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Volume 18 • No 1 • 2023
Conceitos em Genética
Genética e Sociedade
Na Sala de Aula
Materiais Didáticos
Resenhas
Um Gene
Índice
Conceitos em Genética
Viroide – um RNA parasita......................................................................................................1
Tiago Campos Pereira, Danyel Fernandes Contiliani
Genética e Sociedade
Biológico e social andam juntos: como a genética pode nos ajudar a entender
a complexidade da constituição de sexo/gênero.....................................................................7
Carolina Moraes Martins de Barros, Maíra Batistoni e Silva
Na Sala de Aula
A história evolutiva dos cetáceos: um modelo para o ensino de ancestralidade
comum e classificação biológica em uma sequência de ensino investigativa.........................15
Larissa Rocha de Carvalho, Ana Clara Chromeck da Silva, Giovanna Civitate Bastos, Rebeca Jacinto Bonfim,
Igor Augusto Bonifácio Santana, Daniela Lopes Scarpa, Maíra Batistoni e Silva
Materiais Didáticos
Uno das bases nitrogenadas: recurso didático para o ensino
do emparelhamento de bases e mutações pontuais..............................................................31
Ana Thaila Rodrigues Felix, Priscila Barreto de Jesus
Será que tem um pintinho?
Uma aula prática para desvendar os segredos do ovo de galinha..........................................46
Larissa Ferragute Gouveia, Igor Buzzatto Leite, Thaís Metzker Pinto, Jórdan Fares Sampar,
Carolina Stefano Mantovani, Lúcia Elvira Alvares
Uso de ferramentas online no estudo de mutações...............................................................59
Monica Laner Blauth, Maria Helena Romano Santin, Rafael Martins dos Santos
Um monge no jardim.............................................................................................................71
Adauto Lima Cardoso, Ana Carolina Guedes Pedreira, Ana Carolina Milos Alves da Silva, Ariana Musa de Aquino,
Arthur Gasparindo Moreira, Ciro Hugo Elnatan de Souza Santos, Gabriela Larissa Lima da Silva, Larissa Baldo Vieira,
Layla Nechy Rodrigues dos Santos, Maiara Ribeiro Cornacini, Renato de Oliveira Neves, Solange Rivas, Vitor Luiz da Silva
Resenhas
Paper Models: um recurso pedagógico acessível para o ensino
da estrutura de ácidos nucleicos e proteínas.........................................................................80
Renato Massaharu Hassunuma, Luan Ednelson Soares Garcia, Giovanni Augusto Lima de Oliveira,
Patrícia Carvalho Garcia, Michele Janegitz Acorci-Valério, Marjorie de Assis Golim, Sandra Heloisa Nunes Messias
Heather Dewey-Hagborg: arte contemporânea, biopolítica e genética.................................82
Paula Fernandes Tavares Cezar-de-Mello
Um Gene
Dsup: um gene de tardígrado associado à tolerância à radiação............................................84
Vitor Nolasco de Moraes, Danyel Fernandes Contiliani, Tiago Campos Pereira
CONCEITOS EM GENÉTICA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Viroide –
um RNA parasita
Figura 1.
Figura 2.
O mecanismo de replicação
do viroide por círculo
rolante. Convencionalmente,
o viroide é designado de fita
(ou polaridade) positiva (+).
Apesar de ter alto grau de
complementaridade interna, por
questões didáticas, ele é aqui
representado simplesmente
como um círculo. No núcleo, ele
é replicado pela RNAPII, enzima
essa que se liga ao viroide
(representado como um círculo
vermelho), e percorre toda sua
extensão ininterruptamente
(tal como se estivesse rolando
pelo círculo), gerando uma
longa cadeia de RNA (em azul)
com diversas cópias (isto é,
multimérica) de polaridade
negativa (-). É importante
ressaltar que parte da cadeia
azul está perfeitamente
emparelhada com a vermelha,
formando um RNA de dupla fita
(dsRNA) perfeito (duas regiões
circulares lado a lado). A cadeia
multimérica (concatâmero) é
então clivada nas unidades
fundamentais (isto é, no
tamanho do próprio genoma
do viroide, o monômero) por
Figura 3.
O mecanismo de patogênese
do viroide. Durante sua
replicação, os viroides geram
RNAs de dupla fita (dsRNAs)
perfeitos, os quais são
reconhecidos pela célula, e
processados em pequenos
fragmentos pela enzima Dicer,
denominados pequenos RNAs
de interferência (siRNAs).
Os siRNAs constituem os
complexos celulares RISC,
os quais identificam (por
complementaridade) e tentam
clivar os demais RNAs derivados
do viroide (setas tracejadas
1). Entretanto, alguns siRNAs
viroidais (regiões em verde)
apresentam complementaridade
parcial com RNAs mensageiros
da célula vegetal, levando ao
corte e destruição acidental
dessas moléculas (seta tracejada
2). A redução destes mRNAs
do hospedeiro resulta nos
Entretanto, no caso dos viroides, algo ines- as regiões complementares dos mRNAs da sintomas e está envolvida com o
perado ocorre. Os fragmentos derivados do célula vegetal, resultando na destruição aci- desenvolvimento da doença em
si. Imagem baseada em Wang,
viroide apresentam complementaridade par- dental destas moléculas (Figura 3). Assim, M.B. e colaboradores, 2004.
cial com RNAs mensageiros da célula, per- os mRNAs atingidos se tornam incapazes de
mitindo o emparelhamento de bases entre gerar os seus produtos de maneira suficiente,
tais moléculas. Portanto, uma vez que esses inviabilizando suas funções biológicas. Esse
fragmentos se associam ao complexo ribo- evento, por sua vez, leva ao surgimento de
Complexo
nucleoproteico RISC (do inglês, complexo sintomas típicos de doenças viroidais, tais ribonucleoproteico -
induzido por RNA) ele é encaminhado até como a redução de tamanho de estruturas da agregados moleculares
formados por RNA e proteínas.
planta, ondulação das folhas, alterações na FLORES, R.; NAVARRO, B.; DELGADO, S.;
casca, clorose e deformação de tubérculos, SERRA, P.; DI SERIO, F. Viroid pathogenesis:
a critical appraisal of the role of RNA silencing
frutos e flores. Portanto, em síntese, ao tentar in triggering the initial molecular lesion. FEMS
combater o viroide, a planta acaba destruin- Microbiol Rev. v. 44, n. 3, p. 386-398, 2020.
do alguns de seus RNAs, levando à doença. Clorose - redução anormal da
CLARK, D.P.; PAZDERNIK, N.J.; MCGEHEE, produção de clorofila em folhas
Por fim, é relevante destacar que os viroides M.R. Molecular Biology (Third Edition). Chapter vegetais, deixando-as amarelas
24 - Viruses, Viroids, and Prions. Academic Cell, ou brancas.
da família Pospiviroidae se replicam no nú-
p. 749-792, 2019.
cleo (por meio da RNAPII, tal como descri-
to anteriormente) ao passo que os viroides
da família Avsunviroidae se multiplicam no
cloroplasto (por meio de outra RNA po-
limerase, que atua nessa organela). Diante
disso, levanta-se a hipótese de que outros
mecanismos moleculares de patogênese exis-
tam, tal como a interação do RNA do viroide
com genes no núcleo ou no genoma do clo-
roplasto, alterando a expressão dos mesmos,
resultando assim nos sintomas observados.
Conclusões
Os viroides estão entre os parasitas estru-
turalmente mais simples conhecidos pela
ciência. Viroides são seres vivos? Essa é uma
pergunta difícil de ser respondida, princi-
palmente pelo fato de não possuirmos, no
presente, uma definição universalmente
aceita sobre o que é vida. Entretanto, consi-
derando-se o fato de que viroides possuem
material genético, são replicados dentro da
célula, sofrem mutação e passam por seleção
natural, os pontos a favor de seu status como
vivos são relevantes. A eventual identificação
dessa classe de RNAs parasitas infectando
outros grupos (arqueias e animais), assim
como a compreensão a respeito da origem
dos viroides e sua correlação filogenética com
os vírus e as células, constituiriam descober-
tas marcantes.
A participação de mulheres no esporte veio junto com a regulação dos corpos, ou seja, a defi-
nição de características que servem para identificar o que é masculino ou feminino e a tenta-
tiva de adequar as pessoas, especialmente mulheres, nessa classificação. Nesse contexto, um
caso emblemático é o da atleta María-José Martinez Patiño, uma mulher que foi banida das
competições esportivas por apresentar cariótipo XY, ainda que não possuísse características
físicas ou genitais associadas aos corpos masculinos. Usamos esse caso como motivador para
discutir quais são as bases genéticas para a determinação e a diferenciação sexual, além dos
cromossomos X ou Y, e como esses conceitos podem ser usados como temas gancho para
reflexões na educação básica.
Figura 1.
Representação de como sexo
e gênero interagem ao longo
do desenvolvimento para
determinar a sua expressão no
indivíduo. Adaptado de Regitz-
-Zagrosek (2012).
Figura 2.
Cariótipo humano, incluindo
os cromossomos X e Y, obtido
a partir de metáfases mitóticas
após cultura de linfócitos
de sangue periférico. Já no
núcleo interfásico, quando há
cromossomos X em dose dupla,
um deles fica mais condensado,
pois está inativado, formando
a cromatina sexual, que pode
ser visualizada após esfregaço
de células da mucosa oral.
O processo de inativação de
um dos cromossomos X em
indivíduos com dois X permite
que haja compensação da dose
da expressão dos genes do
cromossomo X em relação ao
cromossomo Y, que é menor
que o cromossomo X, e não
possui muitos dos genes que
estão presentes no cromossomo
X. Fonte: WikiMedia Commons,
cortesia do National Human
Genome Research Institute.
