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Antônio Sá: Prefeitura do Rio – bondade com os banqueiros e perversidade com os

funcionários

https://diariodorio.com/antonio-sa-prefeitura-do-rio-bondade-com-os-banqueiros-e-
perversidade-com-os-funcionarios/
O colunista do DIÁRIO DO RIO comenta sobre a aprovação de um Projeto de Lei que afetará
funcionários municipais

4 de setembro de 2023

Câmara Municipal do Rio de Janeiro - Foto: Divulgação


No dia 31 de agosto, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro – CMRJ aprovou, em votação
simbólica (“os senhores vereadores que aprovam permaneçam como estão.”), em primeira
discussão, o Projeto de Lei – PL nº 2085/2023, de autoria do senhor Prefeito, que aumenta o
limite da margem consignável dos servidores públicos ativos, aposentados, pensionistas e
empregados públicos de 55% para 60% (!!!!!!!) da remuneração bruta mensal.

Essa votação teve o pedido de registro de cinco abstenções. Foram as da Vereadora Luciana
Boiteux, da Vereadora Monica Cunha, da Vereadora Monica Benicio, do Vereador Dr. Marcos
Paulo e do Vereador William Siri. Mas não teve o pedido de registro de nenhum voto contrário.

Essa aprovação em primeira discussão e a já certa aprovação desse PL em segunda e última


discussão nos próximos dias já é algo esperado, pois a base de apoio do Prefeito na CMRJ é
grande.

Basta acompanhar o Diário Oficial do Município, para ver que o senhor Prefeito tem utilizado a
estrutura da Prefeitura, até criando novas Secretarias por Decreto e não por Lei, para montar
sua base de apoio político.

Vale ressaltar que, ao contrário do que ocorre no governo Federal, que também cria novos
Ministérios, por Medida Provisória/PL e não por Decreto, diga-se de passagem, as mudanças
de estrutura no nosso Município, não visam principalmente à busca de governabilidade, tendo
em vista o sistema de presidencialismo de coalizão existente em nosso país.

Pelo que se lê nas análises políticas, as mudanças de estrutura por decretos na Prefeitura visam
mais a conseguir apoios políticos/partidários para a reeleição do Prefeito e, dois anos depois,
para sua eleição para governador. Ele só pensa naquilo..

É bom lembrar que a criação e a extinção de Secretarias por Decretos do senhor Prefeito, seja
por motivos técnicos ou políticos, seria, salvo melhor juízo, inconstitucional, como já comentei
em três artigos publicados neste Diário do Rio. Eles são os seguintes:
https://diariodorio.com/antonio-sa-ministerio-publico-dois-pesos-e-duas-medidas/ ,
https://diariodorio.com/antonio-sa-ue-na-prefeitura-do-rio-de-janeiro-pode/ e
https://diariodorio.com/antonio-sa-resposta-do-tjrj-ao-questionamento-ue-na-prefeitura-do-
rio-de-janeiro-pode/ .

Mas, voltando ao aumento da margem consignável dos servidores, informo que, na justificativa
do PL em apreço, o senhor Prefeito apresenta o único e singelo argumento de que o objetivo
do PL é possibilitar aos servidores públicos a contratação de empréstimos com maiores valores
e menores taxas de juros. Fala sério.
Isso é inacreditável, pois, o senhor Prefeito, perversamente, prefere estimular o
superendividamento dos servidores (os bancos agradecem) em vez de conceder uma revisão
salarial com índices corretos de inflação.

Lembro que a revisão salarial dos servidores concedida pelo senhor Prefeito em dezembro do
ano passado foi realizada utilizando-se o ridículo, irrisório e desrespeitoso índice de 5,25 %,
quando o índice correto a ser aplicado deveria ter sido de de 25,74 %, que correspondia ao
índice de inflação de fevereiro de 2019 a novembro de 2022, segundo o IPCA (IBGE).

Ou seja, a proposta do senhor Prefeito para a “valorização” dos servidores é arrocho salarial
conjugado com superendividamento destes. Sobre a não valorização na prática dos servidores
da Prefeitura, leia neste Diário do Rio o seguinte artigo https://diariodorio.com/antonio-sa-
epa-epa-epa-nao-e-bem-assim-senhor-prefeito/amp/

A Lei Federal nº 14.181/2021 conceitua o superendividamento como impossibilidade manifesta


do consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo,
exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial.

