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SOMAR NEM SEMPRE É ACRESCENTAR E SUBTRAIR NEM

SEMPRE É TIRAR
Claudia Broitman1

Durante muito tempo considerou-se que as crianças deveriam primeiro


aprender a realizar as contas de somar e subtrair para depois aplicá-las em
situações problemas. Ao darmos uma olhada nos diferentes textos escolares,
ou mesmo devido à nossa própria prática com os alunos, será possível
reconhecer como principal objeto de aprendizagem nos primeiros anos tanto
essa “ordem” como certamente também a importância dada ao manejo das
contas.
Aprender a somar e a subtrair tem sido identificado com a aprendizagem
dos algoritmos. Mas a pesquisa didática e as práticas educativas
contemporâneas caminham em outra direção: as crianças devem aprender na
escola conhecimentos dotados de sentido (Brousseau, 1986). Isto é,
conhecimentos funcionais, que possam ser utilizados para resolver situações
problemas. Assim, podemos nos perguntar: o que significa, então, saber
somar? O que significa saber subtrair? Quais são as relações entre as contas e
os problemas?
Para que os alunos estejam em condições de tomar decisões sobre
como utilizar as contas não basta que eles consigam resolvê-las. A construção
do sentido dos conhecimentos matemáticos envolve, portanto, diferentes
aspectos: a soma e a subtração incluem tanto o domínio de diversas
estratégias de cálculo (entre as quais estão os algoritmos) como o
reconhecimento do campo de problemas que são resolvidos com essas
operações.
Hoje se sabe, graças a inúmeras pesquisas, que a construção desses
conhecimentos pelas crianças demora vários anos. Partindo dessa perspectiva
é impossível se questionar a clássica distribuição da soma e da subtração
como “tema de ensino” do primeiro ano, a multiplicação como “tema” do
segundo, e a divisão do terceiro, etc. Será preciso assumir a complexidade e o
longo prazo dessas aprendizagens (Vergnaud, 1976). Nos primeiros anos será
necessário gerar condições para que os alunos continuem ampliando tanto o
domínio de diversas estratégias de cálculo como o dos problemas que essas
operações permitem resolver.
Se considerarmos, então, que a soma e a subtração são um conteúdo a
ser abordado durante o primeiro ciclo, como poderemos ampliar
progressivamente os conhecimentos das crianças sobre essas operações?
Quais problemas de soma e subtração eles poderão resolver em cada ano?
Quais apresentam dificuldades para eles mesmo que já dominem os cálculos?
Diferentes problemas de soma e de subtração
Os manuais escolares definiram classicamente a soma e a subtração
como as ações de “acrescentar” e “tirar”. Os problemas nos quais se
acrescenta ou tira elementos de uma coleção são, respectivamente, problemas

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Tradução do capítulo 1 do livro: Las operaciones en el primer ciclo. Aportes para el

trabajo em el aula. Ediciones Novedades Educativas.