Diferenciação Sexual
atletismo espanhola orientou Patiño a se re- Diferenciação Sexual Diferente (DSD), Diferente (DSD) - termo
tirar da prova, declarar que tinha uma lesão e mas que fisiologicamente não teriam vanta- usado para descrever o grupo
se aposentar permanentemente do atletismo. gens no desempenho esportivo, como Patiño. de pessoas que possuem
alterações no desenvolvimento
Ela se recusou, competiu e venceu a prova de Apesar da ampla oposição, o COI e a IAAF típico dos caracteres sexuais,
60 m com barreira. Ao cruzar a linha de che- mantiveram a política de testagem durante algumas das quais podem
gada, com a repercussão de sua vitória, suas as décadas de 1980 e 1990, argumentando dificultar enquadrar o
informações médicas foram vazadas para a que o objetivo não era classificar as pessoas indivíduo no sexo masculino
ou feminino. O termo tem
imprensa. Com a divulgação do resultado em um dos dois sexos, mas impedir que ho-
sido utilizado em substituição
do exame de cariótipo, Patiño foi expulsa mens se passassem por mulheres para conse- a termos mais antigos como
do time de atletismo espanhol, perdeu seu guir vantagens competitivas. Com as críticas, intersexo ou anomalia da
auxílio, a residência para atletas e sua bolsa houve mudanças nos métodos de testagem. diferenciação sexual (ADS),
universitária. Seus recordes a nível nacional Ao invés de cariótipo, passou-se a se realizar por ser considerado menos
estigmatizante.
foram apagados do histórico da modalidade, um teste genético que utiliza uma técnica
como se ela tivesse trapaceado para conquis- mais moderna, a reação em cadeia da po-
Reação em cadeia da
tá-los. limerase (PCR), para avaliar a presença do polimerase - técnica
gene SRY, gene crucial na determinação do biomolecular por meio da
Ainda assim, ela não se conformou e lutou sexo masculino localizado no cromossomo qual moléculas de DNA são
por uma revogação da desqualificação. Pa- Y. Apesar da modernização da técnica, o ob- replicadas sucessivamente, em
tiño não acreditava possuir qualquer vanta- jetivo da testagem continuava a ser a distin-
tubo de ensaio, o que resulta na
gem física e, apesar do resultado de cariótipo, sua amplificação. Essa técnica é
ção genética entre homens e mulheres. baseada no processo pelo qual
defendia que era uma mulher como qualquer ocorre a replicação de DNA
outra, inclusive fisicamente. Nos dois anos naturalmente.
seguintes, a atleta recebeu apoio de ativistas
do esporte e pesquisadores da área médica e,
https://www.sport.es/labolsadelcorredor/wp-content/uploads/2017/08/Maria-Jose-Martinez-Patino001.jpg
após uma intensa investigação, concluiu-se
que seu corpo não possuía sensibilidade à
testosterona. Ou seja, mesmo durante o de-
senvolvimento embrionário, não houve qual-
quer resposta à ação hormonal de andróge-
nos. Efetivamente, apesar de seu cariótipo
XY, seu corpo não respondia à testosterona.
Em 1988, a comissão médica da IAAF au-
torizou-a a retornar às competições - foi a
primeira pessoa a ser requalificada como mu-
lher em eventos esportivos. Porém, devido
ao tempo sem competir profissionalmente,
Patiño não se classificou para os Jogos Olím-
picos de 1992 e sua carreira esportiva termi-
nou. Atualmente, ela é pesquisadora política
e da ciência do esporte, atuando pelos direi-
tos humanos e inclusão esportiva.
O caso de Patiño fortaleceu as críticas à tes-
tagem de sexo, servindo como evidência de
que a comunidade esportiva deveria se opor Andrógenos - hormônios
esteroides associados às
à compulsoriedade desses testes. Os testes de A obrigatoriedade dos testes de sexo perma- características sexuais
sexo, como realizados até então, foram criti- neceu até os anos 2000, quando finalmente secundárias masculinas, dentre
cados inclusive por geneticistas, endocrino- o COI e outras entidades esportivas revoga- os quais o mais conhecido é a
logistas e outros especialistas da saúde. Es- ram a necessidade desse tipo de procedimen- testosterona.
sas pessoas indicavam que os critérios para to. Atualmente, testes de averiguação de sexo
o teste eram excludentes para mulheres que ainda são conduzidos quando há alguma de-
Gônadas - órgãos responsáveis
tinham alterações do desenvolvimento se- núncia de fraude contra uma competidora,
pela produção de células
xual envolvendo suas gônadas e genitália ex- mas não são realizados de forma compulsó- germinativas e hormônios
terna, ou para outras pessoas que possuíam ria em todas as atletas. sexuais.
Figura 3.
Esquema de etapas para
diferenciação sexual. Adaptado
de Fausto-Sterling (2012).
Essas pessoas não passam pelo processo las de Ciência e Biologia, como questões de
completo de virilização fetal, o que pode gênero e sexualidade, se torna possível pelo
acontecer quando há falta de receptores uso de temas gancho. Os temas gancho são
periféricos nos tecidos capazes de desenca- conteúdos conceituais tradicionalmente as-
dear uma resposta à ação de testosterona. sociados às aulas de Ciências e Biologia, mas
Isso ocorre em decorrência de mutações no que podem ser motivadores para trabalhar
gene que codifica o receptor androgênico. com outros conceitos, que geralmente estão
Esse gene, conhecido como gene AR (do marginalizados nos documentos oficiais cur-
inglês androgen receptor), está localizado no riculares.
cromossomo X humano. Em pessoas com
mutações que acarretam a perda da função No exposto neste texto, indicamos uma pos-
dos receptores de andrógenos, ainda que a sibilidade de usar o caso da atleta María-José
gônada masculina produza androgênios, os Patiño para trabalhar conteúdos conceituais
tecidos alvo não respondem aos hormônios. mais tradicionais, como cariótipo, determi-
Pessoas com essa condição geralmente se nação de sexo genético, determinação go-
identificam e são identificadas como mulhe- nadal e diferenciação sexual. Usando esses
res, por apresentarem características físicas conteúdos conceituais como motivadores, é
socialmente associadas a esse sexo/gênero. possível estimular discussões e reflexões em
aula sobre a diversidade de corpos existentes
Conhecer todos esses processos é importan- e os estereótipos de gênero que vigoram na
te para entender que, mesmo quando olha- nossa sociedade. É possível, a partir desses
mos para determinação de sexo apenas por temas ganchos, falar sobre identidades de
uma visão estritamente biológica e voltada gênero possíveis e como são constituídas a
para o campo da genética, há uma multipli- partir de um espectro. É também possível
cidade de fatores envolvidos que vão levar a problematizar como argumentos biológicos
diferentes expressões de sexo e a uma varie- podem servir para sustentar preconceitos de
dade de corpos - somente pensar em XX ou gênero ou transfobia e indicar que conhecer a
XY não basta. A complexidade do assunto complexidade da diferenciação sexual e a di-
aumenta quando expandimos essa visão para versidade de corpos como algo natural serve
abarcar outros aspectos biológicos, como as para combater esse tipo de preconceito utili-
interações hormonais e, mais ainda, quando zando também argumentos biológicos, além
levamos em conta aspectos psicossociais. dos sociais; ainda, podem servir para discutir
sexualidade e diferenciar orientação sexual
A determinação de identidade de gênero, um tema bastante
relevante ao se pensar o contexto pessoal de
de sexo e a estudantes da educação básica.
gancho para
falar isso, assim do nada”. Currículo, diversidade
sexual e ensino de biologia. In: TEIXEIRA, P.;
DALMO, R.; PESSOA, G. (Orgs). Conteúdos
questões sociais cordiais. Editora Livraria da Física, 2019.
Larissa Rocha de Carvalho1, Ana Clara Chromeck da Silva1, Giovanna Civitate Bastos2,
Rebeca Jacinto Bonfim2, Igor Augusto Bonifácio Santana1, Daniela Lopes Scarpa3,
Maíra Batistoni e Silva3
1
Graduando em Ciências Biológicas, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, SP
2
Graduado em Ciências Biológicas, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, SP
3
Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação Interunidades
em Ensino de Ciências da USP, SP
Autor para correspondência - ana.chromeck@usp.br
Palavras-chave: ensino por investigação, ensino de ciências, evolução, classificação biológica, cetáceos
O Ensino por Investigação é uma importante ferramenta para criação de situações pedagógi-
cas em que os estudantes aprendem e exercitam habilidades próprias da atividade científica.
Os cetáceos são um grupo de mamíferos aquáticos cujo registro fóssil documenta a passa-
gem de um ancestral terrestre para o ambiente marinho de forma gradual. O presente artigo
apresenta uma proposta de sequência didática investigativa, na qual os alunos devem utilizar
filogenias, análises morfológicas e seus conhecimentos sobre classificação biológica para re-
solver uma questão-problema sobre a ancestralidade dos cetáceos. Além disso, relatamos a
experiência de aplicação desta sequência didática em uma escola pública, em turmas do 7⁰ ano
em São Paulo.
Característica derivada
base em dados que serão fornecidos aos es- Proposição e resolução - novidade evolutiva
tudantes; a proposição de uma controvérsia compartilhada por um grupo
do primeiro problema
científica hipotética é utilizada para introdu- de espécies em relação a seu
zir o problema de investigação. Este ciclo investigativo, com duração prevista ancestral.
de duas aulas de 45 minutos, pretende res-
A partir das metodologias utilizadas, ao final
ponder à pergunta: “Por que baleias são ma-
desta sequência didática esperamos que os
míferos?”. Para tal, primeiro os alunos devem
estudantes sejam capazes de:
compreender o que define um mamífero,
• Inferir a existência de parentesco entre para posteriormente justificar a classificação
diferentes grupos de mamíferos, a partir das baleias nesse grupo. A definição de ma-
da análise de características morfológicas mífero é abordada neste primeiro problema
compartilhadas; e a classificação das baleias é contemplada
no segundo problema deste ciclo. Nele, são
• Comparar características morfológicas de contempladas as três primeiras expectativas
mamíferos pertencentes a diferentes am- de aprendizagem, além de mobilizados os
bientes; conhecimentos prévios dos estudantes sobre
o tema.
• Relacionar as características morfológicas
de cetáceos à conquista do ambiente aquá- Em grupos de até cinco estudantes, os alunos
tico; recebem imagens representativas (Figura 1)
Figura 1.
Animais representantes de
diferentes grupos de mamíferos.
Fonte: compilação dos autores.
Montagem a partir de imagens
coletadas no repositório digital
da Wikimedia Commons.
Figura 2.
a) Baleia-jubarte (Megaptera
novaeangliae) e seu filhote no
Santuário Marinho Nacional das
Ilhas Havaianas. Fonte: LYMAN,
2012 - disponível no repositório
digital da Wikimedia Commons.
b) Filhote de baleia-jubarte
(Megaptera novaeangliae)
no qual encontram-se
evidentes os folículos capilares
(tubérculos) na região maxilar.
Fonte: MICHAEL, CC BY 2.0 -
disponível no repositório digital
da Wikimedia Commons.
