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Brasil, Povos Indígenas e a Doutrina do Descobrimento, do Direito

Internacional
Robert J. Miller* & Micheline D’Angelis§ (Tradução para o português por Vinicius
Marinho±)

I. INTRODUÇÃO
II. A DOUTRINA DO DESCOBRIMENTO
A. A Formulação da Doutrina pela Igreja
B. O Desenvolvimento da Doutrina por Portugal e pela Espanha
C. Outros países europeus e o Descobrimento
III. A DOUTRINA DO DESCOBRIMENTO NO DIREITO E NA HISTÓRIA DE PORTUGAL E
DO BRASIL
A. Primeira Descoberta
B. Ocupação de Fato e Posse Ativa

*
Professor, Lewis & Clark Law School, Portland, Oregon; Juiz Presidente da Corte de

Apelação das Tribos Confederadas de Grande Ronde Community; Cidadão, Eastern

Shawnee Tribe de Oklahoma; Conselho de Diretores, Oregon Historical Society.


§
Lewis & Clark Law School, J.D. 2009; Portland State University, B.A. History 2004.

Micheline D’Angelis nasceu no Brasil, estudou na Escola Estadual Antônio Batista da

Motta e no Colégio Santo Antônio e cursou dois anos de direito na Faculdade de Direito

da Universidade Federal de Minas Gerais antes de mudar-se para os Estados em 1999.

Ela pesquisou e traduziu o material originalmente em português utilizado neste artigo.


±
Mestrando em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro; Pesquisador do

Observatório do Judiciário Brasileiro – OJB; bacharel em direito pela Universidade do

Rio de Janeiro; Pós graduado em Direito Público pela Femperj; Advogado do escritório

Raj Abhyanker, P.C., CA; Sócio fundador do escritório Marinho Advogados; ex-

advogado da Eletrobrás. Este artigo está sendo publicado, em inglês, pela 37

BROOKLYN JOURNAL OF INTERNATIONAL LAW __ (2011).

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i. Posse Direta
ii. Uti possidetis
iii. Posse Simbólica
C. Preempção/Título Europeu
D. Título Nativo
E. Soberania Tribal Limitada e Direitos de Comércio
i. Escravidão
F. Contiguidade
G. Terra Nullius
H. Cristianismo
I. Civilização
J. Conquista
IV. CONCLUSÃO

I. INTRODUÇÃO

Portugal utilizou a Doutrina do Descobrimento quando descobriu, pleiteou e

colonizou o território que hoje é conhecido por Brasil. A Doutrina é o princípio de direito

internacional que países europeus e colonizadores utilizaram para juridicamente vindicar

a propriedade de terras, bens e direitos humanos de povos indígenas ao redor do mundo,

entre os séculos XV e XX.1 A Doutrina permitiu que os então recentemente chegados

1
Robert J. Miller, Lisa Lesage & Sebastian Lopez Escarcena, The International Law of

Discovery, Indigenous Peoples, and Chile, 89 NEB. L. REV. 819 (2011); ROBERT J.

MILLER, JACINTA RURU, LARISSA BEHRENDT & TRACEY LINDBERG, DISCOVERING

INDIGENOUS LANDS: THE DOCTRINE OF DISCOVERY IN THE ENGLISH COLONIES 3-6

(2010); Robert J. Miller & Jacinta Ruru, An Indigenous Lens into Comparative Law: The

Doctrine of Discovery in the United States and New Zealand, 111 WEST VIR. L. REV.

849, 852-57 (2009); ROBERT J. MILLER, NATIVE AMERICA, DISCOVERED AND

CONQUERED: THOMAS JEFFERSON, LEWIS & CLARK, AND MANIFEST DESTINY 9-23 (2006);

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europeus automaticamente adquirissem direitos reais de propriedade específicos sobre as

terras dos povos indígenas e vários poderes de soberania, políticos e comerciais sobre

estes, sem a sua ciência ou consentimento.2 Quando europeus ergueram bandeiras e

símbolos religiosos nas terras “recém descobertas”, eles estavam promovendo

reconhecidos procedimentos jurídicos e rituais do direito internacional para pleitear

juridicamente as terras e os povos.3 Como veremos adiante, este princípio foi criado e

justificado por ideias de superioridade europeia e cristã sobre as outras culturas, religiões

e raças do mundo.4

Robert J. Miller, The Doctrine of Discovery in American Indian Law, 42 IDAHO L. REV.

1, 8-21 (2005).
2
Johnson v. M’Intosh, 21 U.S. (8 Wheat.) 543, 588-97 (1823).
3
PATRICIA SEED, CEREMONIES OF POSSESSION IN EUROPE’S CONQUEST OF THE NEW

WORLD, 1492-1640 9 & n.19, 69-73, 101-02 (1995). Reconhecemos o princípio do

direito intertemporal, que examina títulos territoriais sob a perspectiva do direito

internacional que era vigente à época em que os títulos foram declarados, “e não do

direito vigente hodiernamente.” JOHN DUGARD, INTERNATIONAL LAW: A SOUTH

AFRICAN PERSPECTIVE 113-14 (2000).


4
MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 1-2; ANTHONY PAGDEN, LORDS OF ALL THE

WORLD: IDEOLOGIES OF EMPIRE IN SPAIN, BRITAIN AND FRANCE c. 1500-c. 1800 8 (1995);

ROBERT A. WILLIAMS, JR., THE AMERICAN INDIAN IN WESTERN LEGAL THOUGHT: THE

DISCOURSES OF CONQUEST 325-28 (1990); ver, por todos, STEVEN T. NEWCOMB, PAGANS

IN THE PROMISED LAND: DECODING THE DOCTRINE OF CHRISTIAN DISCOVERY (2008);

LINDSAY G. ROBERTSON, CONQUEST BY LAW: HOW THE DISCOVERY OF AMERICA

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Portugal e Brasil também se utilizaram dos elementos da Doutrina em suas

relações coloniais com os povos indígenas que habitaram as áreas que hoje compreendem

o Brasil. Mais importante, o governo brasileiro moderno continuou a aplicar aspectos

desde princípio jurídico contra os povos indígenas. O Brasil não é o único país que ainda

aplica esta Doutrina. Descobrimento é parte do direito internacional de hoje e permanece

em uso na Austrália, Canadá, Chile, Nova Zelândia e nos Estados Unidos, assim como

em outras sociedades colonizadoras/colonizadas.5 Muito recentemente, China e Rússia

evocaram a Doutrina quando plantaram bandeiras no solo do Mar do Sul da China e no

Oceano Ártico para clamar direitos de soberania e bens economicamente apreciáveis.6

Canadá e Dinamarca também tem confrontado pleitos sobre uma ilha na costa da

Groelândia através do levantamento de bandeiras e execução de outros rituais do

DISPOSSESSED INDIGENOUS PEOPLES OF THEIR LANDS (2005).

5
Attorney-General v Ngati Apa [2003] 3 NZLR 643 (Corte de Apelação da Nova

Zelância); Delgamuukw v. British Columbia, 3 S.C.R. 1010 [1997] (Suprema Corte do

Canadá); Mabo v. Queensland, 107 A.L. R. 1 (1992) (Alta Corte da Austrália); Miller,

Lesage & Escarcena, supra, nota 1; DUGARD, supra, nota 3, p. 118; IAN BROWNLIE,

PRINCIPLES OF PUBLIC INTERNATIONAL LAW 143-45 (1999).


6
William J. Broad, China Explores A Rich Frontier, Two Miles Deep, NEW YORK TIMES,

12 de setembro de 2010, em A1; Robert J. Miller, Finders Keepers in the Arctic?, LOS

ANGELES TIMES, 6 de agosto de 2007, em A19,

http://articles.latimes.com/2007/aug/06/news/OE-MILLER6.

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Descobrimento.7 Ainda, a Doutrina tem proeminentemente figurado no noticiário

internacional, nos últimos anos, porque ativistas e denominações religiosas trabalham

para repeli-la.8

Em alguma monta, utilizaremos um método de direito comparado para abordar o

uso do Descobrimento por Portugal e Brasil. Como acima explicado, a Doutrina foi

7
Canada island visit angers Danes, BBC News, 25 de julho de 2005, em

http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/4715245.stm (acessado em 4 de agosto de 2010).


8
Ver, e.g., Tanya Gonnella Frichner, The “Preliminary Study” on the Doctrine of

Discovery, 28 PACE ENVTL L. REV. 339 (2010); Robert J. Miller, UN Permanent Forum

on Indigenous Issues Considers the Effects of the Doctrine of Discovery, 15 de Junho de

2010, em http://lawlib.lclark.edu/blog/native_america/?p=3800 (acessado em 4 de agosto

de 2010); Steven Newcomb, Ainda sobre a resposta do Vaticano, INDIAN COUNTRY

TODAY, 4 de junho de 2010, em

http://www.indiancountrytoday.com/opinion/95609254.html (acessado em 8 de agosto de

2010); Gale Courey Toensing, Indigenous Delegates ask Pope to repudiate Doctrine of

Discovery, INDIAN COUNTRY TODAY, 21 de dezembro de 2009, em

http://www.indiancountrytoday.com/archive/79636552.html (acessado em 4 de agosto de

2010); Robert J. Miller, Will others follow Episcopal Church’s lead?, INDIAN COUNTRY

TODAY, 9 de agosto de 2009, em

http://www.indiancountrytoday.com/opinion/52646107.html, (acessado em 4 de agosto

de 2010); Thirteen Grandmothers take on the Vatican, 12 de agosto de 2008

http://people.tribe.net/adamapollo/blog/00dde464-99ec-4b61-8821-c528438b4c6a

(acessado em 23 de outubro de 2010).

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desenvolvida principalmente por Portugal, Espanha e Inglaterra. Então, no estudo do

Descobrimento é forçosa a comparação e contraste das formas como estes países e seus

regimes jurídicos desenvolveram o direito internacional da expansão e colonização

europeias.9 E, utilizar um método comparativo para estudar a experiência de colonização

no Brasil é também valioso “por causa da oportunidade oferecida para realizar-se

esclarecedoras comparações com desenvolvimentos contemporâneos em outras colônias

europeias anteriores...”10 Como afirmado por um autor, um foco hemisférico permite a

“visão geral do quadro de experiências coloniais paralelas.”11

Este artigo representa nossa exploração inicial no direito e história brasileiros para

provar o uso do Descobrimento na colonização das terras conhecidas por Brasil. Estamos

certos de que encontramos apenas uma pequena porção de todas as provas que

evidenciam a aplicação da Doutrina no Brasil desde os tempos dos portugueses até o dia

9
PAGDEN, supra, nota 4, p. 44. Mais relevantemente, quando a Espanha tomou controle

sobre a Coroa Portuguesa, no período compreendido entre 1580 e 1640, em alguma

monta as políticas de colonização e leis portuguesas no Brasil foram unificadas às leis e

políticas espanholas. Comparar estes regimes ajuda a explicar alguns aspectos de ambas.

BORIS FAUSTO, A CONCISE HISTORY OF BRAZIL 40 (1999); JOSÉ DE MATTOSO, HISTÓRIA

DE PORTUGAL viii (1993); ANTÔNIO HENRIQUE R. DE OLIVEIRA MARQUES, HISTORY OF

PORTUGAL 332 (1972).


10
DAURIL ALDEN, ROYAL GOVERNMENT IN COLONIAL BRAZIL vii-viii (1968).
11
ATTITUDES OF COLONIAL POWERS TOWARD THE AMERICAN INDIAN vii (Howard

Peckham & Charles Gibson ed., 1969).

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presente. 12 Iniciamos este esforço na esperança de contribuir com todos os trabalhos até

então empreendidos, que estão num processo de exposição da Doutrina do

Descobrimento nos direitos e histórias internacionais e nacionais, e, talvez, para reverter

alguns dos aspectos perniciosos que afligiram os povos indígenas.

Na Seção II, descrevemos a Doutrina e como ela foi desenvolvida na Europa,

principalmente por Portugal, Espanha e pela Igreja. A Seção III examina a história e o

direito português e brasileiro para investigar se estes governos aplicaram a Doutrina aos

povos indígenas que habitaram aquela área. Concluímos, na Seção IV, com a opinião de

que o Brasil, juntamente com todos os países que colonizam, precisa reconhecer o seu

uso do direito de Descobrimento em detrimento dos povos indígenas, sob inspiração

feudalista, etnocêntrica, racial e religiosa. Este reconhecimento é valioso porque as

tentativas modernas de criar um futuro mais equânime para todos brasileiros precisa

começar com a consciência da verdade sobre o passado do país e progredir com sérios

esforços para erradicar os vestígios do Descobrimento do direito e da cultura brasileiros.

12
Ver, por todos, FRANCIS A. DUTRA, A GUIDE TO THE HISTORY OF BRAZIL, 1500-1822:

THE LITERATURE IN ENGLISH (1980).

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II. A DOUTRINA DO DESCOBRIMENTO

Em 1823, num caso com ramificações no direito internacional, a Corte Suprema

dos Estados Unidos julgou, em Johnson v. M’Intosh13, que a Doutrina do Descobrimento

é considerada um princípio jurídico estabelecido pelo direito colonial inglês e europeu na

América do Norte e que, assim, também tornou-se direito nos Estados Unidos.14 Neste

caso muito influente, a Corte admitiu como precedente que quando as nações europeias

descobrissem terras então desconhecidas de outros europeus, o país descobridor

automaticamente adquiriria soberania e direitos reais de propriedade sobre tais terras,

13
21 U.S. 543 (8 Wheat.) (1823).
14
Id. p. 571. O caso envolveu aquisição de terras por cidadãos britânicos em 1773 e

1775, antes de os Estados Unidos serem criados. Ver, por todos, ROBERTSON, supra, nota

4.

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mesmo se os povos indígenas as detivessem sob sua posse.15 O direito real que os

europeus adquiriram foi um direito à futura propriedade, uma espécie de título limitado

de propriedade simples; um título exclusivo, detido pelo país europeu descobridor,

sujeito, entretanto, aos direitos de ocupação e uso pelos povos indígenas.16 Ainda, o

descobridor também recebia uma forma limitada de soberania sobre os nativos e seus

governos, o que restringia os direitos políticos, comerciais e diplomáticos dos

indígenas.17 Esta transferência de propriedade e de soberania era realizada sem a ciência

ou o consentimento dos povos nativos, e sem qualquer pagamento.

A Suprema Corte norte americana esclareceu o sentido da doutrina: “o

descobrimento concedeu título ao governo cujos sujeitos, ou cuja autoridade, foi definida

contra todos os outros governantes europeus, cujos títulos devem ser aperfeiçoados pela

15
21 U.S. p. 573-74. Johnson tem sido confirmado em leading cases na Austrália,

Canadá e Nova Zelândia. Estes países têm aplicado a Doutrina do Descobrimento sobre

os povos indígenas. Ver, e.g., City of Sherrill v. Oneida Indian Nation of N.Y., 544 U.S.

197, 203 n.1 (2005); Attorney-General v. Ngati Apa, [2003] 3 N.Z.L.R. 643 (Corte de

Apelação da Nova Zelândia); Delgamuukw v. British Columbia, 3 S.C.R. 1010 [1997]

(Corte Suprema do Canadá); Mabo v. Queensland, 107 A.L. R. 1 (1992) (Alta Corte da

Austrália).
16
21 U.S. p. 573, 574, 584, 588, 592, 603; Michael C. Blumm, Retracing the Discovery

Doctrine: Aboriginal Title, Tribal Sovereignty, and Their Significance to Treaty-Making

and Modern Natural Resources Policy in Indian Country, 28 VT. L. REV. 713, 731 n.111,

741 n.183 & 746 n.216 (2004).


17
Id. p. 574.

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posse.” 18 Consequentemente, um país europeu descobridor recebia direitos de

propriedade, que deveriam ser observados pelos outros, meramente por caminharem pela

costa ou por erguer uma bandeira. Direitos indígenas, entretanto, não eram, “em qualquer

ocasião, completamente desrespeitados; mas eram, necessariamente, em considerável

monta, debilitados”.19 Isso ocorria, disse a Corte, porque enquanto os nativos ainda

detinham alguns poderes de soberania e direito de posse e de ocupação sobre suas terras,

seus direitos de vende-las para quem quisessem, pelo preço que negociassem, foi

destruído: “seus direitos à completa soberania, como nações independentes, foram

necessariamente diminuídos e seus poderes de desposar de seu solo em acordo com sua

completa vontade, para quem quisessem, foi negado pelo princípio fundamental original,

que deu título exclusivo àqueles que o adquiriram.20 Como definido pela Doutrina, uma

nação europeia descobridora receberia o direito de “preempção”, qual seja o direito de

proibir qualquer outra nação de comprar as terras dos povos indígenas.

Os primeiros direitos de propriedade dos descobridores poderiam mesmo ser

adquiridos como futuros interesses de outrem, mesmo quando as terras estavam ainda sob

a posse e o uso dos povos indígenas.21 Obviamente, a Descoberta diminuiu o valor

18
Id. p. 573. id. p. 574, 584, 588, 592 (“O título absoluto e definitivo é considerado

adquirido por descobrimento”), 603.


19
Id. p. 574.
20
Id.
21
Id. p. 573, 592, 574, 579 (explicando o direito de transferir o título de propriedade para

terras indígenas enquanto estas ainda se encontravam sob posse indígena); Fletcher v.

Peck, 10 U.S. (6 Cranch.) 87, 139-44 (1810).

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econômico das terras para os povos nativos e beneficiou os países descobridores e

colonizadores porque direitos reais e valores indígenas foram adversamente afetados pela

descoberta de suas terras por estranhos.22 Mais ainda, os poderes de soberania dos

indígenas foram considerados limitados pela Doutrina porque as relações diplomáticas,

comerciais e políticas travadas por suas nações eram supostamente restringidas em favor

do país europeu descobridor.23

Parece certo que os aspectos econômicos e políticos deste “direito internacional”

foi desenvolvido para servir aos interesses de europeus. Através da Doutrina, países

europeus concordaram, em alguma monta, em dividir os bens recebidos em terras não

europeias. Enquanto discordaram acerca de algumas definições da Doutrina, e muitas

vezes lutaram por suas descobertas, nunca discordaram de que os povos indígenas

22
Eric Kades, The Dark Side of Efficiency: Johnson v. M'Intosh and the Expropriation of

American Indian Lands, 148 U. PA. L. REV. 1065, 1078, 1110-31 (2000); Terry L.

Anderson & Fred S. McChesney, Raid or Trade? An Economic Model of Indian-White

Relations, 37 J. L. ECON. 39 (1994).


23
Johnson, 21 U.S. p. 574 (“seus direitos à completa soberania, como nações

independentes, foram necessariamente diminuídos”). Ver também id. p. 584-85, 587-88

(decidindo que os governos inglês e americano “declararam títulos relativos a todas as

terras ocupadas por indígenas [e] declararam também limitada soberana sobre eles.”

Cherokee Nation v. Georgia, 30 U.S. (5 Pet.) 1, 17-18 (1831) (decidindo que “uma

tentativa empreendida por outro país para formar uma conexão política com [tribos

indígenas] deveria ser considerada por todos como uma invasão de território e um ato

hostil.”

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perderam consideráveis propriedades e direitos de governo por causa dos seus

descobrimentos. Como um professor afirmou: “A Doutrina do Descobrimento nada mais

foi que o reflexo de um conjunto de crenças racistas europeias elevadas ao status de

princípio universal – o argumento cultural para fundamentar a conquista e colonização de

um recentemente descoberto mundo alienígena.”24

Como definido por vários regimes jurídicos europeus e por Johnson v. M’Intosh,

consideramos que a Doutrina contém dez elementos diferentes.25 Descrevemos estes

elementos aqui para que o leitor possa mais acompanhar seu desenvolvimento como

partes constituintes da Doutrina em Portugal, Espanha, Inglaterra e na Igreja.

1.Primeiro Descobrimento. O primeiro país europeu a descobrir terras então

desconhecidas dos outros adquiriria direitos de propriedade e de soberania sobre as terras

e os povos nativos. O primeiro descobrimento puro e simples, entretanto, foi

frequentemente considerado como criador de apenas um título incompleto.

2. Ocupação de Fato e Posse Ativa. Para transformar o primeiro descobrimento num

título reconhecido, um país europeu deveria permanecer ocupando permanentemente as

terras descobertas, assim como mantendo sua posse. Isto era comumente alcançado

através da construção de fortes ou assentamentos.26 A posse física também deveria ser

alcançada dentro de um razoável prazo após o descobrimento.

24
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 326.
25
MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 3-5.
26
Id. p. 112; EDGAR PRESTAGE, THE PORTUGUESE PIONEERS 294-95 (1933, reimpresso

em 1967) (afirmando que, antes de 1500, Portugal construiu um forte de madeira e o

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3.Preempção/Título europeu. Um país europeu descobridor receberia o direito de

preempção da propriedade; o exclusivo direito de comprar a terra dos povos indígenas.

Este é um valioso direito real análogo à exclusividade para adquirir terras. O governo que

possuía o direito de preempção poderia proibir ou antecipar-se a qualquer outro governo

europeu ou indivíduo, na aquisição da terra.

4.Título Nativo. Depois do primeiro descobrimento, as nações indígenas eram

consideradas pelos sistemas jurídicos europeus como completamente carentes de seus

direitos reais sobre suas terras. Eles apenas mantinham os direitos de ocupação e posse

destas. Porém, estes direitos poderiam durar eternamente se os nativos nunca

consentissem em vende-las. Se escolhessem por vende-las, as nações indígenas eram

apenas obrigadas a oferece-las ao governo europeu que possuísse o direito de preempção.

5.Soberania tribal limitada e direitos de comércio. Nações e povos indígenas eram

também declarados carentes de aspectos de soberania inerente e de direitos ao comércio

internacional e à manutenção de relações diplomáticas. Eles eram obrigados a interagir

unicamente com seus descobridores.

6.Contiguidade. Esse elemento estabelecia que europeus poderiam vindicar uma

significante quantidade de terra contígua àquelas já descobertas e colonizadas por eles.

Este elemento ganhou importância quando países europeus colonizaram terras

relativamente próximas. Naquela situação, cada país foi declarado como possuidor de

direitos reais sobre as terras até o limite da metade da distância entre suas colônias.

guarneceu para guardar sua manufatura e proteger sua aliança. Este foi o primeiro passo

em direção à dominação”).

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Contiguidade também significava que a desembocadura de um rio criaria um direito

sobre as terras regadas por tal rio, mesmo que isso importasse em milhares de milhas de

território.27

7.Terra Nullius. Esta expressão literalmente significa uma terra abandonada ou vazia.

Este elemento indica que se a terra não fosse ocupada ou possuída por qualquer pessoa,

ou mesmo se ela fosse ocupada, mas não utilizada de uma forma reconhecida ou

aprovada pelo sistema jurídico europeu, então a terra seria considerada “vazia” e passível

de pleitos por descobrimento.

8.Cristianismo. Não cristãos eram declarados carecedores dos direitos às terras,

soberania e auto determinação que possuíam os cristãos.

9.Civilização. Ideias europeias acerca do que constituía civilizações eram importantes

partes do Descobrimento e ajudaram a criar a crença de superioridade europeia sobre os

povos indígenas. Europeus pensavam que Deus os enviou em direção aos nativos para

leva-los civilização, educação e religião, além de exercer poderes paternalísticos e de

guarda sobre eles.

10.Conquista. Europeus podiam adquirir títulos sobre terras indígenas através de vitórias

militares. A conquista também era utilizada como um termo de artes para descrever os

direitos reais e de soberania que os europeus automaticamente pleiteavam, somente por

realizar o primeiro descobrimento.