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de soma e subtração, mas isso não significa que todos os problemas possam
ser englobados dentro dessas ações.
Existe uma gama imensa de problemas de soma e subtração. Adotamos
para este item as idéias de Vergnaud (1976, 1981) sobre o campo dos
problemas aditivos. Os problemas de estrutura aditiva são todos aqueles que
precisam de somas e subtrações e não podem ser estudados de forma
separada, pois pertencem a uma mesma família, a um mesmo “campo
conceitual”. Vergnaud propõe uma classificação de problemas sempre que
medidas, estados relativos ou transformações estiverem presentes. Vamos
ver o significado desses últimos conceitos a partir destas três situações:
“Laura tem 5 figurinhas vermelhas e 3 verdes. No total ela tem 8
figurinhas”.
“Laura tem 5 figurinhas e ganha 3 em uma partida. Agora ela tem 8
figurinhas”.
“Laura tem 5 figurinhas e Malena tem três a mais que ela. Malena tem 8
figurinhas”.
Embora as três possam ser demonstradas mediante a operação 5 + 3 =
8, as relações entre esses números são diferentes em cada uma delas. Na
primeira, 5 e 3 são medidas da coleção de figurinhas, enquanto que 8 é a
medida da coleção total. O 8 não representa nenhuma mudança na quantidade
de figurinhas, apenas expressa a união de ambas as coleções. No segundo
caso, o 5 é a medida da coleção de figurinhas, só que o 3 representa uma
transformação. Laura ganhou 3 e sua coleção aumentou. Uma transformação
positiva operou sobre uma medida. O estado inicial da coleção era 5 e o estado
final é 8. A transformação ocorreu em um tempo: antes tinha 5 e agora tem 8.
Na terceira situação, o 5 é a medida de uma coleção, só que o 3 não
representa uma medida como na primeira nem uma transformação como na
segunda. O 3 neste caso representa uma relação entre a quantidade de
figurinhas das duas meninas.
Esses três problemas, do ponto de vista matemático são
equivalentes, mas não do ponto de vista das crianças. Inúmeras pesquisas
mostram (Vergnaud, 1981, 1982; Fayol, 1986) que existem diferenças de vários
anos entre o reconhecimento de alguns tipos de problemas de soma e de
subtração. Isso não significa que “a passagem do tempo” seja suficiente para
que as crianças os reconheçam. Ao contrário, em virtude das dificuldades que
lhes são próprias, diferentes problemas de soma e de subtração devem ser
abordados como objeto de estudo na escola para que sejam efetivamente
reconhecidos pelas crianças. Consequentemente, o estudo da soma e da
subtração precisa ser encarado ao longo de vários anos.
Muitos problemas para as mesmas contas
Com base na distinção entre medidas, estados relativos e transformação
é possível classificar as relações numéricas em seis categorias. Ao mesmo
tempo, no interior de cada uma dessas últimas encontraremos diferentes
categorias de problemas.
Essa classificação é uma ferramenta interessante para pensar na
distribuição por anos do ensino da soma e da subtração. Que tipos de
problemas são propostos em cada um? Como seqüenciar sua diversidade?
Não se espera que todas as categorias de problemas sejam distribuídas
entre os três anos, mas que diversos sentidos da soma e da subtração sejam
abordados ao longo de diferentes anos.

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Esclarecemos que os nomes das diferentes categorias ou subclasses de
problemas não são apresentados para serem comunicados às crianças, mas
sim como instrumento de trabalho entre os docentes para selecionar,
comparar, analisar e propor diferentes problemas para seus alunos.
Para apresentar os diferentes tipos de problemas optou-se por propor
situações com o mesmo contexto, os mesmos números, com textos curtos para
identificar melhor as diferenças entre os problemas e o papel que desempenha
cada um dos números envolvidos.
1. Composição de duas medidas
Exemplo:
“Laura tem 5 figurinhas e Malena tem 6. No total elas têm 5 figurinhas”.
Conforme já foi dito, 5 e 6 são medidas das duas coleções e 11 é o
resultado de uma composição de medidas. A partir dessa situação, podemos
encontrar dois tipos de problemas: se a incógnita é encontrar alguma das
medidas (ver a) ou, ainda, se é encontrar o total (ver b).
a. O problema “Laura e Malena têm juntas 11 figurinhas. Se Laura tem 5,
quantas tem Malena?” é resolvido com a operação 11 – 5 = 6. Muitas crianças,
dado o tamanho desses números, poderão resolvê-lo sem fazer a subtração,
procedendo pela contagem a partir de 5: 6, 7, 8, 9, etc., ou, ainda, procurando
um número que somado a 5 dê 11 e pensar, por exemplo, 5 + 5 = 10 e se
acrescento 1 para que seja 11 é 6.
Precisamente, abordar esse tipo de problemas implicará trabalhar a
partir dos procedimentos de contagem e de soma para que em outros
problemas com números maiores as crianças consigam reconhecer que são
resolvidos com uma subtração.
Por exemplo:
“Laura e Malena têm entre as duas R$ 159. Se Laura tem 46, quanto
tem Malena?”
Esse problema tem uma estrutura equivalente ao anterior, mas o
tamanho dos números dificulta ou cria obstáculo para o procedimento de ir
contando de 1 a 1 ou de testar com um número até que se encontre o valor da
incógnita.
Considerar como objeto de trabalho esse tipo de problemas significa
propor aos alunos outros similares, primeiro com números pequenos e depois
com números maiores, em que se discuta a diversidade de procedimentos
possíveis e se analise como procedimento econômico a utilização da
subtração.
A partir dessas análises e das conclusões a que se chegar em classe,
como, por exemplo: “esses problemas podem ser resolvidos subtraindo”, “é
possível fazer de muitas formas, mas subtrair é a mais curta”, etc., as crianças
estarão abordando a aprendizagem de um novo sentido da subtração. Esse
sentido poderá ser abordado no final do primeiro ano e, mais especificamente,
no segundo.
b. Se o problema for, ao contrário, “Laura tem 5 figurinhas e Malena tem
6. Quanto têm entre as duas?”, encontramos uma situação que possivelmente
não apresente nenhuma dificuldade, mesmo no início da escolaridade primária.
É um dos sentidos da soma que as crianças reconhecem primeiro.
2. Uma transformação opera sobre uma medida
Exemplo:
“Laura tinha 5 figurinhas e ganhou 6. Agora tem 11”.