Temos visto diversos funcionários municipais já nessa situação de superendividamento, em


razão de grande comprometimento de suas rendas com empréstimos bancários, impedindo
que sejam atendidas as suas necessidades básicas.

Conforme o levantamento feito pelo Serasa, em 2023 o número de superendividados bateu os


recordes. Só em janeiro, o país registrou 70 milhões de pessoas endividadas, o que preocupa
especialistas, pois configura um retrocesso em relação aos últimos 5 anos.

Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, o percentual de


famílias que relataram ter dívidas a vencer. em junho deste ano, atingiu 78,5 % das famílias no
país e as que se consideram muito endividadas são 18,5 % desse total.

Por muitas vezes, os servidores públicos, sem revisão salarial correta, como a praticada pelo
Prefeito, têm suas remunerações corroídas pela inflação e, assim, como grande parte da
população, veem-se em situações de extrema dificuldade financeira e, por tal razão, acabam
contraindo empréstimos facilitados junto as instituições financeiras, que comprometem parte
de seu rendimento mensal.

Assim sendo, eles acabam contraindo inúmeras dívidas junto às instituições financeiras tendo
grande parte de suas remunerações retidas “já antes de cair em sua conta” e, para garantir sua
subsistência e de sua família, o servidor força-se a contrair novos empréstimos para tapar os
buracos que vão sendo criados pela falta de parte, ou em algumas vezes da integralidade, de
seus vencimentos, causando, assim, o que denominamos de o “labirinto sem fim do
superendividamento”.

Preocupada com o perigo para os servidores municipais que o PL em análise de autoria do


Prefeito ocasionará, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro – DPRJ elaborou e encaminhou aos
Vereadores a NOTA TÉCNICA COCIV/NUDECON nº 01/2023, apresentando diversos argumentos
que desaconselham a aprovação daquele PL. No entanto, com a aprovação do PL em primeira
discussão, fica parecendo que os vereadores jogaram na lata de lixo aquela Nota Técnica.

Nela, a DPRJ nos informa o seguinte:


“É importante destacar ainda que o percentual do Município do Rio de Janeiro já é
extremamente alto, sobretudo se comparado aos limites vigentes em âmbito Estadual e
Federal. A título de exemplo, tem-se os seguintes limites, todos fixados por lei:

Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS – Limite de 30 % para empréstimo consignado,


5 % para cartão de crédito consignado ou cartão consignado de benefício
Total 35% – Lei nº 14.601/2023.

Aposentados/Pensionistas do INSS – Limite de 35 % para empréstimos consignado, 5 % para


cartão de crédito consignado e 5 % para cartão consignado de benefício
Total 45 % – Lei nº 14.431/2022.

Servidores Públicos Federais – Limite de 40 % para empréstimos consignado, 5 % para cartão


de crédito consignado
Total 45 % – Lei nº 14.509/2022.

Servidores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ativos e inativos)- Limite de 40 % para


empréstimos consignado, 5 % para cartão de crédito consignado
Total 45 % – Lei nº 9501/2021, prorrogada pela Lei nº 9766/2022.

Servidores Públicos do Município do Rio de Janeiro (ativos e inativos)


Limite de 55 % – Lei nº 7107/2021.

Verifica-se, portanto, que, se há necessidade de alteração da margem consignável dos


servidores Municipais, a alteração deveria conduzir a sua diminuição e a busca pela
preservação de verba necessária e suficiente para a subsistência das famílias. O limite atual já
supera em 5 % (cinco por cento) a metade dos rendimentos mensais brutos, o que impede o
acesso ao mínimo existencial por que, eventualmente, utilizem a totalidade da margem
consignável.

Cumpre ainda apontar que recentemente (há pouco menos de 2 anos) o próprio Município
promoveu o aumento considerável da sua margem consignada para 55 % através da Lei nº
7.107 de 04.11.2021, sem que isso surtisse o efeito de redução do grau de endividamento dos
servidores. Não se mostra adequado, agora, nova elevação sem qualquer fundamento novo
que o justifique, sob o risco de apenas agravarem-se os mesmos problemas.”

Vale destacar que a Lei municipal citada acima passou o limite da margem consignável de 30 %
para 55 % da renda bruta mensal. E essa maldade foi de iniciativa do atual Prefeito no início
deste governo.

O senhor Prefeito sofisma ao dizer, na justificativa do PL, que, com ele, se conseguirá juros
baixos para os consignados.