A. Uma formulação da Doutrina pela Igreja

27
Compare os formatos dos territórios da Louisiana e do Oregon, nos Estados Unidos.

Territorial Growth of the United States,

http://etc.usf.edu/maps/pages/6200/6207/6207.htm (acessado em 18 de junho de 2010).

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A Doutrina é uma das mais antigas formulações do direito internacional, ou seja, as

consentidas normas e princípios que controlam as condutas entre os estados. O

Descobrimento foi desenvolvido especificamente para controlar as ações europeias e

conflitos relacionados à exploração, comércio e colonização de países não europeus,

assim como foi também utilizada para a dominação de povos não cristãos e não

europeus.28 A Doutrina foi desenvolvida, através dos séculos, principalmente pela Igreja

Católica, Portugal, Espanha e Inglaterra, e foi racionalizada sob a autoridade do Deus

cristão e da ideia etnocêntrica de que europeus tinham o poder e justificação para vindicar

as terras e direitos dos povos indígenas, assim como para exercer domínio sobre estes.29

Comentaristas tem identificado a expansão das regras europeias e, especialmente,

da Doutrina, em tempos medievais, em particular nas Cruzadas pelas Terras Sagradas,

28
Johnson, 21 U.S. p. 572-73; WILLIAMS, supra, nota 4, p. 7-8, 325-28. Ver também

Antonio Truyol y Serra, The Discovery of the New World and International Law, 3

TOLEDO L. REV. 305, 308 (1971) (argumentando que o Novo Mundo confrontou a

Europa “com o problema do direito de colonização e, que, a partir deste ponto de vista,

tornou-se, finalmente, necessário abordar a questão do direito das nações sob uma

perspective global.”)
29
Miller, supra, nota 1, 42 IDAHO L. REV. p. 8-21; PAGDEN, supra, nota 4, p. 8, 24, 126;

JAMES MULDOON, POPES, LAWYERS AND INFIDELS 34-48, 107-52 (1979); THE EXPANSION

OF EUROPE: THE FIRST PHASE 3-4, 155-57, 186, 191-92 (James Muldoon ed. 1977); CARL

ERDMANN, THE ORIGIN OF THE IDEA OF CRUSADE 8-11, 155-56 (1935, Marshall W.

Baldwin & Walter Goffart trans., 1977 ed.).

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entre 1096 e 1271. 30 Para justificar as Cruzadas, a Igreja estabeleceu a ideia de uma

jurisdição papal universal que investiu o papa de responsabilidade jurídica para

concretizar uma visão da nação cristã universal.31 Esta responsabilidade papal e sua

jurisdição implicaram na ideia de guerras santas, justificadas e lícitas, de cristãos contra

infiéis.32

Em 1240, o jurista canônico Papa Inocêncio IV escreveu um comentário jurídico

sobre os direitos dos não cristãos que muito influenciou o desenvolvimento da Doutrina

do Descobrimento e os importantes escritos dos juristas Francisco de Vitória e Hugo

Grócio, nos séculos XVI e XVII33. Inocêncio IV questionava, em seus comentários, se

“seria seria lícito invadir uma terra possuída por seus habitantes ou que a eles

30
PAGDEN, supra, nota 4, p. 8, 24, 126; WILLIAMS, supra, nota 4, p. 14; EXPANSION OF

EUROPE, supra, nota 29, p. 3-4, 155-57, 186; ERDMANN, supra, nota 29, p. 155-56; JAMES

A. BRUNDAGE, MEDIEVAL CANON LAW AND THE CRUSADER 24-25, 136-38 (1969).
31
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 29; De acordo com BRIAN TIERNEY, THE CRISIS OF

CHURCH AND STATE 1050-1300 152-56, 195-97 (1964, 1988 ed.); PAGDEN, supra, nota 4,

p. 24-30 (argumentando que, sob o Direito Romano e Natural, os não cristãos eram

definidos como excluídos do mundo) J.H. BURNS, LORDSHIP, KINGSHIP AND EMPIRE: THE

IDEA OF MONARCHY 1400-1525 100 (1992) (Filósofos que interpretam a monarchia e os

ensinamentos de Aristóteles dizem que só era possível enxergar o mundo como um

sistema único, consistente na comunidade cristã, ou Christendom).


32
WILLIAMS, supra, nota 4, p, 29-31; ERDMANN, supra, nota 29, p. 155-56; BRUNDAGE,

supra, nota 30, p. 19-26, 192-94.


33
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 13.

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pertencesse?”34 A resposta foi positiva porque as Cruzadas eram “apenas guerras”

travadas pela “defesa”do Cristianismo e para reconquistar terras que previamente

pertenceram aos cristãos. 35 Respondendo a esta questão, Inocêncio focou na autoridade

dos cristãos em legitimamente desposar os pagãos do dominium – soberania, senhorio e

propriedade.36 Ele concedera que os pagãos possuíssem alguns direitos naturais e que os

cristãos teriam que reconhecer o direito dos infiéis à propriedade e ao auto governo.37

Entretanto, ele também entendia que os direitos naturais de não cristãos eram concedidos

pelo mandato divino do papa.38 Como o papa era o responsável pela saúde espiritual da

humanidade, isso também significava que o este tinha voz nos assuntos seculares de

todos os humanos.39 Então, ele afirmou que: “ um papa pode ordenar infiéis a aceitar

pregadores das Escrituras... [e se eles não o fizerem] eles pecam e estão fadados a serem

34
Inocêncio IV, Commentaria Doctissima, in Quinque Libros Decretalium (1581), in

EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 191-92.

35
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 13, 44-45.
36
Id. p. 13 n.4; HENRY WHEATON, ELEMENTS OF INTERNATIONAL LAW 226-39 (1866,

William B. Lawrence ed., 1936); BURNS, supra, nota 31, p. 18, 98-100, 161-62.
37
SILVIO ZAVALA, THE POLITICAL PHILOSOPHY OF THE CONQUEST OF AMERICA 26

(Teener Hall, trad., 1953); WILLIAMS, supra nota 4, p. 13-14, 45, 49.
38
ZAVALA, supra, nota 37, p. 26; WILLIAMS, supra, nota 4, p. 13, 45.
39
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 14-17, 45-47.

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punidos... e a guerra pode ser declarada contra eles pelo Papa e por ninguém mais.”40

Consequentemente, o papa tinha o dever de intervir em assuntos seculares dos infiéis se

eles violassem o direito natural como definido por europeus, ou se impedissem a

pregação das Escrituras.41

Justificando invasões de países não cristãos para “defender”o Cristianismo,

Inocêncio tomou de empréstimos escritos de Santo Agostinho sobre a guerra santa.42

Agostinho argumentara que era lícito reconquistar terras tomadas por infiéis.43 Ele ainda

advogava pelo direito dos cristãos de travar guerras com povos que praticassem o

canibalismo, a sodomia, a idolatria e sacrifícios humanos, por exemplo, por serem

também uma defesa do Cristianismo, no intento de “alcançar a paz” e realizar um

trabalho de justiça.44

O Papa Inocêncio também baseou sua análise sobre a guerra santa em ações

papais anteriores. Por exemplo, mesmo antes das Cruzadas, Archdeacon Hildebrand

(futuramente, o Papa Gregório VII, 1073-1085) negociou um tratado papal com a França

para travar a guerra santa contra muçulmanos, na Espanha, e também concedeu a William

40
Innocent IV, supra, nota 34; ver também, EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p.

186.
41
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 46-47, 66.
42
ERDMANN, supra, nota 29, p. 8-11; ver, por todos, JOHN MARK MATTOX, SAINT

AUGUSTINE AND THEORY OF JUST WAR (2006).


43
MATTOX, supra, nota 42, p. 46-51, 60, 74; WILLIAMS, supra, nota 4, p. 44.
44
XIX DE CIVITAE DEI 13 (citado em PAGDEN, supra, nota 4, p. 98); WILLIAMS, supra,

nota 4, p. 14.

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of Normandy uma notícia papal autorizando a conquista da Inglaterra em 1066.45 Mais

importante, o Papa Urbano II (1088-1099) concedeu aos guerreiros cristãos na Espanha

as mesmas indulgências que foram concedidas por peregrinações às terras santas.46 O

Papa Urbano, em seguida, promoveu o primeiro recrutamento para cruzadas nas terras

santas em 1095 e continuou a relacionar cruzadas com peregrinações através da

concessão de indulgências, assim como também o fez nas guerras santas com os

mouros.47

O desenvolvimento das ideias do Descobrimento progrediram, mais

significantemente, no início do século XV, numa disputa entre a Polônia e os Cavaleiros

Teutônicos sobre a Lituânia pagã.48 O conflito sobre a Lituânia, mais uma vez, levantou a

questão da tomada de terras e direitos de não cristãos, sob sanções papais, e da existência

de dominium, soberania e direitos reais, dos infiéis.49 No Conselho de Constança de 1414,

os Cavaleiros argumentaram que seus pleitos territoriais e jurisdicionais originavam-se

45
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 31; ERDMANN, supra, nota 29, p. 148-70; BRUNDAGE,

supra, nota 30, p. 25-28.


46
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 32-34; ERDMANN, supra, nota 29, p. 306-54; BRUNDAGE,

supra, nota 30, p. 31-38.


47
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 35-37; ERDMANN, supra, nota 29, p. 306-54.
48
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 58-60; EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 105-24.

Os Cavaleiros eram uma ordem religiosa de cruzadas que acreditava que pagãos

poderiam ser privados de sua propriedade e senhorio sob a autoridade das bulas do papa

endereçadas às terras santas. Id.


49
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 60.

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das bulas do papa relacionadas às Cruzadas, que autorizava o confisco de propriedade e

soberania de não cristãos; que infiéis não possuíam dominium; e que estes estariam

sujeitos aos cristãos.50 A Polônia, entretanto, baseou-se nos escritos de Inocêncio IV, de

1240, que atestavam que infiéis possuíam os mesmos direitos naturais que cristãos e que

suas terras e direitos somente poderiam ser tomadas como punição por violações do

direito natural ou para facilitar a pregação das Escrituras.51 O Conselho aceitou o

argumento da Polônia de que os infiéis possuíam direito natural à propriedade e ao

senhorio e que tais direitos somente poderiam ser invadidos em caso de violação do

direito natural.52 Futuras cruzadas, descobrimentos e conquistas de gentios teriam que ser

processados sob os padrões jurídicos em desenvolvimento no Cristianismo, que

apontavam que pagãos detinham direitos naturais, mas que deveriam submeter-se aos

conceitos europeus de direito natural, ou então arriscarem-se às conquistas. Dessa forma,

a Igreja e os príncipes cristãos tinham que respeitar os direitos naturais dos pagãos à

propriedade e ao auto governo, sob a condição de seguirem as visões normativas

europeias.

B. O desenvolvimento da Doutrina por Portugal e pela Espanha

Portugal e Espanha começaram a confrontar-se acerca de exploração, trocas e

colonização nas ilhas do Atlântico Leste, a partir da metade do século XIV.53 Portugal

50
Id. p. 62-65; MULDOON, supra, nota 29, p. 109-19.
51
EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 187, 203-05; WILLIAMS, supra, nota 4, p. 64-

65.
52
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 65-66; MULDOON, supra, nota 29, p. 119.
53
EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 47-48; CHARLES R. BOXER, THE

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inicialmente vindicou as Ilhas Canárias em 1340, baseado na “prioridade do

descobrimento e posse oposta a qualquer poder europeu”54 e “no direito de conquistar o

restante das Ilhas Canárias.”55 Em seguida, Portugal também descobriu e vindicou os

grupos de ilhas de Açores, Cabo Verde e Madeira.56 A competição da Espanha pelas Ilhas

Canárias levou a ataques contra o povo das Canárias e mesmo contra cristãos

convertidos. 57 A Igreja envolveu-se e o Papa Eugênio IV editou uma bula, em 1434,

banindo todos europeus das Canárias para proteger os nativos pagãos e os convertidos.58

O Rei Duarte, de Portugal, apelou contra o banimento da colonização nas Canárias e

argumentou que a as explorações e conquistas portuguesas eram executadas em nome do

Cristianismo.59 A conversão dos “homens selvagens” infiéis era justificada, de acordo

PORTUGUESE SEABORNE EMPIRE 1415-1825 21-29 (1969); PRESTAGE, supra, nota 26, p.

8-9, 27, 38-41, 43-50, 54-59, 96-97, 100-02; I ROGER BIGELOW MERRIMAN, THE RISE OF

THE SPANISH EMPIRE IN THE OLD WORLD AND IN THE NEW 142, 144, 146, 155-56, 171-72,

180, 189 (1918, 1962 ed.).


54
I MERRIMAN, supra, nota 53, p. 144; id. Vol. II, p. 172.
55
Id. De acordo com BOXER, supra, nota 53, p. 21-29; PRESTAGE, supra, nota 26, p. 8-9,

27, 38-41, 43-50, 54-59, 96-97, 100-02.


56
I MERRIMAN, supra, nota 53, p. 142-46; EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 48;

BOXER, supra, nota 53, p. 21-29; PRESTAGE, supra, nota 26, 8-9, 27, 38-41, 43-50, 54-59,

96-97, 100-02.
57
EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 54.
58
Id. p. 48, 54-56; MULDOON, supra, nota 29, p. 119-21.
59
EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 54-56 (traduzindo e reimprimindo a carta de

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com Duarte, porque eles não tinham uma religião ou direito comuns, dinheiro, habitação,

escrita mental, relações sociais e viviam como animais.60 Duarte apontou que os

convertidos nas Canárias tornaram-se sujeitos a Portugal e receberam os benefícios da

sociedade e do direito civilizados.61 Entretanto, o banimento pelo Papa, de acordo com o

Rei, estaria interferindo no avanço da civilização e do Cristianismo porque Duarte teria

iniciado sua “conquista das ilhas, principalmente para a salvação das almas dos pagãos ao

invés de o fazer por uma razão pessoal, já que não haveria nada que ele pudesse

ganhar...”62 O Rei pediu ao Papa que entregasse as Ilhas Canárias a Portugal, pois assim a

Igreja poderia manter a supervisão sobre a guarda dos infiéis.63

Os juristas de Duarte tomaram de empréstimo os argumentos do Papa Inocêncio

IV em seus escritos de 1240.64 Os advogados sustentaram que Portugal apenas queria

estabelecer relações de custódia com as Ilhas Canárias para protege-los de outros

europeus. Mas, eles também argumentaram que os habitantes não admitiriam

missionários e que isso autorizaria a declaração de guerra.65 Os advogados também

sustentaram que estaria dentro das competências de guarda e autoridade do Papa a

Duarte para o papa).


60
Id. p. 54.
61
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 69; EXPANSION OF EUROPE supra, nota 25, p. 55.
62
EXPANSION OF EUROPE supra, nota 29, p. 55.
63
Id. p. 56.
64
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 69-70.
65
Id. p. 70; MULDOON, supra, nota 29, p. 126.

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delegação do poder de punir e civilizar os habitantes da ilha a um príncipe cristão.66 O

Papa Eugênio, então, consultou pelo menos dois juristas canônicos, que também se

apoiaram nos comentários de Inocêncio IV e concluíram que os nativos das ilhas tinham

o dominium do Direito Romano Internacional (ius gentium), mas que o papado possuía

jurisdição indireta sobre suas ações seculares. Os juristas do papa concordaram que ele

possuía a autoridade de privar infiéis de suas propriedades e senhorios se estes falhassem

em aceitar missionários cristãos ou se violassem o direito natural.67

A situação levou a um refinamento da Doutrina. O novo argumento para a

dominação europeia e cristã sobre os infiéis tomou por base os direitos de descobrimento

e conquista de Portugal, que derivaram da alegação de necessidade de proteção aos povos

indígenas contra a opressão de outros e do dever de converte-los. Um papa dificilmente

poderia discordar. Em 1436, Eugenio IV editou a bula papal Romanus Pontifex e

autorizou Portugal a converter os nativos das Ilhas Canárias e a controlar as ilhas em

nome do papado.68 Esta bula foi várias vezes reeditada no século XV e, a cada vez,

estendia mais significativamente a jurisdição e direitos de Portugal na África.69 Ainda,

em 1455, o Papa Nicolau V concedeu a Portugal o título das terras africanas que este país

havia “adquirido e que deveria adquirir no futuro”, e o autorizou a “invadir, procurar,

66
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 71.
67
Id. p. 71-72; MULDOON, supra, nota 29, p. 126-27.
68
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 72.
69
CHURCH AND STATE THROUGH THE CENTURIES 146-53 (Sidney Z. Ehler & John B.

Morrall trans. & eds. 1967); EUROPEAN TREATIES BEARING ON THE HISTORY OF THE

UNITED STATES AND ITS DEPENDENCIES TO 1648 23 (Frances G. Davenport ed. 1917).

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capturar, conquistar e e subjugar todos os sarracenos e pagãos”, além de coloca-los em

perpétua escravidão e confiscar todas as suas propriedades.70 Estas bulas demonstraram a

definição do Descobrimento à época porque eles reconheciam o “interesse papal” em

trazer seres humanos “para dentro de uma das dobras de Deus”, e autorizaram o trabalho

de conversão por Portugal, assim como o conferiram títulos e soberanias sobre as terras

“que já haviam sido adquiridas e que deveriam ser adquiridas no futuro”.71

Sob tais bulas e a ameaça de excomunhão aos príncipes cristãos que violassem os

direitos de Portugal, a Espanha Católica teve que visualizar novas terras para conquistar e

explorar em outro lugar. Consequentemente, o plano, de Cristóvão Colombo, de

passagem ocidental para as Índias interessou ao Rei Fernando e à Rainha Isabella. Depois

que seus juristas canônicos e teólogos analisaram as autoridades legais e bíblicas, Isabella

concordou em patrocinar a empreitada “de descobrir e adquirir certas ilhas e

continentes”, e eles, enviaram, então, Colombo, sob um contrato que fazia dele o

Almirante de qualquer das terras que “ele pudesse eventualmente descobrir e adquirir”.72

Depois da bem-sucedida viagem de Colombo ao Novo Mundo, Isabella e

Fernando buscaram ratificação papal para seus descobrimentos. Em maio de 1973, o Papa

Alexandre VI editou a bula Inter caetera ordenando que as terras, “que até então não

70
EUROPEAN TREATIES, supra, nota 69, p. 23.
71
CHURCH AND STATE, supra, nota 69, p. 146, 150.
72
THE SPANISH TRADITION 32-33 (Charles Gibson ed. 1968) (traduzindo os documentos

de abril de 1492); SAMUEL ELIOT MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY OF AMERICA:

THE SOUTHERN VOYAGES A.D. 1492-1616 31-44 (1974); SAMUEL ELIOT MORISON,

ADMIRAL OF THE OCEAN SEA: A LIFE OF CHRISTOPHER COLUMBUS 105 (1942).

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foram descobertas por outros” e que foram descobertas por Colombo, agora pertenceriam

a Fernando e Isabella, “sob seu poder, autoridade e jurisdição de qualquer tipo.”73 O papa

também concedeu à Espanha quaisquer terras que esta viesse a descobrir no futuro,

contanto que estas não estivessem, à época, na direta posse de qualquer outro reino

cristão.”74 O papa também exerceu sua autoridade de guarda universal e colocou os povos

indígenas das terras que Colombo descobriu sob a tutela espanhola.75

Portugal, no entanto, imediatamente reclamou as terras que a Espanha descobriu

no Caribe.76 Em verdade, D. João II confiou no elemento contiguidade, do

Descobrimento, para asseverar que Portugal possuía tais terras, já que ele imaginava que

elas fossem localizadas perto das Ilhas Açores, que Portugal já possuía.77 Portugal e

Espanha discutiram acerca do conflito entre suas bulas papais e a Espanha requisitou

outra bula para claramente delinear sua propriedade sobre as terras que Colombo

73
EUROPEAN TREATIES, supra, nota 69, p. 9-13, 23, 53-56 (traduzindo a Inter caetera

divinai, de maio de 1493); THE SPANISH TRADITION, supra, nota 72, p. 36-38 (o mesmo).
74
EUROPEAN TREATIES, supra, nota 69, p. 9-13, 23, 53-56 (traduzindo a Inter caetera

divinai, de maio de 1493).


75
EUROPEAN TREATIES, supra, nota 69, p. 9-13, 23, 53-56; WILLIAMS, supra, nota 4, p.

79.
76
H.V. Livermore, Portuguese History, in PORTUGAL AND BRAZIL 61 (H.V. Livermore

ed. 1953); MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 97-98; II MERRIMAN,

supra, nota 53, p. 199.


77
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 237; REGINA JOHNSON TOMLINSON, THE STRUGGLE FOR

BRAZIL: PORTUGAL AND “THE FRENCH INTERLOPERS” (1500-1550) 7 (1970).

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descobrira, e que ainda poderia eventualmente descobrir, no Novo Mundo. Alexandre VI,

então, editou a Inter caetera II, desenhando uma linha demarcatória desde o pólo norte

até o pólo sul, 100 léguas a oeste das Ilhas Açores. Concedeu à Espanha o título referente

a todas as terras “descobertas e a serem descobertas”, assim como jurisdição sobre os

povos indígenas, a oeste da linha e da jurisdição, e concedeu a Portugal todos os mesmos

direitos, à leste da linha.78 Esta bula também designou, a Portugal e Espanha, o dever de

contribuir com “a propagação do Cristianismo”, em suas respectivas áreas e no globo.79

Entretanto, Portugal continuou a pressionar por mais direitos no Novo Mundo e

até mesmo ameaçou iniciar guerras.80 Consequentemente, em 1494, Portugal e Espanha

assinaram o Tratado de Tordesilhas e concordaram em mover a linha demarcatória

desenhada pelo papa mais para oeste, a 370 léguas a oeste das Ilhas Cabo Verde, no

propósito de assegurar a Portugal parte do Novo Mundo e de proteger suas rotas para as

Índias através do Atlântico.81 Desta forma o direito de Porgutal de colonizar o continente

78
THE SPANISH TRADITION, supra, nota 72, p. 38 (traduzindo a bula papal de 1493);

MORISON, ADMIRAL, supra, nota 72, p. 368-73; CHURCH AND STATE , supra, nota 69, p.

156.
79
THE SPANISH TRADITION, supra, nota 72, p. 36-37.
80
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 241-42.
81
III FOUNDATIONS OF COLONIAL AMERICA: A DOCUMENTARY HISTORY 1684 (W. Keith

Kavenagh ed. 1973); THE SPANISH TRADITION, supra, nota 72, p. 42-51 (tradado

traduzito); C.H. HARING, THE SPANISH EMPIRE IN AMERICA 7 (1947); EUROPEAN

TREATIES, supra, nota 69, p. 75. Para mapas que mostram as linhas demarcatórias, ver

http://es.wikipedia.org/wiki/Archivo:Cedulas1534-1539.png (acessado em 27 de outubro

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brasileiro foi reconhecido, pelo menos para a Espanha, porque esta espalhou-se a oeste da

linha de Tordesilhas.82 Entre 1523 e 1529, como estes países vindicavam terras

descobertas no Oceano Pacífico, eles argumentaram contra aqueles que possuíssem

direitos do Descobrimento. O espanhol Charles V admitiu que Portugal tivesse

primeiramente descoberto as Ilhas Molucas, mas baseado no segundo elemento do

Descobrimento, ele “negou sua efetiva posse por Portugal.”83 Nenhum país conseguiu

provar “seu caso de posse”. Então, em 17 de abril de 1529, eles assinaram o Tratado de

Saragoça e estenderam a linha de demarcação do Atlântico, do Tratado de Tordesilhas, de

1494, ao redor do globo, através do Oceano Pacífico.84

de 2010); http://en.wikipedia.org/wiki/File:Spain_and_Portugal.png (acessado em 27 de

outubro de 2010).
82
Ver, e.g., MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 98. O Tratado foi

sancionado em Janeiro de 1506, pela bula papal Ea quae, editada pelo Papa Júlio II.