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Nessa situação ocorre uma transformação no tempo sobre as medidas
da coleção. No início (estado inicial) Laura tinha 5 figurinhas. A transformação
(positiva porque sua coleção aumentou) faz com que depois tenha 11 (estado
final).
A partir do esquema:
Estado inicial (Ei) – Transformação (T) – Estado final (Ef)
encontramos seis tipos de problemas diferentes, dependendo se a
transformação for positiva ou negativa e de acordo com o lugar da incógnita:
a. Transformação positiva. Incógnita no estado final.
“Laura tinha 5 figurinhas, ganhou 6. Quantas ela tem agora?”
Nesse caso, o sentido da soma que está em jogo também não é muito
complexo para as crianças. O clássico sentido da soma como “acrescentar” é
facilmente reconhecido pelos alunos do primeiro ano como problema que é
resolvido com uma soma.
b. Transformação positiva. Incógnita no estado inicial.
“Laura ganhou 6 figurinhas. Agora tem 11. Quantas ela tinha antes de
jogar?”.
A procura pelo estado inicial é muito mais complexa para as crianças.
Diversas pesquisas (Vergnaud, 1981, Fayol, 1986) mostram que entre as
crianças que resolvem sem dificuldades problemas de procura pelo estado
final, somente a metade consegue resolver problemas de procura pelo estado
inicial. Nesse caso, averiguar quanto tinha “antes de jogar” implica uma
mudança temporal. Os problemas em que aquilo que é preciso averiguar
permite aplicar uma transformação seguindo uma cronologia com o tempo real
costumam ser mais fáceis: “averigua-se depois aquilo que efetivamente
aconteceu depois”. Nesse problema, no entanto, será preciso reconstruir a
situação para compreendê-la e interpretar que havia uma coleção
desconhecida inicial menor que a coleção final dada.
Por outro lado, para resolver esse problema é preciso subtrair 6 de 11.
No entanto, é um problema no qual “se ganhou”. Será que um problema no
qual se “ganham” figurinhas pode ser resolvido com uma subtração? Isso não
será evidente para algumas crianças. Aqui nos deparamos, novamente, com
um sentido mais complexo da subtração, que também precisa ser abordado
sistemática e intencionalmente na escola para ser reconhecido por todas as
crianças.
c. Transformação positiva. Incógnita na transformação.
“Laura tinha 6 figurinhas. Depois de jogar ficou com 11. Quantas ela
ganhou?”
Esse tipo de problemas também apresenta um desafio maior para os
alunos. Muitas crianças identificam o estado final com a transformação e dizem
que, na verdade, “ganhou 11” no total. Têm dificuldade em reconhecer o que
está sendo perguntado. É outro problema a ser resolvido com uma subtração,
embora se refira a uma transformação positiva. Nesse caso também não é
evidente para as crianças qual é a operação.
É possível que com números bem pequenos as crianças utilizem
procedimentos de contagem ou de complemento, sondando qual é o número
que somado a 6 dá 11 e consigam resolver o problema. Mas, o que acontece
com os números maiores? Para conseguir reconhecer a subtração como
solução para o problema proposto será necessário abordar em sala de aula

