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COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS
NO CONTEXTO ESCOLAR
154a Abordagens cognitivo-comportamentais no contexto escolar
/ organizado por Juliana Mendes Alves. – Novo Hamburgo
: Sinopsys, 2018.
320p. ; 16x23cm.
ISBN 978-85-9501-030-7
CDU 159.9:37
INTRODUÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
[...] o processo estabelecido dentro de uma sociedade mais ampla que bus-
ca satisfazer necessidades relacionadas com qualidade de vida, desenvolvi-
mento humano, autonomia de renda e equidade de oportunidades e direi-
tos para os indivíduos e grupos sociais que, em alguma etapa da sua vida,
encontram-se em situação de desvantagem com relação a outros membros
da sociedade.
[...] inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não atin-
ge apenas os alunos com deficiência e os que apresentam dificuldades de
aprender, mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente edu-
cativa geral. (Mantoan, 2003, p. 16).
Para essa autora, a escola em seu modelo atual está repleta do formalis-
mo da racionalidade e cindida em modalidades de ensino, tipos de serviço,
grades curriculares e muita burocracia. Para ela, a inclusão vem promover
uma ruptura de base nessa estrutura organizacional como uma saída para que
a escola possa espalhar sua ação formadora a fim de atingir a todos que dela
participam. Portanto, a inclusão implica em mudanças radicais do atual para-
digma educacional, uma reviravolta.
182 Interface entre Terapia Cogni vo-Comportamental e psicopedagogia
A TCC na Educação
TCC e Inclusão
as crianças. Além disso, deve garantir a qualidade do seu ensino para os ou-
tros alunos que precisam de mais conteúdo e qualificação.
Temos, então, o seguinte cenário: a criança quer agir na escola como
em sua casa e o professor precisa que a criança tenha uma postura favorável à
aprendizagem. A família quer resultados, ou seja, que a criança aprenda e, ao
mesmo tempo, esteja satisfeita.
Em um exemplo prático dessa realidade, uma criança se queixa para a
família que seus colegas não gostam dela e, por isso, ela não quer mais ir à es-
cola. A família, que já se sentia insegura em relação à criança estar na escola,
pode pensar: “Meu filho não deveria estar passando por isso. Esta escola não
está cumprindo o papel de incluí-lo”. Então, a mãe vai à escola e vê o filho
chorando no recreio. Isso reforça ainda mais o pensamento: “Ele não está sen-
do incluído” e, movida pela emoção, a família faz duras críticas à instituição,
ao professor e aos colegas do menino, e começa a procurar outra escola.
Quanto ao filho, a família reforça a superproteção, consolando-o e vitimizan-
do-o pela situação. A criança se vê mais fragilizada, dependente dos familiares
e não pensa em uma possível solução para se aproximar dos colegas, admitin-
do com a família que a escola e os colegas não são bons.
Avaliando a situação com base na TCC, que trabalha com todas as pes-
soas envolvidas levando-as a identificar pensamentos que as levam a sentir de-
terminada emoção, verificamos que a família, por exemplo, tem dois pensa-
mentos: “Meu filho não deveria estar passando por isso” e “A escola não o
está incluindo”. Essas podem ser duas distorções cognitivas. A distorção pre-
sente no primeiro pensamento é do tipo “deveria”. Ao invés de pensar no que
seria bom fazer, a pessoa se tortura e aos demais com o pensamento fixo sobre
como ela acha que deveria ser. Na segunda distorção, com um pensamento
do tipo “adivinha”, a pessoa se convence de que sua conclusão apressada é um
fato, sem ter provas da veracidade do mesmo.
Ao reconhecer esses pensamentos disfuncionais, torna-se possível subs-
tituir a forma de pensar. Por exemplo: A mãe pode pensar: “Preciso verificar
quais são as propostas da escola para meu filho, o que ela tem feito por ele? E
meu filho tem a necessidade de estar exposto a esse grupo? Ele precisa apren-
der a interagir? O que ele precisa aprender nessas relações? E quanto aos cole-
gas, qual será o ponto de vista deles? O que podemos fazer para contribuir
com essa relação?”
As distorções cognitivas impediram a família de perceber soluções sim-
ples, tais como chamar os colegas para vir em casa, levá-los para um diverti-
192 Interface entre Terapia Cogni vo-Comportamental e psicopedagogia
TCC e Psicopedagogia
O TCC tem várias técnicas práticas que podem ser adaptadas para au-
xiliar no processo de inclusão. Essas técnicas visam facilitar o autoentendi-
mento e melhorar o autocontrole conforme Starllard (2004, p.18). Através da
TCC, novas habilidades cognitivas de resolução de problemas e comporta-
mentos são aprendidas.