Alfonso Garcia Gallo, Las Bulas de Alejandro VI yel Ordinamento Juridico de la

Expansión Portuguesa y Castellana en Africa y Indias, in XXVIII ANUARIO DE HISTORIA

DEL DERECHO ESPANOL ([YEARBOOK OF THE HISTORY OF THE SPANISH LAW) 825 (1958).
83
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 306; MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota

72, p. 476-77, 490-91, 498; III MERRIMAN, supra, nota 53, p. 447-48, 452-53;

http://en.wikipedia.org/wiki/File:Spain_and_Portugal.png (acessado em 27 de outubro de

2010).
84
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 306; MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota

72, p. 476-77, 490-91, 498; III MERRIMAN, supra, nota 53, p. 447-48, 452-53;

http://en.wikipedia.org/wiki/File:Spain_and_Portugal.png (acessado em 27 de outubro de

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Após assinarem os tratados de Tordesilhas e de Saragoça, Portugal e Espanha

começaram a argumentar acerca de uma doutrina de direito internacional chamada mar

fechado (mare clausum), que carreava a ideia de que o mar estava fechado para toda a

Europa, exceto para Espanha e Portugal.85 Outros países europeus discordaram e

argumentaram pela doutrina do mare liberum, ou mar aberto, na qual qualquer país

poderia navegar por pelos mares que bem entendesse.86

Em 1493, como cânon e direito international, assim entendido pela Igreja, pela

Espanha e por Portugal, a Doutrina do Descobrimento, sustentou-se em quatro pontos.

Primeiramente, a Igreja possuía a autoridade de conceder a reis cristãos o título de

soberania sobre povos indígenas e suas terras; Em segundo, a exploração, conquista e

colonização europeias foram designadas para assistir o papado no exercício de seu dever

de tutela sobre todo rebanho terrestre; Terceiro, Portugal e Espanha detinham exclusivos

direitos de exploração e colonização do mundo, em detrimento de todos os outros países

2010).
85
BLACK’S LAW DICTIONARY 985 (8th ed. 2004); EDUARDO BUENO, A COROA, A CRUZ E A

ESPADA: LEI, ORDEM E CORRUPÇÃO NO BRASIL COLÕNIA [THE CROWN, THE CROSS, AND

THE SWORD: LAW, ORDER AND CORRUPTION IN COLONIAL BRAZIL] 45 (2006); Livermore,

Portuguese History, supra, nota 76, p. 62; J. F. DE ALMEIDA PRADO, SAO VICENTE E AS

CAPITANIAS DO SUL DO BRASIL: AS ORIGENS (1501-1531) [SAINT VINCENT AND THE

CAPTAINCIES OF THE SOUTH OF BRAZIL: THE ORIGINS] 228 (1961).


86
BUENO, supra, nota 85, p. 49; Andre-Louis Sanguin, Geopolitical Scenarios, From the

Mare Liberum to the Mare Clausum: The High Sea and the Case of the Mediterranean

Basin, 2 GEOADRIA 51-62 (1997).

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europeus.87 Finalmente, o mero descobrimento de novas terras por Portugal e Espanha,

em suas respectivas esferas de influência, sob a bula papal e a empreitada de atos

simbólicos de posse, seria suficiente para estabelecer seus direitos de propriedade.88 Os

87
PAGDEN, supra, nota 4, p. 31-33; MULDOON, supra, nota 29, p. 139; MORISON,

ADMIRAL, supra, nota 72, p. 368.


88
Portugal e Espanha frequentemente argumentaram que os descobrimentos de novas

terras e a condução de atos rituais de posse simbólica fundamentavam seus pleitos

jurídicos. Compare SEED, supra, nota 3, p. 9 & n.19, 69-73, 101-02; James Simsarian,

The Acquisition of Legal Title to Terra Nullius, 53 POL. SCI. Q. 111, 113-14, 117-18, 120-

24 (March 1938); com Friedrich August Freiherr von der Heydte, Discovery, Symbolic

Annexation and Virtual Effectiveness in International Law, 29 AM. J. INT'L L. 448, 450-

52 (1935) (explicando que a posse simbólica quase nunca era aceita como garantidora de

propriedade e que um país necessitava da posse direta); The Island of Palmas Case, 2

R.I.A.A. 829, Hague Court Reports 83 (1928) (sustentando que os Estados Unidos

reclamaram a propriedade de uma ilha nas Filipinas baseados numa primeira descoberta

espanhola que nunca fora seguida de ocupação direta e que criara somente expectativa de

direito ao título).

Inglaterra, França e Holanda comumente insistiram em ocupações e posse sobre

as terras antes de aceitarem pleitos de outros países sobre estas. Quando o oposto serviu

aos seus interesses, entretanto, eles reclamaram as terras baseados apenas em posse

simbólica, através de rituais do Descobrimento. PAGDEN, supra, nota 4, p. 81 (A França

pleiteou o Tahiti em 1758, baseada na posse simbólica; George III instruiu o Capitão

Cook a utilizar ritos de posse simbólica); Heydte, supra, nota 88, p. 460-61 (citando as

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portugueses, por exemplo, ergueram cruzes de pedras e madeiras ao longo das costas

brasileira e africana quando lá primeiramente chegaram, assim como outros europeus

fizeram o mesmo quando vindicaram novas terras. 89 [Accurately, “Vindicar” means to

claim. “Reinvindicar” means to claim over something one has possessed and lost. A third

option is “pleitear”, which was used in several portions. Off course, it is your choice and

I can change all “vindicar” for “pleitear” or for “reivindicar”, wich I do not recommend.]

instruções de George III, a Cook, para que este“tomasse posse das terras inabitadas, para

Sua Majestade, através de marcações e inscrições próprias de primeiros descobridores e

possuidores”; Em 1642, a Holanda ordenou que um explorador tomasse posse das terras

através do estabelecimento de postos e de placas, declar[ando] a intenção... de estabelecer

uma colônia”); FRED ANDERSON, CRUCIBLE OF WAR: THE SEVEN YEARS’ WAR AND THE

FATE OF EMPIRE IN BRITISH NORTH AMERICA, 1754-1766 25-26 (2000) (A França enviou

uma expedição através do vale de Ohio, na América do Norte, em 1749, para renovar seu

pleito pelo descobrimento de 1643, através do enterra[mento] de pequenas placas...

‘como monumentos’… ‘à renovação da posse’”).

89
MARQUES, supra, nota 9, p. 219-20 (“Uma prática tinha se iniciado… de trazer de

Portugal algumas pilares de rochas com uma cruz e de deixa-los com o brasão real e uma

inscrição cronológica em importantes cabos ou rios, como marcas da presença

portuguesa.” Uma inscrição dizia: “O poderoso Rei Príncipe de Portugal João II ordenou

o descobrimento desta terra e o levantamento destes monumentos”); ver infra, notas 208-

11 e os textos que as acompanham; MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota

72, p. 63, 151; PAGDEN, supra, nota 4, p. 81. Ver supra, nota 88.

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O fato de que os parâmetros do Descobrimento foram bem aceitos até este momento não

significa, entretanto, que não houvesse debates, em Portugal e na Espanha, acerca da

validade das vindicações europeias sobre terras e povos indígenas. Em Portugal, porém,

parece que alguns acadêmicos e filósofos discutiram o direito de império de Portugal

sobre a Ásia, a África e o Brasil.90 Um dos raros escritores portugueses que abordaram

esse assunto foi Serafim de Freitas, em 1625.91

De Freitas reconheceu o poder e direito do papa de entregar a Portugal os títulos

das novas terras para que as evangelizasse, e, porque a evangelização requeria trocas e

uma forma limitada de conquista, a Portugal e Espanha também foi conferido o poder de

executar seus direitos nas áreas a eles conferidas pelo papado.92

De Freitas tentou refutar os argumentos de Hugo Grócio de que a Holanda

também teria iguais direitos de troca e de colonização na Ásia, através da citação de bulas

papais. 93 De Freitas parece ter argumentado que seria inválida a concessão, pelo papa, a

Portugal, do dominium sobre os pagãos, e que o papado não seria capaz de conferir

direitos abstratos de viagem e de navegação às Índias. Mas, ele concordava com o fato de

90
PADGEN, supra, nota 4, p. 4
91
II SERAFIM DE FREITAS, DE IUSTO IMPERIO LUSITANORUM ASIATICO [ON THE JUST

EMPIRE OF THE PORTUGUESE IN ASIA] 93-94 (1625: Miguel Pinto de Meneses, ed. &

trans. 1960-61 ed.). Este livro foi publicado durante o tempo em que a Coroa Espanhola

regulava Portugal, entre 1580 e 1640, e sem dúvida reflete as filosofias portuguesa e

espanhola sobre o império colonial. PAGDEN, supra, nota 4, p. 4.


92
PAGDEN, supra, nota 4, p. 4.
93
Id. p. 4, 49.

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que a Igreja detinha o poder e o direito de conferir a um exclusivo monarca o dever de

evangelização, e que Portugal e Espanha estariam perfeitamente imbuídos dos poderes de

executar seus direitos exclusivos.94

Na Espanha, o debate acerca de seu direito de império foi muito mais vigoroso e

prolongado. Círculos jurídicos e religiosos profundamente reconheceram a autoridade

para a concessão dos direitos da Coroa sobre o Novo Mundo por décadas.95 O Rei

Fernando até mesmo buscou por pareceres sobre a legitimidade das bulas papais para a

concessão de títulos sobre o Novo Mundo concedidos à Espanha.96 Seus conselheiros

jurídicos asseguraram-se nos escritos do Papa Inocêncio IV e concordaram que a Espanha

detinha autoridade legal para adquirir títulos e bens no Novo Mundo.97 Por último, o

conselho real desenvolveu políticas, regulações e leis para controlar a conquista e

colonização pela Espanha.98 A maior parte desta discussão pode ser resumida pelo jurista

94
Id.
95
PAGDEN, supra, nota 4, p. 46, 48-49, 55-56, 89-90, 92-94, 96-99; JOHN THOMAS

VANCE, THE BACKGROUND OF HISPANIC-AMERICAN LAW 142 (1943); LEWIS HANKE, THE

SPANISH STRUGGLE FOR JUSTICE IN THE CONQUEST OF AMERICA 17-22, 113-32 (1949).
96
HANKE, supra, nota 95, p. 26, 27-28, 147; WILLIAMS, supra, nota 4, p. 89.
97
HANKE, supra, nota 95, p. 27, 29-30; WILLIAMS, supra, nota 4, p. 91; Serra, supra, nota

28, p. 315-19; II MERRIMAN, supra, nota 53, p. 345-46.


98
Serra, supra, nota 28, p. 317; MULDOON, supra, nota 29, p. 140-43; HANKE, supra,

nota 95, p. 23-25, 33-36; THE SPANISH TRADITION, supra, nota 72, p. 58-82. The 1512

Laws of Burgos are available in English at.

http://faculty.smu.edu/bakewell/BAKEWELL/texts/burgoslaws.html (acessado em 1 de

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canônico e advogado Fernando Vázques de Menchaca, quem asseverou que os nativos do

Novo Mundo são “nossos inimigos, prejudiciais, repugnantes e perigosos”, e pelo teólogo

espanhol Juan Ginés de Sepúlveda, quem escreveu que índios americanos eram inculti e

inhumani.99

julho de 2010).
99
PAGDEN, supra, nota 4, p. 99-100. O famoso jurista ingles, Sir Edward Coke, afirmou,

no caso Calvin, 77 Eng. Rep. 377, 378, 397 (K.B. 1608), que os infiéis são os perpétuos

inimigo dos cristãos.

Talvez, o mais conhecido debate sobre este tema seja entre Sepúlveda e o frade

dominicano Bartolomé de las Casas, quem fora designado pela Coroa Espanhola como

protetor dos índios no Novo Mundo. HANKE, supra, nota 95, p. 11, 54-58, 113-32, 153-

55, 177; PAGDEN, supra, nota 4, p. 52, 100. Sepúlveda escreveu um trabalho de três

volumes que retratava o rei espanhol como aquele que Deus escolhera para transformar

os “inumanos” em humanos. Ele concordou que povos nativos poderiam ser conquistados

e escravizados, e que o Papa Alexandre VI havia escolhido a Espanha para executar tal

tarefa. THE SPANISH TRADITION, supra, nota 72, p. 113-20; ZAVALA, supra, nota 37, p.

52-54. Ver, por todos, LEWIS HANKE, ALL MANKIND IS ONE: A STUDY OF THE

DISPUTATION BETWEEN BARTOLOMÉ DE LAS CASAS AND JUAN GINÉS DE SEPÚLVEDA IN

1550 ON THE INTELLECTUAL AND RELIGIOUS CAPACITY OF THE AMERICAN INDIAN (1974).

Em contraste, Las Casas argumentara que índios eram humanos racionais num estágio

atrasado de desenvolvimento, que poderiam pacificamente receber o Cristianismo, mas

que a Espanha careceria de direitos de escraviza-los ou de travar guerras em seu desfavor.

PAGDEN, supra, nota 4, p. 99-100.

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Dentro desta longa discussão teórica, jurídica, espiritual e política avançou o

espanhol Francisco de Vitória. Vitória era um padre dominicano, professor na

Universidade de Salamanca e conselheiro real.100 Hoje, ele é considerado, na Espanha,

um dos mais influentes teóricos do direito do século XVI e um dos mais antigos

escritores de direito internacional.101 Em 1532, ele concluiu que os índios das Américas

“possuíam direitos naturais como pessoas livres e racionais”.102 Ele concordava com o

Papa Inocêncio IV e com outros acadêmicos, que os infiéis possuíam direitos de

propriedade e de soberania – dominium.103 Assim, ele concluiu que o título espanhol

sobre o Novo Mundo não poderia ser baseado em concessão papal porque o papado não

poderia alienar os direitos naturais à propriedade dos infiéis já que índios eram homens

livres e os proprietários de suas terras.104

Porém, significantemente, Vitória também concluiu que se os índios violassem o

princípio, de direito natural, do Direito das Nações (como definido pelos europeus), uma

nação cristã restaria justificada em sua conquista e estabelecimento de império nas

100
PAGDEN supra, nota 4, p. 46-47.
101
Id. p. 46; WILLIAMS, supra, nota 4, p. 96-97 & n.135; Felix Cohen, The Spanish

Origins of Indian Rights in the Law of the United States, 31 GEO. L.J. 1 (1942).
102
FRANCISCUS DE VICTORIA, DE INDIS ET DE IURE BELLIE RELECTIONES 115, 123, 125-

28 (Ernest Nys ed. & John Pauley Bate trans., 1917).


103
Id. p. 123.
104
Id. p. 129-31, 135-39 (terras que encontravam-se verdadeiramente vazias, terra

nullius, poderiam ser vindicadas pelo primeiro ocupante “porque o que pertence a

ninguém deve concedido ao primeiro ocupante”).

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Américas.105 Infiéis deveriam obedecer ao direito natural europeu, por alguma razão. Os

deveres, que os índios tinham para com os europeus, sob o direito internacional, incluía o

poder dos espanhóis de viajar para onde quer que intentassem, de livre comércio, de

trocas, de obterem lucros onde quer que estivessem, e de coletar e trocar simples itens,

como peixes, animais e metais preciosos.106

Vitória também advogou a ideia do engajamento de europeus em justas e santas

guerras se os nativos violassem qualquer das normas de direito natural europeu. “Se os

índios nativos intentam impedir os espanhóis de gozar de qualquer de seus... direitos, sob

o Direito das Nações... espanhóis podem, então, defender-se e realizar tudo o que

consistir na sua própria segurança, sendo lícito repelir a força com força... Desta maneira,

se for necessário para a preservação de seus direitos, caso precisem ir à guerra, eles assim

o devem fazer.”107

Vitória concordava que a Espanha poderia engajar-se nestas atividades, baseada

no seu dever cristão de civilizar os povos bárbaros e de pregar as escrituras.108 Com

105
Id. p. 151, 153; WILLIAMS, supra, nota 4, p. 97, 100-01; J.H. PARRY, THE AGE OF

RECONNAISSANCE: DISCOVERY, EXPLORATION AND SETTLEMENT 1450 TO 1650 305-06

(ed. 1969).
106
VICTORIA, supra, nota 102, p. 151-54; WILLIAMS, supra, nota 4, p. 99-103; ANTHONY

PAGDEN, SPANISH IMPERIALISM AND THE POLITICAL IMAGINATION 23-24 (1990).


107
VICTORIA, supra, nota 102, p. 154-55. Ver also SEED, supra, nota 3, p. 88-97; HANKE,

supra, nota 95, p. 133-46, 156-72; ARTHUR NUSSBAUM, A CONCISE HISTORY OF THE LAW

OF NATIONS 61-62 (1947).


108
VICTORIA, supra, nota 102, p. 156-57, 160-61.

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efeito, Vitória colaborou para as justificações do império espanhol porque este já estava,

àquela época, estabelecido. Tudo o que ele acrescentou foi que o Direito das Nações

Europeu, uma declaração dos direitos superiores de europeus, tornou-se parte do direito

internacional do Descobrimento e do império europeu.109

Estes debates sobre as justificações do império e conquistas europeias, a história e

atividades da expansão e a colonização pelos Portugueses e Espanhóis demonstra que

estes países aceitavam e operavam sob a Doutrina do Descobrimento.

C.Outros Países Europeus e o Descobrimento

Outros países europeus estavam também afoitos para usar a Doutrina do

Descobrimento na vindicação de terras e bens fora da Europa. Inglaterra, França,

Holanda e Rússia, por exemplo, utilizaram o direito internacional e pleitearam os direitos

de primeiro descobridor, soberania e direitos comerciais, e de título em várias partes do

mundo.110 Nós iremos apenas sumariamente discutir estes esforços e focar principalmente

em como tais esforços contribuíram à definição do direito internacional ao

Descobrimento.

A Inglaterra, por exemplo, vindicou que as explorações levadas a cabo por John

Cabot entre 1496 e 1498 e as alegadas primeiras descobertas ao longo da costa da

América do Norte concederam àquele país o direito de pleitear o primeiro descobrimento

de partes dos atuais Estados Unidos e Canadá.111

109
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 106-07.
110
Ver, e.g., MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 12-23, 44-48, 120-26, 131-36.
111
Id. p. 17, 25, 70; PAGDEN, supra, nota 4, p. 90.

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A Inglaterra também utilizou-se de outros elementos do Descobrimento para

argumentar contra colonizações pelos Países Baixos e pela Suécia, nos atuais Estados

Unidos, durante os anos 1640, porque ela já teria reclamado o “primeiro descobrimento, a

ocupação e a posse” das terras, devido às suas colonizações.112 Ainda, a França contestou

a vindicação inglesa de primeiro descobrimento na América do Norte e contra ela

argumentou que teria antecipada e primeiramente descoberto tais terras, assim como as

possuído e estabelecido sobre elas seu próprio pleito.113

Apesar de seus clamores pela América do Norte, Inglaterra e França enfrentaram

um problema comum relativo à colonização e comércio no Novo Mundo. Ambos eram

países católicos em 1493, preocupados acerca da infringência das bulas papais para

Portugal e Espanha e o risco de excomunhão.114 Entretanto, estes países também estavam

ávidos para adquirir novos territórios descobertos e seus bens. Assim, juristas franceses e

ingleses analisaram o direito canônico, as bulas papais, a história e o desenvolvimento de

112
VII EARLY AMERICAN INDIAN DOCUMENTS: TREATIES AND LAWS, 1607-1789 30-32

(Alden T. Vaughan & Barbara Graymont eds., 1998).

113
Ver, e.g., PAGDEN, supra, nota 4, p. 34; I JOSEPH JOUVENCY, AN ACCOUNT OF THE

CANADIAN MISSION 179, 205 (1710); II TRAVELS AND EXPLORATIONS OF THE JESUIT

MISSIONARIES IN NEW FRANCE 33, 127, 199, 203 (Reuben Gold Thwaites ed. 1959); id. p.

Vol. III, p. 33, 39, 41; id., Vol. XXXIV p. 217-19.


114
Ver WILLIAMS, supra, nota 4, p. 74 & 81.

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novas teorias do Descobrimento que eventualmente os permitisse colonizar e

comercializar no Novo Mundo.115

Uma das novas teorias, principalmente desenvolvida na Inglaterra, suportava que

o rei católico Henrique VII não violaria as bulas papais se seus exploradores apenas

buscassem e vindicassem terras que ainda não fossem descobertas por qualquer príncipe

cristão.116 Esta nova definição de Descobrimento foi, após, refinada pela rainha

protestante Elizabeth I e seus conselheiros, quando exigiram que Espanha e Portugal

ocupassem diretamente ou possuíssem terras não cristãs para evitarem vindicações das

mesmas pela Inglaterra.117 Consequentemente, Henrique VII, Elizabeth I e James I

ordenaram seus exploradores a que descobrissem terras “desconhecidas de todos os

cristãos”, e não “diretamente possuída por qualquer príncipe cristão”118. É interessante

115
Id. p. 126-225.
116
Id.
117
Heydte, supra, nota 88, p. 450-54 (“Nunca fora o fato do descobrimento, por si só,

suficiente para conceder o posterior direito de propriedade). Em 1523, o rei espanhol

Charles V negou que Portugal houvesse recebido a propriedade das Ilhas Molucas por

apenas encontra-las: “foi evidente que “encontrar” a necessária posse não poderia ser o

mesmo que possuí-la, apesar da sua descoberta ou vista.” Id.; de acordo com FRANCIS

JENNINGS, THE INVASION OF AMERICAN: INDIANS, COLONIALISM AND THE CANT OF THE

CONQUEST 132 (1975) (“‘posse’, ao invés de apenas ‘descobrimento’ [é] a base do direito

cristão”).
118
I FOUNDATIONS OF COLONIAL AMERICA: A DOCUMENTARY HISTORY 18, 22-29 (W.

Keith Kavenagh ed. 1973); id. vol. III FOUNDATIONS, p. 1690-98; SELECT CHARTERS AND

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notar que os monarcas protestantes concordaram com este direito internacional secular

emergente. Apesar disso, não temeram a excomunhão e as bulas papais.

Inglaterra e França, então, criaram um novo elemento de ocupação ativa e

posse das novas terras como requerimento para vindicações de Descobrimentos europeus

e aplicaram estes elementos em seus negócios com Portugal e Espanha. Nos anos 1550,

Inglaterra e França separadamente negociaram tratados com Portugal e Espanha para

estabelecer matérias relativas a descobrimentos e trocas no Novo Mundo.119 Portugal e

Espanha recusaram-se a aceitar qualquer termo que permitisse à Inglaterra e à França

comercializar ou colonizar dentro das áreas que o papa as concedeu, mesmo se aqueles

não estivessem na posse direta das terras.120

OTHER DOCUMENTS ILLUSTRATIVE OF AMERICAN HISTORY 1606 – 1775 24-25 (William

MacDonald ed. 1993).