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uma seqüência de problemas similares e pegá-los como objeto de discussão e
análise coletiva.
d. Transformação negativa. Incógnita no estado final.
“Laura tinha 6 figurinhas. Perdeu 3. Quantas ela tem agora?”
Esse problema não apresenta dificuldades para as crianças, o sentido
da subtração envolvido é um dos primeiros a ser construído: “perdeu e sua
coleção diminuiu”. É bem simples para os alunos, mesmo no início do primeiro
ano, reconhecer que é um problema de subtração.
e. Transformação negativa. Incógnita no estado inicial.
“Laura perdeu 3 figurinhas. Agora tem 6. Quantas ela tinha antes de
jogar?”
Aqui reaparecem as dificuldades que as crianças sentem para encontrar
o estado inicial. Só que agora, inversamente ao proposto no caso “b”, a
questão é utilizar uma soma em um problema “de perder”. A soma tem um
novo sentido: permite averiguar estados iniciais em problemas de
transformações negativas. Esse sentido da soma também poderá ser
“descoberto” pelos alunos por meio da resolução de diversos problemas e da
discussão coletiva sobre se é “de somar” ou “de subtrair”.
f. Transformação negativa. Incógnita na transformação.
“Laura tinha 6 figurinhas. Depois de jogar ficou com 3. Quantas ela
perdeu jogando?”
Para as crianças, averiguar uma transformação é mais trabalhoso do
que encontrar o estado final: nos primeiros anos elas não acham simples
reconstruir a situação e averiguar o que aconteceu “no meio”.
3. Uma relação entre duas medidas
Exemplo:
“Laura tem 7 figurinhas. Malena tem 6 a mais que Laura. Malena tem
13”.
Neste caso, o 6 é um “estado relativo” que vincula o 7 e o 13. É uma
relação estática, visto que não existem transformações, não “mudam” as
coleções.
As situações que vinculam duas medidas variam, em primeiro lugar, de
acordo com o tipo de incógnita: a medida de uma das coleções ou a relação
entre ambas. Em segundo lugar, variam dependendo de como se explicita a
relação entre ambas: “mais que” ou “menos que”.
Por exemplo:
 Variação no lugar da incógnita:
a. “Laura tem 7 figurinhas. Malena tem 6 figurinhas a mais. Quantas tem
Malena? (Incógnita em uma das medidas).
b. “Laura tem 7 figurinhas. Malena tem 13. Quantas ela tem a mais que
Laura?” (Incógnita na relação).
 Variação na maneira de explicitar a relação (mais que, menos
que):
a. “Laura tem 7 figurinhas. Malena tem 7 figurinhas a mais. Malena tem
13”.
b. “Malena tem 13 figurinhas. Laura tem 6 figurinhas a menos. Laura tem
7”.
A partir da combinação de ambas as variações podem surgir diferentes
problemas. Estes – também chamados de Comparação (Fayol, 1990) –
apresentam em muitos casos uma exigência de maior elaboração conceitual

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para as crianças do que alguns das primeiras duas grandes categorias.
Aparentemente, um obstáculo para sua resolução está na compreensão da
situação enunciada.
4. Duas transformações se compõem para dar lugar a outra
transformação
Exemplo:
“Laura perdeu na primeira partida 6 figurinhas, na segunda perdeu 3. No
total ela perdeu 9 figurinhas”.
Nesse tipo de situações duas transformações se compõem para dar
lugar a uma terceira. Aqui também existem diversos tipos de problemas,
dependendo se forem transformações positivas ou negativas e de acordo com
o lugar da incógnita.
a. Incógnita na composição. Transformações negativas
“Primeiro Laura perdeu 6 figurinhas, depois 3. Quantas ela perdeu no
total?”
Nesse caso, as crianças não costumam ter dificuldades para encontrar a
composição de duas transformações do mesmo tipo. No entanto, nos primeiros
problemas desse tipo que as crianças resolvem costumam dizer que “não é
possível saber o que aconteceu se não se sabe quanto tinha” ou, ainda, “que
não pode ter perdido 6 se não tinha nada antes”.
No geral, os problemas propostos exclusivamente em termos de
transformações geram dificuldades nos alunos: não conhecem o estado inicial,
nem perguntam pelo estado final.
Outro aspecto a ser destacado é que, às vezes, quando as crianças
estão habituadas a resolver problemas similares, surge na classe – e alguns
textos até a propõem como “pista” para resolver problemas – a idéia de que
todos os problemas de “perder” são resolvidos com uma subtração, porque
perder implica “ter menos” que antes. É interessante discutir com as crianças
para questionar essa idéia ou afirmação. Esse problema é um bom exemplo de
que “alguns problemas de perder são resolvidos somando”.
b. Incógnita em uma das transformações. Transformações
negativas
“Na primeira partida Laura perdeu 6 figurinhas. Entre a primeira e a
segunda partida perdeu 9. Quantas ela perdeu na segunda partida?”
Para as crianças costuma ser mais complexo encontrar uma das
transformações do que a composição de ambas. Neste caso, elas têm de fazer
uma subtração para calcular a perda da segunda partida, e isso nem sempre é
evidente para elas. Do mesmo modo que para algumas classes da segunda
categoria, esse tipo de problemas exige uma abordagem específica em sala de
aula a partir da resolução de vários problemas similares e a reflexão sobre
eles, de tal maneira que permita a elas reconstruir a situação. Isto é, esse
sentido da subtração é proposto para ser “estudado” em sala de aula.
c. Incógnita na composição. Transformações positivas
“Na primeira partida Laura ganhou 6 figurinhas. Entre a primeira e a
segunda partida ganhou 9. O que aconteceu na segunda partida?”
A pergunta que é feita aqui provoca nos alunos alguma perplexidade a
respeito do que têm de averiguar. Outro aspecto já mencionado é a aparente
contradição: “um problema de ganhar pode ser resolvido subtraindo”. É o caso
inverso ao analisado no item “a”.

