coisa que ele não queria, ele tentava se jogar no chão,
emitindo sons e agredindo os professores, tanto o regente quanto o de apoio, para demonstrar sua
insatisfação. Mesmo assim, Marcio sempre realizava a tarefa, mesmo contra sua vontade, pois os
educadores não cediam às vontades dele
Durante a contação de histórias, Marcio não participava; ficava observando os números
que estão no quadro ou observando algum desenho na mochila do colega. Em algumas
situações, quando Marcio estava emitindo sons onomatopeicos ou cantando alguma canção, era
necessário convidá-lo a realizar outra atividade ou dar funcionalidade aos sons emitidos, para
não prejudicar o andamento da atividade com o grupo.
Os professores estimulavam constantemente Marcio a falar, a fim de ampliar
gradativamente seu vocabulário. Quando ele necessitava de ajuda para colocar a mochila nas
costas, Marcio costumava pegar a mão do professor regente ou de apoio e colocar na mochila,
solicitando ajuda. Ou seja, ele constantemente utilizava os adultos como ferramentas para pegar
objetos ou em outras situações intencionais.
O professor de apoio pedia que Marcio falasse a palavra “mochila”, verbalizando para ele
o que Marcio desejava. Isso ocorria em diversas situações. Durante as brincadeiras, por exemplo,
quando Marcio desejava algum brinquedo, ele só o ganhava se verbalizasse o seu desejo. Em
algumas situações, Marcio demonstrava dificuldade para se comunicar, e por vezes acabava
fazendo ecolalia. Nessas situações, o professor regente o ajudava. Marcio repetia a palavra, mas
ainda não o fazia com intuito de se comunicar.
Nas rodas de conversa, Marcio precisava, inicialmente, segurar algum objeto (no caso, a
garrafa de água) e ficava sentado no colo de um adulto. Posteriormente, Marcio já permanecia na
roda com um adulto sentado ao seu lado, mas ainda segurava algo. No final do ano letivo,
Marcio já sentava sozinho nas rodas com as outras crianças, sem nada nas mãos. Em algumas
situações, quando estava muito agitado ou desorganizado, Marcio necessitava da presença de um
dos educadores ao seu lado. Em outras situações, o professor regente precisava contê-lo ou
realizar uma massagem para acalmá-lo. Isso ajudava a reduzir a agitação e a desorganização.
Na sala de aula, durante as brincadeiras livres, Marcio ficava correndo de um lado para o
outro na sala ou recitando o alfabeto, sem procurar nenhum brinquedo. O professor de apoio
tinha que levá-lo até os jogos, para jogar com ele. Marcio demonstrava resistência para realizar a
brincadeira, mas o professor insistia, sempre favorecendo o desenvolvimento do jogo simbólico e
da importância das regras. Anteriormente, Marcio tinha o hábito de pegar os brinquedos e não
colocá-los de volta no lugar. O professor regente tinha que sempre intervir, lembrando Marcio da
necessidade de guardar o jogo para pegar outros. Em diversas situações, ele se recusava a
arrumar, querendo agredir o professor, mas, no final, acabava cedendo e arrumando o brinquedo.
No final do ano, em poucas situações, Marcio se recusava em arrumar os jogos.