119
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 133; Heydte, supra, nota 88, p. 458-59 (explicando que

Elizabeth I escreveu para um ministro Espanhol, rejeitou as bulas papais e asseverou que

o primeiro descobrimento, por si só, não “pode conferir propriedade”; I HYDE, TREATISE

ON INTERNATIONAL LAW 164 (1922). A França insistiu num direito geral a trocas nas

Índias Ocidentais, enquanto que a Espanha se apoiava na autoridade papal para reafirmar

seu direito de monopólio. Os negociadores espanhóis escreveram ao seu rei dizendo que

não poderiam convencer os franceses a afastarem-se dos “lugares descobertos por nós,

mas que não encontram-se atualmente sujeitos aos reis da Espanha e de Portugal. Eles

estão dispostos a consentir em evitar apenas os territórios diretamente possuídos por Sua

Majestade, o Rei de Portugal.” EUROPEAN TREATIES, supra, nota 69, p. 219.


120
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 133.

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A Holanda também utilizou o Descobrimento para pleitos na América do Norte,

Ásia e Brasil. Porque ela não poderia basear-se no uso do primeiro descobrimento em

qualquer destas áreas, adotou, então, a ideia de que a posse direta e a ocupação ativa de

terras indígenas eram os elementos cruciais.121 Holandeses estabeleceram colônias na

América do Norte, assinaram tratados com tribos indígenas, adquiriram terras das tribos e

agiram de acordo com a Doutrina.122 A Inglaterra protestou veementemente contra as

colônias holandesas, alegando o primeiro descobrimento da América do Norte. Ela

também argumentou que, apesar de as colônias serem americanas, os ingleses já estariam

ocupando e possuindo todas as áreas sob conflito através do elemento da contiguidade,

que permitia aos países europeus reclamar uma vasta área nas vizinhanças de suas

colônias.123 A Inglaterra vindicou, sob o Descobrimento e a preempção, que os

holandeses não poderiam comprar terras de índios ou com eles travar relações

comerciais. A Holanda contra argumentou que a Inglaterra não estaria, em verdade, na

ocupação e posse das terras das colônias holandesas porque as colônias inglesas eram

geograficamente distantes destas.124

121
Ver VII EAID, supra, nota 112, p. 30-31; JENNINGS, supra, nota 117, p. 133.
122
Howard R. Berman, Perspectives on American Indian Sovereignty and International

Law, 1600 to 1776, in EXILED IN THE LAND OF THE FREE: DEMOCRACY, INDIAN NATIONS,

AND THE U.S. CONSTITUTION 136 & nn.43-46, 140 & nn.68-72 (Oren Lyons & John

Mohawk eds., 1992); VII EAID, supra, nota 112, p. 30-31; II FOUNDATIONS, supra, nota

81, p. 1260.
123
Ver Simsarian, supra, nota 88, p. 111, 113, 115-17.
124
VII EAID, supra, nota 112, p. 30-31.

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Inglaterra e França, então, desenvolveram outro elemento do Descobrimento;

terra nullius ou terras de ninguém.125 Tal elemento estatuía que terras possuídas, ou que

fossem ocupadas em desacordo com o sistema jurídico europeu eram consideradas

desperdiçadas, disponíveis e passíveis de pleitos por Descobrimento.126 Inglaterra,

Holanda, França e os Estados Unidos confiaram neste elemento para pleitear que terras

ativamente ocupadas e utilizadas por nações indígenas eram juridicamente vacantes, ou

terra nullius, e, por isso, passíveis de apropriação.127

125
Ver PAGDEN, supra, nota 4, p. 91 (Espanha e Portugal desnecessitavam do argumento

da terra nullius porque eles possuíam concessões papais; Inglaterra e França não as

possuíam). Este princípio deriva do Direito Romano e é parte do Direito Islâmico porque

“mewat,” ou terra vazia, ou não vindicada, pode tornar-se propriedade privada através de

atividades de demarcação, ocupação e cultivo. SIRAJ SAIT & HILARY LIM, LAND, LAW

AND ISLAM: PROPERTY AND HUMAN RIGHTS IN THE MUSLIM WORLD 12, 22, 61, 70, 170

(2006).
126
COLIN G. CALLOWAY, CROWN AND CALUMET: BRITISH-INDIAN RELATIONS, 1783-1815

9 (1987); Alex C. Castles, An Australian Legal History 63 (1982), reimpresso em

ABORIGINAL LEGAL ISSUES, COMMENTARY AND MATERIALS 10 (H. McRae et al eds.,

1991). O termo tem dois sentidos: “um país sem soberania reconhecida pelas autoridades

europeias e um território onde ninguém possuísse qualquer terra.” HENRY REYNOLDS,

THE LAW OF THE LAND 173 (1987).


127
VER, e.g., HANKE, supra, nota 95, p. 24; THE SPANISH TRADITION, supra, nota 72, p. 9;

MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 21, 27-28, 49, 56, 63-64, 156, 159-60.

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Pela discussão anterior, concluímos que os países europeus que colonizaram o

Novo Mundo claramente utilizaram-se da Doutrina do Descobrimento. A Doutrina foi

largamente aceita e aplicada por europeus como autoridade legal para colonização ao

redor do mundo e para dominar as nações indígenas.128 Ocasionalmente, os europeus

discordaram acerca das definições dos elementos e frequentemente travaram violentas

disputas, mas uma ideia sobre a qual nunca discordaram foi a de que os povos e nações

indígenas perderam sua soberania, propriedade e direitos humanos, sob a perspectiva do

direito internacional, imediatamente após os descobrimentos.

III. A DOUTRINA NO DIREITO E NA HISTÓRIA DO BRASIL E DE PORTUGAL

Portugal foi restaurado ao controle Cristão como parte da reconquista da

Península Ibérica e da retomada de Lisboa, até então dominada pelos mouros, em

1147.129 Para assegurar-se livre da Castilha, Portugal prontamente ofereceu-se para o

papa, em troca do reconhecimento papal de sua independência. 130 Em pouco tempo,

Portugal iniciou relações de comércio exterior e o seu império colonial, assim como a

disputa do senhorio sobre as Ilhas Canárias com, por exemplo, a Castilha, utilizando-se

da Doutrina do Descobrimento para tanto.131 Em 1415, Portugal ganhou seu primeiro

ponto de apoio na África, quando conquistou Ceuta e em seguida expandiu seus

128
DISCOVERING INDIGENOUS LANDS, supra, nota 1, p. 249-64; Miller & Ruru, supra,

nota 1, p. 898-914.
129
EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 47-49, 68.
130
Id. p. 68.
131
Ver supra, notas 53-59 e os textos que as acompanham.

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interesses econômicos pela costa oeste do continente africano.132 Após receber do papa o

controle sobre as Ilhas Canárias em 1436, Portugal permaneceu confiando no papado

para ratificar suas descobertas e pleitos na África. Entre 1453 e 1456, vários papas

editaram bulas conferindo a Portugal jurisdição, soberania e títulos sobre as terras

descobertas no oeste da África.133 Empreendendo tais ações, Portugal e o papa basearam-

se na autoridade jurídica e deveres de tutela do papado para designar um príncipe cristão

nos poderes de punição e de civilização de infiéis e para priva-los de propriedade e

senhorio se falhassem em aceitar os missionários cristãos ou se violassem o direito

natural.134

Portugal também baseou-se em argumentos do Descobrimento quando criou e

justificou seu império comercial e econômico na África e na ocupação das Ilhas Madeira,

Açures e Cabo Verde.135

Exploradores e negociantes portugueses continuaram a explorar ao sul da costa da

África e, em 1498, Vasco da Gama navegou em direção às Índias, sob ordens do Rei

Manoel de realizar descobrimentos, espalhar a fé cristã e adquirir as riquezas do

Oriente.136 Portugal, entretanto, tinha poucas, senão nenhuma, intenções de colonizar a

132
EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 47-48; Livermore, Portuguese History,

supra, nota 76, p. 59.


133
Ver supra, notas 69-71 e os textos que as acompanham; PRESTAGE, supra, nota 26, p.

45-46, 165.
134
EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 71.
135
Livermore, Portuguese History, supra, nota 76, p. 60.
136
Id.; PRESTAGE, supra, nota 26, p. 251; MICHAEL KRONDL, THE TASTE OF CONQUEST,

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África e a Ásia. Sua população era de pouco mais que um milhão de habitantes à época e

a colonização não era um interesse; trocas eram mais lucrativas e seguras que conquista

direta e colonização.137 Portugal tentou proteger seus direitos econômicos de

exclusividade nestas áreas através dos princípios do Descobrimento .138

Em 1500, Portugal encontrou e pleiteou direitos de primeiro descobrimento no

Brasil, mas estava, naquela época, muito mais interessado no rico comércio de

especiarias com as Índias. Então, a Coroa não operou tentativas oficiais de colonização

sobre o Brasil por muitas décadas.139 Mas, quando os holandeses, com sucesso,

aumentaram seus ataques a embarcações e postos de comércio portugueses na Ásia,

comerciantes holandeses, franceses e ingleses passaram a focar no Brasil e a Espanha

encontrou grandes tesouros no Novo Mundo. Portugal, então, acabou por interessar-se

pela proteção, exploração e colonização brasileira, sob a justificação do

Descobrimento.140

THE RISE AND FALL OF THE THREE GREAT CITIES OF SPICE 130 (2007).
137
JAMES LANG, PORTUGUESE BRAZIL: THE KING’S PLANTATION 23 (1979); PAGDEN,

supra, nota 4, p. 64; EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 48.


138
Ver, e.g., EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 58-59 (reimpressão e tradução de

GOMES EANNES DE AZURARA, THE CHRONICLE OF THE DISCOVERY OF GUINEA (África)

(1472)).

139
Ver infra, notas 162-82 e os textos que as acompanham.
140
KRONDL, supra, nota 136, p. 178; LANG, supra, nota 137, p. 33-34; BUENO, supra,

nota 85, p. 50, 56.

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Como acima abordado, Portugal estava, no século XV, intimamente envolvido no

desenvolvimento da Doutrina como parte do Direito das Nações e em utilizar esta

autoridade jurídica para explorar e pleitear terras, bens e povos na África e na Ásia. Os

dez elementos do Descobrimento, como acima descritos, entretanto, eram primariamente

baseados na própria definição da Doutrina em Johnson v. M’Intosh e em regimes

jurídicos anglo americanos.141 Iremos, agora, comparar, em cada elemento, se Portugal e

Brasil utilizaram os mesmos princípios do Descobrimento e, se o fizeram, como os

definiram e aplicaram.

A. Primeiro Descobrimento

Portugal claramente baseou-se no princípio do primeiro descobrimento para

realizar pleitos territoriais, de soberania e comerciais sobre os grupos de ilhas da costa da

Península Ibérica e da África e da Ásia.142 “A Coroa Portuguesa pleiteou o monopólio

sobre o comércio na Guiné sob o fundamento do primeiro descobrimento e das bulas

papais de 1454 e 1456...”143 E, em 1455, Portugal realizou um rápido pleito de primeiro

descobrimento sobre as Ilhas Cabo Verde.144 Entretanto, apesar de o papa Alexandre VI

ter concedido a Portugal e à Espanha os direitos exclusivos de Descobrimento ao redor do

141
MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 3-5; Miller & Ruru, supra, nota 1, p. 876-

96.
142
H.V. LIVERMORE, A NEW HISTORY OF PORTUGAL 127-30 (2d ed. 1976); PARRY, supra,

nota 105, p. 131; PRESTAGE, supra, nota 26, p. 5, 9.


143
PARRY, supra, nota 105, p. 134; de acordo com MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY,

supra, nota 72, p. 5.


144
PARRY, supra, nota 105, p. 131.

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mundo, na bula papal de 1493 ele também reconheceu que outras nações europeias

poderiam vir a deter direitos a quaisquer outras terras que estas viessem a descobrir nas

áreas portuguesas e espanholas, caso tais descobrimentos datassem de antes de primeiro

de janeiro de 1493.145 Então, o papado percebeu a importância do primeiro

descobrimento, no direito internacional, para a validação dos pleitos sobre terras não

europeias.

Em 1494, no Tratado de Tordesilhas, Portugal e Espanha moveram a linha

desenhada pelo papa para oeste e, propositada ou acidentalmente, preservaram o Brasil

para Portugal.146 Sob qualquer das linhas demarcatórias, Portugal e Espanha possuíam

direitos exclusivos, ao redor do mundo, conferidos pelo papado e poder-se-ia pensar que

eles não necessitavam do elemento do primeiro descobrimento para estabelecer seus

pleitos. Na verdade, Portugal e Espanha não utilizaram as bulas papais como autoridade

jurídica para estabelecer seus direitos.147 Entretanto, Inglaterra, França e Holanda

contestaram estes pleitos argumentando o primeiro descobrimento e outros elementos do

145
CHURCH AND STATE, supra, nota 69, p. 157 (tradução da bula). Em 26 de setembro de

1493, o papa editou outra bula e esclareceu este ponto. Dudum siquidem,

http://www.reformation.org/dudum-siquidem.html (acessado em 26 de julho de 2010).


146
Ver supra, notas 80-82 e os textos que as acompanham. Alguns historiadores alegam

que Portugal fosse, talvez, ciente da existência do Brasil e quisesse estabelecer um pleito,

além de garantir a segurança de sua rota para as Índias. MORISON, THE EUROPEAN

DISCOVERY, supra, nota 72, p. 223; PRESTAGE, supra, nota 26, p. 277; LIVERMORE,

supra, nota 142, p. 131.


147
Ver, e.g., supra, notas 85-88 e os textos que as acompanham.

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Descobrimento acima abordados. Portugal e Espanha tiveram que refutar tais argumentos

e frequentemente basearam-se em pleitos de primeiro descobrimento para afirmar seus

direitos de comércio e soberania sobre as recentemente descobertas terras.

Portugal naturalmente fundamentou-se na autoridade papal e na linha

demarcatória das Tordesilhas de 1949 para pleitear o Brasil. Porém, ele também baseou-

se, significativamente, no primeiro descobrimento. Repetidamente, Portugal clamou pelo

Brasil sob o argumento do descobrimento de tal continente por Pedro Álvares Cabral, em

22 de abril de 1500.148 Em verdade, Cabral levou dez dias explorando a costa brasileira,

nomeou um porto por Porto Seguro e nomeou a nova terra por “Vera Cruz”, nome que

posteriormente foi alterado para “Terra de Santa Cruz” e, ainda mais tarde, para

“Brasil”.149 Portugal pleiteou soberania, direitos comerciais e reais no Brasil baseado

naquele primeiro descobrimento, no Tratado de Tordesilhas e nas bulas papais.150 Em

148
LIVERMORE, supra, nota 142, p. 138-39; MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra,

nota 72, p. 223-24.


149
LIVERMORE, supra, nota 142, p. 138-39; MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra,

nota 72, p. 223-24; LAURA DE MELLO E SOUZA, INFERNO ATLANTICO: DEMONOLOGIA E

COLONIZACAO: SECULOS XVI-XVIII [ATLANTIC HELL: DEMONOLOGY AND

COLONIZATION: CENTURIES XVI-XVIII] 30 (1993). Cabral liderava a expedição

comercial real para as Índias, porém muitos historiadores acreditam que ele também fora

ordenado a procurar pelo Brasil e que não o encontrara por acidente. PRESTAGE, supra,

nota 26, p. 277; KRONDL, supra, nota 136, p. 126, 134.


150
Ver, e.g., MORISON, supra, nota 72, p. 223; ALEXANDER MARCHANT, FROM BARTER

TO SLAVERY: THE ECONOMIC RELATIONS OF PORTUGUESE AND INDIANS IN THE

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1501, o Rei Manuel, de Portugal, reportou o descobrimento do Brasil, por Cabral, ao rei

da Espanha e afirmou ser este um novo descobrimento.151

Logo após, a Coroa prontamente despachou outras expedições, em 1501 e 1504,

para explorar e realizar novos descobrimentos pela costa brasileira, no intento de

solidificar seu pleito sobre a região.152 Mantendo a forma como a qual os anteriores reis

portugueses lidavam com a África, o Rei Manuel determinou que as expedições enviadas

ao Brasil em 1501 e 1504, assim como os mercadores privados por ele licenciados a

partir de 1502, explorassem e mapeassem, metodologicamente, as regiões costeiras e que

eles descobrissem novas trezentas léguas de costa todo ano.153 Outros colonos e

exploradores portugueses contribuíram com os esforços de expandir o pleito de Portugal

sobre o Brasil através de primeiros descobrimentos realizados enquanto procuravam por

minerais e escravos, assim como através de trabalhos diretos de definição e expansão de

fronteiras.154 Por exemplo, em 1638, uma pequena frota navegou pelo Amazonas até

SETTLEMENT OF BRAZIL, 1500-1580 13-14 (1942; reimpressão de 1966); PRESTAGE,

supra, nota 26, p. 243, 277-81.


151
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 285.
152
Id. p. 290; MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 280-81;

MARQUES, supra, nota 9, p. 218, 252; ver infra, nota 167.


153
MARQUES, supra, nota 9, p. 218, 252; MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra,

nota 72, p. 5; John Leonard Vogt, Jr., Portuguese Exploration in Brazil and the Feitora

System, 1500 – 1530: The First Economic Cycle of Brazilian History 45, 89-90

(dissertação não publicada, University of Virginia, 1967).


154
MARQUES, supra, nota 9, p. 356; infra, notas 193-96 e os textos que as acompanham.

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Quito e vindicou direitos de primeiro descobrimento; portugueses e missionários

realizaram inúmeras viagens de primeiro descobrimento enquanto tentavam largamente e

distantemente converter infiéis.155 A maioria dos exploradores portugueses no Brasil e na

África também envolveram-se em atividades de mapeamento e nomeação de partes da

paisagem para provar seus primeiros descobrimentos nas novas áreas.156

Em resumo, parece certo que Portugal utilizou o bem reconhecido elemento do

primeiro descobrimento da Doutrina do Descobrimento para estabelecer e provar seu

pleito sobre o Brasil.

B. Ocupação de Fato e Posse Ativa

O segundo elemento requeria que um país europeu ocupasse fisicamente e

possuísse as terras cujo controle fora pleiteado, sob o direito internacional, durante um

período razoável de tempo após o descobrimento, para que se originasse um reconhecido

título de propriedade.157 Portugal e Espanha opunham-se a tais argumentos e ao

desenvolvimento desta faceta do Descobrimento, mas eles bem reconheceram a aplicação

155
MATHIAS C. KIEMEN, THE INDIAN POLICY OF PORTUGAL IN THE AMAZON REGION,

1614-1693 54 & n.23 (1954); ver infra, notas 197-98 e os textos que as acompanham.
156
Ver MARQUES, supra, nota 9, p. 218; SEED, supra, nota 3, p. 9 & n.19, 69-73, 101-02;

ver supra, notas 152-53 e infra, notas 164, 179, 333 e os textos que as acompanham.
157
Ver supra, notas 116-18 e os textos que as acompanham; MILLER, supra, nota 1, p. 3,

147; LIVERMORE, supra, nota 142, p. 155-56 (os franceses e os ingleses desafiaram o

monopólio português na África vindicando seus direitos às trocas, realizadas através de

navios, apenas em locais não frequentados pelos portugueses”).

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prática da solidificação de seus pleitos pela posse direta de terras recém descobertas.158

Portugal utilizou-se de tal elemento para vindicar a propriedade de um grupo de ilhas na

costa da Península Ibérica e direitos de exclusividade comercial na África, além de

frenquentemente alegarem ocupação de fato para estabelecer seu pleito sobre o Brasil.159

i.Posse Direta

Os monarcas portugueses e o papado entenderam a importância de solidificar o

pleito do primeiro descobrimento através da ocupação de fato e da posse das novas terras.

Nas bulas papais de 1493, que ostensivamente conferiram a Portugal e à Espanha o

senhorio exclusivo sobre seus respectivos lados da linha demarcatória, o papa também

demonstrou a importância da real ocupação. A bula estatuía que se algum outro país

descobrisse terras nas áreas designadas a Portugal e Espanha, e se estas fossem realmente

possuídas por outros reis cristãos sob a posse de fato e direta após primeiro de janeiro de

1493, então o pleito de tal país faria-se válido contra Portugal ou Espanha.160 Mas, se um

país houvesse apenas “navegado mais próximo, em algum momento”, e realizado um

primeiro descobrimento nas áreas portuguesas ou espanholas, entretanto, sem “realmente

tê-las em sua posse”, então seu primeiro descobrimento seria inválido.161 Esta afirmação

precisamente reflete o secundo elemento do Descobrimento, na forma como foi, mais

tarde, definido pela Inglaterra.

158
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 44-45.
159
PARRY, supra, nota 105, p. 147; MARQUES, supra, nota 9, p. 148, 152.
160
CHURCH AND STATE, supra, nota 69, p. 157-58
161
Dudum siquidem, September 26, 1493, http://www.reformation.org/dudum-

siquidem.html (acessado em 26 de julho de 2010).

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Sob a luz deste elemento, um dos mais importantes objetivos do governo

português foi enxergar as recém descobertas terras brasileiras, totalmente ocupadas e

colonizadas, o mais depressa possível. Portugal, entretanto, encontrou diversos

problemas. Primeiramente, o Rei Manuel achou que o Brasil não teria riquezas que

pudessem ser rapidamente exploradas, então ele não interessou-se por envidar esforços

governamentais na colonização.162 Em segundo, Portugal tinha apenas uma pequena

população e a maioria de seus mercadores e aventureiros estavam mais atraídos pela Ásia

e a sua imensa oportunidade de adquirir prosperidade neste continente.163 Mas, o rei

percebeu a importância da ocupação permanente do Brasil para que ele conquistasse o

reconhecimento de sua propriedade. Em consequência, imediatamente após notícias do

descobrimento do Brasil, a Coroa autorizou uma expedição, em 1501, para investigar o

potencial da região e para explorar e mapear a costa.164 Esta expedição notou a grande

quantidade e valor do pau-brasil, uma madeira que provia uma valiosa tinta vermelha.165

Tal descoberta não fora suficiente para redirecionar a atenção do rei pelo lucrativo

comércio de especiarias nas Índias.166 O rei decidiu, entretanto, a partir de 1502, conceder

162
LANG, supra, nota 137, p. 23; Vogt, supra, nota 153, p. 1.
163
ALDEN, supra, nota 10, p. 31.
164
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 290; Vogt, supra, nota 153, p. 45, 57, 63-64, 70-71;

MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 280-81.


165
Rio Branco, Efemérides Brasileiras 413 (1991), disponível em

http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/administracao/reparticoes/colonia/feitoris.as.

Esta madeira conferiu seu nome ao Brasil.


166
BUENO, supra, nota 85, p. 23.

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a tarefa de exploração do pau-brasil, com exclusividade, a empreendedores e, para tanto,

licenciou mercadores e os exigiu que explorassem trezentas novas léguas de costa todo

ano, assim como a construção de fortes e postos de troca, as “feitorias” no Brasil.167

Países europeus há muito já tinham construído fortes e postos de trocas em terra não

europeias como uma “extensão de soberania para propósitos comerciais”168, como “um

primeiro passo em direção à dominação.”169 No início da ocupação do Brasil, o rei

português ordenou a estes mercadores privados a construção de fortes e manufaturas

pelas mesmas razões, além da satisfação do segundo elemento do Descobrimento.