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Em relação aos procedimentos utilizados, é comum que realizem uma
contagem para ter um controle maior de sua atividade se comparado com
aquela que exige um cálculo. Também é possível que consigam realizar uma
sondagem com diferentes números, ou que precisem realizar uma
representação gráfica da situação.
O trabalho em sala de aula deverá estar voltado para fazer com que os
alunos reconheçam que esse problema pode ser resolvido por meio de uma
subtração. Essa operação aparece em sala de aula como um produto coletivo,
embora ter chegado a essa conclusão não implique que em um novo problema
todas as crianças “confiem” que a conta de subtrair possa resolvê-lo. Será
necessário abordar vários problemas desse tipo. É provável que durante um
tempo as crianças somente consigam reconhecer a subtração a posteriori de
sua resolução.
e. Incógnita na composição. Uma transformação positiva e uma
negativa
“Na primeira partida Laura perdeu 6 figurinhas, na segunda ganhou 3. O
que aconteceu no total?”
Nesse exemplo é preciso “acrescentar” dois números de sinal contrário.
Dependendo do tamanho do número isso se torna mais complexo. As crianças
costumam dizer que “não pode ter perdido mais do que ganhou”, e exigem
conhecer o estado inicial das figurinhas para avaliar se é possível ou não. Não
reconhecem que pode ter perdido mais do que ganhou, pois existe um estado
inicial de figurinhas que é desconhecido. Supõem que, como no enunciado não
aparece quanto Laura tinha antes de jogar, começou a fazê-lo sem nenhuma
figurinha e, portanto, não pode ter perdido mais do que ganhou.
Certamente será necessário analisar o que aconteceria com diferentes
estados iniciais hipotéticos, discutindo sobre se é possível ou não em cada
caso. Será necessário apresentá-lo com números pequenos, inclusive para as
crianças do terceiro ano, para que possam “controlar” os cálculos que fazem e
se centrarem no enunciado do problema. Para muitas crianças do segundo
ciclo essa situação continua sendo complexa.
f. Incógnita em uma das transformações. Uma transformação
positiva e uma negativa
“Na primeira partida Laura perdeu 6 figurinhas, ela diz que entre as duas
partidas perdeu 3. O que aconteceu com ela na segunda partida?”
Nesse último caso aumenta-se a dificuldade, pois a operação e o valor
da transformação total dependem da grandeza dos valores das
transformações. Mesmo em crianças do segundo ciclo da escolaridade surgem
dificuldades para resolver esse problema, até quando é apresentado com
números pequenos. A operação que resolve o problema é muito simples, no
entanto, o problema não é, porque nele está envolvida uma compensação
entre os ganhos e as perdas, que está longe de ser simples.
Esse problema de soma e subtração pode ser proposto no final do
terceiro ano com números bem pequenos. Possivelmente utilizem
procedimentos diversos para resolvê-lo. Deveremos propor como trabalho
coletivo posterior à resolução a procura do cálculo que teria permitido encontrar
a solução.
5. Uma transformação opera sobre um estado relativo
Exemplo:

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“Laura devia 6 figurinhas a Malena. Ela devolve 4. Agora deve apenas
2”.
Nessa situação, o 6 e o 2 são estados relativos, isto é, que vinculam
Laura e Malena. O 4 é uma transformação. Dentro desse tipo de situações é
possível propor diferentes problemas, dependendo se a transformação for
positiva ou negativa e se a questão for conhecer o estado relativo inicial, o
estado relativo final ou a transformação que se operou. Não apresentaremos
aqui todas as possibilidades porque são similares às já analisadas para outras
categorias.
6. Dois estados relativos se compõem para dar lugar a outro estado
relativo
Exemplo:
“Laura deve 6 figurinhas a Malena, mas Malena deve a ela 3. Laura,
então, deve apenas 3 figurinhas a Malena”.
Nessa situação os estados relativos 6 e 3 se compõem e o 3 é o
resultado da compensação entre ambos. É muito similar à quarta categoria, em
que duas transformações se compõem para dar lugar a uma terceira, mas a
diferença está no fato de que nesse caso não existe uma ordem temporal.
Existe simultaneidade entre os estados relativos. Nesse caso, o cálculo do
estado relativo final surge de subtrair 3 de 6, e isso pode não ser evidente para
as crianças.
O tamanho de cada um dos números determina, por outro lado, o estado
relativo que se compôs. Nesse problema deve-se avaliar “quem devia a quem”
além de quanto deve. Isso é determinado a partir da grandeza de cada uma
das “dívidas”.
Vamos ver um exemplo diferente:
“Laura deve 3 figurinhas a Malena e 6 figurinhas a Carla. No total ela
deve 9 figurinhas”.
Aqui, os estados relativos de Laura se somam porque estão vinculados a
diferentes pessoas. Essas situações podem variar se a procura está em um
dos estados relativos ou na composição de ambos e, conforme vimos nos
exemplos, se os estados relativos se complementam ou compensam entre si o
não.
Os problemas em sala de aula: um trabalho coletivo
Até agora apresentamos uma gama de situações e destacamos aquelas
que oferecem um maior desafio para os alunos; exatamente por isso propomos
considerá-las como objeto de trabalho em sala de aula. A ampliação do tipo de
problemas que as crianças podem resolver na escola exige um trabalho
específico. Os problemas aditivos não são uma classe homogênea,
apresentam uma estruturação que se desenvolve durante um longo período de
tempo.
Considerar os problemas como objeto de ensino significa assumir sua
amplitude e sua diversidade interna. Claro que as crianças terão dificuldades
para resolver individualmente muitos problemas. Nós propomos em primeiro
lugar uma fase de trabalho individual, na qual se espera que apareçam
inúmeros procedimentos de resolução e diferentes respostas para o problema.
(Se todas as crianças resolvessem bem o problema, e do mesmo modo,
estaríamos diante de um problema de reinvestimento ou de aplicação, não em
uma situação de aprender algo novo).

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Uma vez que as crianças resolveram o problema individualmente ou em
duplas, propõe-se uma fase de trabalho coletivo. Nessa fase mostram as
diferentes respostas para o problema e os procedimentos utilizados. O docente
provoca em seguida um debate para analisar as diferentes respostas. É logo
depois da fase de discussão e de análise do problema pelo conjunto da classe
que pode ficar estabelecida a solução correta e possíveis maneiras de resolvê-
lo.
O trabalho coletivo é uma nova oportunidade para que as crianças
reorganizem aquilo que sabem sobre os problemas. Logo depois dessa fase de
debate se destacam as conclusões a que chegaram e se registra a solução.
Em outras aulas o professor enfatiza algum procedimento como o mais
econômico. O objetivo desse momento da aula é que esse conhecimento seja
reinvestido em outros novos, e para isso será necessário que as crianças
consigam tomar consciência do que aprenderam com esse problema.
Fragmentos de uma aula... de somar ou de subtrair?
Apresentamos um trecho de uma aula2 para ilustrar a fase coletiva do
trabalho após a resolução individual. Nessa aula, a professora propõe para as
crianças, no final do primeiro ano, o seguinte problema pertencente à segunda
categoria “procura do estado inicial com uma transformação negativa”.
Profª.: O que fizeram em cada grupo?
Um aluno de cada grupo expõe:
Aluno do grupo A: Era preciso pensar quantas tinha de ter para tirar-lhe 15. Já
tem um 5, então tiro 10. Para nós deu 35.
Aluno do grupo B (explicando o procedimento utilizado para somar ambos os
números): Fazemos 20 + 10 = 30; 5 + 5 = 10 e 30 + 10 = 40.
Aluno do grupo C: Fazemos 25 + 15 e deu 40. 25 + 10 = 35 e 35 + 5 = 40.
Aluno do grupo D: Havíamos feito 25 – 25, mas me ocorreu que podia dar 15.
Eu havia feito um problema assim, outro dia nós fizemos um, então dava 15.
Aluno do grupo E: Fizemos a conta 25 – 15 e para nós deu 10.
Aluno do grupo F: Para nós deu 40. Nós fizemos 20 + 10 = 30; 30 + 5 = 35 e 35
+ 5 = 40.
Transcrevemos abaixo um fragmento da discussão posterior.
Alan: De onde sai o outro 5? (perguntando sobre o 5 que algumas crianças
“separam” para fazer os cálculos).
Tomás: É quanto tinha antes.
Gastón: Eu ponho o 15 e o 5 já está no 25.
Guido: O 25 também tem um 15. Vê? Pergunta a você antes, antes de perdê-
las. Antes tinha esse 15 a menos.
Jerônimo: Mais!
Gaby: Era de menos!
Guido: De mais!
Gastón: Se eu tiro dela 25 – 15...
Guido: Você tinha de somar.
Gastón: Veja, se de 25, eu já disse isso a você, mas não me entendeu! – tiram
dele 15...
Guido: É de somar.
Tomás: Vou ler o problema para você para ver se o entende. (Lê o problema)
Antes de perdê-las tinha 40.
Jerônimo: Quanto tinha antes.
Gaby: A conta é de menos.