Espera-se que os estudantes tragam elemen- • O que são essas saliências em torno da boca
tos discutidos no primeiro problema para a da baleia da Figura 2b? Embora baleias
discussão e resolução dessas questões. não tenham pelos abundantes, como
muitos mamíferos, elas possuem pelos
Discussão e sistematização em sua região facial. Esse “bigode” é vi-
do segundo problema sível apenas em algumas espécies, mas é
possível notar folículos capilares que in-
Como no caso anterior, algumas sinapo-
dicam sua presença.
morfias de mamíferos não são visíveis nas
figuras, ainda mais devido à extrema modi- Por meio desta atividade, contempla-se a
ficação de alguns caracteres no grupo dos segunda expectativa de aprendizagem, per-
cetáceos. Aqui, o conhecimento prévio dos mitindo comparar as diferenças que os cetá-
educandos pode ser decisivo para permi- ceos apresentam em relação aos mamíferos
tir uma análise produtiva: a noção de que terrestres (e.g. nadadeiras, cauda). Também
baleias precisam emergir para respirar, que é um importante momento de retomada de
pode ser já difundida entre alunos, é um algumas indagações da atividade anterior:
indicativo de sua respiração pulmonar. Ao a diminuição da quantidade de pelos, por
longo da discussão no grupo-sala, para le- exemplo, parece oferecer alguma vantagem
vantar essas concepções e evitar possíveis no ambiente aquático e, portanto, pode ter
enganos dos educandos ao analisar as ima- sido um fator de seleção; o mesmo vale para
gens, perguntas norteadoras tornam-se es- a narina posicionada dorsalmente. Para fo-
senciais: mentar a discussão no grupo-sala, podem
ser realizadas perguntas norteadoras como:
• Qual hábito está sendo representado na
primeira imagem? Apesar da discussão • Como é o corpo de um nadador olímpico?
centrar-se em torno de caracteres mor- Eles possuem muitos pelos? Nas primeiras
fofisiológicos, o cuidado parental, repre- décadas de 1900, a depilação tornou-se
sentado na Figura 2a, é uma característi- uma prática entre nadadores olímpicos.
ca marcante de mamíferos. Embora seja Nadadores relatam maior sensibilidade à
difícil encontrar imagens de amamenta- água após depilação, e alguns estudos da
ção entre cetáceos, ela pode ser mencio- década de 1980 correlacionam essa práti-
nada como parte do cuidado parental ca à uma diminuição do custo da ativida-
neste grupo; por sua vez, a amamentação de física, que possibilitaria um aumento
é um indicativo indireto da presença de de resistência ao exercício;
glândulas mamárias, uma das caracterís-
ticas definidoras de mamíferos; • O que baleias e outros animais aquáticos (tu-
barões e peixes) têm em comum em relação
• As baleias têm narina? Ao longo da evo- à locomoção? Como é o formato do corpo
lução dos cetáceos, nota-se uma mi- desses animais? O formato alongado e fusi-
gração da narina para o topo da cabeça forme de cetáceos, com a cabeça pouco di-
desses animais, dando origem aos es- ferenciada, torna os corpos desses animais
piráculos, orifícios através dos quais os hidrodinâmicos. Outras características
cetáceos inspiram e expiram, dado que muito importantes para a natação são o
sua respiração é pulmonar. Durante a achatamento dos membros anteriores em
expiração desses animais é formada uma forma de nadadeira, bem como nadadei-
fumaça, resultante da condensação do ar ras não ósseas na região dorsal e a redução
quente do pulmão em contato com o ar dos membros posteriores. Essas caracte-
frio do ambiente. Essa condensação é co- rísticas aproximam visualmente cetáceos
mumente confundida com um esguicho e peixes, o que constitui um exemplo de
de água; convergência evolutiva.
Convergência evolutiva -
processo evolutivo através
do qual espécies pouco
aparentadas desenvolvem
estruturas e formas corporais
semelhantes.
Figura 3.
Modelos genéricos de
cladogramas sugeridos para
a introdução desta nova
ferramenta gráfica aos alunos.
Cladogramas são diagramas
que representam padrões
de descendência entre seres
vivos. Apesar de diferentes,
os exemplos fornecidos acima
podem ser lidos de acordo com
os mesmos princípios. As pontas
dos ramos (A, B ou C) indicam
espécies atuais; pontos em que
há bifurcação de ramos são
chamados de nós e representam
uma espécie ancestral que
se separou em duas novas
linhagens. O eixo vertical
dos diagramas representa a
passagem do tempo evolutivo,
que varia da base (mais antigo)
às pontas dos ramos (mais
recente). Fonte: KOUPRIANOV,
2006 - CC BY-SA 3.0 -
disponível no repositório digital
da Wikimedia Commons.
Figura 4.
Hipóteses filogenéticas
concorrentes apresentadas
aos estudantes. Proposta 1
adaptada de Spaulding, O’Leary
e Gatesy (2009), doi: 10.1371/
journal.pone.0007062.
Figura 5.
Animais que ocupam os
terminais das propostas de
cladograma fornecidas aos
alunos. Fonte: compilação dos
autores. Montagem a partir
de imagens coletadas no
repositório digital da Wikimedia
Commons.
Figura 6.
a) Representação do esqueleto do cachalote
Physeter macrocephalus. Fonte: LYDEKKER,
1894 - disponível no repositório digital da
Wikimedia Commons. b) Representação do
esqueleto de uma foca. Fonte: MEATBIKE,
2019 - CC BY-SA 4.0 - disponível no
repositório digital da Wikimedia Commons.
Figura 7.
Representação esquemática do
esqueleto de um cachorro em
vista lateral. Fonte: DITTRICH,
1889 - disponível no repositório
digital da Wikimedia Commons.
Figura 8.
a) Esqueleto de Pakicetus
presente no museu de história
natural de Ottawa, Canadá.
b) Reconstrução de Pakicetus
inachus desenhada a lápis e
colorida digitalmente pelo
paleoartista Nobu Tamura.
Disponível no repositório digital
da Wikimedia Commons.
Figura 9.
a) Esqueleto de Dorudon
atrox no museu Senckenberg
em Frankfurt, Alemanha. b)
Reconstrução de Dorudon sp.
desenhada a lápis e colorida
digitalmente pelo paleoartista
Nobu Tamura. Disponível no
repositório digital da Wikimedia
Commons.
Tabela 2.
Critérios para as respostas
esperadas.
Texto (1,0) A resposta é legível e coerente (0,5) A resposta é parcialmente (0,0) A resposta é ilegível OU a
(1,0) legível OU apresenta problemas redação apresenta problemas
de redação que dificultam seu de redação que impedem seu
entendimento entendimento
Conceitos (1,0) Utilizou corretamente os (0,5) Utilizou parcialmente os (0,0) Não utilizou corretamente
(1,0) conceitos discutidos nas conceitos discutidos nas os conceitos discutidos nas
questões 1 e 2 questões 1 e 2, tornando a questões 1 e 2
resposta incompleta OU utilizou
algum conceito incorretamente
Justificativa (2,5) A justificativa comparou (1,25) A justificativa comparou (0,0) A justificativa não utilizou
(2,5) corretamente e de maneira de maneira incompleta OU nenhum conceito discutido nas
completa os conceitos parcialmente incorreta os questões 1 e 2 OU comparou
discutidos nas questões 1 e 2 conceitos discutidos nas de maneira incorreta
com as informações presentes questões 1 e 2 com as
no texto informações presentes no
texto
Classificação (0,5) Seus argumentos embasam a (0,25) Seus argumentos embasam (0,0) Seus argumentos não embasam
(0,5) sua escolha de classificação parcialmente sua escolha de sua escolha de classificação
classificação
Figura 10.
Tubarão-baleia (Rhincodon
Os tubarões-baleia alcançam, em média, 10 a 14 metros de comprimento e pesam de 6 a 10 toneladas. Apesar de serem tão grandes, typus) no Santuário Marinho
esses animais são dóceis e se alimentam de plâncton, krill, pequenos crustáceos, lulas e peixes, por meio da filtração.
Nacional Flower Garden Banks,
O tubarão-baleia é ovovivíparo, o que significa que o embrião é formado dentro de um ovo, que então eclode no útero da mãe. No final, localizado no estado do Texas,
os jovens são liberados para o mar completamente formados. O único tamanho de ninhada já documentado foi de mais de 300 filhotes.
nos Estados Unidos. Fonte:
A pele de um tubarão-baleia adulto pode ter até 10 cm de espessura e tem a consistência de borracha forte, o que limita possíveis ECKERT, 2011 - disponível no
ataques de baleias assassinas, grandes tubarões brancos, tubarões-tigre e humanos.
repositório digital da Wikimedia
Disponível em: https://olharoceanografico.com/mas-afinal-e-tubarao-ou-e-baleia/. Acesso em: 12 de janeiro de 2023.
Common.
depender dos conhecimentos prévios dos es- -de-rosa (Inia geoffrensis), que figura como
tudantes e da disponibilidade de aulas para personagem do folclore brasileiro, pode ser
execução da sequência didática. ponto de partida devido à atual ameaça de
extinção da espécie.
Além disso, percebemos que um grande obs- Pensamento tipológico -
táculo à compreensão adequada dos clado-
gramas e do panorama apresentado – o que Respostas crença de que a variação da
natureza pode ser reduzida a
um número limitado de classes
inclui a descoberta dos fósseis – foi o pen-
samento tipológico, ou essencialista, dos esperadas básicas representando tipos
constantes e nitidamente
estudantes. Acreditamos que essa sequência 1° ciclo investigativo delimitados.
ficaria, portanto, melhor alocada após outras
atividades que estimulassem o pensamento 1. “Todos os animais apresentados abaixo
populacional, necessário para a compreensão são classificados pelos biólogos como ma-
da diversidade orgânica e da evolução bioló- míferos. Observe as imagens e liste as ca-
gica com base em seleção natural, premissas racterísticas que você acha que justificam
importantes no contexto conceitual traba- essa classificação.”
lhado. Além disso, acreditamos que seria in-
teressante incluir evidências de outras fontes Nas imagens de mamíferos apresentadas, é
– como a geologia e a geografia – para dar esperado que os alunos identifiquem diver-
aos alunos um panorama mais completo da sas características, como: corpo recoberto
história evolutiva apresentada, que abarcasse por pelos, quatro membros locomotores,
não só os animais, mas também o meio no boca, olhos, narinas etc. Também é possível
qual estes estão inseridos. Isto porque houve, que sejam levantadas informações a partir
entre os educandos, dificuldades para a com- de conhecimentos prévios, como: respiração
preensão do tempo geológico; informações pulmonar, cuidado parental, amamentação
descontextualizadas de outras disciplinas, ou etc.
mesmo de ciências – mares da terra primi- Algumas dessas características, embora se-
tiva, a existência da Pangeia –, foram levan- jam comuns aos animais apresentados, estão
tadas pelos alunos, mesmo sendo relativas a amplamente difundidas também em diversos
períodos temporais muito distantes daqueles animais não mamíferos. Isoladamente, esses
nos quais os animais dos fósseis apresenta- caracteres não podem ser utilizados para jus-
dos viveram. tificar a classificação de um animal como ma-
Por último, consideramos que a sequência mífero. É o caso da presença de boca e olhos,
aqui apresentada também poderia ser articu- quatro membros locomotores e respiração
lada ao trabalho de relações entre ciência, tec- pulmonar. Isso pode ser problematizado
nologia, sociedade e meio ambiente (CTSA). com os alunos, ao levantar com eles exemplos
Isto porque ao longo da costa brasileira estão de peixes, répteis ou aves que também apre-
distribuídas diversas espécies de cetáceos, sentem esses caracteres e, portanto, impossi-
como cachalotes, golfinhos e baleias; espé- bilitem sua utilização como critérios isolados
cies costeiras que tendem a ser residentes de classificação para o grupo analisado.
de uma região restrita, que utilizam como Entre as características, apenas pelos e a
abrigo e fonte de recursos alimentares. Dada amamentação se sustentam como exclusivas
a importância econômica da costa brasileira de mamíferos e, portanto, devem ser o foco
em termos de recursos pesqueiros e, mais re- da investigação nos próximos momentos.
centemente, para a indústria petroleira, essas
espécies estão sujeitas a diversas ameaças an- 2. Atividade sugerida
trópicas, como a captura acidental em redes
de emalhe, já reconhecida como uma ameaça O tubarão-baleia não pode ser considerado
global à conservação desse grupo. Cetáceos um cetáceo pois não apresenta caracterís-
de água doce também se encontram ameaça- ticas que definem este grupo, como a ama-
dos pela pesca. Para este estudo, o boto-cor- mentação e a presença de (poucos) pelos.