Estes planos falharam, porém, porque os mercadores e manufaturistas não

obtiveram sucesso na colonização do Brasil. Em 1516, as manufaturas privadas já

encontravam-se em declínio e falharam em cumprir o intento da Coroa de ocupar e

defender o Brasil, e de estabelecer a soberania e o monopólio econômico portugueses.170

De fato, em 1519, havia apenas duas manufaturas nas três mil milhas de costa

brasileira.171 A Coroa portuguesa percebeu que o uso de mercadores privados implicava

167
Id. De acordo com PRESTAGE, supra, nota 26, p. 294-95; MARQUES, supra, nota 9, p.

252; Vogt, supra, nota 153, p. 65, 90. A colonização do Brasil seguiu, inicialmente, o

padrão de construção de feitorias, ou postos de trocas, ao longo da costa, criado por

Portugal na Ásia e na África. LANG, supra, nota 137, p. 23.


168
MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 43.
169
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 294-95.
170
Id.; MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 585; Vogt, supra, nota

153, p. 10, 168.


171
MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 303.

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em risco de perda do Brasil porque a madeira valiosa atraía a atenção de franceses,

ingleses e de holandeses, que começavam a infringir os direitos econômicos de Portugal

sobre o aquele.172

A grande ameaça à propriedade exclusiva de Portugal sobre o Brasil induziu o rei

a “sistematicamente [] promover a colonização do Brasil.”173 Então, Portugal passou a

defender o Brasil militarmente e, em 1516 e 1527, atacou frotas e colonizações

francesas.174 O rei tentou ocupar e colonizar o Brasil nomeando donatários privados e os

concedendo enormes porções de terra e a responsabilidade de explorar a costa, por

motivos políticos e comerciais, e de ocupar, colonizar e defender o Brasil em nome da

Coroa.175 Portugal havia previamente utilizado, com sucesso, este sistema de colonização

privada para ocupar e adquirir colônias nas Ilhas Açores e Madeira.176

172
BOXER, supra, nota 53, p. 86, 159; MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota

72, a BOXER, supra, nota 53, p. 86. De acordo com WILLIAM FREDRIC HARRISON, A

STRUGGLE FOR LAND IN COLONIAL BRAZIL: THE PRIVATE CAPTAINCY OF PARAIBA DO

SUL, 1533-1753 1, 10-12 (1970).t 585.

174
MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 587; BUENO, supra, nota 85,

p.49,

http://www.lusoafrica.net/v2/index.php?option=com_content&view=article&id=87&item

id=108.
175
KRONDL, supra, nota 136, p. 136; KIEMEN, supra, nota 155, p. 8; Dauril Alden, Black

Robes Versus white Settlers: The Struggle for “Freedom of the Indians” in Colonial

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Nos anos 1530, o rei dividiu a linha costeira entre o Rio Amazonas e São Vicente

em uma dúzia de capitanias privadas e aos seus donatários conferiu jurisdição exclusiva e

privilégios econômicos no perímetro entre trinta e cem léguas desde a costa, em direção

ao interior, até as linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas, de 1494.177 Os

donatários foram expressamente requisitados a ocupar e cultivar tais terras.178 Um

historiador português, escrevendo em 1576, apontou que as capitanias demarcaram todo o

Brasil, entre a costa e a “Linha Demarcatória” e que o Brasil era, “agora, bem

habitado.”179 Em realidade, quase todas as capitanias falharam e não estabeleceram a

Brazil, in ATTITUDES OF COLONIAL POWERS TOWARD THE AMERICAN INDIAN 22 (Howard

Peckham & Charles Gibson eds, 1969); PRESTAGE, supra, nota 26, p. 287.
176
BUENO, supra, nota 85, p. 31; CHARLES VERLINDEN, THE BEGINNINGS OF MODERN

COLONIZATION 15 (Yvonne Freccero trans., 1970); III CARLOS MALHEIRO DIAS,

CONSELHEIRO ERNESTO DE VASCONCELOS & ROQUE GAMEIRO, HISTÓRIA DA

COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL 168, 312-13 (1521-1580, ed. 1924).


177
HARRISON, supra, nota 175, p. 1, 3, 9-13; BOXER, supra, nota 53, p. 86-87;

MARCHANT, supra, nota 150, p. 52-53, 56; MARQUES, supra, nota 9, p. 254.
178
HARRISON, supra, nota 175, p. 3, 9; MARQUES, supra, nota 9, p. 254; Bailey W. Diffie,

The Legal “Privileges” of the Foreigners in Portugal and Sixteenth Century Brazil, in

CONTINUITY AND CONFLICT IN BRAZILIAN SOCIETY 268 (Henry H. Keith & S. F.

Edwards, eds., 1969).


179
II PERO DE MAGALHAES, THE HISTORIES OF BRAZIL 31 (1576, John B. Stetson, Jr.

trans & ed., 1922).

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colonização portuguesa do Brasil.180 Vários donatários e outras pessoas avisaram a Coroa

sobre as atividades francesas e a vulnerabilidade da posição portuguesa no Brasil, devido

à carência de ocupação de fato.181

Finalmente, a Coroa percebeu que deveria adotar providências oficiais e dirigir a

ocupação e colonização do Brasil porque outros países europeus estavam negociando ao

longo da costa e estabelecendo colônias, e “as colônias portuguesas deveriam ser

estabelecidas imediatamente”.182 Consequentemente, em 1548, o rei designou o primeiro

Governador-Geral do Brasil, Tomé de Souza, e o enviou, junto com uma grande

expedição, com instruções para erigir uma capital fortalecida, estabelecer o governo real,

assim como reforçar as colônias portuguesas já existentes e construir outras novas.183 A

180
LANG, supra, nota 137, p. 25; HARRISON, supra, nota 175, p. 24-25; ALDEN, supra,

nota 10, p. 31; MARCHANT, supra, nota 150, p. 80-81.


181
HARRISON, supra, nota 175, p. 24-25; ALDEN, supra, nota 10, p. 31; BUENO, supra,

nota 85, p. 30; LANG, supra, nota 137, p. 17; H. B. Johnson Jr., The Donatary Captaincy

In Perspective: Portuguese Backgrounds to the Settlement of Brazil, 52 HISPANIC

AMERICAN HISTORICAL REV. 203-214 (1972); KIEMEN, supra, nota 155, p. 12; III

HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO, supra, nota 176, p. 259.


182
ROY NASH, THE CONQUEST OF BRAZIL 88 (1926). De acordo com MARQUES, supra,

nota 9, p. 253; PARRY, supra, nota 105, p. 258; PRADO, supra, nota 85, p. 242;

MARCHANT, supra, nota 150, p. 80-81


183
ALDEN, supra, nota 10, p. 31; BOXER, supra, nota 53, p. 86; MARQUES, supra, nota 9,

p. 364.

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Souza foram concedidos largos poderes e instruções detalhadas no Regimento Régio.184

Ele foi comandado, por exemplo, a abordar os problemas que os donatários enfrentavam,

a assistir com os esforços da colonização, a combater índios rebeldes e a defender o

território contra invasões estrangeiras.185 Ele também fora autorizado a entregar terras a

colonizadores e a requisita-los garantias de início de cultivo das terras em seis anos.186

Esses esforços auxiliaram, em alguma monta, a colonização, porque, em 1614, Portugal

alegou que havia ocupado o Brasil, já haveria mais de três mil portugueses lá vivendo.187

184
O Regimento Régio para Tomé de Sousa, disponível em

http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/ult1702u51?action=print. Ver também BUENO,

supra, nota 85, p. 30, 53; ALDEN, supra, nota 10, p. XXIV (o regimento era uma lista de

instruções, deveres, poderes e restrições direcionadas a um oficial em particular). O

Regimento é considerado por alguns historiadores do direito como a primeira

constituição brasileira porque ele organizou um detalhado plano militar de ocupação e

exploração colonial do Brasil, estabeleceu a justiça administrativa, políticas fiscais e uma

nova política indígena. BUENO, supra, nota 85, p. 85, 92.


185
Regimento, supra, nota 184.
186
Diffie, supra, nota 178, p. 269. Muitos donatários de terras portuguesas no Brasil eram

obrigados a estabelecer cidades, igrejas e casas. Eles tinham cinco ou seis anos para

tanto, sob ameaça de perda da terra por expiração. HARRISON, supra, nota 175, p. 105-06;

MARQUES, supra, nota 9, p. 255.


187
NASH, supra, nota 182, p. 91 (citando II ROBERT SOUTHEY, HISTORY OF BRAZIL 300

(1817)).

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Outros países europeus, no entanto, não estavam convencidos de que o enorme

território do Brasil estava realmente ocupado e possuído por apenas três mil portugueses.

Negociadores e colonos franceses, ingleses e alemães continuaram a mirar o Brasil e, em

1621, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais foi criada com o objetivo específico

de ocupar e explorar o Brasil.188 Os franceses também estavam interessados em colonizar

o Brasil escolheram faze-lo especificamente nas áreas que os portugueses não haviam

ocupado.189 Por último, a França estabeleceu, em várias partes do Brasil, diversas

colônias, no século XVI, e, ocupou o que hoje é o Rio de Janeiro por, ao menos, cinco

anos, antes de forças portuguesas os expulsarem e ocuparem a área.190 Basicamente,

Portugal envolveu-se em esporádicas batalhas com negociantes e colonizadores franceses

e holandeses por mais de um século.191 Tais agressivas ameaças à propriedade

188
BOXER, supra, nota 53, p. 87, 112; BUENO, supra, nota 85, p. 162; PRADO, supra, nota

85, p. 227; HARRISON, supra, nota 175, p. 1, 10-12, 38; LIVERMORE, supra, nota x, p.

142; MARQUES, supra, nota 9, p. 358; RALPH DAVIS, THE RISE OF THE ATLANTIC

ECONOMIES 74, 80 (1973).


189
MARQUES, supra, nota 9, p. 358.
190
ALIDA C. METCALF, GO-BETWEENS AND THE COLONIZATION OF BRAZIL 1500-1600

118 (2005); MARQUES, supra, nota 9, p. 356; BUENO, supra, nota 85, p. 162; PRADO,

supra, nota 85, p. 227; HARRISON, supra, nota 175, p. 28-29; DAVIS, supra, nota 188, p.

74, 80.
191
Ver, e.g., NASH, supra, nota 182, p. 94-95; PARRY, supra, nota 105, p. 189, 259;

MARQUES, supra, nota 9, p. 254; BOXER, supra, nota 53, p. 112; ALDEN, supra, nota 10,

p. 306.

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portuguesa, exploração e colonização do Brasil levou a Coroa a tentar verdadeiramente

ocupar o Brasil para solidificar seu pleito, sob o direito internacional.192

A história subsequente da colonização portuguesa no Brasil demonstra a

importância que a Coroa depositou na ocupação de terras, para estabelecer senhorio e

soberania. Não é necessária a reunião destes esforços em detalhes, mas, por exemplo,

entre os séculos XVI e XVIII, exploradores e missionários portugueses exploraram e

iniciaram a ocupação de imensas áreas do novo território, dentro do Brasil atual.193 Uma

expedição dos Jesuítas à Amazônia foi especialmente designada para assegurar que

Portugal “não perderia a posse de seu rio.”194 Em 1687, a Coroa Portuguesa desafiou os

colonizadores franceses na Guiana Francesa construindo um forte na margem norte do

Rio Amazonas.195 Também, no século XVII, a Coroa trouxe colonizadores de Açores

para o Brasil e ordenou oficiais da realeza a introduzirem mais colonizadores brancos.196

A Coroa até mesmo utilizou propaganda para atrair colonos para o Brazil e ajuda-la a

ocupa-lo.197 Os portugueses bem entenderam a importância da ocupação de fato de terras

para ajuda-los a estabelecer seus pleitos de Descobrimento.

ii.Uti Possidetis

192
DAVIS, supra, nota 188, p. 172.
193
MARQUES, supra, nota 9, p. 355, 436; BUENO, supra, nota 85, p. 189.
194
KIEMEN, supra, nota 155, p. 90-92, 180.
195
Id. p. 448.
196
Id. p. 24, 56.
197
O Brasil era retratado como um lugar de maravilhas, onde os nativos viviam uma vida

idílica. E. BRADFORD BURNS, A HISTORY OF BRAZIL 20 (1980).

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Nos séculos XVII e XVIII, Portugal e Espanha expressamente aplicaram os

elementos, da ocupação de fato e da posse, relativos ao Descobrimento, em suas disputas

sobre as terras do sul do Brasil e do que é hoje o Uruguai. Eles envolveram-se em

inúmeras batalhas e volumosas negociações, e acabaram por assinar diversos tratados

sobre a propriedade de tais terras.198

Em 1680, Portugal agressivamente tentou “ocupar” as terras que hoje constituem

o Uruguai e estabeleceu seus pleitos sobre a região usando o elemento contiguidade,

integrante do Descobrimento. Portugal construiu e ocupou a colônia de Nova Colônia do

Santíssimo Sacramento, através do Rio Prata, partindo de Buenos Aires, com a intenção

de gradualmente expandir. Colônias portuguesas ao sul do Brasil expandiram-se para o

sul, em direção de Nova Colônia do Santíssimo Sacramento. 199 Na verdade, o Conselho

Ultramarino Português, criado em 1624, como o corpo administrativo para gerenciar as

colônias, aconselhou o rei a estabelecer outras colônias mais ao sul, na direção de

Colônia, para solidificar o pleito sobre as terras ainda não ocupadas (nos padrões

europeus) que hoje compõem o Uruguai.200 Após estabelecer estas colônias, a coroa

passou a induzir usucapintes de suas ilhas do Atlântico, e até mesmo estrangeiros, a

colonizar a região.201

Depois de décadas de lutas e discussões sobre as terras e sobre onde, exatamente,

a linha do Tratado de Tordesilhas encontrava-se, Portugal e Espanha finalmente

198
ALDEN, supra, nota 10, p. 59.
199
Id. p. 70.
200
Id. p. 76.
201
Id. p. 73.

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decidiram ignorar a estrita aplicação da linha demarcatória e, ao contrário, adotaram o

princípio do uti possidetis, ou ita possideatis, posse de fato, ou “quem possui de fato

possui de direito”.202 Uma série de tratados em 1701, 1703, 1715 e 1737, e o Tratado de

Madri, de 1750, permitiu Portugal a retenção das terras já ocupadas na América do Sul.

Mesmo assim, algumas dessas terras encontravam-se após os limites da linha do Tratado

de Tordesilhas.203 Isto transformou em de iure a ocupação por Portugal das terras até

então ocupadas de facto, que viriam a tornar-se o sul do Brasil, e demonstrou seu

reconhecimento do Descobrimento para adquirir a propriedade reconhecida das terras no

Brasil.204 “Posse efetiva, ao invés de descobrimento anterior, ou direitos conferidos por

tratados anteriores, tornou-se, então, a base principal para determinar seus limites

coloniais comuns.”205 Dessa forma, enquanto o Tratado de Tordesilhas demarcou a linha

e o primeiro descobrimento era necessário para fundamentar pleitos de terras, Portugal e

Espanha vieram a aceitar que a posse de fato era necessária para determinar completa

propriedade.

202
MARCHANT, supra, nota 150, p. 122; BLACK’S LAW DICTIONARY, supra, nota 28, p.

1582 (definindo uti possidetis).

203
BUENO, supra, nota 85, p. 167, 176,179; ALDEN, supra, nota 10, p. 84-88; Kenneth G.

Grubb, Brazil: Land and People, in PORTUGAL AND BRAZIL 276, 284, 293, 297-98 (H.V.

Livermore ed. 1953).


204
Luiz Eniani Caminha Giorgis, The Madrid Treaty – 1750, disponível em

http://www.terragaucha.com.br/tratado_de_madri_eng.htm
205
ALDEN, supra, nota 10, p. 88.

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iii.Posse Simbólica

Portugal também demonstrou seu conhecimento acerca da relevância da ocupação

e de seu uso, assim como da posse, quando envolveu-se em atos posse simbólica e

ocupação fictícia para pleitear terras. Portugal e Espanha frequentemente alegaram que

tiveram suas posses e propriedades estabelecidas, sob o direito internacional, quando eles

simplesmente sondaram novas terras em seus respectivos lados da demarcação e então lá

executaram determinadas cerimônias.206 Outros governos europeus e os Estados Unidos

também envolveram-se em atos de posse simbólica e vindicaram senhorio sobre terras

que eles não eram verdadeiramente capazes de ocupar.207

A Coroa Portuguesa expressamente ordenou a seus exploradores que executassem

esses tipos de atos para provar para onde eles tinham viajado e para estabelecer o pleito

de propriedade portuguesa sobre as áreas recém descobertas. Exploradores portugueses

levantaram monumentos de pedra, “padrões”, ao longo da costa oeste da África, para

marcar seus descobrimentos e como “emblema[s] da soberania portuguesa.”208 Os

portugueses também utilizaram outros procedimentos para pleitear novas terras, como

levantamento de cruzes, celebração de missas em terra e o ato de trazer para casa ítens

simbólicos, comumente um punhado de terra, para presentear o rei.209 Eles todos usaram

206
Ver, e.g., SEED, supra, nota 3, p. 9 & n.19, 69-73, 101-02.
207
Ver e.g., supra, nota 88; MILLER, supra, nota 1, 125-26; A.S. KELLER, O.J. LISSITZYN

& J.E. MANN, CREATION OF RIGHTS OF SOVEREIGNTY THROUGH SYMBOLIC ACTS 1400-

1800 (1938); SEED, supra, nota 3, p. 9 & n.19, 69-73, 101-02.


208
MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 227.
209
PEDRO CALMON, HISTORIA DA FUNDACAO DA BAHIA 226 (1949); SEED, supra, nota 3,

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todos estes procedimentos no Brasil. Quando Pedro Cabral chegou à costa brasileira em

1500, ele dirigiu-se à terra e conduziu uma cerimônia para oficialmente possuir o

território em nome do rei, teve diversas missas celebradas e desenrolou o pôster de

Cristo.210 Porque ele não trouxe uma pedra padrão, seus homens ergueram uma enorme

cruz de madeira, nela “insculpiram o brasão de Portugal e a fincaram à desembocadura

do Rio Santa Cruz.”211

Em conclusão, são esmagadoras as provas de que a Coroa Portuguesa, oficiais e

cidadãos entenderam a relevância e a necessidade, sob a luz do direito internacional, de

ocupar e possuir terras no Brasil para solidificar os pleitos de propriedade por primeiro

descobrimento de seu país, e, da mesma forma utilizaram de muitos meios, incluindo a

posse simbólica, para estabelecer a ocupação das terras.

C. Preempção/Título Europeu

Desde o início da colonização portuguesa no Brasil, a Coroa afirmou sua

exclusiva propriedade sobre as terras e bens no Brasil, de acordo com o direito

p. 9 & n.19, 69-73, 101-02.


210
Maria Adelina Amorim, Primeiro Missionário em Terras de Vera Cruz, in, REVISTA

DE LETRAS E CULTURAS LUSÓFONAS (2000), disponível em http://www.instituto-

camoes.pt/revista/freihenrique.htm; José Augusto Alegria, Presença Roman Cantilena no

Brasil (1992), disponível em http://www.revista.akademie-brasil-europa.org/CM20-

01.htm; MARCHANT, supra, nota 105, p. 13-14; PRESTAGE, supra, nota 26, p. 281-83;

MAGALHAES, supra, nota 179, p. 21-22; Fernando Felix Lopes, Carta de el Rei D. Manuel

de Portugal aos Reis Católicos de Castela (1499).


211
MORISON, THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 227.

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internacional, o seu direito de preempção e o poder de controlar todas as aquisições de

terras dos povos nativos.212 Em 1502, por exemplo, a Coroa começou a alugar terras, no

Brasil, para mercadores privados, assim como a licenciar o uso dos seus recursos

naturais.213 A Coroa também distribuiu propriedades aos donatários e os autorizou a fazer

outras doações de terras.214 E, em 1548, o rei autorizou o primeiro governador-geral real

a realizar doações de terras aos colonizadores.215 A Coroa também exerceu,

consistentemente, seu poder de preempção para evitar que outros países e colonizadores

portugueses comprassem terras diretamente das tribos indígenas, para que eles, então, não

pudessem infringir, ou utilizar, terras nativas sem a autorização real.216

As terras e bens na colônia brasileira eram considerados propriedades do rei e

apenas poderiam ser distribuídas por este ou pelo governador.217 O primeiro governador-

geral executou este direito e evitou aquisições de terras indígenas, ou infringências nestas

terras, por colonos sem expressa autorização pelo governo.218 Ele também impôs um

212
ALDEN, supra, nota 10, p. 32; BOXER, supra, nota 53, p. 22; MARQUES, supra, nota 9,

p. 255; HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO, supra, nota 176, p. 312-13; Diffie, supra, nota 178,

p. 1.
213
Ver supra, nota 153, 167 e os textos que as acompanham.
214
Ver supra, nota 175-78 e os textos que as acompanham.
215
ALDEN, supra, nota 10, p. 31-32; Regimento, supra, nota 184.
216
Regimento, supra, nota 184.
217
Id.
218
Id.

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sistema de licenciamento para o comércio e para comprar terras de nativos.219 Os colonos

não poderiam adquirir terras diretamente dos nativos porque o rei possuía o direito de

preempção sobre tais terras e toda relação entre os portugueses e as tribos nativas eram

controladas por oficiais da realeza.220

Após a independência, o Brasil continuou a afirmar supostos direitos sob o

Descobrimento, para controlar vendas e usos de terras indígenas e para exercer o direito

de preempção contra seus cidadãos e povos indígenas. As constituições brasileiras do

século XX exercitam o poder de preempção sobre terras nativas e ainda evitam sua venda

sem a permissão do governo federal.221 Indígenas brasileiros de hoje não podem vender

ou alugar suas terras e o governo federal exerce um papel principal nestas decisões.

219
Id.
220
FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN, HISTORIA GERAL DO BRASIL XX (1903); BOXER,

supra, nota 53, p. 22; KIEMEN, supra, nota 155, p. 6; BUENO, supra, nota 85, p. 225.
221
Constituição da República Federativa do Brasil 1988, Art. 20, disponível em

http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm; Constituição da República

Federativa do Brasil 1967, Art. 186, disponível em

http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao67.htm; Constituição da

República dos Estados Unidos do Brasil 1946, Arts. 5 & 216 disponível em

http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm; Constituição da

República dos Estados Unidos do Brasil 1937, Art. 154, disponível em

http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm; Constituição da

República dos Estados Unidos do Brasil 1934, Art. 129, disponível em

http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Brazil/brazil34.html.

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Parece claro que o governo real português e os governos brasileiros colonial e

moderno pleitearam o título europeu e o direito sobre as terras nativas e exerceram o

direito de preempção, elemento do Descobrimento, da mesma maneira que Inglaterra e

que as colônias inglesas fizeram na América do Norte, que os governos espanhol e

chileno fizeram no Novo Mundo e que os Estados Unidos ainda hoje fazem.222

D.Título Nativo

O elemento título nativo, do Descobrimento, presume que povos indígenas

possuíam o completo título sobre suas terras antes da chegada dos europeus, mas o direito

international imediatamente reduziu seu direito de propriedade completa quando estes

chegaram.223 Os países europeus eram supostos a adquirir os direitos de preempção e os

poderes acima discutidos.224 Portugal presumiu, desde o início da colonização, que os

povos indígenas não tinham direitos de propriedade ou que possuíam apenas direitos

muito limitados às terras que eles cultivavam e controlavam, para caçar e para atividades

Ver, e.g., MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 27, 31-35, 44-45; 25 U.S.C. §§ 81,

177, 415 (2006); Miller, Lesage & Escarcena, supra, nota 1.