Marcio dificilmente olhava nos olhos das pessoas e dificilmente procurava o contato
físico. No decorrer do ano letivo, o desenvolvimento afetivo do Marcio avançou
significativamente, e a qualidade do seu olhar também, ele vinha buscando muito mais este
contato tanto com os educadores como com os amigos de classe, contribuindo para a integração e
participação ativa no grupo.
Marcio já procurava, em algumas situações, as crianças de seu grupo. Certa vez, no pátio,
ele procurou dois colegas e os abraçou. As crianças, num primeiro momento, ficaram estáticas,
sem saber o que fazer, mas com a orientação do professor de apoio, elas retribuíram o abraço
recebido. As crianças têm sido orientadas pelos professores, como elas devem falar com Marcio.
Da necessidade de segurar o rosto dele, para conseguir o contato visual e sua atenção. Isso tem
melhorado e enriquecido muito a relação de Marcio com as crianças da sala. Elas, cada vez mais,
têm procurado Marcio pra brincar.
As docentes notaram que ao final do período letivo, o educando já possuía um
quantitativo expressivo de conhecimentos relacionados à vida autônoma e acadêmicos esperados
para sua faixa etária, principalmente no que diz respeito ao letramento e a conhecimentos
numéricos.
Esboçar um plano de desenvolvimento individual, ou seja, um diagnóstico pedagógico foi de
fundamental importância. Isto exigiu, no início do processo de inclusão, uma fase de observação
intensiva, uma primeira diferenciação de cada comportamento e conhecimento do educando, elaborando
assim uma linha de base para o trabalho, que facilitou expressivamente o processo de avaliação escolar,
construindo, desta forma, uma linha de base desenvolvida individualmente. As escolhas precisas dos
diferentes procedimentos dependeram da personalidade e das formas de reações da criança.
Outro fator relevante corresponde à organização do espaço formal de aprendizagem. Entendendo
a sala de aula como um ambiente com muitos estímulos, foi relevante estruturar este espaço para que
durante a rotina escolar os objetivos fossem alcançados da melhor maneira, permitindo assim a autonomia
do discente.
A criança aprendeu a se orientar na sala de aula, que foi bem estruturada e, consequentemente,
com modelos de comportamentos emitidos pelos docentes e pelas crianças que foram, de fato, os
mediadores naturais deste processo. O dia a dia bem estruturado, como foi acima mencionado, consistiu
em estabelecer uma mesma sequencia de atividades (ao menos inicialmente podendo romper as rotinas
gradualmente generalizando as situações de aprendizagem). Com isto, a criança pode adquirir, pouco a
pouco, confiança e segurança, ou seja, ela pode aprender, de acordo com o seu nível intelectual e
cognitivo, se movimentando dentro de limites e situações descritas, que para ela se tornaram claras
gradualmente.
Durante a experiência de inclusão a equipe buscou atuar em um formato de parceira, definindo
com a equipe técnica pedagógica quais seriam os melhores caminhos para a verdadeira integração da
proposta pedagógica da instituição no currículo escolar do educando.