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Aula conduzida pela docente Mariana López, professora do primeiro ano na Escuela para el
Hombre Nuevo, a quem agradeço o registro da discussão e o material de seus alunos.

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Malena: É de menos!
Guido: É de mais! Quantas tinha antes! Agora tem 25. Antes tinha mais.
Diana: Cada um fez como pôde...
Tomás: Isto é Fórum (aludindo a um programa de debate na televisão).
Alan: Se o resultado “daria” 40, como faria para tirar 15 de 25 e que me dê 40?
Podemos analisar um aspecto da tarefa do docente: na fase da
discussão que foi transcrita não dá “pistas” sobre qual é a resposta correta,
mas favorece o intercâmbio entre os alunos sobre esse resultado. Logo após o
fragmento apresentado continua a aula, e nessa fase a docente interfere da
seguinte maneira: retoma o que foi apresentado pelos alunos, volta a analisar o
que foi proposto pelo problema, destaca o resultado correto, favorece a sua
justificativa por parte dos alunos, propõe maneiras de “comprová-lo”. (Por
exemplo, com contas, com desenhos, que mostrem que se Lucas antes tinha
40 e perdeu 15, agora lhe restam 25).
As crianças apresentam suas dúvidas e, finalmente, a docente esclarece
que podia ser resolvido de diferentes maneiras (mostra quais), mas que o
resultado é 40. Analisa as respostas erradas dos alunos. É bem possível que a
criança que disse “cada um fez como pôde” havia pensado que talvez todos
estivessem certos, como havia acontecido em outras aulas com problemas
abertos de várias soluções. Se isso tivesse acontecido seria necessário pôr em
discussão se esse problema tem uma só solução ou várias.
A professora pergunta às crianças:
Profª.: Por que algumas crianças acham que é um problema que pode ser
resolvido com uma conta de menos?
Gaby: Porque perdeu e não ganhou.
Santiago: Se eu tenho 25 e ponho 10 e 5 é 40.
Gastón: A conta não diz quanto tem agora, mas quanto tinha antes
(ressaltando essa palavra).
O nível de dificuldade experimentado pelos alunos para compreender
que era preciso averiguar o que tinha “antes” aparece na maneira como esse
aspecto é ressaltado por várias crianças para seus colegas. Para esses alunos,
entender que se queria saber sobre o “antes” parecia ser a chave para
compreender o problema e por isso a destacavam diante de seus colegas que
subtraiam.
A dificuldade de Gaby em reconhecer que era para somar quando era
um problema “de perder” mostra outro aspecto mencionado.
É evidente que essa discussão não esgota o processo necessário para
essa aprendizagem. Ela é simplesmente o início de um longo percurso que
leva a instalar a reflexão infantil sobre se o problema é “de menos ou de mais”.
Essas discussões abrem precedentes para novos problemas. Conforme disse
Malena, a representante do grupo D que falou no início: “Eu havia feito um
problema assim outro dia”.
E embora desta vez sua conclusão não tenha sido correta, ela poderá
aprender que os problemas resolvidos outro dia permitem a ela pensar a
respeito dos novos e podem ajudá-la a continuar aprendendo.

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Tradução: Daisy Moraes

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