222
Ver, e.g., MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 27, 31-35, 44-45; 25 U.S.C. §§

81, 177, 415 (2006); Miller, Lesage & Escarcena, supra, nota 1.
223
Johnson v. M’Intosh, 21 U.S. (8 Wheat.) 543, 574 (1823).
224
Não repetiremos as provas expostas na Seção C, que, entretanto, em sua maior parte,

demonstram os direitos de preempção de Portugal e do Brasil e também definem o direito

de propriedade limitado ao título nativo que os povos indígenas supostamente

guardariam.

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de coleta. Primeiro, a Coroa doou aos donatários a posse e o controle sobre todas as

pessoas que lá viviam.225 Então, no Regimento Régio, surgido por causa do primeiro

governador-geral, em 1548, a Coroa conferiu a este os mesmos direitos.226 Logo após,

oficiais colonos agiram como se títulos nativos equivalessem a nada porque eles

continuamente conferiam direitos a colonizadores em terras indígenas e porque a maioria

dos colonos não sentia qualquer necessidade de negociar com nativos, mas apenas

invadiam as terras nativas.227 O inteiro curso da colonização portuguesa demonstrou uma

visão muito limitada dos direitos dos nativos às terras. Um historiador, no entanto,

levanta uma visão oposta quando o assunto são as terras que o governador-geral doou aos

índios que foram trazidos para viver nas vilas estabelecidas pelos jesuítas. Nestas

ocasiões, as terras doadas não poderiam ser transferidas a não ser que com isso os

indígenas espontaneamente concordassem.228 Este mesmo autor afirma que os índios

eram considerados como proprietários de suas terras cultivadas e até mesmo de suas

florestas, e que estes bens não lhes poderiam ser retirados.229 Por exemplo, numa emenda

datada de 1677, à uma lei datada de 1663, o rei determinou que os indígenas seriam

donos de suas propriedades e terras [na vila dos jesuítas] porque eles eles estavam

localizados em seu interior 230 e que tais terras e campos não poderiam lhes ser tomados

225
III HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO, supra, nota 176, p. 309-12.
226
BUENO, supra, nota 85, p. 222.
227
Id. p. 228.
228
KIEMEN, supra, nota 155, p. 6, 143.
229
Id. p. 6.
230
Id. p. 143.

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sem seu consentimento “porque os índios eram os primeiros e naturais senhores de todas

estas terras.”231

Outras leis também provam algum reconhecimento português sobre o título

nativo. No Alvará de 1680, nativos foram reconhecidos como os principais e naturais

proprietários das terras no Brasil.232 Esta lei foi reeditada em junho de 1755 e indígenas

continuaram a ser juridicamente reconhecidos como os principais e naturais donos de

suas terras.233

Nós apenas levantamos algumas evidências, sob o ponto de vista dos nativos,

acerca da tomada de suas terras e sobre o que eles consideravam possuir em termos de

direitos reais. Numa ocasião, entretanto, guerreiros Tupinambás queimaram plantações de

cana de açúcar e disseram aos proprietários portugueses que as plantações e manufaturas

localizavam-se em terras possuídas por nativos.234 A tribo Guarany também opôs-se à

transferência de suas terras aos portugueses.235 Aparentemente, estes indígenas entederam

231
Id.
232
CELSO RIBEIRO BASTOS, CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONA 496 (1998); SERVIÇO DE

PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS E LOCALIZAÇÃO DE TRABALHADORES NACIONAIS, COLECTÂNEA

INDÍGENA, DISCURSO DE INSTALAÇÃO DO SERVIÇO DE PROTEÇÃOO AOS ÍNDIOS, NO

AMAZONAS 10 (2d ed. 1929).


233
Lei de 6 de junho de 1755, disponível em

httpL//iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/imagens_livros/30_colleccao_legislacao_portugueza/01_l

egislacao_1750_1762/0369.jpg; BASTOS, supra, nota 232, p. 496.


234
III HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO, supra, nota 176, p. 168, 312-13.
235
Antônio Mendes Jr., Luís Roncari & Ricardo Maranhão, Brasil História (1995)

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as ideias de propriedade sobre terras e seus direitos, e se opuseram à confiscação de suas

das mesmas.

Em tempos mais modernos, o título nativo tem sido presumivelmente reconhecido

no Brasil. Em 1823, José Bonifácio de Andrade e Silva, o pai da independência brasileira,

e uma figura central na primeira convenção constitucional brasileira, escreveu um

documento no qual ele definia a posição brasileira oficial quanto aos nativos.236 Ele

presumiu que os índios eram os primeiros e verdadeiros donos da terra, e não os

portugueses que mais tarde chegaram, e que os “índios bravos” eram “os verdadeiros

antigos senhores da terra.”237

Em diversas constituições brasileiras, a ideia de um título nativo limitado foi

abordada. A primeira constituição a lidar com a questão indígena foi a Constituição de

1934: “A posse de terras por indígenas que são permanentemente nelas encontrados deve

ser respeitada, entretanto, eles são proibidos de aliena-las.”238 Esta constituição vai

adiante para claramente afirmar os elementos da preempção brasileira e dos títulos

nativos limitados: “A posse da terra por silvícolas [habitantes das florestas] será

respeitada se eles estiverem vivendo permanentemente em tais terras. Entretanto, a

disponível em http://www.terrabrasileira.net/indigena/contatos/guaranis.html.
236
Joao Pacheco de Oliveira, “Wild Indians,” Tutelary Roles, and Moving Frontier in

Amazonia: Images of Indians in the Birth of Brazil, in MANIFEST DESTINIES AND

INDIGENOUS PEOPLES 98 (David Maybury-Lewis et al, eds., 2009).


237
Id. p. 98-100; JOSE BONIFACIO DE ANDRADA E SILVA, APONTAMENTS PARA A

CIVILIZACAO DOS ÍNDIOS BARBAROS DO REINO DO BRASIL 37 (1823, ed. 1963).


238
Constituição de 1934, art. 129, supra, nota 221.

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alienação de tais terras por eles é proibida.”239 Assim, índios brasileiros puderam ocupar

e usar suas terras originais, mas não podiam vende-las porque, aparentemente, eles

apenas detinham um título limitado. Esta é a mesma exata definição de preempção e

título indígena que é hoje aplicada nos Estados Unidos.240

A Constituição Brasileira de 1937 também reconheceu e garantiu aos índios estes

direitos usando a mesma linguagem, enquanto que a Constituição de 1946 utilizou uma

frase um pouco diferente para proteger direitos idênticos.241 A Constituição de 1967

também protegia os direito exclusivos dos índios às suas terras naturais e seus recursos:

“É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecidos

seus direitos exclusivos de usufruto de suas fontes naturais e de todas as coisas úteis nelas

existentes.”242

A atual Constituição Brasileira continua a reconhecer os títulos indígenas e suas

limitações, assim como o poder do governo federal de decidir acerca de tais terras, dos

elementos de preempção e do título nativo.

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em


caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-

239
Id.; THE COMPACT OXFORD ENGLISH DICTIONARY 1990 (2d ed. 1991) (“Silvícolas –

pessoas vivendo ou crescendo nas florestas).


240
25 U.S.C. §§ 81, 177, 415 (2006); de acordo com Johnson v. M’Intosh, 21 U.S. (8

Wheat.) 543, 573-74 (1823).


241
Constituição de 1964, art. 154, supra, nota 221; Constituição de 1946, art. 152, supra,

nota 225.
242
Constituição de 1967, art. 186, supra, nota 221.

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estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-
se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do
solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. As terras de que trata este artigo são
inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.243

Esta Constituição também permite que os índios requeiram ao governo federal a

demarcação de suas terras.244 Entretanto, a terra precisa adequar-se às estreitas

características definidas na Constitutição, assim como ser tradicionalmente ocupada e

utilizada por indígenas de forma permanente, o que é necessário para a preservação dos

recursos naturais, o bem estar, a saúde e a reprodução cultural dos nativos.245 A

Constituição também invalida qualquer tentativa de ocupação ou de exercício de domínio

sobre terras indígenas e afirma que qualquer exploração de recursos naturais é vedada se

não aprovada pelo governo federal.246 É claro que os direitos indígenas à terra e o título

nativo são limitados pelo direito brasileiro.247

243
Constituição de 1988, art. 20, supra, nota 221.
244
Id. p. art. 231. Um comentarista alega que o processo utilizado para demarcação de

terras indígenas é impassível de aprovação judicial e efetiva. David Maybury-Lewis,

From Savages to Security Risks: The Indian Question in Brazil, THE RIGHTS OF

SUBORDINATED PEOPLES 50 (1994).


245
BASTOS, supra, nota 232, p. 498.
246
Constituição de 1988, art 231, supra, nota 221.
247
Ver BASTOS, supra, nota 232, p. 495.

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Portugal e Brasil claramente usaram os elementos do título nativo limitado. Esses

países exerceram extensiva e unilateral autoridade sobre terras nativas através da história

colonial, e o Brazil continua a fazê-lo hoje em dia.

E.Soberania Nativa Limitada e Direitos de Comércio

Este elemento significa que direitos governamentais indígenas, assim como os

poderes de soberania, direitos de comércio e de propriedade são automaticamente

limitados após a chegada dos europeus.248 Muitos papas explicitamente doaram a

Portugal estes poderes sobre povos indígenas e governos na África e no Novo Mundo, em

bulas papais, entre 1453 e 1514.249 Logo após, Portugal e Brasil executaram esta

autoridade contra os povos nativos.

A Coroa presumiu, desde o início da exploração do Brasil, que esta possuía

exclusiva autoridade sobre os povos nativos, terras e recursos.250 Como previamente

248
Johnson v. M’Intosh, 21 U.S. (8 Wheat.) 543, 573-74 (1823).

As Seções C e D demonstram formas nas quais os direitos reais dos povos

indígenas do Brasil foram julgados limitados pelo Descobrimento. Nós não repetiremos

as provas aqui, entretanto, muitas delas importam para os elementos de limitação

impostos sobre a soberania indígena e seus direitos comerciais no Brasil.


249
CHURCH AND STATE, supra, nota 69, p. 158; ver também id.. (“por esta nossa doação...

nós estritamente proibimos quaisquer pessoas... de aproximarem-se, com o propósito de

comércio, ou por qualquer outra razão, das ilhas e continentes descobertos ou a serem

descobertos, encontrados ou a por serem encontrados).


250
A Coroa controlava muitos itens comerciais no Brasil e reclamou o monopólio de

comércio e pesca e a propriedade sobre pau-brasil, escravos, especiarias, drogas e 20% do

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mencionado, começando em 1501, o rei estava interessado em explorar os recursos do

Brasil e imediatamente licenciou mercadores privados para colher o valioso pau-brasil e a

procurar por outros recursos.251 Estabelecendo as capitanias, a coroa doou terras,

autoridade soberana, jurisdição e autoridade comercial sobre outras áreas e sobre todos

que lá se encontrassem, incluindo os povos nativos.252 O rei também deu passos no

sentido de controlar todas as atividades econômicas e comerciais no Brasil durante o

período das capitanias e dos governos-gerais. Por exemplo, o rei ordenou que o comércio

poderia apenas ocorrer em determinados mercados e estabeleceu um sistema de licenças

para mercadores e para o envio de mercadorias.253 As leis reais proibíram o envio de

mercadorias por estrangeiros não licenciados em qualquer qualquer área de posse

portuguesa e proibiu o comércio internacional direto com o Brasil, desde 1591 a 1808.254

A Coroa tentou frear o comércio internacional com nativos brasileiros e proibiu colonos

portugueses de estabelecer trocas com os indígenas.255

de todos os metais preciosos. BOXER, supra, nota 53, p. 22; MARQUES, supra, nota 9, p.

255; III HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO, supra, nota 176, p. 312-13.

251
Ver, e.g., PARRY, supra, nota 105, p. 258; MARCHANT, supra, nota 150, p. 28-29;

Alden, Black Robes, supra, nota 175, p. 20; KIEMEN, supra, nota 155, p. 8.
252
III HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO, supra, nota 176, p. 174, 309-13; Regimento, supra,

nota 184.
253
Id.; BUENO, supra, nota 85, p. 221.
254
ALDEN, supra, nota 10, p. 403-04.
255
KIEMEN, supra, nota 155, p. 98; TEODORO SAMPAIO, O TUPI NA GEOGRAFIA

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O primeiro governador-geral, ente 1549 e 1553, exerceu a autoridade real sobre os

direitos de comércio indígena através da concessão de licenças para construir e operar

moendas de café e trabalhos com sal, a colonos portugueses, usando terras e recursos

nativos.256 Ele também estabeleceu um sistema para controlar o comércio entre nativos e

colonos, e proibiu colonizadores individuais de transacionarem com indígenas sem

autorização real.257 Este tipo de negócio deveria ser conduzido em áreas reservadas que

eram governadas por regras reais.258 Colonos portugueses também foram proibidos de

viajarem para vilas indígenas para exercerem o comércio.259

A Coroa também tentou controlar a soberania e o direito de propriedade indígena

através da direção sobre o local onde deveriam viver e sobre como governar suas vidas.

Os Jesuítas foram, por mais de duzentos anos, autorizados a civilizar e converter nativos

os transportando para missões jesuítas ou cidades chamadas de aldeias.260 Os Jesuítas

exigiam que os nativos trabalhassem para ajudar as vilas e para, supostamente,

adquirirem hábitos de produção.261 Os indígenas deveriam ser pagos por seu trabalho,

mas eram então requisitados a pagar os salários dos Jesuítas e dos oficiais que ajudavam

NACIONAL [THE TUPI IN THE NATIONAL GEOGRAPHY] 233 (1914); Regimento, supra, nota

184.
256
MARCHANT, supra, nota 150, p. 58, 83.
257
Id.; BUENO, supra, nota 85, p. 117.
258
Id.
259
Id. p. 91 (reimpressão das ordens do Governador Souza); Regimento, supra, nota 184.
260
MARCHANT, supra, nota 150, p. 106-08.
261
NASH, supra, nota 182, p. 120.

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a administrar as vilas e que também exerciam a atividade judicial.262 Durante os anos

1770, após a expulsão dos Jesuítas do Brasil, o ministro do reino, Marquês de Pombal,

ordenou que os nativos continuassem a ser forçadamente removidos e que fossem

gerenciados por oficiais reais.263

Interessantemente, a Coroa reconheceu a soberania e os direitos de auto governo

de alguns nativos descde o início da colonização oficial. Nas instruções ao primeiro

governador-geral, em 1548, a Coroa direcionou o governo colonial a que este se

envolvesse em tratados, como alianças, com nativos pacíficos e que respeitasse seus

direitos a continuarem suas atividades culturais e comerciais em seus territórios.264 Mais

importante, os portugueses reconheceram certa autoridade de soberania de líderes nativos

e algumas vezes tentaram regular os povos indígenas através de seus próprios governos e

chefes.265

Hoje, os povos indígenas do Brasil são considerados como possuidores de

soberania muito limitada, já que seu governo e muitas de suas atividades comerciais são

ainda reguladas pelo governo federal. A Constituição de 1988 reserva ao governo federal

262
KIEMEN, supra, nota 155, p. 7-8, 52 (citando várias leis e o alvará de 25 de julho de

1638).
263
Maybury-Lewis, supra, nota 244, p. 39; NASH, supra, nota 182, p. 120; JOSE DE

ANCHIETA, CARTAS: INFORMACOES 358-59 (1954).


264
Ver BUENO, supra, nota 85, p. 222 (o Regimento Régio requeria um sistema de

cooperação e alianças entre o governo e as tribos indígenas).


265
KIEMEN, supra, nota 155, p. 4 (citando o segundo Regimento editado, pelo primeiro

governador).

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“as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”.266 O único direito de propriedade

territorial aparentemente reservado aos índios é o de manter suas terras em seus estados

naturais.267

i.Escravidão

O mais extremo exemplo de afirmação da autoridade portuguesa sobre a

soberania e os direitos comerciais indígenas foi a imposição da escravatura sobre os

povos nativos. De fato, as bulas papais que autorizaram os portugueses a atacarem os

pagãos na África e no Brasil e a confiscar seus bens e territórios, também ordenou que

eles fossem colocados em “escravidão perpétua”.268 A vasta maioria dos colonizadores

brasileiros estavam felizes em contribuir com tal comando, especialmente porque

imaginaram que a colônia poderia não existir ou obter sucesso sem a escravização de

nativos.269 Eles também argumentaram que que os nativos eram suficientemente pagos

266
Constituição de 1988, supra, nota 221.
267
Id.
268
Ver, e.g., EUROPEAN TREATIES, supra, nota 69, p. 23; BOXER, supra, nota 53, p. 21.
269
BOXER, supra, nota 53, p. 88, 92-93 (padres repetidamente reportaram que

colonizadores maltratavam, matavam e escravizavam índios sem qualquer pretexto);

KIEMEN, supra, nota 155, p. 98-99; FAUSTO, supra, nota, p. 9, 26; BUENO, supra, nota 85,

p. 163 (argumentando que os portugueses encontraram, na história bíblica Noé e Cam,

suporte para escravizar nativos e africanos). Ver, por todos, Stuart B. Schwartz, Indian

Labor and New World Plantations: European Demands and Indian Responses in

Northeastern Brazil, in, 83 AMERICAN HISTORICAL REVIEW (1978); Pacheco, supra, nota

236, p. 94 (Padre Antônio Vieira chamou o trabalho dos nativos de “ouro vermelho”).

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por serem escravizados, através da conversão ao Cristianismo.270 Colonos procuraram

qualquer desculpa para escravizar nativos e controlar sua soberania pessoal e nacional,

seus destinos e vidas, e seus direitos econômicos.271

A Coroa, entretanto, tomou posições ambiciosas e conflitantes sobre escravidão

por longo período colonial. Enquanto ostensivamente proibiu a escravidão de nativos sob

a maior parte das circunstâncias, em torno do ano 1570, a Coroa, mais tarde,

frequentemente justificou e tolerou centenas de anos de escravidão de povos nativos.272 A

maioria dos colonos ignorou os ineficientes banimentos da escravidão que a Coroa

levantou, e esta estava bastante ciente disto.273

O Regimento de 1548 autorizou ao governador-geral a escravização de tribos

hostis, índios que atacassem brancos e de índios que capturassem outros nativos para

banquetes canibalísticos.274 Ironicamente, quaisquer índios que fossem supostamente

“resgatados” de serem sacrificados ou comidos, os chamados “índios amarrados”,

poderiam ser legalmente escravizados porque os portugueses teriam, aparentemente,

270
BOXER, supra, nota 55, p. 88, 92-93; Alden, Black Robes, supra, nota 175, p. 31;

KIEMEN, supra, nota 155, p. 98-99.


271
BOXER, supra, nota 53, p. 88, 92-9. Os espanhóis possuíam os mesmos interesses nas

colônias do Novo Mundo e escravizaram índios através do sistema de encomienda. Ver,

e.g., HANKE, supra, nota 95, p. 24.


272
BOXER, supra, nota 53, p. 88.
273
Id.
274
KIEMEN, supra, nota 155, p. 5; MARCHANT, supra, nota 150, p. 115.

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salvado suas vidas, ou os livrado da corda, como dito.275 Colonos portugueses eram,

então, permitidos a escravizar os nativos por cinco a dez anos, como pagamento. Diversas

leis foram editadas, por muitas décadas, regulando quem seria autorizado a decidir se um

indígena teria sido liberdade e se poderia ser escravizado.276 Como um comentarista

anotou, “Índios amarrados, a mais rara das raridades, repentinamente tornou-se tão

comum... quanto mangas e castanhas brasileiras, quando o solene tribunal estabeleceu o

status legal de índios escravos.”277 Os colonos envolveram-se em muitas expedições,

chamados resgates, supostamente para salvar índios, para então escraviza-los. A Coroa

teve um conflito de interesses em paralizar os resgates porque os colonos eram obrigados

a pagar o governo pelos nativos escravizados.278 Em 1624, um governador-geral regulou

que o quinto real, ou 20%, de todos os índios escravos capturados deveriam ser entregues

à Coroa.279

Uma esquizofrênica sequências de leis e políticas sobre escravização de nativos,

então, tomou lugar, através dos séculos. Enquanto colonos demandavam escravos, a

Coroa desejava mais lucros e impostos e, supostamente, os padres reclamavam

275
KIEMEN, supra, nota 155, p. 5, 7, 35.
276
Id. p. 6-7 (citando leis desde 1609 até 1611; em caso de guerra ou de revolta, a Igreja e

os oficiais civis poderiam declarar uma guerra justa, assim colonos poderiam escravizar

nativos capturados).
277
NASH, supra, nota 182, p. 111.
278
KIEMEN, supra, nota 155, p. 7.
279
http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/bandeirantes/bandeirantes-1.php;

http://dihitt.com.br.

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tratamento mais humano para os nativos.280 Como já mencionado, a Coroa primeiramente

proibiu a escravização de indígenas no Brasil, sob quaisquer circunstâncias, em 1570.281

Em 1595, a Coroa editou sua segunda lei proibindo a escravidão de indígenas, mas, de

fato, a permitindo para indígenas capturados durante as guerras justas.282 Três outros

estatutos foram editados no começo do século XVI proibindo a escravidão, e, no começo

de 1609, um decreto real estabeleceu que índios pagãos e cristãos eram livres e não

poderiam ser compelidos ao trabalho.283 Mas, estas leis causaram amargas reclamações

pelos colonos portugueses, levando a Coroa a editar uma nova lei, em 1611, que

modificou sua posição para admitir a compensação de colonos que libertassem índios de

serem canibalizados: a compensação eram dez anos de trabalho pelo índio resgatado.284

Esta lei também indicou os donatários, ao invés de Jesuítas, para supervisionarem as

comunidades indígenas e designarem trabalhadores nativos para servirem aos

colonizadores.285 Ainda, todos os nativos saudáveis, com idade entre 13 e 60 anos, que

280
Ver KIEMEN, supra, nota 155, p. 148, 153, 158, 162, 164, 175, 185.
281
Id. p. 4 (citando LEYS E PROVISOS QUE EL REY DOM SEBASTIAO, NOSSO SENHOR, FEZ

DEPOIS QUE COMECOU A GOVERNAR 154 (1570)); MAGALHAES, supra, nota 179, p. 115-

16.
282
Alden, Black Robes, supra, nota 175, p. 28; KIEMEN, supra, nota 155, p. 101 (colonos

trabalhadores e famintos poderiam criar incidentes para justificar guerras justas

defensivas).
283
Alden Black Robes supra, nota 175, p. 28 & n.25; KIEMEN, supra, nota 155, p. 5-8.
284
Alden Black Robes, supra, nota 175 p. 28; KIEMEN, supra, nota 155, p. 5, 7.
285
Alden Black Robes, supra, nota 175, p. 28; KIEMEN, supra, nota 155, p. 5, 7.

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vivessem nas vilas jesuítas, eram registrados, pelo direito de colonização indígena, e a

metade deles era sempre submetida a trabalhar para os colonos portugueses.286

Leis posteriores, em 1624, entre 1647 e 1649, 1653 e 1655, em 1663, 1677, 1679

e 1686 demonstram a quantidade de tempo que a Coroa investiu para resolver as políticas

contraditórias e seus próprios conflitos de interesse acerca da autorização e controle da

escravidão indígena.287 Em 1663, os colonos receberam a lei que, por longo tempo,

demandavam. A Coroa permitiu que os conselhos urbanos elegessem oficiais que

decidiriam quantos escravos indígenas cada colono necessitava.288 Então, em contraste,

em 1686, o rei editou um abrangente corpo de leis no qual os padres, mais uma vez,

tinham jurisdição completa nas vilas indígenas, mas, convenientemente, foram ordenados

a estabelecerem-se em vilas próximas às comunidades de colonizadores para facilitar as

trocas e a obtenção de trabalho indígena pelos colonos.289 Em 1688, a Coroa repeliu o

banimento da escravidão e mais uma vez sancionou a pena de escravização, mas apenas

286
NASH, supra, nota 182, p. 120; KIEMEN, supra, nota 155, p. 86, 90.
287
Id. p. 68, 65, 70-71, 86, 95-96, 98-99, 136, 139-46, 156-57, 164; Alden Black Robes,

supra, nota 175, p. 28, 32.