Referências
Plos One, v. 4, n. 9, 23 set. 2009. Public Library
of Science (PLoS). http://dx.doi.org/10.1371/
journal.pone.0007062.
bibliográficas CARVALHO, A. M. P. O Ensino de Ciências e a
SPAULDING, M.; O'LEARY, M. A.; GATESY, J. proposição de sequências de ensino investigativas.
Relationships of Cetacea (Artiodactyla) Among In: CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. Ensino
Mammals: increased taxon sampling alters inter- de Ciências por Investigação. São Paulo: Cengage
pretations of key fossils and character evolution. Learning,. Cap. 1. p. 1-20, 2013.
Universidade Federal do ABC, Centro de Ciências Naturais e Humanas, São Bernardo do Campo, SP
2
O Uno das Bases Nitrogenadas é um jogo que pretende facilitar o ensino da estrutura dos
nucleotídeos no DNA, com foco nas bases nitrogenadas e seu emparelhamento, além de tra-
balhar fundamentos das mutações pontuais de substituição de nucleotídeo único. A aplicação
deste material didático é recomendada desde o ensino médio até disciplinas da graduação nas
áreas da Biologia, de acordo com o nível de complexidade trabalhado previamente em sala de
aula.
Por fim, para avaliação da aprendizagem, re- • 20 cartas Guanina: 05 de cada cor (impri-
comenda-se a aplicação de questões a cada mir 5x)
grupo, que posteriormente devem ser discu-
tidas com toda a turma. • 20 cartas Citosina: 05 de cada cor (impri-
mir 5x)
Seguem alguns exemplos de questões que
podem ser aplicadas, a depender do nível de Cartas especiais:
complexidade do tema abordado: • 08 cartas +2 (Comprar duas cartas): 02
Questão 1. Quais são os componentes de de cada cor (imprimir 1x)
um nucleotídeo? • 08 cartas Inverte: 02 de cada cor (impri-
Questão 2. Quais são as bases nitrogenadas mir 1x)
púricas e pirimídicas? Quais as principais • 04 cartas Bloqueio (imprimir 1x)
diferenças entre os dois tipos?
• 04 cartas Curinga (imprimir 1x)
Questão 3. Sabendo que um trecho de uma
cadeia de DNA apresenta a sequência de • 04 cartas Curinga +4 (Comprar quatro
bases 5’- GTAGCCAAGG -3’, qual a se- cartas) (imprimir 1x)
quência do mesmo trecho da fita comple-
• 04 cartas Transição (imprimir 1x)
mentar?
• 04 cartas Transversão (imprimir 1x)
Questão 4. O que é e como se origina uma
mutação pontual? • 22 cartas Reparo do DNA (imprimir 1x)
Questão 5. Diferencie as mutações pontuais 2. Dinâmica do jogo
do tipo transição das mutações do tipo
transversão. Os alunos atuarão como a enzima DNA
polimerase, incorporando os nucleotídeos
Questão 6. Quantas possibilidades existem (cartas) na fita de DNA de acordo com a
nas mutações do tipo transição e transver- complementaridade das bases nitrogenadas.
são? Liste-as. Vencerá o jogador que ficar sem nenhuma
Questão 7. Qual a relação entre os raios ul- carta na mão primeiro, e este deverá utilizar
travioleta (UV) e a indução de mutações? todos os meios possíveis para impedir que os
outros jogadores façam o mesmo.
Questão 8. Durante o jogo, ao cometer erros
de emparelhamento, na maioria das vezes Preparação
ocorre reparo do DNA em vez de transi- • Cada grupo deverá definir quem será o
ções e transversões. Explique por que isso mediador, que ficará responsável por ve-
ocorre. rificar os emparelhamentos errôneos. Em
caso de turmas pequenas, o(a) próprio(a)
Instruções para professor(a) poderá se encarregar de me-
diar todos os grupos.
os estudantes • Criar duas pilhas de CARTAS CON-
1. Descrição do material SEQUÊNCIA (vide ficha de instruções)
viradas para baixo: uma com 11 cartas Re-
O jogo é composto por 138 cartas, sendo: paro e 04 cartas Transição (recomenda-se
Cartas de ação: imprimir em papel colorido ou identificar
o verso destas cartas como TRANSI-
• 20 cartas Adenina: 05 de cada cor (impri- ÇÃO), e outra com mais 11 cartas Repa-
mir 5x) ro e 04 cartas Transversão (recomenda-se
imprimir em papel colorido ou identificar
• 20 cartas Timina: 05 de cada cor (impri- o verso destas cartas como TRANSVER-
mir 5x) SÃO).
• O mediador deverá embaralhar as outras uma carta na mão. Caso não grite e os ou-
cartas (CARTAS DE AÇÃO + CAR- tros percebam antes do próximo começar
TAS ESPECIAIS) e distribuir 07 para a jogar, o jogador pode ser penalizado com
cada jogador. As cartas restantes devem a compra de duas cartas da pilha de com-
ser viradas para baixo, formando a pilha pras. A rodada termina quando um dos
de COMPRAS. jogadores zerar as cartas da mão.
• A carta superior da pilha de COMPRAS Regra extra
deve ser virada para cima servindo de base (para turmas de cursos de graduação)
para que o jogo comece, ou seja, inician-
do a fita de DNA. Os jogadores atuarão 5. Quando a mutação criada for um dímero
como a DNA polimerase, incorporando de pirimidinas (timina com timina, timi-
os nucleotídeos (cartas) na fita de DNA na com citosina e vice-versa), indepen-
de acordo com a complementaridade das dentemente da cor, todos os jogadores de-
bases nitrogenadas. verão colocar a mão em cima da pilha de
descarte e o último a colocar a mão deverá
Observação: Se qualquer uma das CAR- comprar duas cartas da pilha de compras.
TAS ESPECIAIS for virada para dar
início à pilha de DESCARTE, consulte O jogo tem algumas cartas especiais que o
as funções das mesmas para ler instruções. tornam mais dinâmico e auxiliam na fixação
de conceitos relacionados ao tema. Abaixo
Jogando estão listadas as funções das CARTAS ES-
PECIAIS:
1. O jogador que estiver à esquerda do me-
diador começa o jogo, que seguirá em sen- • Carta +2 (Comprar duas cartas): o jo-
tido horário. gador poderá jogá-la respeitando a cor da
carta anterior. O próximo jogador deverá
2. Na sua vez, você deve combinar uma car- pegar duas cartas do monte e perder a vez.
ta da sua mão com a carta do nucleotídeo
que está no alto da pilha da fita de DNA, • Carta Inverte: O uso da carta inverso de-
de acordo com a complementaridade das verá obedecer a cor da carta anterior, e o
bases. Exemplo: Se for jogada uma TI- seu uso irá ocasionar a mudança no senti-
MINA verde, o próximo poderá jogar do do jogo (se estiver indo para a esquer-
uma ADENINA verde, vermelha, azul da, muda para a direita e vice-versa).
ou amarela, ou seja, os pares podem ser
formados utilizando cores diferentes. • Carta Bloqueio: A luz UV irá bloquear
a replicação. Assim, o jogador seguinte
3. Caso o jogador não tenha a base comple- perderá a vez. Esta carta deve ser jogada
mentar, ele poderá jogar uma base não obedecendo a cor da carta anterior.
complementar, criando um emparelha-
mento errôneo. Neste caso, ele deverá pe- • Carta Curinga: Esta carta possui as qua-
gar uma CARTA CONSEQUÊNCIA tro bases nitrogenadas e poderá ser jogada
na pilha correspondente ao tipo de muta- em qualquer momento do jogo, indepen-
ção que foi criada (transição ou transver- dentemente da cor da carta anterior. O jo-
são) e que irá indicar se o erro no empare- gador, então, poderá escolher uma cor ou
lhamento foi reparado ou não. Se o erro a próxima base a ser jogada.
for reparado (carta reparo), ele continua a • Carta +4 (Comprar quatro cartas): O
jogada; no entanto, as cartas de transição jogador também poderá jogá-la indepen-
e transversão punem o jogador que causar dentemente da carta anterior, dando-lhe
uma mutação no DNA que não for repa- o poder de escolher a cor das próximas
rada (ver CARTAS ESPECIAIS). cartas, além de fazer com que o próximo
4. Ao jogar a penúltima carta, o jogador de- jogador pegue 4 cartas do monte de com-
verá gritar “DNA” para indicar que só tem pras.
Cartas 2+
Cartas Inverte
Cartas Curinga 4+
À primeira vista, o ovo de galinha é apenas um alimento saboroso e nutritivo, comum na nos-
sa rotina. Contudo, nele ocorre um instigante fenômeno da natureza, que é a transformação
do ovo em um pintinho, em apenas três semanas. Essa admirável transformação só é possível
porque o ovo contém tanto as informações genéticas para gerar o pintinho, quanto o habitat
ideal para o seu desenvolvimento, fornecendo nutrição, proteção e hidratação, por meio de
um “oceano” particular. Neste artigo, apresentamos uma aula prática destinada ao estudo de-
talhado do ovo de galinha e das suas estruturas. Além de ser acessível e de baixo custo, o ovo
de galinha é um material que permite aos estudantes analisar a importância de suas diferentes
estruturas para a reprodução da galinha e traçar paralelos com a reprodução humana.
Box 1.
A gametogênese feminina é um processo que envolve a redução pela metade do número de A gametogênese da galinha e a
cromossomos das células progenitoras (ovogônias), por meio de um tipo especial de divisão meiose.
celular chamado meiose. No caso da galinha, cada célula somática apresenta 38 cromosso- Cromossomos autossômicos
- Qualquer cromossomo que
mos autossômicos e dois cromossomos sexuais (Z e W). Por sua vez, o gameta feminino
não é um cromossomo sexual.