Algumas técnicas permitem que a criança exercite a flexibilização de
seu pensamento a fim de alterar seu modo de sentir e de se comportar diante
de determinada situação. Através de exemplos práticos de seu cotidiano esco-
194 Interface entre Terapia Cogni vo-Comportamental e psicopedagogia
lar, por exemplo, ela pode perceber que sua forma de pensar determina o seu
sentimento em relação a um fato. Desse modo, é possível ensinar o automo-
nitoramento, a autoinstrução e a autoavaliação.
Dentre as técnicas que podem ser úteis à intervenção psicopedagógica,
podemos destacar:
Role-playing: é a simulação de situações problema (difíceis ou desafia-
doras) utilizando fantoches, bonecos ou apenas a representação de papéis,
para permitir o desenvolvimento de habilidades e comportamentos adequa-
dos. Segundo Starllard (2004, p.22), “observar os outros modelando compor-
tamentos adequados ou habilidades pode resultar no ensaio de um novo com-
portamento na imaginação, antes de ele ser praticado na vida real”.
TRI: Terapia de Reciclagem Infantil (Renato Caminha e Marina Caminha
– para melhor aproveitamento de todos os benefícios desses instrumentos, é ne-
cessário fazer um treinamento: www.tritreinamento.com.br) visa o trabalho com
as emoções, a reciclagem dos pensamentos e a inovação dos comportamentos. É
um dispositivo psicoterapêutico que pode ser utilizado no contexto clínico e para
trabalhos em grupo nas instituições escolares, postos de saúde ou grupos comuni-
tários. É composto por três instrumentos, Baralho das emoções, Baralho dos pensa-
mentos, Baralho dos comportamentos. No que se refere à Psicopedagogia, podemos
utilizar esses instrumentos para ajudar a criança a se situar perante as dificuldades
e desafios escolares, identificando suas emoções (Psicoeducação) e refletindo sobre
suas crenças; modificar o seu comportamento para melhor desempenho; e esten-
der essas possibilidades para os colegas e professores.
Sistemas de recompensas (Caminha, 2011, p.265): consiste em pre-
miar comportamentos adequados da criança, a partir do uso de recompensas,
ou seja, reforçadores, para um comportamento esperado. Os reforçadores po-
dem ser estímulos verbais e não verbais, como elogio, abraço, sorriso e/ou es-
tímulos materiais como, por exemplo, fichas, adesivos, pontos. Na Psicopeda-
gogia, esses sistemas podem ser utilizados para incentivar o cumprimento de
agendas, combinados e formação de hábitos, considerando que as limitações
nessas áreas podem comprometer o acesso e o processamento cognitivo da es-
timulação social do ambiente, bem como o desempenho de resposta social-
mente competente.
Técnicas de habilidade social: Linehan (1984, como citado em Caballo,
2012, p. 04) propõe que o treinamento em habilidades sociais pode ser eficien-
te para que a criança mantenha ou melhore o seu relacionamento com outros e
o respeito próprio e seja capaz de buscar a eficácia para atingir os seus objetivos.
Abordagens cogni vo-comportamentais no contexto escolar 195
RELATO DE CASOS
aceita pelos pais, Paula, aos poucos, apresentou mudança positiva de comporta-
mento: desenvolvimento da autoconfiança, melhora no relacionamento com
seus pares e professores, maior participação em sala de aula (perguntas, traba-
lhos de grupo, etc.), início de autorregulação (desenvolvimento das funções
executivas).
Em seis meses, ela foi capaz de retomar gradualmente uma independência em
relação à leitura e escrita. Os colegas aprenderam a compreendê-la, passaram a
ajudar na autorregulação, sinalizando para ela, para a monitora ou professora
quando os limites estavam sendo ultrapassados. Paula passou a ser incluída
nas brincadeiras e suas habilidades começaram a se destacar, por exemplo, sua
facilidade para apresentações orais.
O trabalho psicopedagógico foi de longo prazo, com intervenções bem espe-
cíficas da psicopedagogia devido à dislexia, realizado de modo contínuo e per-
sistente.
Atualmente, Paula está na faculdade, foi convidada por professores a partici-
par de uma linha de pesquisa como ajudante, vem se destacando em suas
apresentações de trabalho e sempre é escolhida como representante da turma,
pois sabe se defender, bem como aos colegas, e argumentar sobre sua condi-
ção. Paula é muito feliz.
Foi nesse contexto que a mãe nos procurou, preocupada com o baixo de-
sempenho escolar do filho. Percebemos que ele estava demasiadamente fra-
gilizado para encarar suas fraquezas e tínhamos que lhe mostrar, primeiro,
alguma de suas habilidades com o intuito de lhe dar forças para enfrentar os
desafios.
Nesse momento, entrou em cena a TCC, com a utilização de bonecos em for-
ma de pequenos monstros que têm como objetivo retirar da criança o peso de
uma dificuldade que ela imagina ser inerente a ela. Ao se deslocar a dificulda-
de para uma figura externa (o monstro), torna-se muito mais fácil para a
criança lutar contra tal.
