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ISSN 1982 - 0283

ESTATÍSTICA E
COMBINATÓRIA
NO CICLO DE
ALFABETIZAÇÃO
Ano XXIV - Boletim 6 - SETEMBRO 2014
texto 1

V amos combinar ? A prendendo combinatória


desde o início da escolarização

Rute Elizabete de Souza Rosa Borba1

Por que estudar Combinatória seu desenvolvimento e, assim, deve-se co-


desde a Educação Infantil e anos meçar seu estudo no início da escolarização
iniciais do Ensino Fundamental? básica. Situações combinatórias simples po-
dem ser trabalhadas, desde a Educação In-
Para resolver problemas combina- fantil e durante os anos iniciais do Ensino
tórios, é preciso considerar todas as possi- Fundamental, estimulando que as crianças
bilidades das situações colocadas e isso re- pensem em distintas possibilidades. De cer-
quer um pensamento flexível que vai além ta forma, nem sempre de modo explícito,
de escolhas pessoais ou preferências. Se tais propostas já estão presentes nos livros 6
perguntarmos de quantos modos possíveis didáticos dos anos iniciais.
podemos nos vestir, escolhendo dentre qua-
tro blusas (branca, azul, laranja e vermelha) Problemas combinatórios
e duas calças (preta e marrom), desejamos
que os estudantes concluam que há oito Há diferentes tipos de problemas

maneiras distintas de escolha, mesmo que combinatórios – produtos cartesianos, ar-

prefiram a blusa branca com a calça preta ranjos, combinações e permutações – e estes

ou mesmo que não acreditem que laranja podem ser trabalhados fazendo-se uso de

“combina” com marrom, por exemplo. representações mais concretas, com crian-
ças novas, para que iniciem, desde cedo, o

Embora a Combinatória seja uma desenvolvimento de formas de levantar pos-

temática mais explicitamente trabalhada sibilidades. Não se deseja que as crianças

no Ensino Médio, defendemos que o tipo de saibam classificar as situações, muito menos

pensamento envolvido – raciocínio combi- que aprendam fórmulas, mas que sejam es-

natório – requer um longo período para o timuladas a pensar em variados problemas


combinatórios simples.

1 PhD pela Oxford Brookes University. Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq): Grupo de Estudos em Raciocínio
Combinatório do Centro de Educação da UFPE (Geração).
Seguem exemplos desses tipos de Nesse tipo de problema, a escolha tam-
problemas combinatórios, com as suas res- bém é a partir de um conjunto único (como
pectivas características: nos arranjos), mas a ordem de disposição dos
elementos não determina possibilidades dis-
Produto cartesiano: De quantas maneiras di-
tintas: a dupla Bárbara e Gustavo (BG) é igual
ferentes posso escolher um lanche e um suco,
à dupla Gustavo e Bárbara (GB), por exemplo.
se na lanchonete há quatro tipos de lanche (co-
Tem-se, nesta situação, dez possibilidades: BC,
xinha, empada, pizza e sanduíche) e dois tipos
BG, BM, BS, CG, CM, CS, GM, GS e MS.
de suco (laranja e abacaxi)?

Nesse tipo de problema, as escolhas Permutação: De quantas maneiras diferentes


são efetuadas a partir de distintos conjuntos três livros (de História, Matemática e Ciências)
de elementos (no caso, o conjunto de lanches e podem ser colocados em pé numa prateleira?
o conjunto de sucos). As oito distintas possibi-
lidades são obtidas a partir da combinação de A permutação é um caso particular de
um tipo de lanche com um tipo de suco: coxi- arranjo. As escolhas são feitas a partir de um
nha-laranja; coxinha-abacaxi; empada-laranja; conjunto único, com a diferença de que todos
empada-abacaxi; pizza-laranja; pizza-abacaxi; os elementos do conjunto são utilizados, sen-
sanduíche-laranja; e sanduíche-abacaxi. do a ordem diferenciada, o que identifica cada
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possibilidade. Nesse caso, há seis maneiras
Arranjo: De quantas maneiras diferentes pode ser
distintas de colocar os três livros em uma pra-
o resultado de uma corrida – 1º e 2º lugares – se três
teleira: HMC, HCM, MHC, MCH, CHM e CMH.
crianças (Ana, Felipe e Paula) estão correndo?

