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Estudos Sobre a Contemporaneidade II

Semestre: 2022.2 – turma 1 (segundas-feiras)

Docente: Ramon Fontes

Discente: Marília Gabriela Araújo Antunes

Experimento A

“Quando encontrei uma/ume/um fantasma...”

Desde o início do corrente semestre que religiosamente, de segunda a sexta, eu saio da minha
casa, em Lauro de Freitas, no final da manhã para assistir às aulas na UFBA, campus Ondina,
no período da tarde. São, em média, duas horas de ida e duas de volta, totalizando em torno
de 4 horas diárias dentro do ônibus (pego um ônibus perto da minha casa e vou com ele todo
o trajeto, até descer próximo às esculturas das gordinhas). Sendo assim, sempre faço o
mesmo percurso, passando boa parte da viagem observando, principalmente, a orla e sempre
me chamou a atenção uma certa estrutura que não parece ser notada ou é extremamente
normalizada pelas pessoas que me cercam e que por ali transitam. Ao lado da Praia da
Paciência, há um morro. Quem está se locomovendo sentido Rio Vermelho-Ondina visualiza
logo uma casa de luxo em contraste com um complexo de casas simples e não uniformes.

As pessoas que moram do lado não rico do morro constituem uma comunidade intitulada de
Alto da Sereia, que é reconhecida como uma das comunidades quilombolas de Salvador. Não
diferente do que acontece com as outras, a população desse local convive constantemente
com ameaças de perda de suas casas, além de sofrerem do sufocamento produzido pela
gentrificação, visto que estão situadas em região bem próxima ao mar e têm em seu entorno
imóveis de valores altíssimos. Além da valorização por especulação imobiliária, um fator
preponderante para a violência com essas comunidades são as heranças da colonização,
processo chamado de colonialidade.
A colonialidade pode ser entendida como as consequências de um passado marcado pela
dominação, violência e a subalternização de povos, tidos como inferiores e negados em todos
os sentidos, produzindo, assim, a desumanização desses seres. Paralelo a isso, há o conceito
de fantasmagoria colonial, trabalhado pela professora e pesquisadora Paola Leblanc, que
dialoga diretamente com o conceito de colonialidade por também tratar da decolonialidade à
medida que discorre sobre o apagamento de povos negros no contexto histórico, sobretudo os
formatos assumidos na contemporaneidade, as violências que produziram territórios
fantasmas e sujeitos invisíveis, mas que resistem fora da lógica normativa de poder, situada
nas mãos de homens brancos. A decolonialidade é considerada como caminho para resistir, ir
de encontro aos padrões de produção de invisibilidades e violências, conceitos e perspectivas
impostos aos povos subalternizados.

A fantasmagoria pode se configurar não só pela ótica do apagamento, como também pelas
potencialidades dos corpos que resistem a esse processo. É o que Dénètem Bona trata, no
capítulo “Espectrografia da Fronteira” do livro “Cosmopoéticas do Refúgio”, quando o
personagem “homem sentado” (representando a ideia de uma pessoa mais velha e astuta)
oferece ao “homem que corre” (que transmite ideia de pessoa jovem e imediatista) uma
toxina advinda do peixe Baiacu para que ele tenha melhores resultados na sua jornada de
atravessar a fronteira. Essa toxina provocaria um estado de “quase morte”, um acalmar
profundo dos sinais vitais, mas que em nada possui relação com a morte propriamente dita ou
a uma submissão.

Uma possível relação a ser feita com esse texto é, justamente, o não enfrentamento direto
com as estruturas hegemônicas de poder. Quase morte significaria, então, uma forma
subterrânea de lidar com a violência, estratégias de sobrevivência desenvolvidas e aplicadas
pelas minorias políticas, nesse caso pessoas negras e pobres, a fim de coexistir com uma
parcela populacional que controla os principais meios de existência e mata institucionalmente
quem foge da sua estrutura normativa.

A comunidade do Alto da Sereia sofre, além dos apontamentos feitos acima, com
deslizamentos de terra. Em 2018, uma casa foi destruída por um deslizamento. As casas
próximas foram condenadas e os moradores que tiveram que deixar o local receberam um
auxílio de apenas trezentos reais. Posteriormente, a prefeitura emitiu um decreto, assinado
pelo então prefeito ACM Neto, que obrigava boa parte das moradoras e moradores a
deixarem suas casas sob um suposto risco ao qual suas casas estariam expostas. Não foi
apresentado nenhum documento que comprovasse tal decreto. A comunidade segue em luta
pelos seus direitos e resistindo aos apagamentos sistemáticos.

Índice de catalogação do fantasma

Nome: Resistência Quilombola;

Apelido: Incômodo ao sistema hegemônico de poder;

Origem: Colonialismo e escravidão;

Habitat: Debaixo do nariz das estruturas de poder vigentes;

Dieta: Se alimenta do amor à família e do direito à vida;

Padrões de comportamento: Hábitos subterrâneos, traceja as lutas pelas bordas do embate.


Referências

Colonialidade e Decolonialidade: você conhece esses conceitos? Disponível em:


<https://www.politize.com.br/colonialidade-e-decolonialidade/>. Acesso em: 22 out. 2022.

LEBLANC, P. B. Fantasmagorias Coloniais. www.academia.edu, [s.d.].

BONA, Dénetèm. Cosmopoéticas Do Refúgio. Cultura e Barbárie; 1ª edição (1º janeiro


2020).

TARDE, A. Moradores do Alto da Sereia fazem retirada de pertences de imóveis. Disponível


em:
<https://atarde.com.br/bahia/bahiasalvador/moradores-do-alto-da-sereia-fazem-retirada-de-pe
rtences-de-imoveis-959190?_=amp>. Acesso em: 24 out. 2022.

Alto da Sereia Resiste! no Instagram. Disponível em:


<https://www.instagram.com/p/BySx0A-pOrI/?igshid=YmMyMTA2M2Y=>.
Acesso em: 22 out. 2022.

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