Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
© Copyright Éditions
Gallimard, 1969
Traduzido de:
L'Archéologie du Savoir
CIP-Brasil Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
FS6a Foucault, Michel, 1926-1984
7.ed. A arqueologia do sabei/Michel Foucault; tradução de Luiz Felipe Baeta Neves,
-7ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
(Campo Teórico)
Tradução de: L'archéologie du Savoir
ISBN 978-85-218-0344-7
03-2742
CDD 121
CDU 165
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Sumário
I - INTRODUÇÃO .............................................................................. 1
A MUDANÇA E AS TRANSFORMAÇÕES
A
Consideremos, de início, a aparente sincronia das formações
discursivas. Uma coisa é verdadeira: por mais que as regras
estejam investidas em cada enunciado, por mais que, por
conseguinte, sejam reutilizadas em cada um, elas não se modificam
a cada oportunidade; podemos reencontrá-las em atividade em
enunciados ou grupos de enunciados bem dispersos no tempo.
Vimos, por exemplo, que os diversos objetos da história natural,
durante aproximadamente um século - de Tournefort a Jussieu -,
obedeciam a regras de formação idênticas; vimos que a teoria da
atribuição é a mesma e desempenha o mesmo papel em Lancelot,
Condillac e Destutt de Tracy. Além disso, vimos que a ordem dos
enunciados segundo a derivação arqueológica não reproduzia,
forçosamente, a ordem das sucessões: podem-se encontrar em
Beauzée enunciados arqueologicamente anteriores aos que se
encontram na Grammaíre de Port-Royal. Há, então, em semelhante
análise, uma suspensão das sequências temporais - para sermos
mais exatos, do calendário das formulações. Mas a suspensão tem
precisamente por fim fazer aparecerem relações que caracterizam a
temporalidade das formações discursivas e a articulam em séries,
cujo entrecruzamento não impede a análise.
a) A arqueologia define as regras de formação de um conjunto de
enunciados. Manifesta, assim, como uma sucessão de
A Arqueologia do Saber 189
texto que o situaria de uma vez por todas; mas sim que aconteceu uma
transformação geral de relações que, entretanto, não altera forçosamente
todos os elementos; que os enunciados obedecem a novas regras de
formação e não que todos os objetos ou conceitos, todas as enunciações
ou todas as escolhas teóricas desaparecem. Ao contrário, a partir dessas
novas regras, podem ser descritos e analisados fenômenos de
continuidade, de retorno e de repetição: não se deve esquecer, na verdade,
que uma regra de formação não é nem a determinação de um objeto, nem
a caracterização de um tipo de enunciação; nem a forma ou o conteúdo de
um conceito, mas o princípio de sua multiplicidade e de sua dispersão.
Um desses elementos - ou vários entre eles - podem permanecer idênticos
(conservar o mesmo recorte, os mesmos caracteres, as mesmas
estruturas), mas pertencendo a sistemas diferentes de dispersão e
obedecendo a leis distintas de formação. Podem-se, então, encontrar
fenômenos como estes: elementos que perduram ao longo de diversas
positividades distintas, mantendo a mesma forma e o mesmo conteúdo,
mas com formações heterogêneas (a circulação monetária como objeto, de
início, da análise das riquezas e, em seguida, da economia política; o
conceito de caráter, a princípio na história natural e depois na biologia);
elementos que se constituem, se modificam, se organizam em uma
formação discursiva e que, afinal estabilizados, figuram em outra [como o
conceito de reflexo, cuja formação na ciência clássica de Willis a
Prochaska e, depois, a entrada na fisiologia moderna foram mostradas por
G. Canguilhem); elementos que aparecem tarde, como uma derivação
última em uma formação discursiva e que ocupam uma posição
dominante em uma formação ulterior (como a noção de organismo,
surgida no final do século XVII], na história natural, e como resultado de
toda a empresa taxionômica de caracterização, e que se torna o conceito
maior da biologia na época de Cuvier; o mesmo ocorre com a noção de
foco de lesão que Morgagni revela e que se toma um dos conceitos
principais da medicina clínica); elementos que reaparecem após um
período de desuso, de esquecimento ou mesmo de invalidação (como o
retorno a um fixismo do tipo do de Lineu em um biólogo como Cuvier;
como a reativação da velha idéia de língua originária no século XVIII). O
problema para a arqueologia não é negar tais fenômenos, nem querer
diminuir sua importância; mas, ao contrário, medi-los e tentar explicá-los:
como pode haver permanências ou repetições, longos encadeamentos ou
curvas que transpõem o tempo. A arqueologia não considera o contínuo
como o dado primeiro e último que deve dar conta do resto; considera, ao
contrário, que o mesmo, o repetitivo e o ininterrupto constituem um
problema tanto quanto as rupturas; para ela, o idêntico e o contínuo não
são aquilo que é preciso reencontrar no fim da análise; eles figuram no
elemento
196 Michel Foucault