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Uma das actividades industriais que, ao longo dos tempos, exerceu uma 1 A. L. de Carvalho (1942), Os Mesteres de Guimarães - III. Barcelos:
Companhia Editora do Minho, p. 29.
significativa importância em Guimarães foi, sem dúvida, a da indústria de 2 Como se pode observar na planta desenhada por Mário Cardoso em 1922.0
autor teve o cuidado de salientar a existência no local de vários conjuntos de
curtumes. A primeira referência conhecida sobre a existência desta actividade tanques de curtimenta. Cl. W . AA. (1985), Guimarães. Do Passado e do
Presente. Porto: Câmara Municipal de Guimarães, p. 251
encontra-se documentada desde 1151, ainda antes de D. Afonso Henriques ver 3 José Acúrsio das Neves (1814), *Mapa Geral Estatístico que representa as
Fábricas do Reino no estado em que existiam nos primeiros tempos depois da
reconhecido pelo papa Alexandre III o seu título de rei de Portugal através da última invasão’ , Obras Completas. Porto: Edições Afrontamento, s/d, Volume
3, pp. 258-261.
bula Manifestis Probatum. Trata-se de uma carta de venda de uma vinha', 4 Informação e mapa do Corregedor da Comarca, de 23 de Setembro de 1811.
Idem, p. 271.
datada daquele ano, a qual constitui o mais antigo documento conhecido em 5 José Augusto Vieira (1887), 0 Minho Pitoresco. Lisboa: Livraria de António
Maria Pereira Editor, Tomo I, p. 615.
que se faz alusão ao Rio de Couros, uma zona extra-muralhas, onde se
concentrava aquela actividade industrial.
importante, correspondendo-lhe mais de 35% do total de oficinas existentes no 6 Avelino da Silva Guimarães (1892). ‘Subsídios para a história das indústrias
vimaranenses', Revista de Guimarães, Guimarães, IX (1): 49.
país, seguindo-se-lhe Santarém e Lisboa, com 11% e 9,5%, respectivamente.
Testemunhando esta boa situação económica das oficinas vimaranenses
destacava-se a “Fábrica de curtumes de sola e bezerros” de Joaquim José
Peixoto que “pelas suas fadigas e despesas” conseguira que “ela seja hoje a de
maior laboração e consumo daquele distrito”, a qual obteve de D. João VI, em 11
de Janeiro de 1819, o título de “real”, assim como a permissão de colocar as
Armas Reais no respectivo pórtico6.
A indústria de curtumes em Guimarães (sécs. XIX-XX) /José Manuel Lopes Cordeiro
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A importância que a indústria de curtumes tinha alcançado em Guimarães 7 Conselho Geral das Alfândegas (1865), Inquérito Industrial de 1865. Actas
das Sessões da Comissão de Inquérito. Lisboa: Imprensa Nacional, pp. XXXIV-
em meados do século XIX é-nos revelada pelas declarações que os fabricantes XXXV.
8 Eduardo Moser (1874), Breves Observações sobre a Projectada Via Férrea de
de curtumes da cidade do Porto prestaram no Inquérito Industrial de 1865 Bougado a Guimarães Entroncando com as Vias Férreas do Porto a Braga e à
Régua Feitas sobre Dados Estatísticos. Porto: Typographia Lusitana, p. 44
quando salientam que "as fábricas de Guimarães [são] as principais neste 9 Josep M. Torras I Ribé (1991), Curtidores y Tenerfas en Catalufta:
organización de un oficio pre-industrial (Siglos XIV-XIX). Vic: Colomer
género de indústria, podendo satisfazer todas as necessidades do país, como Munmany, pp. 237-238.
extensivo, no qual só se podia aumentar a produção ampliando as instalações 16 Josep M. Torras I Ribé (1991), Op. cit., pp. 303-304.
17 Alberto Sampaio e Joaquim José de Meira (1884), Op. cit., pp. 156 e 219.
com a construção de novos tanques, a um conceito de trabalho intensivo, em 18 Josep M. Torras I Ribé (1991), Op. cit., p. 297.
19 No Porto, no final do séc. XIX, tinha-se introduzido o ácido sulfúrico. Cf.
que se encurtava drasticamente o período necessário para a curtição, com o Alberto Sampaio e Joaquim José de Meira (1884), Op. cit, p. 157.