288
KIEMEN, supra, nota 155, p. 118, 171 (Há evidências, datadas de 1687 e 1688, de que

as juntas locais discutiram a legalidade de guerras ofensivas e defensivas para aquisição

de escravos).
289
Alden, Black Robes, supra, nota 175, p. 31, 33-34 (Aos Jesuítas fora confiado um

papel mais relevante na distribuição de trabalhadores indígenas entre os colonizadores);

IV HISTORIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL 369-75 (1938-1950) (reimpressão do

texto do Regimento de 31 de dezembro de 1686); KIEMEN, supra, nota 155, p. 158-62.

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no caso de certificação, por missionários, de que uma tribo hostil eventualmente

preparava-se para o ataque, houvera invadido os direitos reais de cristãos ou inibira a

pregação das escrituras.290 De 1775 até o final do século IXX, a política brasileira

consistiu em alocar indígenas sob reservas e aluga-los para colonizadores portugueses ou

para o governo, para que trabalhassem por um período de seis meses a um ano em troca

de um pagamento insignificante.291

Colonizadores não tiveram problemas para trabalhar com os supostos banimentos

da escravidão de indígenas. Uma figura notória na história brasileira, Padre Antônio

Vieira, afirmou que a lei de 1611 carreou à fraude porque as expedições de resgate,

alegadamente intentadas a libertar indígenas, cristãos ou não, na realidade objetivavam a

escravização; 292 Historiadores concordam que os colonizadores capturavam indígenas,

mesmo aqueles que viviam em cidades jesuítas, sob a alegação de que eram hostis,

justamente para escraviza-los.293 Obviamente, a escravidão era a maior limitação na

soberania e nos direitos comerciais das comunidades e indivíduos indígenas.

290
Alden, Black Robes, supra, nota 175, p. 34; KIEMEN, supra, nota 155, p. 164-66; IV

COMPANHIA DE JESUS, supra, nota 289, p. 377-80 (reimpressão do Alvará de 28 de abril

de 1688).
291
Maybury-Lewis, supra, nota 244, p. 39; JOHN HEMMING, RED GOLD: THE CONQUEST

OF THE BRAZILIAN INDIANS 36 (1972).


292
Alden, Black Robes, supra, nota 175, p. 31, 37; KIEMEN, supra, nota 155, p. 84-85.
293
MARCHANT, supra, nota 150, p. 115.

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A discussão mostra como Portugal e Brasil lidaram com os povos e as fontes no

Novo Mundo e a definição de soberania e de direitos comerciais indígenas limitados. A

Coroa portuguesa repeditamente demonstrou seu predominante interesse e suposto direito

a regular o Brasil como uma colônia e a adquirir os bens de valor econômico e os poderes

de soberania dos governos e povos indígenas.

F. Contiguidade

Portugal utilizou o elemento contiguidade para pleitear terras muito distantes das

áreas que de fato descobriu e ocupou. A bula papal de 1493 e o Tratado de Tordesilhas,

de 1494, entregaram a Portugal exatamente este tipo de direito, qual seja, o direito a todas

as terras a leste da linha de demarcação na América do Sul.294 Esta é a mais exagerada

definição de contiguidade imaginável. Ainda, Portugal usou uma aplicação mais limitada

de contiguidade nos anos 1530, quando entregou aos donatários as enormes medidas de

terra que iam da costa do Brasil, em direção ao seu interior, até a linha demarcatória.295 A

grande maioria destas terras nunca fora avistada ou ocupada por exploradores

294
EUROPEAN TREATIES, supra, nota 69, p. 13, 23.
295
HARRISON, supra, nota 175, p. 12-13; 4 MERRIMAN, supra, nota 53, p. 386. Como

mais tarde definida pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, a contiguidade provia um

primeiro descobridor e ocupante de novas terras do direito de vindicar uma vasta porção

de terra ao redor da área de sua colonização de fato, assim como o descobrimento de uma

desembocadura de rio criava o direito de pleitear o inteiro manancial de tal rio. MILLER,

NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 4, 19, 56, 69-70.

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portugueses. Finalmente, Portugal utilizou os princípios de contiguidade em sua disputa

com a Espanha, por terras onde hoje encontra-se o Uruguai.

As linhas demarcatórias das bulas papais e o Tratado de Tordesilhas são provas de

que Portugal, Espanha e o papado entenderam e utilizaram o elemento da contiguidade

para estabelecer as vindicações de Descobrimento. As linhas designaram os limites das

terras que cada um possuía. Portugal e Espanha razoavelmente honraram a linha. Por

exemplo, reis da Espanha frequentemente ordenaram seus exploradores a evitar qualquer

parte do Brasil e qualquer terra de Portugal, localizadas após as linhas demarcatórias.296

Enquanto os dois países penetravam o Pacífico, eles concordaram com o Tratado de

Saragoça, de 1529, para desenhar o Tratado de Tordesilhas ao redor do globo, através do

Pacífico.297 Em 1559, uma expedição espanhola ao Pacífico foi ordenada a não

ultrapassar o lado português da linha.298 Portugal e Espanha evidente e mutuamente

reconheciam seus direitos sob o elemento contiguidade, do Descobrimento, como

definidos por estas linhas demarcatórias.

Ainda, Portugal utilizou o elemento contiguidade de forma mais próxima à sua

definição anglo americana e reclamou terras que eram contíguas às bases coloniais

296
II MERRIMAN, supra, nota 53, p. 210-13, 218 (citando o Rei Espanhol Fernando, em

1514); id. vol. III p. 421-22 (citando as instruções de Magellan para que permanecesse no

lado espanhol da linha de Tordesilhas, e uma instrução datada de 1518, do Rei Espanhol

Charles V, a uma expedição relacionada ao Pacífico, para que guardassem os direitos do

rei de Portugal... dentro dos limites da linha de demarcação.”).


297
III MERRIMAN, supra, nota 53, p. 452-53.
298
Id. vol. IV p. 226.

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portuguesas e brasileiras. Entre 1450 e 1570, reis portugueses pleitearam ilhas na costa da

Península Ibérica devido à sua proximidade com o Cabo São Vicente, em Portugal.299

Mais importante, quando Cristóvão Colombo retornou do Caribe, o rei português João

vindicou as recém descobertas terras porque ele pensou que estas fossem perto ou

contíguas às suas colônias nas Ilhas Açores.300 João preparou uma frota para tomar posse

das Ilhas Caribenhas.301 Por causa das dúvidas acerca do elemento da contiguidade,

juntamente com outras dúvidas, Espanha e Portugal acabaram por assinar o Tradado de

Tordesilhas, preservando o Caribe para a Espanha e reservando o Brasil e as rotas de

comércio para as Índias para Portugal.302 Como acima mencionado, nos anos 1530,

Portugal utilizou princípios da contiguidade, no Brasil, quando conferiu enormes

dimensões territoriais de costa e de terras aos donatários.303 Portugal também utilizou a

contiguidade, especialmente quando a linha de demarcação tornou-se menos importante,

quando pioneiros portugueses, nos séculos XVI e XVII, empurraram as fronteiras da área

que hoje incorpora o Brasil, até os limites das colônias espanholas.304

Como já abordado quando discutimos o elemento da ocupação de fato, Portugal

também utilizou a contiguidade em seu conflito com a Espanha, sobre as terras do

299
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 45.
300
Id. p. 45; MARQUES, supra, nota 9, p. 221; PARRY, supra, nota 105, p. 151; MORISON,

THE EUROPEAN DISCOVERY, supra, nota 72, p. 89.


301
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 45; LIVERMORE, supra, nota 142, p. 131.
302
PARRY, supra, nota 105, p. 152.
303
Ver supra, nota 177 e os textos que as acompanham.
304
MARQUES, supra, nota 9, p. 355.

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contemporâneo Uruguai. Colonos portugueses e brasileiros utilizaram-se do argumento e

de ações de contiguidade para reclamar a “posse” e a propriedade sobre essas terras muito

antes de eles a possuírem de fato. Os portugueses fundaram a cidade de Colônia do

Sacramento em 1679, sobre Buenos Aires, longe de qualquer colônia brasileira.305 A

Coroa enviou tropas e colonizadores para Colônia, mas ela sabia que deveria ocupar o

imenso espaço desocupado entre São Paulo e Colônia. Ao mesmo tempo, a Coroa

levantou um argumento, de contiguidade, de que ela já possuiria todas as terras entre

estas cidades.306 A Coroa iniciou, em 1737, outras colonizações ao sul de São Paulo, em

direção a Colônia, como Santa Catarina e Rio Grande, e ofereceu estímulos a seus

cidadãos de ilhas do Atlântico e estrangeiros para que povoassem as novas cidades.307 O

Conselho Português Ultramarino estava bem ciente do princípio jurídico da contiguidade

e da necessidade de ocupação de terras, e aconselhou o rei, em 1728, mostrando que um

atraso na fundação de Rio Grande prejudicaria o pleito de Portugal sobre as terras

inocupadas daquela área.308 Em 1730, o Conselho até mesmo sugeriu a fundação de Rio

Grande, ao sul do rio Rio Grande, para criar contiguidade nas planícies a sul e a oeste do

rio, em direção a Colônia, o que não aconteceria se Portugal construísse a cidade na

margem norte do rio.309 Em 1736, o Conselho expressamente advogou a ideia da

contiguidade quando sugeriu que proprietários de terras localizadas nas ilhas do Atlântico

305
ALDEN, supra, nota 10, p. 67.
306
ALDEN, supra, nota 10, p. 69.
307
Id. p. 70-73.
308
Id.
309
Id. p. 76-77.

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colonizassem o Rio Grande “porque a continuação dessas colonizações será a melhor

maneira de definir a questão dos limites... entre as duas coroas.”310

Não resta dúvida de que Portugal era bem consciente do elemento contiguidade,

do Descobrimento, e de que o utilizou para pleitear terras no Atlântico Leste e Oeste, no

Brasil e nas terras que hoje são do Uruguai.

G. Terras Nullius

O elemento Terra Nullius, do Descobrimento, afirma que os europeus tinham,

licitamente, propriedade sobre qualquer terra vazia e vacante que encontrassem. Europeus

definiam terra nullius qualquer porção de terra carente de seres humanos, ou que fosse

povoada por uma sociedade humana, forma de governo ou de direito não reconhecidos

pelos regimes jurídicos europeus.311 Portugal utilizou os dois argumentos para vindicar

terras brasileiras como vacantes e de propriedade disponível.

Ao início da construção de seu império internacional, Portugal e o papado

basearam-se na ideia de terra nullius e na ideia de que Portugal as poderia pleitear e os

papas as poderiam lhe entregar. Sob o direito medieval, o papa presumidamente detinha a

autoridade de dispor de terras não ocupadas.312 Consequentemente, em 1434, o príncipe

português, Henrique, o Navegador, recebeu de uma bula papal a autorização para

colonizar qualquer das Ilhas Canárias que não estivessem, de fato, ocupadas.313 Em

310
Id. p. 77.
311
Ver supra, nota 127. A Espanha, a Inglaterra e os Estados Unidos também reclamaram

terras vacantes sob o terra nullius. Id.


312
PRESTAGE, supra, nota 26, p. 8.
313
PARRY, supra, nota 105, p. 147.

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muitas outras ocasiões, Portugal levantou pleitos sobre várias das Ilhas Açores, Madeira e

Canárias baseado no argumento de que estas estariam vazias, inabitadas e sem dono.314

Os portugueses até mesmo nomearam um arquipélago por Ilhas Desertas.315

Portugal também realizou pleitos sobre terras localizadas no Brasil, baseado no

terra nullius.316 Nos anos de 1640, o governador de Rio reclamou os bens sobre terras

vacantes perto de colônias portuguesas e, em 1676, Portugal recebeu uma bula papal

reconhecendo seu pleito sobre as terras, supostamente vagas, ao norte do Rio de la

Plata.317 Nos anos 1960, o Brasil ainda continuava a presumir que pudesse invadir terras

indígenas sob as ideias da terra nullius.318

O papado e Portugal também advogaram a segunda definição de terra nullius,

qual seja, as terras indígenas ocupadas estariam disponíveis para apropriação por Portugal

se seu governo, sociedade e religião não fossem reconhecidos pelos europeus como

válidos. Uma longa série de bulas papais conferiu a Portugal e Espanha a propriedade de

terras indígenas. Mesmo assim, era senso comum que não europeus viviam e governavam

314
BOXER, supra, nota 53, p. 21; LIVERMORE, supra, nota 142, p. 112; PRESTAGE, supra,

nota 26, p. 43-44.


315
MARQUES, supra, nota 9, p. 148.
316
. MARQUES, supra, nota 9, p. 148.
317
ALDEN, supra, nota 10, p. 63, 67 (citando Romani Pontificis, 16 de dezembro 1676).
318
Ver Balee, supra, nota 72, p. 126 (Em 1962, uma agência federal brasileira decidiu

criar colônias para brasileiros pobres nas “terras inabitadas” de parte da Floresta

Amazônica; a agência ignorou ou não percebeu que os caaporás, os guarás e os tembés

por lá viviam).

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tais terras.319 Os sistemas jurídicos de cristãos europeus presumiam que os não cristãos

não tinham direitos de possuir ou de negociar qualquer domínio no contexto internacional

existente.”320 Europeus também basearam as ideias de terra nullius em raça. Eles

argumetaram que “o primeiro ocupante de uma terra desprovida de pessoas de origem

caucasiana, em áreas não europeias... pertenceria à nação que a ocupasse.”321

O primeiro oficial brasileiro da história, Franciso Adolfo Varnhagen, também

invocou o princípio da terra nullius, em 1854, quando escreveu que índios selvagens não

poderiam ser considerados ancestrais para uma terra que se pretendia incluída entre as

nações civilizadas.”322 Ele disse que o Brasil, “este solo abençoado”, não poderia ser

governado “através da anarquia selvagem” dos povos indígenas porque isso “tornaria o

319
Ver, e.g., EUROPEAN TREATIES, supra, nota 69, p. 13 (tradução da bula Romanus

Pontifex, de 8 de janeiro de 1455, pelo papa Nicolau V, ao Rei Afonso V, de Portugal, e

a bula do Papa Alexandre VI, Inter Coetera datada de 3 de maio de 1493); ver também

Peter Kay Stern & Daniel Towers Lewis, A History of Land Claims in the Americas 7-8

(2002) http://www.lewisdt.com/research/landclaims.html (acesso em 27 de janeiro de

2011); Valentin Y. Mudimbe, Romanus Pontifex (1454) and the Expansion of Europe, in,

POSTCOLONIALISMS: AN ANTHOLOGY OF CULTURAL THEORY AND CRITICISM 58 (Gaurav

Gajanan Desai & Supriya Nair eds, 2005).


320
Id. p. 51.
321
PRADO, supra, nota 85, p. 228.
322
NILO ODALIA, VARNHAGEN: HISTORIA 37-38 (1979) (discutindo Varnhagen, HISTORY

OF BRAZIL, supra, nota 220).

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país inabitado” e “o Cristianismo viera para estender sua mão a este degradado e triste

estado.”323

Em resumo, Portugal e Brasil eram bem cientes do terra nullius como um

elemento de direito internacional e confiaram nas duas definições deste princípio para

pleitear propriedade e soberania de terras vacantes e de terras sob a propriedade e

governo de sociedades indígenas, no Brasil.

H. Cristianismo

No descobrimento deste imenso continente, as grandes nações


europeias estavam ávidas por apropriarem-se tão quanto pudessem... o
caráter e a religião destes habitantes possibilitou a desculpa de que tais
povos eram submetidos ao gênio superior da Europa através da
ancestralidade. Os potentados do velho mundo não encontraram
dificuldades para convencerem-se de que traziam grande compensação aos
habitantes do novo mundo, gratificando-lhes com a civilidade e o
Cristianismo.324

Portugal, o papado e os colonos brasileiros concordaram completamente com o

sentimento expressado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, acima mencionado.

Portugal justificou suas explorações e pleitos sobre os bens na Ásia, África e Brasil,

baseado principal e primeiramente na religião.325 O governo brasileiro atual e os oficiais

323
Id. A referência de Varnhagen sobre a inabitação do Brasil caso europeus civilizados

não colonizassem as terras nos lembra uma das afirmações da Suprema Corte Americana

em Johnson v. M’Intosh, 21 U.S. (8 Wheat.) 543, 590 (1823): “Deixar [índios] na posse

de seu país, era deixar o país na selvageria...”


324
Johnson, p. 572-73.
325
Livermore, Portuguese History, supra, nota 76, p. 84; J.H. Plumb, Introduction, in

BOXER, supra, nota 53, XXI, XXIII, XXXVI (“A exploração portuguesa, desde o início

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da colônia também utilizam este elemento para justificar sua dominação sobre os povos

indígenas. Não precisamos empreender muito tempo fornecendo estas afirmações porque

as evidências mostram claramente que Portugal e Brasil utilizaram religiões para afirmar

sua superioridade sobre povos indígenas e para estabelecer pleitos jurídicos sobre as

terras, bens e propriedades.326 A Coroa frequentemente reconhecera a importância da

religião na colonização do Brasil.327 O Rei João, por exemplo, instruiu o primeiro

governador-geral, em 1548, “que a principal causa para o gesto de minha ordem sobre

populações nas terras chamadas Brasil era que seus habitantes fossem convertidos à nossa

sagrada fé católica.”328 Os portugueses de todas as classes enxergavam-se como um povo

escolhido para o dever de espalhar a fé católica e converter os infiéis.329

No Brasil, a Coroa e a Igreja criaram um sistema chamado Padroado Real, no qual

a Igreja era subordinada à Coroa e tornou-se, assim, parte integrante do governo.330 O

Padroado era uma união entre a Igreja e o Estado, na qual a Coroa concordava em apoiar,

proteger e administrar os negócios da Igreja e esta concordava em renunciar a todas as

propriedades e doações, em nome da Coroa, em troca do exclusivo direito de educar,

do século XV, foi tomada de cuidado religioso” e conduzida sob o serviço de Deus e o

lucro; matança e escravização de pagãos era correto e justo.


326
BOXER, supra, nota 53, p. 21-23; EUROPEAN TREATIES, supra, nota 69, p. 13.
327
COLLECTANEA INDIGENA, supra, nota 236, p. 7.
328
SOUZA, supra, nota 149, p. 23.
329
KRONDL, supra, nota 136, p. 148; BUENO, supra, nota 85, p. 165.
330
BOXER, supra, nota 53, p. 228.

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civilizar e converter os povos nativos.331 Se os reis portugueses desejassem continuar a

construção de seus impérios, eles tinham de satisfazer sua parte da barganha sob o

sistema de Padroado.332

A Coroa tentou realizar sua parte da barganha, no Brasil.333 As doações de terra e

soberania aos donatários nos anos 1530, por exemplo, também os imbuiu da especial

missão de converter os infiéis.334 Oficiais da colônia afirmaram, em leis de 1548, 1663 e

1677, que o principal propósito da colônia era a conversão dos nativos.335 Os jesuítas

receberam quase que completo controle sobre os nativos e possuíam a perfeita autoridade

para viajar às terras e domesticar os pagãos, assim como para mostra-los o caminho da

331
MARSHALL C. EAKIN, BRAZIL 122 (1998). Sob o direito canônico, o ius patronatus fez

os reis de Portugal e Espanha responsáveis pela propagação da fé e da organização da

Igreja nas recém descobertas terras. Em troca destas obriagações, os reis receberam o

direito, dentre outros, de nomear os bispos. Isso tornou-se conhecido por sistema de

padroagem. LANG, supra, nota 137, p. 51; FAUSTO, supra, nota 9, p. 23.
332
KRONDL, supra, nota 136, p. 155.
333
Pedro Cabral navegou sob o símbolo da Ordem de Cristo. Esta ordem fora criada pelo

Papa João XXII. http://www.ordens.presidencia.pt/ordem_militar_cristo.htm. Ver

também Francis A. Dutra, Membership in the Order of Christ in the Seventeenth Century:

Its Rights and Obligations, 27 THE AMERICAS 3-25 (1970). Cabral nomeou a terra por

Terra de Vera Cruz . THOMAS E. SKIDMORE, BRAZIL: FIVE CENTURIES OF CHANGE 19

(1999). Mais tarde, o nome mudou para Terra de Santa Cruz. Id.
334
Ver, e.g., III HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO, supra, nota 176, p. 309-12.
335
KIEMEN, supra, nota 155, p. 4, 143.

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salvação.336 Interessantemente, num primeiro momento, os nativos foram considerados

sem religião e facilmente conversíveis.337 Logo, entretanto, os povos nativos foram

considerados como representantes do diabo.338 Porque as escrituras espalharam-se por

todos os cantos da Europa, o diabo exilara-se nas terras não europeias, como o Brasil.339

Não se deve iludir-se de que a Coroa e os colonizadores apenas interessavam-se

na conversão religiosa. Desde o princípio da expansão colonizatória europeia, as

motivações religiosas nunca foram os únicos interesses.340 Motivos econômicos e sociais

eram relacionados à religião de forma intrínseca.341 Para Portugal, expansão e troca na

África, Ásia e Brasil eram designados para ganhar convertidos e para adquirir comércio e

lucros.342

A colonização brasileira e a conquista dos povos indígenas eram justificadas pelo

elemento religião, pertencente ao Descobrimento, e pela ideia de superioridade do

Cristianismo.

336
Id. p. 6.
337
MAGALHAES, supra, nota 179, p. 21-22, 113; Alden, Black Robes, supra, nota 175, p.

20-21; BOXER, supra, nota 53, p. 85, 87; PRESTAGE, supra, nota 26, p. 284.
338
BUENO, supra, nota 85, p. 32; SOUZA, supra, nota 149, p. 34.
339
BUENO, supra, nota 85, p. 20; SOUZA, supra, nota 149, p. 24. Ver, por todos, JOSE DE

ANCHIETA, PREGACAO UNIVERSAL (1561).


340
EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 5.
341
Id.; PARRY, supra, nota 105, p. 19.
342
EXPANSION OF EUROPE, supra, nota 29, p. 58-59.

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I. Civilização

Colonos brasileiros e portugueses presumiram que a superioridade de seus

governos, culturas e civilizações justificavam suas conquistas e autoridade sobre outros

povos indígenas e bárbaros.343 Existe ampla evidência que fundamenta este fato. Outros

países e sociedade colonizadoras, como Espanha, Estados Unidos e Inglaterra

compartilham do mesmo ponto de vista etnocêntrico e enxergam os povos nativos como

uma subclasse de humanos que necessitam do cuidado e direção paternalista das

sociedades europeias.344

Desde o começo, exploradores e colonizadores portugueses acreditavam que os

nativos brasileiros careciam de “religião, leis ou reis.”345 Índios eram estereotipados

como filhos, intactos, da natureza, que necessitavam de tutela e atenção, uma convicção

que fora rapidamente substituída pela imagem de selvagens irremíveis, sem lei ou

343
C. R. BOXER, RACE RELATIONS IN THE PORTUGUESE COLONIAL EMPIRE 1415-1825 90,

94-96 (1963).
344
Ver, e.g., Miller, Lesage & Escarcena, supra, nota 1; MILLER, NATIVE AMERICA,

supra, nota 1, p. 28, 39-40, 163-73; DISCOVERING INDIGENOUS LANDS, supra, nota 1, p.