(óvulo) apresenta 19 cromossomos autossômicos e um cromossomo sexual. Como na galinha
Cromossomos sexuais -
a fêmea é o sexo heterogamético, estes cromossomos podem ser W ou Z. Diferentemente, Cromossomos responsáveis
na mulher, as células somáticas apresentam 44 cromossomos autossômicos e dois cromosso- pelas diferenças sexuais entre
mos sexuais, enquanto os gametas apresentam 22 cromossomos autossômicos e um cromos- machos e fêmeas.
somo sexual X, pois na espécie humana o sexo homogamético é o feminino. Heterogamético - Sexo
determinado por cromossomos
Na galinha, a meiose ocorre no disco germinativo, localizado em cima da gema (ovócito I), sexuais diferentes.
onde fica o núcleo desta célula. É importante lembrar que, ao término da meiose II, apenas Homogamético - Sexo
uma das células produzidas durante a gametogênese da galinha contribuirá para formar o determinado por cromossomos
ovócito II, enquanto as demais células, chamadas de corpúsculos polares, são pequenas e sexuais iguais.
degeneram. Na mulher, a meiose ocorre da mesma forma que na galinha, com a diferença de
que o ovócito II quase não contém reservas nutritivas e não é visível a olho nu.
Corpúsculos polares -
Representação das principais fases da gametogênese feminina na galinha Células de tamanho reduzido
geradas na meiose durante a
gametogênese da galinha.
Figura 1.
O ovário e o oviduto da galinha
formam a “linha de montagem”
do ovo.
Tabela 1.
Semelhanças e diferenças entre
a reprodução da galinha e a
humana.
dimento por parte dos alunos da importância discussão entre os estudantes, sugere-se que
desta aula prática, estimulando a curiosidade, o professor divida a turma em grupos de 3
além de reforçar o conteúdo recém-aprendido. a 5 alunos. Por fim, sugerimos ao professor
que, após a aula prática, ele aplique as ativi-
Para se preparar para a aplicação desta prá- dades de fixação de conteúdo fornecidas nes-
tica, o professor deverá utilizar o roteiro e te material didático.
a prancha de fotos, que ilustra os principais
passos para observação das estruturas do ovo Informações detalhadas sobre os materiais e
de galinha (Figura 2). Para facilitar a organi- a organização da aula prática são apresenta-
zação prévia da aula e estimular a interação e das nos anexos.
Figura 2.
Principais passos da aula prática
para observação das estruturas
do ovo de galinha. Importante:
sugerimos que este material seja
de uso exclusivo do professor,
para não desestimular os alunos
a realizarem os procedimentos
propostos.
Anexo 1A
Lista de materiais
a) Kit de trabalho para os grupos:
• 1-2 ovos de galinha;
• 1 suporte para ovos;
• 2 recipientes de vidro transparente;
• 1 pedaço de cartolina preta;
• Palitos de dente.
b) Materiais de limpeza
• Detergente;
• Papel toalha ou guardanapos de papel;
• Proteção para a superfície de trabalho (toalha, papel kraft ou outro item que sirva de forro protetor);
• Lixeiras com sacolas plásticas.
c) Material de proteção individual
• Luvas.
Anexo 1B
Sugestão de organização dos materiais para realização da aula prática.
Atividade 1
Agora que vocês conheceram de perto o ovo de galinha, identifiquem suas estruturas no esquema abaixo.
1. 7.
2. 8.
3. 9.
4. 10.
5. 11.
6. 12.
Atividade 2
Complete o quadro e represente os cromossomos sexuais no esquema abaixo. A seguir, compare o resultado da gametogênese
humana com a da galinha e circule a imagem do sexo heterogamético em cada uma das espécies.
Humano Galinha
Atividade 1
Atividade 2
Humano Galinha
Uso de ferramentas
online no estudo
de mutações
Monica Laner Blauth1, Maria Helena Romano Santin2, Rafael Martins dos Santos3
1
UFPel, Instituto de Biologia, Dep. de Ecologia, Zoologia e Genética, Campus Capão do Leão, UFPel, Pelotas, RS
2
Graduando, Medicina, UFPel, Pelotas, RS
3
Graduando, Odontologia, UFPel, Pelotas, RS
Autor para correspondência - blauth.monica@gmail.com
Palavras-chave: classificação das mutações, tradução, alinhamento de sequências, querubismo, doença genética
Uma grande quantidade de informações sobre os genes e genomas estão disponíveis em ban-
cos de dados com possibilidade de utilização em atividades didáticas, permitindo a aproxima-
ção dos conceitos abordados em sala de aula das práticas de análise de DNA. Essa abundân-
cia de informações, entretanto, pode ser um obstáculo para quem não trabalha com biologia
molecular. Aqui propomos um roteiro para a análise de sete sequências mutantes do gene
SH3BP2, que causam a doença conhecida como Querubismo. A proposta aborda a identifi-
cação de mutações por alinhamento de sequências de DNA e de aminoácidos, o processo de
tradução e a análise de mutações.
Mutação é qualquer alteração no DNA de da e o olhar voltado para cima, que lembra
um descendente, comparada ao DNA de seu a imagem infantil de anjos querubins, dá o
ancestral. É a fonte primordial de variabili- nome popular à doença. Além da alteração
dade, podendo trazer vantagem, ser neutra facial, o fenótipo da doença pode envolver
ou desvantajosa no contexto do genoma e problemas respiratórios, de visão, fala, de-
ambiente do indivíduo. Particularmente nos glutição e de formação e posicionamento
cursos de graduação da área da saúde, e mes- dos dentes. As lesões faciais tendem a regre-
mo no ensino médio, as mutações são apre- dir entre 20 e 30 anos. O fenótipo é autos-
sentadas associadas a fenótipos relacionados sômico dominante, com expressividade va-
com doenças em humanos, tanto pelo en- riável e 11 genes foram descritos associados
foque do curso, quanto por permitir que os à doença: SH3BP2, FAM193A, HAUS3,
alunos façam a relação de alterações visíveis MXD4, NAT8L, POLN, RNF4, TNIP2,
com a função dos produtos gênicos de forma ZFYVE28, PTN11 e RIT1. A grande
mais fácil. maioria das mutações descritas é no gene
SH3BP2, localizado no braço curto do cro-
As mutações têm um sistema de classificação mossomo 4, e que codifica uma proteína que
complexo que pode referir-se ao ganho ou se liga a várias outras proteínas, regulando
perda da função de genes, ou se sua origem a sua atividade (GeneCards - The Human
é esporádica ou induzida. A classificação das Genes Database; OMIM - Online Mende-
mutações que ocorrem em regiões codifican- lian Inheritance in Man).
tes dos genes é particularmente interessante,
porque pode auxiliar na reflexão sobre o seu A proposição da atividade é baseada na des-
efeito na proteína correspondente. Além dis- crição de mutações feita por Ueki e cola-
so, trabalhar com mutações em regiões codi- boradores em 2001, disponível no OMIM
ficantes nos permite abordar alguns aspectos (SH3BP2- 602104), de sete mutações em
do processo de tradução. uma mesma região do éxon 9. Por se tratar
de mutações próximas, é possível fazer aná-
Querubismo é uma doença genética rara, lise a partir de uma mesma comparação de
que ocorre pelo desenvolvimento excessivo sequências.
de tecido fibroso e pela degradação de ossos
da mandíbula e maxilar. A face arredonda- As respostas estão no anexo 3.
Anexo 1
Roteiro para atividade de análise de sequência e
identificação do tipo de mutação
Identificação da mutação pelo alinhamento da sequência selvagem com
sequências obtidas em pessoas com Querubismo
Para facilitar o encontro da mutação, a sequência obtida de uma pessoa doente é alinhada
(nucleotídeos posicionados de acordo com a homologia com outra sequência) com a sequência
selvagem (sequência mais frequente na população, de uma pessoa sem a doença), usando o
programa disponível em https://www.ebi.ac.uk/Tools/psa/emboss_needle/ (Figura 1).
Figura 1.
Página do programa EMBOSS,
usado para o alinhamento de
sequências nucleotídicas. Está
destacado em amarelo o que
deve ser feito em cada campo.
Após alguns segundos, a resposta aparecerá no final da página, como mostrado na Figura 2.
Figura 2.
Resposta do alinhamento de
duas sequências. O traço entre
os nucleotídeos simboliza que
são iguais, o ponto entre os
nucleotídeos mostra que são
diferentes.
Figura 3.
Página do programa EMBOSS,
usado para a tradução de
sequência nucleotídica. Está
destacado em amarelo o que
deve ser feito em cada campo.
Os frames são as diferentes leituras possíveis para a mesma sequência de nucleotídeos. Como
geralmente as sequências que estudamos não se iniciam com o códon de início, ou não sabemos
se a sequência é a codificante (5’-3’) ou a molde (3’-5’), realizamos a tradução de seis maneiras
de leitura (seis frames).
5' 3'
1 2 3
{
{
{
AAGTCAGCCCA
{
{
{
3 2 1
3' 5'
Após o primeiro códon, a leitura segue de três em três nucleotídeos em sequência e o programa
pode gerar seis leituras (seis frames) (Figura 4). Nestas situações, a identificação da sequência
codificante correta é feita por consulta em banco de dados. Como esse não é o objetivo da
presente proposta, deve-se usar o frame 1 para traduzir as sequências do Anexo 2, para obter a
sequência de aminoácido funcional.
Figura 4.
Resultado da tradução de uma
sequência nucleotídica nos seis
frames.
Em Codon Table (tabela de códons) deve-se escolher que tipo de leitura de códons o programa
fará. Dependendo do organismo ou se é um gene nuclear ou mitocondrial, alguns códons levam
à incorporação de aminoácidos diferentes daquele conhecido como padrão. No caso de genes
nucleares humanos, a leitura dos códons é standard ou padrão.
Figura 5.
Página do programa EMBOSS,
usado para o alinhamento das
sequências de aminoácidos.
Está destacado em amarelo
o que deve ser feito em cada
campo.
Cada uma das sequências é comparada com a selvagem nos pontos em que há indicação de
diferença. No exemplo da Figura 6, observamos as seguintes diferenças:
Sequência 1 = 5F>I (troca de F por I na posição 5)
Sequência 2 = 3A>P (troca de A por P na posição 3)
Figura 6.
Resultado do alinhamento de
três sequências de aminoácidos.
Os asteriscos indicam que há o
mesmo aminoácido em todas
as sequências e, quando há
pelo menos um aminoácido
diferente em pelo menos uma
das sequências, é deixado um
espaço em branco (indicado
pelas setas).
A Tabela 1 lista os aminoácidos, as diferentes abreviaturas usadas para eles (uma letra e três
letras) e sua característica química. A tabela 2 é uma sugestão para a organização e apresentação
dos resultados.