Esse tipo de problema caracteriza-se Como trabalhar a Combinatória no


por ter apenas um conjunto a partir do qual os início da escolarização?
elementos são escolhidos (no caso, o conjun-
Estudos recentes (PESSOA e BORBA,
to das crianças) e a ordem de disposição dos
2009; MATIAS, SANTOS e PESSOA, 2011; PES-
elementos determina possibilidades distintas.
SOA e BORBA 2012) têm evidenciado que
No problema citado há seis possibilidades di-
crianças da Educação Infantil e dos anos
ferentes (AF, FA, FP, PF, AP e PA), considerando-
iniciais do Ensino Fundamental conseguem
-se que, por exemplo, Ana em primeiro lugar
levantar algumas ou todas as possibilida-
e Felipe em segundo (AF) é diferente de Felipe
des de eventuais situações combinatórias.
em primeiro lugar e Ana em segundo (FA).
Ressalta-se que, embora as crianças nem
Combinação: De quantas maneiras diferen- sempre sejam capazes de listar todas as
tes pode-se escolher duplas a partir de um possibilidades, elas indicam compreender
grupo com cinco crianças (Bárbara, Carlos, as relações combinatórias envolvidas, pois
Gustavo, Marisa e Sérgio)? selecionam casos adequados. Na maioria
das vezes, porém, se perdem na sistemati- Na Figura 2, o estudante resolveu o
zação do levantamento de possibilidades e, produto cartesiano por intermédio de dese-
assim, não conseguem listar todas. nhos que foram organizados em forma de
quadro, o que facilitou a sistematização da
Para iniciar o estudo da Combina- solução – as 15 maneiras de combinar três
tória, em particular na Educação Infantil, saias e cinco blusas. Já na Figura 3, o estudan-
sugere-se que os problemas sejam apresen- te corretamente listou como duas bicicletas
tados com número total de possibilidades podem ser sorteadas entre três crianças.
pequeno e que as crianças possam resolver
os problemas por intermédio da manipula- Figura 1. Resolução de um problema
ção de objetos ou figuras de objetos. de combinação no qual uma criança da
Educação Infantil corretamente esco-
Na Figura 1, temos a resolução de lheu três elementos, mas não percebeu
uma criança da Educação Infantil para uma que há possibilidades repetidas.
situação na qual se deseja determinar de
quantas maneiras possíveis se pode esco-
lher, numa loja de animais, três dentre qua-
tro animais (cachorro, gato, papagaio e tar-
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taruga). A criança corretamente fez escolhas
de três animais, mas errou ao não perceber
que nesta situação a ordem de disposição
dos elementos não indica possibilidades
distintas, ou seja, escolher (gato, cachorro
e papagaio) é o mesmo que escolher (papa-
gaio, gato e cachorro). Pode-se questionar
isto com as crianças e, com ajuda, pode-
rão levantar as três possibilidades distintas: Fonte: Pessoa e Borba (2012).
gato, cachorro e papagaio; gato, cachorro e
tartaruga; e cachorro, papagaio e tartaruga. Figura 2. Resolução correta de um proble-
ma de produto cartesiano de uma criança
Após o período de manipulação de
dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
objetos, as crianças podem desenhar (quando
ainda não souberem escrever) ou listar possi-
bilidades (depois de alfabetizadas). As Figuras
2 e 3 são resoluções de estudantes dos anos
iniciais do Ensino Fundamental que resolve-
Fonte: Pessoa e Borba (2010).
ram corretamente problemas combinatórios.
Figura 3. Resolução correta de um pro- seus raciocínios combinatórios, sugere-se que
blema de permutação de uma criança crianças sejam estimuladas a construir árvo-
dos anos iniciais do Ensino Fundamental. res de possibilidades, escritas ou virtuais, dian-
te de problemas combinatórios, o que pode
possibilitar uma maior sistematização em
suas soluções de problemas de Combinatória.
Fonte: Pessoa e Borba (2010).
Considerações Finais
Azevedo e Borba (2012) verificaram
que é possível que crianças em início de Como o desenvolvimento do raciocí-
nio combinatório é um
escolarização avancem
“ Como o desenvolvimento longo processo, é preci-
em suas capacidades de
levantar possibilidades
do raciocínio combinatório so que, em toda a esco-
larização, os diferentes
em problemas de Com- é um longo processo,
tipos de problemas se-
binatória. As crianças é preciso que, em
jam trabalhados e que
estudadas por Azevedo toda a escolarização, seja proposto um apro-
e Borba construíam ár-
os diferentes tipos fundamento contínuo,
vores com auxílio de um 9
de problemas sejam para que estratégias
software educativo ou
informais sejam grada-
com lápis e papel (como
trabalhados.”
tivamente transforma-
indicado na Figura 4). das em procedimentos mais sistematizados.

Figura 4. Resolução correta de um proble- De início, é possível o uso de mani-


ma de produto cartesiano de uma criança pulativos e representações escritas, princi-
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, palmente por meio de desenhos, e, grada-
por meio de árvore de possibilidades. tivamente, outros tipos de representações
– como as listagens e as árvores de possibi-
lidades, podem ser utilizados. Dessa forma,
os estudantes poderão aperfeiçoar as suas
estratégias de resolução de problemas com-
binatórios, no sentido de uma maior siste-
Fonte: Azevedo e Borba (2012). matização das suas soluções e chegando ao
número total de possibilidades solicitadas, al-
Como ambos os grupos – que constru- cançando, assim, um desenvolvimento mais
íram árvores de possibilidades com software amplo de seus raciocínios combinatórios.
ou com lápis e papel – desenvolveram-se em
REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Juliana; BORBA, Rute. O ensino da Combinatória por meio da construção de árvores de
possibilidades com e sem o uso do software Diagramas de Árbol. Anais... XVI Encontro Brasileiro
de Estudantes de Pós-graduação em Educação Matemática (XVI Ebrapem), Canoas, RS, 2012.

MATIAS, Patrícia; SANTOS, Missilane; PESSOA, Cristiane. Crianças de Educação Infantil


resolvendo problemas de arranjo. In: Anais da XIII Conferência Interamericana de Educa-
ção Matemática. XIII Ciaem, Recife, 2011.

PESSOA, Cristiane; BORBA, Rute. Quem Dança com quem: o desenvolvimento do raciocínio com-
binatório de crianças de 1ª a 4ª série. ZETETIKÉ. Campinas, v.17, n.31, jan/jun 2009, p. 105-155.

______. Do young children notice what combinatorial situations require? Proceedings... 36th
Conference of the International Group for the Psychology of Mathematics Education, v. 1, p.
261. Taipei, Taiwan: PME. 2012.

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