Então, contamos a João histórias de alguns monstrinhos que se alojam em
nossa cabeça. No consultório, temos, em um banco de imagem, uma série de
monstrinhos e na medida em que descrevemos para a criança as características
de cada um, ela escolhe aquele que mais se identifica com sua questão. Dessa
maneira, imprimimos o cartãozinho e deixamos que João o levasse para casa
para contar para os pais e amigos os malefícios que ele poderia fazer, caso dei-
xasse que se instalasse em sua cabeça.
Um dos objetivos da TCC é nos ajudar a reconhecer nossos pensamentos dis-
funcionais (aqueles que não nos ajudam a ver com clareza as situações). A
personificação desses pensamentos, através dos monstrinhos, nos possibilita
tratar de forma concreta o problema. Mostramos a João que o monstrinho do
medo “sopra” o que devemos pensar e fazer. E se o obedecemos... Passamos a
ser seus escravos.
Trabalhamos, também, com o Baralho das emoções, mostrando que, muitas ve-
zes, são elas que nos fazem ficar reféns do monstro (pensamentos disfuncio-
nais). Não é que as emoções sejam ruins, mas em determinadas situações te-
mos que entendê-las para saber o que fazer com elas. Se unirmos nossa emo-
ção aos pensamentos do referido monstrinho, somos dominados.
E foi assim, brincando para que ele entendesse a função de cada emoção e
dos pensamentos disfuncionais que, depois de algumas oficinas de habili-
dades, inclusive de pizza, iniciamos com exercícios de matemática, que
eram sua principal dificuldade, como desafio ao monstrinho do medo.
Quem iria vencer?
O final da nossa experiência, e não dessa história, é que na feira de cultura da
escola, João ficou entusiasmado em apresentar um trabalho de culinária, uma
habilidade sua, para os colegas.
Assim, foi com a ajuda da TCC que, em uma abordagem prazerosa, sem colo-
car diretamente o dedo na ferida de uma criança já tão sofrida, mostramos a
ela sua força e as possibilidades de lidar com pensamentos e sentimentos para
superar os desafios dessa vida.
200 Interface entre Terapia Cogni vo-Comportamental e psicopedagogia
aparecer e o que fazer para que ela não ficasse muito forte e, principalmente,
como expressar o que estava sentindo sem prejudicar ninguém. Também brin-
camos muito, criamos histórias, fizemos palhaçadas.
Em relação à escola, o manejo teve por objetivo explicar a real situação da
criança por trás do comportamento disruptivo. A psicóloga escolar ajudou
criando situações de interação entre Gabriel e os colegas, nas quais ele foi in-
serido, aos poucos, em brincadeiras e em trabalhos de grupo. A psicóloga
também passou a acolher o aluno quando este se sentia incapaz de se contro-
lar, auxiliando-o a realizar as técnicas de respiração para se acalmar. Houve
também uma boa parceria no que se referia às dificuldades escolares de Ga-
briel, com adaptação de provas realizadas fora da sala de aula e com um tem-
po maior. Por um tempo, até melhorar suas habilidades com fatos, o aluno re-
cebeu permissão para consultar tabelas ou usar calculadora.
Paralelamente, foi realizado um trabalho específico para desenvolver suas
habilidades em Matemática com utilização tanto de atividades tradicionais
(próximas das escolares), quanto de jogos e brincadeiras. Contamos com a
ajuda de uma professora particular para aproximação dos conteúdos com a
realidade escolar.
Ele consegue agora ser uma criança de verdade. Uma criança feliz!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Abordagens cogni vo-comportamentais no contexto escolar 205
Prefácio .......................................................................................................... 15
Luiz Carlos Prado e Adriana Zanonato
Apresentação ................................................................................................. 17
Juliana Mendes Alves
P I – Introdução
1 Contextualização histórica sobre as abordagens
cognitivo-comportamentais no Brasil e as possíveis
interfaces com a Educação e a psicologia escolar ..................................... 23
Juliana Mendes Alves, Maíssa Ferreira Diniz, Mariana Guimarães Diláscio,
Carmem Beatriz Neufeld e Caroline da Cruz Pavan-Cândido
2 Abordagens cognitivo-comportamentais:
um diálogo com a aprendizagem ............................................................. 32
Mariana Guimarães Diláscio, Estefânia Maria Gonçalves,
Rosa Maria Guimarães, Kalline Cristina Prata de Souza e Juliana Mendes Alves
3 Marcos do desenvolvimento da criança: cognição e comportamento ......... 47
Fernanda Konzen Castro, Rayssa Santos Lima e Juliana Mendes Alves
4 O papel das diferenças individuais em inteligência
na aprendizagem escolar e sua relação com a
Terapia Cognitivo-Comportamental ......................................................... 66
Marcela Mansur-Alves e Marli Valgas-Costa
5 As crenças do educador podem contribuir para o sucesso educacional? ........ 93
Renata Borja Pereira Ferreira de Mello e Allan Magalhães Correia Junior
xiv Sumário