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Delta Energia é denunciada

por suposta fraude; grupo


refuta
Segundo os documentos protocolados
na CVM, dois fundos de investimento
teriam sido objeto de “negócios jurídicos
fraudulentos”
O grupo Delta Energia, que possui em seu guarda-chuva
duas comercializadoras, que são empresas responsáveis
em intermediar a compra e venda de energia no chamado
mercado livre, se tornou alvo de uma denúncia na
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o regulador do
mercado de capitais no Brasil. Além das
comercializadoras, o grupo é responsável por dois fundos
de investimento, que, segundo a denúncia, teriam sido
objeto de “negócios jurídicos fraudulentos”. A Delta nega
e diz que as denúncias são mentirosas.

As supostas fraudes apontadas teriam como origem um


emaranhado de operações de compra e venda de energia
feitas entre empresas do grupo e terceiras, sendo que as
últimas teriam atuado como laranjas para o desvio de
recursos, conforme a denúncia, a que o Valor teve
acesso. Ainda de acordo com a denúncia, protocolada
junto à CVM por ex-diretor de uma das comercializadoras
da Delta (ver texto abaixo), dentre tais operações
apontadas como ilegais estão contratos entre as
comercializadoras do grupo e os fundos.

Outra acusação é de que o grupo, para maquiar tais


operações, manipulava os resultados dos mesmos fundos
e também para reduzir a base tributária da Delta.
Procurada, a Delta afirmou, em nota, que ao “que tange às
operações concernentes ao grupo Delta, todas, sem
exceção, não geraram quaisquer benefícios indevidos a
nenhuma das partes envolvidas, ao contrário, foram
celebradas estritamente de acordo com as regras
contidas nos regulamentos dos respectivos fundos de
investimento e, mais importante, foram conhecidas e
aprovadas pelos respectivos comitês de investimentos e
auditores”.

A denúncia foi recebida na semana passada pela CVM e,


por isso, sua avaliação ainda está em fase inicial na
autarquia, em fila de análise. Se essa área técnica
entender que há indícios de irregularidades, ao final,
poderá ser aberto um processo sancionador. Procurada, a
CVM diz que o assunto está sendo analisado no processo
CVM 19957.006516 /2023-91, mas que “não comenta
casos específicos”. Apesar da Delta não ter capital aberto,
os fundo de investimento citados na denúncia são
regulados pela CVM, o que explica a escolha da autarquia
para o envio da denúncia.

Conforme explica o documento, para realizar essas


operações apontadas como fraudulentas, o grupo Delta
teria utilizado outras comercializadoras, como Argon, que
está em recuperação judicial, e a Brasil, que teriam
triangulado as operações entre as comercializadoras da
Delta e os fundos. Na ponta dessas transações que o
documento cita, estariam contratos de venda de energia
envolvendo os dois fundos do grupo, batizados de Beta e
Zeta.

Para sustentar a denúncia, foram anexados 58


documentos, dentre eles fotos de contratos de
transações do sistema interno de compra e venda de
energia envolvendo o grupo.

A denúncia foi recebida pela CVM e está em fase inicial


na autarquia, em fila de análise

Dentre uma das operações, uma realizada em 2019


trataria de uma suposta compra pela comercializadora
Brasil pagando R$ 125 por megawatt-hora (MWh) de
energia da Beta (comercializadora do fundo de mesmo
nome), para depois revender para a própria Beta, mas
com um valor muito mais alto, a R$ 501,34 por MWh. Com
essa diferença de preços e suposto prejuízo para a Beta, a
operação teria, ao final, gerado um “lucro” de cerca de R$
2,8 milhões para a Brasil.

No mesmo dia, contudo, teria sido realizada outra


operação, dessa vez entre a Brasil e a Delta. Nela, teria
sido feita a compra da Brasil da mesma quantidade de
energia da Delta pagando R$ 499,96 o MWh, com a
consequente venda para a Delta do mesmo volume, por
também R$ 125 (preço pago no início da primeira
transação).

Com isso teria havido, ao final, transferência de cerca dos


mesmos R$ 2,8 milhões da Brasil para a Delta. A
operação, como mostra a denúncia, não foi realizada
diretamente entre Delta e o fundo, mas teria utilizado a
Brasil como intermediária. No sistema interno, tais
operações estariam identificadas como “operações
especiais”.

A Delta afirmou à reportagem que o denunciante


conhecia apenas parte da operação e não sua íntegra e
que por isso entende que há má-fé na denúncia. “Apesar
de total desconhecimento da operação ‘global’, o
denunciante afirma sem nenhum conhecimento que estas
operações beneficiaram algumas das partes, o que
demonstra, em nossa opinião, uma atitude irresponsável e
sem base formal ou legal de ser defendida”. Disse, ainda,
“que essa operação foi lucrativa ao Fundo Beta, gerando
um resultado de, aproximadamente R$ 14 milhões, já
incluso o custo de R$ 2,8 milhões”. A Delta lembra que
não foi notificada sobre a denúncia e que a denúncia é
“desprovida de provas”. Procuradas, a Brasil e Argon
disseram que todas as operações comerciais foram feitas
de forma regular e de maneira lícita, conforme os padrões
do mercado e negam todas as acusações.
A denúncia diz que teriam ocorrido ainda outras
irregularidades. “(O grupo Delta utilizava os fundos para)
inflar o tamanho da empresa Delta no mercado criando
artificialmente um volume de energia transacionado e
potencialmente manipular preços através de contratos
fictícios, prática esta que impõe ônus econômico aos
Fundos Beta e Zeta, os quais passam a pagar,
desnecessariamente, emolumentos a maior no âmbito da
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)”,
ainda de acordo com o documento. Os fundos captaram
no mercado R$ 1 bilhão e R$ 800 milhões, ou seja,
dinheiro de terceiros.

Após realizar as operações triangulares, segundo o


documento entregue à CVM, o grupo teria inflado, ao fim
de cada exercício, os resultados de ambos os fundos.
“Essas operações, ao que parece, serviram para ‘inflar’
em R$ 40 milhões o resultado do exercício de 2019 do
Fundo Beta. Essa manobra teria como propósito permitir
que as gestoras do grupo Delta auferissem um valor mais
elevado de taxas de administração e performance dos
fundos controladores das comercializadoras Zeta e Beta
no final de cada exercício, para além de beneficiar
fiscalmente as comercializadoras próprias da Delta que,
dessa forma, reduziriam o seu resultado contábil naquele
exercício”. Questionada, a Delta se diz surpresa porque
“operações de swap de energia temporal (isto é, trocas de
volumes de energia de um ano para outro) são
corriqueiras, habituais e amplamente realizadas por
players desse mercado e registradas na CCEE”.

O documento entregue ao regulador inclui ainda a


afirmação de que as empresas utilizadas para a
triangulação das negociações, no caso Brasil e Argon,
seriam ligadas à Delta. Cita, por exemplo, que a Argon é
controlada indiretamente por Francisco Lavor, que teria
uma relação próxima com Rubens Takano, controlador do
grupo Delta. A Delta diz que tanto a Brasil quanto a Argon
“figuram entre as centenas de contrapartes autorizadas
pelos gestores dos fundos Zeta e Beta, por meio de seus
respectivos comitês de investimento”. Sobre as
denúncias, o advogado de Lavor afirma que seu cliente
exercia a “função de consultoria” e que a denúncia
deveria ser respondida pelas empresas. Takano, não
respondeu ao pedido de comentário.

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