De facto, pelo valor do capital fixo - o qual nos revela os bens que uma 20 Alberto Sampaio e Joaquim José de Meira (1884), Op. cit., p. 218.
empresa dispõe para levar a cabo a sua produção (instalações, maquinaria, etc)
- podemos formular uma ideia bastante precisa das condições materiais em que
se exercia a sua actividade. Analisando o Quadro II, deparamos com uma
situação na qual, em dezassete empresas, dez apresentam um valor para o
capital fixo inferior a 100$000 réis, o que obrigaria à sua classificação no
agrupamento das “pequenas unidades”, tanto mais que algumas delas
apresentam montantes extremamente baixos. No entanto, os membros da
Comissão de Inquérito assim não entenderam, englobando no agrupamento das
“pequenas unidades" outras empresas não obstante o montante do seu capital
fixo, em média, ultrapassar ligeiramente os 200$000 réis. No que diz respeito
aos valores do capital circulante verifica-se uma situação equivalente, pois o
valor médio que as “pequenas unidades" apresentam é de 1.6073571, e nove
empresas que não figuram naquele agrupamento (de um total de dezassete)
dispõem de um capital circulante de valor inferior. Mas é a análise da estrutura
dos capitais que nos proporciona as conclusões mais interessantes. De facto, o
grau de relativo atraso que as empresas vimaranenses apresentavam traduz-se
muito claramente na preponderância do capital circulante na sua estrutura
económica. Com a excepção de praticamente apenas uma empresa (de
Caetano Mendes Ribeiro) a maioria das outras apresentava valores para o
capital circulante muito superiores aos do capital fixo. Esta característica das
empresas de Guimarães traduzia uma situação muito mais próxima do antigo
sistema manufactureiro do que da economia industrial, protagonizado pela
empresa moderna. A necessidade de disporem de capitais para a realização de
investimentos a curto/médio prazo é-nos confirmada pela seguinte apreciação:
“esta indústria está sujeita a frequentes empates e crises; mas o negociante que
for previdente e cauteloso, que possa sem maior sacrifício conservar capitais
dormentes, esperando ocasião propícia, levanta avultada fortuna, como tem
sucedido repetidas vezes”20. Por outro lado, as formas societárias que
encontramos nestas empresas são ainda pouco evoluídas, baseando-se quase
sempre na empresa individual, de carácter familiar. Na realidade, constituíam
unidades de pequena dimensão, apresentando um reduzido grau de
concentração - a média de operários é de 8,75 por unidade - e, como vimos,
apresentando uma escassa dotação tecnológica.
poderes públicos para aquela situação e, simultaneamente, tentar convencê-los 21 Ver, a este propósito, José M. Lopes Cordeiro, *A persistência do 'sistema
antigo': a indústria em Guimarães na época da Exposição de 1884', in J. J.
da necessidade da criação de uma Escola Industrial em Guimarães, que Meira e Alberto Sampaio, Relatório da Exposição Industrial de Guimarães em
1884. Porto: Tip. de António José da Silva Teixeira, 1884 (Reedição fac-
satisfizesse essa carência21. Aliás, não só era reclamada a criação de uma similada da responsabilidade da Muralha - Associação de Guimarães para a
Defesa do Património, Guimarães, 1991), pp. III-XII.
escola industrial como, segundo alguns, era mesmo indispensável estabelecer 22 Alberto Sampaio e Joaquim José de Meira (1884), Op. cit.. p. 239.
23ldem. p. 144. Relerindo-se à limitada qualidade e diversidade industrial
“uma escola que química industrial”22, iniciativa que se revestiria, sem dúvida, de enlão existente, Joaquim de Vasconcelos sublinha que *os entendedores que
consultamos acham as selas e selins, arreios, etc, ainda susceptfveis de
uma grande importância para a indústria de curtumes. De facto, naquela época, bastante aperfeiçoamento*, e que 'juntando todos os artefactos que derivam da
aplicação do couro mais ou menos tino, achamos falta de muitos produtos, de
e não apenas em Guimarães mas de uma maneira geral no país inteiro, a inúmeras peças que dão no estrangeiro milhares de contos anualmente.
Lembraremos só o género carteiras e porte-monnaies, estojos, tinteiros, etc
iliteracia constituía uma realidade que afectava negativamente o mundo do ...*. Ibidem.
2 4 Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (1881), Inquérito
trabalho. Esta deficiência de capital humano traduzida por um baixo nível Industrial de 1881. Inquérito Directo. Segunda Parte. Visita às Fábricas. Livro
Terceiro. Lisboa: Imprensa Nacional, pp. 265-266.
educacional, de saber técnico e de receptividade à inovação era 25 Alberto Sampaio e Joaquim José de Meira (1884), Op. ciL, p. 202.
operariado vimaranense, a Sociedade Martins Sarmento26, prestava uma 26 Consciente dos problemas que então afectavam as antigas indústrias
vimaranenses a Sociedade fundou "dois cursos noctumos, de francês e de
particular importância a matérias que provavelmente teriam um interesse desenho, e nomeou comissões de comerciantes, fabricantes e consócios, para
procederem a inquéritos parciais por classe de indústria, realisou uma
secundário na formação técnica dos operários do sector. Daí, a pouca conferência pública na sala da biblioteca, tomando por tema - a importância da
indústria vimaranense, e meios de a melhorar -, e resolveu se promovesse
receptividade que estas iniciativas naturalmente encontraram, situação cuja uma Exposição Industrial puramente concelhia". Idem, p. 203
27 Idem, p. 217.
análise hoje em dia não nos causa nenhuma estranheza, mas que naquela 28 Como efectivamente aconteceu com os produtos da fábrica do dinamarquês
João Luís Smith, do Porto (Tv. da Póvoa de Cima, 1), a qual era "a única que
época, de acordo com o seguinte comentário, parece ter provocado alguma preparava vitela branca igual ou superior à francesa, a um ponto que a tem
expulso do mercado". Cf. Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria
surpresa e, até, decepção: “apesar da propaganda activa da Sociedade Martins (1881), Op. cit., p. 73. Ver também Alberto Sampaio e Joaquim José de Meira
(1884), Op. cit., p. 219.