Anexo 2
Sequências de 282 nucleotídeos de DNA do gene SH3BP2 para análise
>selvagem
C AG G C AG C T TG CC G TCC TC AC AC AG AG G G TG G AG TG G G G AG G G G AG C AG AG G G TG G CC G CCCC G TG TC TG AC AG TG A A A
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>7
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T G G T C C T G C C T T C C T C T C C C T G C C C C T C C A G G C G AT C A C C C C C C G AT C G G C A G A G T T T C A G G A G C T T C T C C T T T G A A A A
G C C C C G G C A A C C C T C A C A G G C T G A C A C T G G C G G G G A C G A C T C G G A C G A G G A C TAT G A G A A G G C A A G G C T G A G C G G C A A
G C C T G G G T C C C A G T G G C C A G TA G G T G G A C A G G T G G T G G G A A A G C C A
Anexo 3
Resposta da atividade
1) Tradução das sequências de DNA.
>selvagem
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>1
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>2
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>3
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>4
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Observações: a resposta apresentada significa: a posição da mutação (ex.: 122 na sequência 1), o
nucleotídeo da sequência selvagem (ex.: C na sequência 1) e o nucleotídeo da sequência do
paciente (ex.: G na sequência 1). Para os aminoácidos, a lógica é similar, na qual o número
é a posição na sequência, a primeira letra é o aminoácido da sequência selvagem e a última
letra é o aminoácido da sequência do paciente. Para o paciente 4, apesar de ter ocorrido
uma alteração conservativa, a pessoa apresenta o fenótipo doente.
Um monge
no jardim
Adauto Lima Cardoso, Ana Carolina Guedes Pedreira, Ana Carolina Milos Alves da Silva,
Ariana Musa de Aquino, Arthur Gasparindo Moreira, Ciro Hugo Elnatan de Souza Santos,
Gabriela Larissa Lima da Silva, Larissa Baldo Vieira, Layla Nechy Rodrigues dos Santos,
Maiara Ribeiro Cornacini, Renato de Oliveira Neves, Solange Rivas, Vitor Luiz da Silva
Bando de Teatro Científico Siriema, Agência de Divulgação Científica e Comunicação, Instituto de Biociências de Botucatu,
Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP
Os autores estão listados em ordem alfabética e todos contribuíram igualmente para o trabalho
Autor para correspondência - siriemabtc@gmail.com
Palavras-chave: teatro científico, Genética, DNA, cromossomo, célula, síndrome de Down
Genética - é o estudo da
hereditariedade e de todos os
aspectos do gene.
A peça teatral “Um monge no jardim” (Anexo) aborda diversos temas na área de genética, in-
cluindo desde a referência histórica sobre o surgimento da genética mendeliana até conceitos
básicos atuais, como a definição de célula, cromossomos, genes e herança genética. O texto
também se debruça sobre a existência das síndromes cromossômicas e conduz a uma reflexão
sobre a inclusão social de pessoas com síndrome de Down.
Síndrome de Down - conjunto
de fenótipos humanos
Além dos conceitos essenciais relacionados Além disso, envolver no processo estudantes decorrentes da trissomia
à área, a obra contempla ainda a figura do que ainda não tiveram contato com esse co- do cromossomo 21. Inclui,
dentre suas manifestações,
cientista, caracterizado como um ser curioso. nhecimento deve instigá-los a buscar conhe- a deficiência intelectual,
Este personagem em específico é muito im- cimento extra. aumento do risco de doenças
portante para enfatizar a temática e também cardíacas, dificuldades motoras
para trabalhar a ideia de humanização dos Para a encenação são necessários onze ato- e características físicas
pesquisadores, além de contribuir para a des- res, cujo figurino e características podem ser como olhos oblíquos, rosto
adaptados de acordo com os recursos dispo- arredondado, orelhas pequenas,
mistificação do estereótipo de cientista. O mãos pequenas com dedos
personagem, juntamente com o coro de cro- níveis e as ideias do proponente da atividade. curtos, língua protusa e estatura
mossomos, são, precisamente, os elementos Essa peça foi originalmente roteirizada e en- baixa.
que geram a coesão da peça ao conduzir uma cenada por estudantes de graduação e pós- Trissomia - condição na
conversa cheia de indagações e interações -graduação da Universidade Estadual Pau- qual estão presentes três
com o cenário e com todos os demais per- lista “Júlio de Mesquita Filho”, na intenção cromossomos de um mesmo
de ser levada ao ambiente escolar. É possível tipo em vez de dois, em
sonagens. Ademais, em alguns momentos, o uma célula.
cientista interage diretamente com o público. consultar como foi realizada pela primeira
vez através do link: https://www.youtube. Célula - é a unidade básica
estrutural e funcional dos seres
A linguagem utilizada para trabalhar os con- com/watch?v=f1_Rl3Xhjuo&feature=you-
vivos. Toda célula é composta
ceitos foi escolhida na intenção de abranger tu.be por citoplasma envolto por uma
públicos diversos, incluindo, por exemplo, membrana, material genético e
estudantes dos ensinos fundamental e mé-
dio. O curto tempo de duração da cena (cer-
Personagens outras biomoléculas.
Cromossomos - estruturas
ca de 10 minutos) foi pensado para facilitar a Coro (Cromossomos): É composto por um constituídas por proteínas
execução dessa atividade sem comprometer a e ácidos nucleicos e estão
conjunto de cinco atores que interpretam presentes aos pares no núcleo
rotina escolar, além de minimizar a dispersão diferentes cromossomos. Eles se caracteri- de células eucariotas. Por
dos espectadores. Por sua vez, os figurinos e zam de forma neutra e semelhante, muitas serem constituídos por DNA,
cenários foram construídos de forma mini- vezes agindo como um único personagem. são as estruturas das células
malista, visando atender a diversas realidades O coro guia a apresentação fazendo per- que carregam os genes.
Humanos apresentam 23 pares
escolares. É possível realizar a montagem da guntas, apresentações de personagens e de cromossomos: 22 pares
peça com materiais de baixo custo ou mesmo encenações com o protótipo celular a fim autossômicos e 1 par sexual.
reaproveitados. de elucidar os conceitos abordados du- Gene - unidade fundamental
rante a peça. A atuação do coro de cro- da informação biológica. Um
A apresentação do conteúdo no formato de
mossomos é cheia de expressões faciais e gene é um trecho de DNA
teatro pode permitir que os alunos se sintam que carrega a informação para
gestos para enriquecer o enredo através
sensibilizados pelo assunto e se identifiquem produção de alguma molécula
da linguagem corporal. O figurino pode funcional na célula.
com as ideias abordadas. Além disso, eles
ser composto de roupas pretas, luvas, ma-
também poderão desenvolver habilidades Herança genética (ou
quiagem toda branca e batom vermelho hereditariedade) - é o
relacionadas com a produção de figurinos e
para destacar os lábios. processo de transmissão de
cenário, direção, atuação, sonografia, entre
traços e características ao longo
outras funções. Realizar a montagem da peça Cientista: A cientista é uma personagem das gerações.
com estudantes que já tiveram contato com muito atenta, comunicativa, interessada e DNA - molécula biológica
os temas abordados deve auxiliar no apren- atenciosa. Ela se expressa com clareza e se localizada no interior das
dizado e no aprofundamento dos conteúdos. dispõe, com muita vontade, a responder as células e que carrega a
informação genética.
perguntas feitas pelo coro, inclusive cha- palavras. Seu figurino remete à roupa tra-
mando outros personagens para auxiliá-la dicional usada por frades católicos agosti-
na ilustração dos conceitos. Essa persona- nianos, e é composto de uma túnica mar-
gem frequentemente se dirige diretamente rom, uma corda sendo utilizadas como
ao público, mediando a interação entre a cinto, sandálias ou chinelos e também um
plateia com os demais componentes das par de óculos.
cenas. Ela possui a função de quebrar o
paradigma do cientista inatingível, inco- Senhorita Genética: Esse personagem é
municável e ininteligível. Do ponto de uma cientista, porém, especializada em
vista textual, a personagem é um impor- genética. Ela é uma figura elegante e mui-
tante elemento de coesão entre as cenas. O to prestigiada. Se expressa de forma asser-
figurino usado pode ser o de um cientista tiva e possui a função de colaborar com a
clássico do imaginário popular, composto cientista na elucidação de conceitos. Seu
por jaleco, óculos e outros elementos cien- figurino pode ser composto por um vesti-
tíficos (lupa, vidrarias, entre outros). do com elementos que remetem à área de
genética. Nessa personagem há a desvin-
Monge: esse personagem representa a figu- culação da figura do cientista do conceito
ra de Gregor Johann Mendel, um frade de pessoa estudiosa destituída de beleza
agostiniano alemão do século XIX que ou vaidade estética.
foi reconhecido mundialmente por seus
trabalhos nas áreas de botânica e genética Mãe: A personagem representa as diversas
e por escrever sobre as leis da hereditarie- mães que se encontram preocupadas com
dade, mais tarde conhecidas por “leis de a saúde de seu filho e procuram aconse-
Mendel”. Embora, em sua época, Mendel lhamento médico a fim de encontrar res-
não tivesse qualquer conhecimento sobre postas para dúvidas gerais sobre a gesta-
termos e conceitos como os de "gene" e ção, desenvolvimento, etc. Ela se mostra
"DNA", o personagem incorpora essas in- preocupada com a saúde de seu bebê,
formações. Na peça, o monge é mostrado que tem a síndrome de Down, mas vai se
como um personagem tranquilo e pacien- resignando à medida que recebe esclare-
te, que calmamente explica os conceitos de cimentos sobre essa condição genética.
genética. Ele possui um sotaque alemão Seu figurino pode ser composto por um
estereotípico, que pode ser facilmente si- vestido longo e confortável para a barriga
mulado com a pronúncia carregada do R da gestante, um lenço nos cabelos, além de
e com a inversão do gênero de algumas um sapato casual.
Figura 1.
Registro do elenco da primeira
montagem da peça “Um
monge no Jardim” apresentada
no Auditório do Instituto
de Biociências de Botucatu,
Universidade Estadual Paulista.
Pai: Este personagem se revela sempre mui- com síndrome de Down e a importância
to preocupado com a saúde de sua esposa dos pais e da sociedade na inclusão dessas
(Mãe) e de seu bebê, que está prestes a vir crianças na sociedade. Ela usa cabelo pre-
ao mundo. Assim como a Mãe, à medida so, roupa social, jaleco com nome ou um
em que ele compreende a síndrome de crachá, pouca maquiagem e um estetoscó-
Down e se liberta de preconceitos, passa a pio apoiado ao pescoço.
ter uma visão humanista e inclusiva.
Enfermeira: A enfermeira é atenta e acolhe-
Médico (a): Esta personagem tem a função dora. Ela usa o cabelo preso e um jaleco
de trazer informação e quebrar os para- simples e carrega consigo um recém-nas-
digmas e preconceitos. A médica orien- cido, o qual apresenta ao coro de forma
ta sobre os cuidados para com a criança animada.
Figura 2.
Registro da peça “Um Monge
no Jardim” sendo apresentada
no Auditório do Instituto de
Biociências de Botucatu, em
que aparecem o “Coro de
cromossomos” e o “Monge”
explicando o conceito de gene.