43, 49, 76-78, 87-88, 92, 107, 128, 149, 171-72, 175, 186, 216-18, 220-21, 250.
345
Alden, Black Robes, supra, nota 175, p. 21; De acordo com MORISON, THE EUROPEAN

DISCOVERY, supra, nota 72, p. 284-85 (Américo Vespúcio escreveu sobre os índios

Guaranys: “eles não possuem leis ou fé, e vivem de acordo com a natureza... eles não

têm, dentre eles, propriedade privada... e; eles não têm fronteiras de reinos e

províncias.”); BOXER, supra, nota 53, p. 85.

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governo.346 Estas duas ideias refletem ironicamente as bulas papais e os deveres de tutela

que o papa delegou aos reis portugueses para civilizar os pagãos nas Ilhas Canárias, na

África e no Novo Mundo.347 Um padre português, no Brasil dos anos 1550, claramente

expressou esta visão negativa quando escreveu sobre a natureza “selvagem” dos

Ameridians, dizendo que eles eram “totalmente bestiais, inconfiáveis”, “os mais

miseráveis e vis pagãos da humanidade” e que os portugueses deviam força-los a viver e

trabalhar em vilas, como criaturas racionais.348

Tão cedo quanto 1540, a Coroa Portuguesa encarregara os jesuítas de toda a

educação dos nativos do Brasil.349 Os jesuítas estabeleceram vilas pelo Brasil e

removeram tribos inteiras sob o seu controle, para colonizar nestas cidades.350 Eles

trabalharam para assimilar os nativos à cultura portuguesa. Historiadores jesuítas

argumentam que eles são os “grandes civilizadores”, que combateram a idolatria, a

embriaguez, a preguiça e a poligamia.351

346
Id. p. 85; BUENO, supra, nota 85, p. 173.
347
EUROPEAN TREATIES, supra, nota 69, p. 13, 23, 73.
348
BOXER, RACE RELATIONS, supra, nota 344, p. 90 (citando Manuel de Nóbrega em II

SERAFIM LEITE, S.J., MONUMENTA BRASILIAE 1553-1558 448-49 (1957)).


349
BUENO, supra, nota 85, p. 36.
350
NASH, supra, nota 182, p. 103.
351
Daniel T. Reff, The Jesuit Mission Frontier in Comparative Perspective, in,

CONTESTED GROUND: COMPARATIVE FRONTIERS ON THE NORTHERN AND SOUTHERN

EDGES OF THE SPANISH EMPIRE 24 (Donna J. Guy & Thomas E. Sheridan eds., 1998).

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Colonos portugueses argumentaram com a carência de civilização dos povos

indígenas por motivos ocultos: denegrir a sua humanidade, escraviza-los e tomar seus

bens. Um colono, em 1694, por exemplo, argumentou que, na busca por escravos e

metais preciosos, em lugares tão longínquos como os Andes e a Amazônia, “nós vamos

para conquistar os pagãos selvagens”... para “reduzi-los ao conhecimento da humanidade

civilizada, da sociedade humana e da razão...”352 Mais importante, nos anos 1720, outro

colonizador justificou a escravatura de nativos através de sua carência de civilização, da

citações da Bíblia e de autoridades clássicas. Ele afirmou que índios “não eram seres

humanos, mas bestas” e “selvagens, ferozes e os mais básicos e bárbaros animais, que

tinham forma parecida com a humana.”353

Nos anos 1750, o governo de Portugal empreendeu a tarefa de civilização dos

povos indígenas. À partir de 1750, sob políticas e leis assimilacionistas, objetivos para a

erradicação das civilizações e culturas nativas foram mantidos.354 O Português foi

352
BOXER, supra, nota 53, p. 94-95 (citação de uma carta à Coroa em 1694).
353
Id. p. 96. O pai dos Estados Unidos, George Washington, também comparou indígenas

americanos com animais. Numa carta ao congresso norte-americano, em 1783, o então

General Washington relacionou índios a animais quando previu que “a gradual extensão

de nossas colônias vai certamente causar a fuga dos selvagens como lobos; ambos sendo

bestas de presas, apesar de diferirem em forma.” George Washington to James Duane,

September 7, 1783, in, WRITINGS OF GEORGE WASHINGTON 135-36 (John C. Fitzpatrick

ed. 1975).
354
Pacheco, supra, nota 236, p. 95 (citando RITA HELOISA ALMEIDA, O DIRETORIO DOS

INDIOS (1998)).

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imposto como a língua principal para os nativos brasileiros e estes foram proibidos de

usar línguas nativas.355 Casamentos entre indivíduos de diferentes origens foram

estimulados e as proibições de permanência de não indígenas em vilas de nativos foram

revogadas.356 A política era a de que a vida civil portuguesa seria a melhor escola para os

nativos e os oficiais públicos agora eram professores para transformar índios em

cidadãos.357

Em tempos mais modernos, o governo do Brasil tem continuado a adotar medidas

que imagina necessárias para proteger os povos indígenas por causa de sua carência de

sofisticação e civilização. Em 1911, o governo reconheceu os nativos como cidadãos,

criou o Serviço de Proteção aos Povos Indígenas e garantiu a continuidade da posse

ocupadas pelos povos indígenas, se estes pleiteassem seus direitos sobre as terras. O

governo também buscou indenizar as terras ilegalmente retiradas da posse de

comunidades indígenas.358 Essas leis estatuíram que o Serviço também poderia confiscar

terras vacantes para criar terras natais para os índios.359 O Brasil também tentou controlar

e proteger os povos indígenas. Por exemplo, eles poderiam apenas casar-se com

indivíduos de origem não indígena em cerimônias civis, caso o nativo fosse assimilado e

355
Pacheco, supra, nota 236, p. 95.
356
Id.
357
Id. p. 94-95 (O Marquês de Pombal editou o Diretório de Índios em 1755 e direcionou

a administração das vilas jesuítas e indígenas a transformarem-se em autoridades leigas e

a utilizarem os diretores indígenas como juízes e conselheiros das cidades).


358
COLLECTANEA INDIGENA, supra, nota 236, p. 71, 95-98.
359
Id. p. 73, (Chapter 1, Art. 10).

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civilizado.360 Ainda mais relevante, pessoas aborígines que cometessem crimes somente

poderiam ser acusados por contravenção, enquanto crimes cometidos contra indígenas

eram considerados ofensas graves.361

Em 1915, a noção de que índios eram selvagens ainda persistia na maior parte da

sociedade brasileira.362 Em 1916, o governo editou um estatuto que dizia: “Os silvícolas

serão mantidos sujeitos ao regime de tutela estabelecido por lei especial e regulações que

devem cessar se eles adaptarem-se à civilização do país.”363 Hoje, os aborígines são ainda

considerados incapazes de conduzir certos atos jurídicos e não são considerados

suficientemente experientes para defenderem-se e às suas propriedades; mas esta

incapacidade apenas perdurará até sua adaptação à civilização.364 Nativos podem apenas

consentir com alguns atos jurídicos quando assistidos por seus curadores. Noutro caso,

seus contratos podem ser invalidados por seu guardião, o governo federal.365 Mais

360
Id. p. 75.
361
Id. p. 76-77. Em 1928, tais provisões foram reautorizadas e outros passos foram

tomados para que o governo regulasse os índios. Id. 10, 83. Esta lei também permitia o

ensino de princípios religiosos aos índios sem a supervisão do Serviço. Id. p. 83.
362
JOSE VERISSIMO, HISTORIA DA LITERATURA BRASILEIRA 14 (1915).
363
Código Civil Brasileiro, art. 6 (citado em S. JAMES ANAYA, INTERNATIONAL HUMAN

RIGHTS AND INDIGENOUS PEOPLES 48 n.145 (2009)). O Código Civil, art. 6 disponível em

http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/ult1702u51?action=print.
364
RODRIGUES, supra, nota 216, p. 51, 55.
365
Código Civil Brasileiro, arts. 82-84; VALDEMAR P. DA LUZ, MANUAL DO ADVOGADO

32 (1998); GUSMÃO, INTRODUÇÃO, supra, nota 87, p. 261. Para uma explicação sobre

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importante ainda, o governo fornece proteção às populações indígenas através do

Ministério Público, um órgão de promotores e procuradores independentes encarregados

de proteger o interesse público, que trabalha para protejer os direitos e interesses dos

nativos.366

Em 1978, o governo federal adotou a política de emancipação dos indígenas e

desde então eles não mais precisam de proteção governamental e restrições.367 Amplas

áreas de terras têm, aparentemente, sido demarcadas para o uso exclusivo de indígenas e

não indígenas têm sido removidos.368 Um autor afirma que a Constituição de 1988

eliminou (pelo menos nos campos jurídico e legal) a tutela dos nativos e assegurou a

capacidade civil dos indígenas, suas culturas e línguas, como partes integrantes do

Brasil.369 Hoje em dia, indivíduos indígenas são considerados pessoas para os códigos

atos jurídicos inválidos, ver MIGUEL REALE, LICOES PRELIMINARES DE DIREITO 204

(1996).
366
Lei 7.347, de 24 de julho de 1985; Constituição de 1988, arts V & 129, supra, nota

221. Ver ainda MAXIMILIANUS C. A. FUHRER & ÉDIS MILARE, MANUAL DE DIREITO

PUBLICO E PRIVADO [MANUAL OF PUBLIC AND PRIVATE LAW] (1994).


367
Decreto No. 88002/78, p. 48.
368
Pacheco, supra, nota 236, p. 110. Casos muito sérios de invasão ilegal, usurpação e

mineração em terras nativas no Brasil continuam até hoje, incluindo muitas alegações de

violência física ou até mesmo assassinatos de indígenas. Ver, e.g.,

http://www.survivalinternational.org/news/7007 (acesso em 23 de fevereiro de 2011)

(reporta um júri, no Brasil, de três acusados de assassinato de um líder Guarany).


369
Pacheco, supra, nota 236, p. 110.

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civil e penal brasileiros e a discriminação contra eles são civil (responsabilidade civil) e

penalmente puníveis.370 Apesar da passagem dos séculos e da mudança de mentalidade e

de políticas brasileiras, os índios do Brasil continuam a serem vistos como frágeis,

obsoletos e perdidos, como se fossem fósseis vivos que precisam de proteção. E, no caso

dos índios amazônicos, estariam fadados à inevitável extinção.371

Num livro de 1998, um respeitável jurista justificou a continuada interferência do

governo federal sobre a causa indígena através do argumento de que as organizações não

governamentais são muito frágeis para resistir aos colonizadores.372 Assim, a

interferência pelo governo federal não é apenas necessária, mas desejável, para, dentre

outras coisas, demarcar terras indígenas e criar o respeito pela propriedade tribal.373 Ele

argumenta que “uma solução para a questão indígena poderia ser aprovar leis que

tentassem os assimilar, forçadamente ou não...”374

Sob a luz da história e evidências acima trazidas, é claro que Portugal considerou

os povos não cristãos e indígenas como não civilizados e que isso justificou a sua

colonização e aquisição de quase todas as terras e bens do Brasil. Não há dúvida de que

Portugal e Brasil justificaram seus pleitos de soberania e territórios sobre o Brasil através

370
Ver, e.g., Código Penal, Art. 149 (1940) (proibição de escravidão); A Lei dos Crimes

Raciais, Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989.


371
Pacheco, supra, nota 236, p. 101-02, 114.
372
BASTOS, supra, nota 232, p. 496.
373
Id.
374
Id.

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do uso do elemento civilização, pertencente ao Descobrimento, além da presumida

superioridade de suas civilizações e culturas em relação às dos povos indígenas.

J.Conquista

A Suprema Corte dos Estados Unidos define este elemento de duas formas.

Primeiramente, uma conquista de fato, através de guerra, transferiu ao país conquistador

muitos direitos e poderes.375 Segundo, a Suprema Corte dos Estados Unidos também

definiu este elemento inferindo que a mera chegada dos europeus ao Novo Mundo foi um

fato análogo à conquista física.376 Assim foi porque considerava-se que o primeiro

descobrimento, por si só, automaticamente conferira aos países europeus a maior parte

dos direitos de Descobrimento que discutimos.377 No Brasil e noutros lugares, Portugal

pleiteou os direitos da conquista baseado em conflitos de fato e na analogia de que a

primeira descoberta seria como uma conquista militar.378

Portugal frequentemente utilizou-se das leis e políticas da chamada “guerra justa”

para adquirir direitos de Descobrimento e bens em terras não europeias. As bulas papais,

375
MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 4-5.
376
Johnson v. M’Intosh, 21 U.S. (8 Wheat.) 543, 590-92 (1823).
377
Id.; MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 5.
378
BOXER, RACE RELATIONS, supra, nota 344, p. 2. Outros países, incluindo os Estados

Unidos, emprestaram aos portugueses e aos espanhóis a ideia de guerras justas, para

justificar conquistas sobre os povos indígenas. Ver e.g., MILLER, NATIVE AMERICA,

supra, nota 1, p. 36, 42, 46, 64.

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mais uma vez, autorizaram guerras de conquistas contra todos os pagãos.379 Portugal

envolveu-se em sua primeira importante conquista militar internacional sobre a cidade de

Ceuta, ao Norte da África, em 1415.380 Portugal vindicou e exerceu soberania e direitos

comerciais decorrentes desta conquista. O Conselho Português também argumentou que

teria adquirido direitos nas Índias, devido à esta conquista: “As Índias foram

conquistadas com a espada, e com a espada elas seriam derrotadas.”381

Portugal também usou a guerra justa para pleitear os direitos de Descobrimento

no Brasil, contra povos indígenas.382 Guerras justas apenas poderiam ser travadas com a

permissão do rei ou do governador-geral do Brasil, mas tal permissão não era exigível em

difíceis circunstâncias, como, por exemplo, se índios estivessem a assaltar brancos ou se

fossem resgatados quando capturados para banquetes canibalistas.383A Coroa editou

várias leis sobre este assunto, incluindo uma, de 1595, na qual o rei autorizara a

379
A bula Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1455, pelo Papa Nicolau V ao Rei

Afonso V, de Portugal, autorizou o “Rei Afonso … a invadir, conquistar, derrotar e

subjugar qualquer sarraceno ou pagão, assim como confiscar quaisquer domínios, posses,

propriedades móveis e imóveis que eles detivessem ou possuíssem.” EUROPEAN

TREATIES, supra, nota 69, p. 13; MARQUES, supra, nota 9, p. 163.


380
MARQUES, supra, nota 9, p. 131.
381
C.R. Boxer, The Portuguese in the East 1500-1800, in PORTUGAL AND BRAZIL 223

(H.V. Livermore ed. 1953).


382
NASH, supra, nota 182, p. 111.
383
KIEMEN, supra, nota 155, p. 4-5.

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escravização de indígenas que fossem capturados em guerras justas.384 Tais guerras

poderiam ser legalmente travadas contra nativos sempre que a tribo mostrasse hostilidade

contra o estado ou se opusesse à pregação das escrituras.385 Em 1688, a Coroa autorizou a

guerra justa sempre que missionários certificassem que a tribo estava se preparando para

atacar, invadisse a propriedade privada de cristãos ou inibissem a pregação das

escrituras.386 Um comentarista alega que guerras justas simplificaram o extermínio, a

captura, a escravidão e o batismo de índios e eram “motivadas por ódio e intolerância

religiosa.”387 Colonos portugueses envolveram-se em muitas “guerras justas” contra

nativos brasileiros através dos séculos e a última delas, oficialmente declarada, ocorreu

nos anos 1850.388

384
Alden, Black Robes, supra, nota 175, p. 28, 31; KIEMEN, supra, nota 155, p. 5 (citando

II JOÃO FRANCISCO LISBOA, JORNAL DE TIMON: APONTAMENTOS, NOTÍCIAS E

OBSERVAÇÕES PARA SERVIREM À HISTÓRIA DO MARANHÃO 279 (1865)).


385
KIEMEN, supra, nota 155, p. 85 (explicando que o Conselho Ultramarino justificara

guerras contra nativos brasileiros se estes impedissem a pregação das escrituras,

cessassem a defesa das vidas e propriedades do rei, roubassem, impedissem o comércio

ou praticassem o canibalismo).
386
Alden, Black Robes, supra, nota 175, p. 34; KIEMEN, supra, nota 155, p. 164-66

(citando o alvará de 28 de abril de 1688, reimpresso em IV COMPANHIA DE JESUS, supra,

nota 289, p. 377-80).


387
Pacheco, supra, nota 236, p. 92.
388
Id. p. 98.

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Portugal também usou a segunda definição de conquista e a ideia de que sua

simples chegada a terras não europeias e não cristãs equivaleria a uma conquista de

fato.389 Por exemplo, os reis de Portugal, por séculos, adotaram o título de “Senhor da

conquista, navegação e comércio da Etiópia, Índias, Arábia e Pérsia” imediatamente após

a viagem de Vasco da Gama às Índias, em 1498.390 Da Gama não conquistou tais países

pela via militar, mas mesmo assim a Coroa continuou a utilizar o título. Mais tarde, um

historiador alegou que as “viagens de descobrimento do século XV eram frequentemente

descritas como uma continuação das Cruzadas”, e assim, eram como conquistas.391

Em conclusão, os colonos brasileiros e portugueses, assim como seus oficiais,

explicitamente aplicaram os princípios da guerra justa e da conquista no Brasil, muitas e

muitas vezes, para justificar a tomada de terras e bens de povos nativos. Eles também

usaram a segunda definição de conquista porque consideravam que sua chegada fosse

uma conquista que justificasse sua apropriação de terras, bens e trabalho indígenas. Sem

dúvida, Portugal e Brasil utilizaram-se do elemento conquista, do Descobrimento, para

pleitear direitos legítimos que ela teria criado.

389
Ver BOXER, RACE RELATIONS, supra, nota 344, p. 2.
390
MARQUES, supra, nota 9, p. 48; BOXER, RACE RELATIONS, supra, nota 344, p. 2.
391
PARRY, supra, nota 105, p. 22, 25.

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IV. CONCLUSÃO

Sob a luz das provas acima apresentadas, resta claro que Portugal e Brasil

aplicaram a Doutrina do Descobrimento, do direito internacional, para realizar seus

pleitos sobre as terras e bens das nações e povos indígenas, no Brasil moderno. Os dois

países utilizaram-se, em maior ou menor monta, de todos os elementos do

Descobrimento, assim como também os utilizaram e definiram, por exemplo, a Espanha,

a Inglaterra, a França e os Estados Unidos. Então, no que isso importa para o leitor?

Nós escrevemos este artigo por dois motivos. Primeiro, queríamos investigar se o

Brasil foi adquirido e colonizado por Portugal através do uso do direito internacional do

Descobrimento e se os governos brasileiros utilizaram-se, e continuam a utilizar, a

Doutrina contra os povos indígenas. Como já afirmado, concluímos que a Doutrina foi a

base jurídica que forneceu as principais justificações para a dominação de Portugal e do

Brasil sobre os povos indígenas daquela região, assim como para a apropriação de quase

todas as suas terras e bens, e continua a ser parte das políticas e do direito brasileiro

contemporâneos.

Segundo, se a Doutrina esteve por detrás da colonização portuguesa e da

colonização do Brasil, nós queríamos contribuir com o crescente corpo de trabalhos que

vêm examinando o uso do Descobrimento por colonizadores, no passado e no presente,

ao redor do mundo. Queremos disseminar esta informação para que o governo brasileiro,

as cortes e cidadãos, incluindo os povos indígenas, naturalmente, possam melhor

entender sua própria história jurídica e colonial, assim como a estrutura moderna de seu

direito e da sua sociedade. Como um comentarista afirma: “Direito, na sociedade, pode

apenas ser explicado por sua história, frequentemente por sua história antiga e seus

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contatos com a história do direito estrangeiro.392 Consequentemente, nós esperamos que,

examinando sua história, tenhamos ajudado a explicar, em pequena monta, a sociedade e

o direito dos tempos modernos, do Brasil.

Nós também temos que notar, como um professor norte-americano afirmou, que o

direito foi e ainda é um instrumento essencial para legitimar as conquistas genocidas e a

colonização de indígenas americanos e de outros povos indígenas.393 Portugal e Brasil

também utilizaram o direito para legitimar suas conquistas sobre o povos indígenas.

Somados ao direito, sociedades colonizadoras utilizaram estórias nacionalistas, e até

fábulas, frequentemente personificadas por inspiráveis slogans, para justificar suas

conquistas e expansões. Nos Estados Unidos, a lenda nacional da expansão é chamada

“Destino Manifesto”, no Chile ela é o “Destino do Sul”, e na Argentina a “Conquista do

Deserto.”394 No Brasil, a ideia de que as civilizações e religiões portuguesas e brasileiras

eram destinadas a triunfar sobre os povos indígenas é refletida em como os antropólogos

e comentaristas brasileiros examinam sua história através das lentes analíticas da

fronteira em expansão; até mesmo a Amazônia é ainda hoje considerada “a última

392
Alan Watson, Legal Culture v. Legal Tradition, in EPISTEMOLOGY AND

METHODOLOGY OF COMPARATIVE LAW 1 (Mark Van Hoeck ed., 9th ed. 2004).
393
WILLIAMS, supra, nota 4, p. 6.
394
MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 115-62; Miller, Lesage & Escarcena,

supra, nota 1; Claudia N. Briones & Walter Delrio, The “Conquest of the Desert” as a

Trope and Enactment of Argentina’s Manifest Destiny, in MANIFEST DESTINIES AND

INDIGENOUS PEOPLES (David Maybury-Lewis et al, eds., 2009).

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fronteira” e o “último bastião do planeta, contra o avanço da civilização.” 395 Todas as

ideias e princípios encapsulados nestes slogans refletem a Doutrina do Descobrimento e

seus elementos, e demonstram um padrão mental colonizador que ainda persiste em

existir nestes países, em maior ou menor níveis, que continua a colorir relações e

interações entre tais sociedades majoritárias e os povos indígenas.396

Esperamos que nosso exame acerca deste importante aspecto da história do direito

do Brasil possa fornecer um rápido olhar sobre o quão profundamente entrelaçada é a

Doutrina do Descobrimento com a sua história. Se os oficiais, juízes e cidadãos

brasileiros entendessem que a aquisição portuguesa do Brasil fora fundada em

justificações feudais, religiosas, raciais e etnocêntricas, então todos estariam melhor

preparados para entender e resolver os assuntos que o país enfrenta. Da mesma forma,

todas as sociedades colonizadoras também estariam melhor preparadas para abordarem

suas relações contemporâneas com os povos indígenas, as leis que os afetam e para

resolver questões muito antigas. Qualquer tentativa de abordar, e talvez retificar, os erros

do passado, e de criar um futuro mais positivo e equânime para todos os brasileiros

precisa começar com o verdadeiro reconhecimento sobre a história do país e sobre o

desenvolvimento de regimes jurídicos e de leis. E, precisa progredir com sérios esforços

para erradicar os vestígios da Doutrina do Descobrimento de sua sociedade e de seu

direito.

395
Pacheco, supra, nota 236, p. 85, 87, 89, 113.
396
MILLER, NATIVE AMERICA, supra, nota 1, p. 118-21, 160-61.

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