Sarmento, ainda nenhum curtidor, ou surrador, frequenta o curso nocturno de
francês”27.
transmontanos deste centro fabril, que hoje, pela comodidade da linha férrea do 29 Alberto Sampaio e Joaquim José de Meira (1884), Op. cit., p. 219.
30 Eduardo Moser (1874), Breves Observações sobre a Projectada Via Férrea
Douro, se abastecem frequentemente no mercado do Porto. Antes de aberta a de Bougado a Guimarães Entroncando com as Vias Férreas do Porto a Braga e
à Régua Feitas sobre Dados Estatísticos. Porto: Typographia Lusitana.
linha do Douro, Guimarães conservava com a maior parte de Trás-os-Montes
estreitas relações seculares. Não se viu em Guimarães, ou viu-se mal, que,
desviada a linha do Minho para Famalicão, e aberta a do Douro, este centro
produtor ficaria isolado, fora do movimento comercial, como ficou até à recente
abertura do caminho de ferro do Bougado. Uma parte de Trás-os-Montes,
Chaves e povoações imediatas da linha de nascente a poente, desejam
ardentemente que a linha férrea de Guimarães reate as antigas relações (...)”29.
A lentidão com que foi construída a linha entre a Trofa e Guimarães, e as
vicissitudes por que passou, retiraram à indústria vimaranense a vantagem
estratégica que até então dispunha pelo facto de representar um dos mais
importantes centros produtores de curtumes a nível nacional. Nesta época, a
construção de ligações ferroviárias, acompanha e influencia a restruturação do
mercado nacional que então se está, verdadeiramente, a constituir. Ao manter-
se, durante demasiado tempo, fora deste movimento que então se estava a
processar, aliado ao facto de a rede ferroviária então em construção não
contemplar uma ligação directa com os seus mercados tradicionais da região do
Alto Douro e de Trás-os-Montes, com os quais desde há muito entretinha uma
ligação privilegiada, é compreensível que os industriais vimaranenses
começassem a sentir dificuldades na colocação dos seus produtos.
qual se destacavam as figuras de António de Moura Soares Veloso e do 31 Manuel Alves de Oliveira (1982), Lá Vem o Comboio Novo!... Guimarães:
Edição do Autor, pp. 54-75.
Visconde da Ermida, vai possibilitar a conclusão da linha até Guimarães, o que 32 Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (1881), Op. cit., p.
265.
se verifica em 1884. Mais tarde, em 1907, foi construído o troço Guimarães-Fafe, 33 Francisco Martins (Org.) (1928), Guimarães. 0 Labor da Grei. Publicação
comemorativa da Exposição Industrial e Agrícola Concelhia realizada em
não se tendo no entanto concretizado o projecto inicial de prolongar a linha de Agosto de 1923. Guimarães: Edição do Autor, p. 189.
Fontes e bibliografia
1. Fontes Manuscritas
2. Fontes Impressas
2.1. Estatísticas e relatórios
CONSELHO GERAL DAS ALFÂNDEGAS (1865), Inquérito Industrial de 1865. Actas das
Sessões da Comissão de Inquérito. Lisboa: Imprensa Nacional.
NEVES, José Acúrsio das (1814), “Mapa Geral Estatístico que representa as Fábricas do
Reino no estado em que existiam nos primeiros tempos depois da última invasão", Obras
Completas. Porto: Edições Afrontamento, s/d, Volume 3, pp. 239-271.
Bibliografia
ALVES, José Maria Gomes (1977), “Duas notícias [A zona de interesse arqueológico-
industrial das antigas fábricas de curtumes em Guimarães]”, Revista de Guimarães,
Guimarães, LXXXXVII: 281-284.
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A indústria de curtumes em Guimarães (sécs. XIX-XX) /José Manuel Lopes Cordeiro 261
MOSER, Eduardo (1874), Breves Observações sobre a Projectada Via Férrea de Bougado a
Guimarães Entroncando com as Vias Férreas do Porto a Braga e à Régua Feitas sobre
Dados Estatísticos. Porto: Typographia Lusitana.
TORRAS I RIBÉ, Josep M. (1994), “La industria del curtido en Cataluna: del trabajo manual al
uso de la energia eléctrica”, in Jordi Nadai e Jordi Catalán (Eds.), La Cara Oculta de la
Industrialización Espanola. La modernización de los sectores no líderes (siglos XIX y XX).
Madrid: Alianza Editorial, pp. 295-319.
VIEIRA, José Augusto (1887), O Minho Pitoresco. Lisboa: Livraria de António Maria Pereira
Editor.