Figura 3.
Protótipo de célula
eucariótica. (A) Representação
de célula eucariótica produzida
com esferas de plástico pintadas
com tinta de artesanato; uma
esfera isolada representa uma
única célula, a união das esferas
representa a associação de
células formando organismos
multicelulares; pequenos
pedaços de fita autoadesiva são
colados nas esferas, permitindo
que elas fiquem na forma livre
ou que sejam agrupadas. (B)
Protótipo de célula eucariótica
fechado, construído com
duas bacias pintadas com
tinta de artesanato e fixadas
pelas bordas por arames. (C)
Protótipo de célula eucariótica
aberto, no qual podem ser
observados citoplasma, núcleo e
material genético. (D) Esquema
representando as estruturas
celulares que podem ser
observadas no protótipo.
Agradecimentos
Agradecemos o apoio estrutural da Agên-
cia de Divulgação Científica e Comunica-
ção (AgDC) do Instituto de Biociências de
Botucatu da Universidade Estadual Paulista
(IBB-UNESP), ao apoio financeiro da Fun-
dação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Anexo
Um monge no jardim
Personagens
Cientista
Monge
Srta. Genética
Mãe/Enfermeira
Pai
Médico(a)
Coro (Cromossomos): CI, CII, CIII e CIV
Época
Presente
Lugar da cena
Jardim
ATO I
Inicialmente, juntam-se à cena um coro formado por quatro cromossomos (CI, CII, CIII e CIV). Os personagens estão com vestes
pretas e situam-se em uma das laterais do cenário, composto por uma mesa central com algumas canetas, um caderno, pastas e, se
possível, elementos que remetam às ciências naturais (lupa, vidrarias e afins).
CENA I
O coro a uma só voz começa:
— Cromossomos um coro
Tão somente somos
Iguais
Cromossomos:
Nada mais
CENA II
O personagem “Cientista” entra na cena trajando um jaleco branco comprido, óculos e uma pasta. Até que o CI começa o diálogo,
apresentando nosso personagem:
CI: — Como todos podem ver, essa cidadã é uma cientista.
Cientista: — Muito prazer, sou uma cientista, como todos podem ver.
CII: — O que exatamente é um cientista?
CIII: — Um ser curioso, que sempre quer saber mais.
CIV: — Sobre os seres vivos, o universo…
Cientista: — E como somos.
Todos: — Cromossomos.
Cientista: — Sempre tem alguém que comenta na família ou entre os amigos:
CI: — Meu Marcelinho puxou a tia Hercília.
CII: — Tenho diabetes como o vovô.
CIII: — É a cara cuspida e escarrada do pai.
CIV: — Minha irmã tem olhos azuis e eu não.
CENA III
Nesse momento, a enfermeira entra em cena com uma criança recém nascida (uma boneca) enrolada numa manta:
Enfermeira: — Acabou de nascer, venham ver!
(rodeiam o “bebê”)
CI: — Bilú, bilú!
CII: — Para quem será que puxou?
CIII: — Tem o queixinho da mãe! “Cuti, cuti!”
CIV: — Igualzinho o joelho do tio Osvaldo!
Enfermeira: — Que cor de olhos será que vai ter?
(Congelam o quadro)
ATO II
Nesse momento, uma nova cena se forma na história. A cientista passa a explicar para o público os fenômenos genéticos que fazem
parte do enredo. Assim, ela relembra a História da Genética, trazendo à tona as considerações de Mendel, algumas definições
importantes na área médica e científica.
CENA I
Cientista: — Quem primeiro se preocupou com essas questões, como: porque somos altos, ou baixos, de que cor são nossos
olhos… enfim, nossas características, foi um monge, no século dezenove, que estava um dia em seu jardim,
plantando ervilhas de cheiro.
(bate palmas)
— Tragam um jardim, por favor!
CENA II
O coro sai apressado, junto com a enfermeira, e voltam trazendo vasinhos de plantas que colocam na frente do palco. Entra o monge
com um regador.
O monge possui um sotaque alemão carregado. Esse sotaque pode ser interpretado pelo ator carregando na pronúncia dos R’s das
palavras, deixando de conjugar alguns verbos (ex.: são = ser) e trocando o gênero das palavras.
Música - (https://www.youtube.com/watch?v=nNH1uZetbro). O monge assobia.
Monge: — Estas ervilhas são muito interessantes. Meus interesses científicos me levaram a investigar os padrões de herança
(Exemplo de uso do sotaque: Essas ervilhas ser muito interressantes. Minhas interresses cientificas me levarram a
estudar os padrrões de herrança).
CI: — Herança? Tipo assim um tesouro, senhor Monge?
CII: — Um terreno, uma casa, um dinheiro bom guardado no banco?
CIII: — Ou debaixo do colchão?
CIV: — Ou será em um cofre?
Monge: — Não, não, não, quando eu digo herança, quero dizer herança genética. O que herdamos de nossos antepassados.
CI: — Tipo assim as manias, senhor Monge?
CII: — A profissão e as coisas que gostamos de fazer?
CIII: — Os objetivos de vida que vamos ter?
CIV: — Ou as comidas que preferimos comer?
Monge: — Essas coisas que vocês mencionaram não são coisas que vem do nascimento, são preferências que dependerão da
criação e do ambiente em que a pessoa vive. Portanto, elas não são herdadas. Quando eu digo herança genética me
refiro às características passadas dos pais para os filhos, que estão no DNA de nossas células (Essas coisas que vocês
mencionarram non ser coisas…).
CI: — Células?
CII: — São insetos como libélulas?
CIII: — DNA?
CIV: — Nessas letras o que há?
Monge: — Células são coisas muito pequenas que compõem os seres vivos. Uma célula sozinha não pode ser vista sem a ajuda
de um microscópio. Milhares de células juntas são o que formam pessoas, plantas e outros animais. E o DNA são
estruturas que ficam dentro do núcleo das células e são responsáveis pelas nossas características. Cada pedaço do DNA
tem uma função específica, que contribui para as nossas características, como a cor da nossa pele, cor dos nossos olhos
e nossa altura. Cada pedacinho desse DNA é chamado de gene (Pronúncia: Células ser coisas muito pequenas…).
(Nessa explicação, Mendel mostra um protótipo de célula gigante, de onde tira um núcleo, e do núcleo retira o material genético
conforme a explicação).
CENA III
Cientista: — Mendel, o monge do século dezenove, não sem razão é chamado o pai da genética. Genética é o nome da ciência
que estuda o DNA e os genes. Que entre agora a senhorita Genética, uma brilhante cientista geneticista, ou seja,
uma especialista em genes.
Surge, portanto, uma nova personagem no enredo, a Senhorita Genética, quem vai explicar os processos biológicos envolvidos mais
precisamente. A personagem é muito elegante e bem vestida.
Música de entrada da geneticista ( https://www.youtube.com/watch?v=CUwMw0R_6TU)
Srta. Genética: (ajudando o monge a sair de cena)
— Muitas características são comuns entre os membros de uma família, como vocês já devem ter notado. A cor de
cabelo, cor dos olhos, ou até mesmo a chance de ter algumas doenças têm geralmente a ver com a genética.
São os padrões de herança humana, ou seja, características que passam dos pais para os filhos, como bem
descobriu Mendel estudando suas ervilhas.
Cientista: — Mendel realizou seus experimentos utilizando a ervilha de jardim, mostrando que a curiosidade pode nos fazer
descobrir coisas incríveis a partir de quaisquer interesses.
CI: — E eu que pensava que ervilhas só eram boas para sopa.
CII: — Então quer dizer que nossas características são determinadas pelos genes, que são herdados dos nossos pais.
CIII: — Andaram estudando, é?
CIV: — E nós? Cromossomos?
Srta. Genética: — Os cromossomos são conjuntos de genes, que são feitos de DNA. O ser humano possui 46 cromossomos, em
23 pares que carregam nosso material genético.
CII: — Como uma quadrilha de festa junina.
Música de quadrilha (https://www.youtube.com/watch?v=Q45AKyWxuY8. Os cromossomos saem em uma dança típica).
CIII: — Olha a cobra!
CIV: — Olha a ponte!
Srta. Genética: — Digamos que é assim mesmo. Vinte e dois parzinhos idênticos, e tem também o par de cromossomos que
define se vai ser menina ou menino, os chamados “cromossomos sexuais”, e eles têm tamanhos diferentes. São
os cromossomos X e Y.
(um par de cromossomos coloca um chapéu de palha e outro grinalda de noivinha, dançam a música junina).
Cientista: — O cromossomo 21 é o menor de todos. Um vem da mãe e outro do pai, como em todos os outros pares. Às vezes,
e ninguém sabe por que, a pessoa tem três cromossomos 21, ao invés de 2. A essa situação com 3 cromossomos
21 chamamos de trissomia do 21 ou síndrome de Down. Nessa situação, um dos dois, o pai ou a mãe, mandou dois
cromossomos em vez de um.
CI: — Um erro?
Cientista: — Mas o resultado não é um erro. Vamos imaginar uma cena assim:
CENA IV
Entra um casal, no qual a esposa está grávida. O casal passa numa consulta médica para entender como está o andamento da
gravidez:
Médico: — Como estão?
Mãe: — Olá, doutor. Perfeitamente bem, doutor!
Médico: — Doutor não. Doutor é quem tem doutorado. Eu sou médico.
Pai: — Os exames ficaram prontos, médico?
Médico: — Sim, e pelos resultados já podemos afirmar que o bebê de vocês terá síndrome de Down.
Pai: — Nosso filho vai nascer doente?
Mãe: — Por que justamente conosco? Deve ter acontecido algum engano, não é possível.
Médico: — O bebê não é doente. É uma criança que, como todas as outras, precisa principalmente de carinho, alimentação
adequada, cuidados com a saúde e um ambiente acolhedor.
Pai: — Vai ter olhinhos puxados, então?
Médico: — É uma característica das pessoas com síndrome de Down. Leva um tempo para os pais se acostumarem com a ideia de
ter um filho com trissomia do 21, que pode levar a criança a ter alguns comprometimentos.
Mãe: — Quais comprometimentos?
Médico: — A criança provavelmente vai demorar um pouquinho mais para sentar, andar, pode ter algumas dificuldades de
movimentação e vai demorar mais para falar. Mas cada criança é uma criança, única em seu modo de ser e interagir
com o mundo.
Mãe: — Meu medo é que tenha problemas no coração. É comum que essas crianças tenham, não é?
Médico: — Em uma parte dos casos. Mas há maneiras médicas de resolver o problema, se o problema de fato for um problema.
Pai: — Nosso filho vai poder frequentar uma escola regular?
Médico: — Ele deve frequentar uma escola regular.
Mãe: — Então, assimilando a ideia aos poucos, seremos pais de uma criança especial?
Médico: — Todo filho é especial. Único. O preconceito e a discriminação são os piores inimigos. As crianças com síndrome de
Down são pessoas inteligentes e sensíveis, amorosas e gentis, como qualquer outra criada com amor e respeito.