CONCLUSÕES

A constante alternância de papéis, entre o professor regente e o professor de apoio, como pode ser
visto nos relatos acima, ocorreu em um sistema de cooperação. Mesmo sendo considerado que quem
respondia pela classe era o professor regente, em diversas situações, o professor de apoio pode participar
do processo de ensino aprendizagem de toda a turma.
Dentro da perspectiva omnilética, pode-se dizer que tanto o professor regente quanto o professor
de apoio foram responsáveis pelo processo de inclusão, não apenas de Marcio, mas como de todos os
alunos da classe. Ao longo dos relatos pode-se perceber que ambos atuaram como docentes, nas
atividades de complementação ou suplementação curricular específica; definiram estratégias pedagógicas
que favoreceram o acesso de todos os alunos ao currículo e o desenvolvimento do espírito de grupo da
turma; promoveram as condições para a inclusão dos alunos em todas as atividades da escola; orientaram
as famílias para o envolvimento e a sua participação no processo educacional; participaram do processo
de identificação e tomada de decisões acerca do atendimento às necessidades educacionais especiais dos
alunos; orientaram e confeccionaram materiais didático-pedagógicos que puderam ser utilizados por todos
os alunos; indicaram e orientaram o uso de equipamentos e materiais específicos e de outros recursos
existentes na família e na comunidade; articularam, em parceria com os diretores e coordenadores, para
que o projeto pedagógico da instituição de ensino de ensino se organize coletivamente numa perspectiva
de educação inclusiva; participaram das reuniões pedagógicas, dos conselhos de classe, e da elaboração
do projeto pedagógico.
O trabalho em equipe, entre professor regente e professor de apoio, permitiu a melhor e
maior observação do comportamento das crianças, pois todos foram implicados no processo
educacional de Marcio. As intervenções, sendo feitas diariamente, trouxeram imenso benefício
para a melhora de uma criança com necessidade educacional especial, assim como para todos os
alunos.
Para tanto, a instituição escolar deve incorporar em seu projeto político pedagógico e currículo
(englobando não só conteúdo programático, mas também planejamento, metodologias, estratégias de
ensino, avaliação e demais aspectos presentes no currículo) ações que favoreceram uma aprendizagem
significativa para todos os alunos independentemente de suas condições intrínsecas ou socioculturais.
(PLETSCH e GLAT, 2012).
Se analisarmos o caso, em diversos momentos, as dimensões culturas, políticas e práticas (Booth)
permearam o ambiente educacional, ora em relação dialética e complexa, ora em relação mais estável. Ao
permitir a participação e colaboração de todos no processo ensino-aprendizagem de Marcio, nota-se a
preocupação em incorporar valores inclusivos na instituição. Além disso, ao oferecer outros recursos,
sejam eles arquitetônicos, comunicacional, instrumental, metodológicos, programáticos, humanos e
atitudinais, aumentou-se a capacidade da escola em responder às diversas demandas existentes. Com
isso, todos esses apoios facilitaram e sustentaram a prática pedagógica e educacional de todos os alunos.
Por fim, concluímos esse artigo, ressaltando a importância da existência do professor de
apoio visto que ele tem a possibilidade de observar detalhadamente o comportamento das
crianças. Ele percebe detalhes que seriam perdidos pelo professor regente. As intervenções,
sendo feitas diariamente, trazem imenso benefício para a melhora de uma criança com
necessidade educacional especial, assim como para todos os alunos.
Assim como o professor regente, o professor de apoio é um intermediário nas questões de
aprendizagem, de linguagem e social. O trabalho em conjunto favoreceu a participação das
crianças e principalmente do Marcio nas atividades proposta pela instituição.
O coensino como uma nova proposta educacional a fim de ampliar e tornar real a
inclusão das crianças com necessidades educacionais especiais. Ao trocar de papéis, ou seja, o
professor de apoio ficar com a turma e o professor regente trabalhar mais individualmente com a
criança com TEA, foi possível ampliar o vínculo de Marcio com todos os atores envolvidos,
principalmente com o professor de classe.
Além disso, foi permitido que o professor de apoio se reestruturasse emocional e
fisicamente, visto que dentro da instituição de ensino, ao contrário do que ocorre nas terapias que
a maioria dessas crianças frequentam, os alunos com transtornos globais do desenvolvimento e
deficiências permanecem, no mínimo, 4 horas e meia.
Nós, professores, temos que compreender que a educação inclusiva veio tornar nossa
prática mais desafiadora. Vamos precisar estudar mais, vamos ter de aprender novas técnicas,
vamos ter de aprender a ir mais devagar, vamos ter de aprender a acompanhar um outro ritmo
que não é o nosso, vamos ter que rever nossas expectativas como professores, nossas formas de
avaliação, de aprovação e reprovação. Ou seja, temos que ser responsáveis, como parte e como
todo, nessa relação professor – aluno.

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VYGOTSKY, L. S. Et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo,


Ícone/Edusp, 1988.

______. Pensamento e Linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 1998a.

[1] Aluna do Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão na Universidade Federal Fluminense


(www.cmpdi.uff.br). E-mail: ppcarvalho12@gmail.com
[2] Profa. Adjunta dos Programas de Graduação e Pós-graduação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Lapeade – Laboratório de Pesquisa, Estudos e
Apoio à Participação e à Diversidade em Educação (www.lapeade.com.br). E-mail:
monicapes@gmail.com

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