Mãe: — Tem razão, seu médico.
(Neste momento foram acalmados os ânimos. O pai olha para os olhos da esposa gentilmente e pega em suas mãos para proferir
o texto):
Pai: — Nosso filho será feliz, porque será amado.
CENA V
Última cena da peça. Entram todos os personagens ao som de uma música de fundo disponível no link https://www.youtube.com/
watch?v=Vbv-xyiWTRI. A intenção é que seja uma cena mais sensível e reflexiva.
CI: — Pode ser que venha a ser um jardineiro.
CII: — Que cuide das ervilhas de cheiro .
CIII: — Porque certo dia, em um jardim, um monge descobriu os genes e sua importância.
CIV: — E isso fez do ser humano, um pouco mais conhecedor de si mesmo.
Cientista: — Não se sabe muitas vezes para o que viemos, mas o importante é que estamos aqui. E podemos a cada dia descobrir
mais sobre nós através da ciência.
Srta. Genética: — E fazemos parte dos nossos, de quem herdamos o que somos.
Figura 1.
Instruções e Modelo de
papel do RNA transportador
apresentado na página Paper
Models. Fonte: tRNA paper
model. Disponível em: https://
pdb101.rcsb.org/learn/paper-
models/trna. Acesso em: 29
set. 2022.
Heather Dewey-Hagborg:
arte contemporânea,
biopolítica e genética
Paula Fernandes Tavares Cezar-de-Mello
Colégio Pedro II, Campus Duque de Caxias
Autor para correspondência - paulamello@cp2.g12.br
Palavras-chave: ensino de genética, bioarte, determinismo genético, privacidade genômica, biohackers e biopolítica
de que os genes e seus efeitos são determi- privacidade genética. (3) Biohackers e bioé-
nantes exclusivos dos fenótipos observáveis, tica – uma crescente cultura de amadores,
discussão que pode ser articulada com Pro- ou não, adeptos do do-it-yourself (DIY), di-
bably Chelsea (2017), obra da mesma artista fundida especialmente no campo da Biologia
que propicia uma crítica mais incisiva ao de- Molecular. Heather se tornou uma biohacker,
terminismo genético. Nela, são estimadas 30 apropriando-se de técnicas de Biologia Mo-
possibilidades de rostos para Chelsea Man- lecular e Bioinformática, colocando a “mão na
ning, ativista política que vazou documentos massa” na coleta, extração do DNA e análise
confidenciais para o WikiLeaks. (2) Privaci- dos dados. Tal prática levanta dúvidas sobre,
dade genômica – a exemplo dos dados no ci- por exemplo, a regulamentação e permissão
berespaço, os dados genéticos também estão de tais atividades, no âmbito da privacidade,
expostos. A obra denuncia a vigilância genéti- da bioética e da biossegurança.
ca à espreita, seja pelos rastros genéticos ou
pela popularização de testes genéticos direto Um olhar mais refinado e detalhado nessas e
ao consumidor. A abordagem possibilita dis- em outras obras de bioarte de Heather De-
cussões interdisciplinares a respeito dos li- wey-Hagborg apontarão mais intersecções
mites legais e éticos desejáveis para garantir a no ensino e possibilidades de debates com
outras áreas do conhecimento.
Figura.
Stranger Visions. Chiclete
mastigado e rosto estimado
a partir dos rastros genéticos
deixados por um desconhecido.
Imagens: https://commons.
wikimedia.org/.
ANEXO
Sobre os artistas
Eduardo Kac Heather Dewey-Hagborg
Site: http://www.ekac.org/transgenicin- Site: http://www.deweyhagborg.com/,
dex.html, acessado em 19/11/2022. acessado em 19/11/2022.
TEDx Vienna: https://youtu.be/IS_5WJ- TEDx Vienna: https://youtu.be/666K-
teCC8, acessado em 19/11/2022. q95xm1o, acessado em 19/11/2022.
Dsup: um gene de
tardígrado associado à
tolerância à radiação
Tardígrados são diminutos animais capazes de façanhas hercúleas, tais como tolerar
temperaturas próximas ao zero absoluto, dessecação extrema, vácuo e radiação. Pesquisadores
japoneses identificaram um gene exclusivo de tardígrados denominado Dsup. A proteína
Dsup pode interagir com o DNA em algumas situações, além de protegê-lo contra os efeitos
nocivos da luz ultravioleta e raios-X. Este artigo descreve o que já se sabe sobre o gene Dsup
e os mecanismos por meio dos quais a proteína Dsup é capaz de promover radioproteção
quando expressa em diferentes espécies.
Radioproteção - proteção
contra radiações.
Tardígrados e
poliextremotolerância Poliextremotolerância -
Tardígrados (do Latim, tardi: lento; gradus: doce. Seus corpos são segmentados, cons- tolerância a diversos tipos de
passo - aquele que anda lentamente) são pe- tituídos por cabeça, tronco e quatro pares condições extremas, tal como
extremos de temperatura, de
quenos animais invertebrados, cujos tama- de membros (pernas). Eles são comumente
pressão, radiação e vácuo.
nhos variam de 0,1 a 1,2 mm, e que habitam conhecidos como “ursos d’água” (Figura 1), e
diversas partes do globo, incluindo ambien- atualmente são descritas aproximadamente Limnoterrestre - ambientes
tes limnoterrestres, marinhos e de água 1200 espécies. terrestres úmidos, que estão
sujeitos a períodos de seca e de
imersão em água.
Figura 1.
Microscopia eletrônica de
varredura do tardígrado
Ramazzottius varieornatus
Tipicamente, os tardígrados são conhecidos nessa revista, (v. 16, n1, 2021). A anidrobio- em seu estado hidratado (a)
e em seu estado dessecado
como os “organismos mais resistentes do se é um estado especial em que o organismo
(em anidrobiose) (b). Barras
mundo” pelo fato de serem capazes de tole- não apresenta sinais observáveis de metabo- de escala: 100 μm. A imagem
rar frio e calor extremos, fortes secas, radia- lismo, e se torna tolerante a diversos tipos corresponde à figura 1a e
ção, pressão hidrostática, vácuo e condições de estresses físico-químicos. Entretanto, os b do artigo Hashimoto, T.,
do espaço. Entretanto, essa poliextremoto- tardígrados não são os únicos seres capazes Horikawa, D., Saito, Y. et al.
Extremotolerant tardigrade
lerância ocorre apenas quando eles entram de entrar em anidrobiose. Espécies anidro- genome and improved
em um estado de animação suspensa, de- biontes são encontradas entre as bactérias, radiotolerance of human
nominado anidrobiose (vide artigo O gene leveduras, nematódeos, crustáceos, mosqui- cultured cells by tardigrade-
Tps1 e seu papel na anidrobiose, publicado tos e plantas. unique protein. Nat Commun
7, 12808, 2016. https://doi.
org/10.1038/ncomms12808.
Artigo do tipo Open Access;
reprodução da imagem
permitida devido a licença do
tipo CC BY-NC-SA 4.0.
Figura 2.
Lesões no DNA por radiação
ionizante. Os danos causados
no DNA decorrentes da
exposição celular a radiações
ionizantes podem ocorrer de
forma direta (i.e., a radiação
promovendo quebras no DNA)
e/ou indireta, envolvendo
a produção de espécies
reativas de oxigênio que,
por sua vez, geram quebras
no DNA. Imagem: Moraes,
V. N. utilizando elementos
disponibilizados em BioRender
(célula e moléculas de DNA).
natus, período marcado por intensa síntese que são encontradas apenas em vertebrados).
de DNA e múltiplas divisões celulares. Em termos físico-químicos, trata-se de um Carboxi-terminal - a
extremidade da proteína em
polipeptídeo muito básico (alcalino), espe- que se situa o grupo carboxila
Curiosamente, até o momento não há outras cialmente em sua porção carboxi-terminal. (-COOH), oposta à extremidade
proteínas semelhantes à Dsup nos bancos Considerando a carga positiva dessa região, na qual se encontra o grupo
de dados, de tal forma que ela se apresenta os pesquisadores levantaram a hipótese de amino (-NH2).
com uma identidade única. Apesar disso, Dsup se associar ao DNA por meio de in-
foi observada similaridade de uma pequena terações eletrostáticas. De fato, ao testarem
região de 8 a 12 aminoácidos entre Dsup e Interação eletrostática -
experimentalmente essa ideia, eles verifica- atração ou repulsão entre
HMGN (proteínas que se ligam a nucleos- ram que Dsup se liga a ácidos nucleicos in moléculas eletricamente
somos, protegem contra radicais hidroxila e vitro, isto é, em um ambiente fora da célula. carregadas.
Figura 3.
Aspectos moleculares de
Dsup. O gene Dusp e seu RNA
mensageiro são representados
com um número mínimo de
1335 nucleotídeos. A proteína
Dsup apresenta uma região
de α-hélice e um sinal de
localização nuclear (NLS,
que permite que a proteína
sintetizada no citoplasma
migre para o núcleo) na região
C-terminal. Em contraste,
a versão truncada de Dsup
é desprovida da porção
carboxi-terminal, assim não
apresentando o NLS. Imagem
baseada em: Hashimoto T,
Kunieda T. DNA Protection
Protein, a Novel Mechanism of
Radiation Tolerance: Lessons
from Tardigrades. Life. v.7, n.2,
p. 26, 2017.
Para verificar se essa interação ocorre dentro diadas pela extremidade básica carboxi-ter-
da célula, os pesquisadores realizaram a fu- minal de Dsup, os cientistas criaram uma
são da proteína Dsup a uma proteína fluo- versão artificial da proteína, desprovida da
rescente, permitindo a visualização de ambas porção carboxi-terminal (Figura 3). Os en-
dentro da célula com o auxílio de microscó- saios demonstraram que esta versão menor
pio de fluorescência. Assim, eles confirma- é incapaz de se ligar ao DNA e de se loca- Microscópio de fluorescência
ram que Dsup se localiza no núcleo celular. lizar no núcleo, evidenciando assim o papel - instrumento que permite
da extremidade carboxi-terminal na atua- a visualização de estruturas
Para verificar se essa interação com o DNA ção da proteína. que, quando excitadas por
e localização no núcleo de fato eram me- algum tipo de radiação
eletromagnética, emitem um
tipo de luz específico.
Figura 4.
Dsup confere proteção contra
estresse oxidativo e radiação
UV. À esquerda, vemos que a
proteína Dsup pode interagir
com DNA para proteção contra
radicais livres. À direita, nota-se
que Dsup não se liga ao DNA,
porém ativa vias de reparo ao
dano no DNA. Imagem: Moraes,
V. N. utilizando elementos
disponibilizados em BioRender
(célula), Protein Data Bank
(estrutura de DNA – 103D) e
Alphafold Protein Structure
Database (protein - P0DOW4).