Ora, o valor dos juros mais baixo não é fruto da bondade de dirigentes públicos ou, muito
menos, dos bancos.

O valor dos juros depende de uma análise econômica. As taxas de juros podem variar de
acordo com o perfil do tomador de crédito, sendo menos elevadas para pessoas com garantia
de não perder o emprego e que tenham o valor juros já descontado em seus contracheques.
Ou seja, os servidores públicos.
Daí, o interesse dos bancos nos consignados e no aumento das margem consignável dos
funcionários. Interesse esse apoiado pelo senhor Prefeito no PL em tela.

Com esses empréstimos ganham também os governos que não fazem a revisão salarial correta
da remuneração dos servidores, como é o caso da Prefeitura do Rio, pois os servidores acabam
suprindo a perda inflacionária de suas remunerações contratando empréstimos, um atrás do
outro, para sobreviverem.

Daí, a motivação de nosso governo para o PL em comento

Por fim, reforçando os argumentos acima, para se entender a falácia do senhor Prefeito, na
justificativa do PL, ao tratar do aumento do acesso ao crédito como um “benefício” concedido
por ele aos servidores, recomendo ler os excertos abaixo do artigo “O “CRÉDITO
CONSIGNADO” E SEUS ASPECTOS JURÍDICOS – Parecer n° 03/07-SAF, de autoria do competente
Procurador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Sérgio Antônio Ferrari Filho, cuja íntegra
pode ser consultada em
https://www.academia.edu/37218392/O_Crédito_Consignado_e_seus_Aspectos_Jurídicos_20
07_ :

“Quatro pontos merecem referência.

O primeiro deles está relacionado exatamente a esse questionamento sobre o caráter de


“benefício. Em geral, o oferecimento do “crédito consignado é anunciado como algo benéfico,
como um “favor” do Poder Público para o servidor. Trata-se de grave equívoco.

Sob o ponto de vista das finanças pessoais, o crédito significa, a médio e longo prazo, um
aumento progressivo da participação dos juros na despesa, com uma consequente diminuição
do poder de compra do salário. Em geral, com o refinanciamento, essa situação se agrava,
levando a uma significativa diminuição da renda pessoal líquida (após o desconto dos juros).

O segundo ponto é exatamente a repercussão econômica do primeiro: o crédito só traz


benefícios para a atividade econômica quando utilizado para investimentos (atividades
produtivas), ou aquisição de bens duráveis (que impulsionam, também, a atividade produtiva).
O crédito para financiamento do consumo equivale a uma “poupança negativa”.

Seus efeitos, a médio e longo prazo, são negativos, tanto para o servidor, individualmente
considerado, quanto para a economia do País.

Dada a dimensão que o “crédito consignado” tomou no Brasil, oportuno seria um estudo
econométrico – não muito difícil – de quanto foi retirado do consumo e da poupança em favor
do pagamento de juros.

O terceiro ponto é a repercussão social do primeiro, já noticiado aqui e ali pela Imprensa. É
cada vez mais comum, especialmente entre idosos, a situação do chamado
“superendividamento”, em que uma pessoa assume tantos compromissos de empréstimos que
o valor das prestações supera a própria receita, levando a um estado de verdadeira insolvência
pessoal.

O aumento do número de pessoas em tal situação cria uma pressão sobre as famílias e os
órgãos públicos (especialmente de saúde e previdência social), com consequências socialmente
negativas.
Por fim, o quarto ponto é relativo exatamente à participação do Estado. Embora tais convênios
sejam ditos gratuitos, geram despesas para o Poder Público, que mobiliza recursos humanos e
materiais para a rotina de desconto das prestações e repasse do valor aos bancos.

Essa rotina inclui modificações nos sistemas informatizados das folhas de pagamento, geração
de documentos e lançamentos contábeis, mobilização de pessoal e, também, o controle de
todas estas operações.

A que título o Estado assume essa despesa ? Qual o interesse público perseguido nessas
operações ? No fundo, a atividade de “consignação” do empréstimo, total ou quase totalmente
custeada pelo Poder Público, substitui a atividade de “cobrança” do banco, que, nada gastando
para cobrar, tem um significativo aumento na margem de lucro com a operação de
empréstimo.”

Concluindo, percebemos que, com a aprovação nos próximos dias do PL nº 2085/2023, o


senhor Prefeito e os senhores Vereadores estarão beneficiando os banqueiros e não os
servidores públicos.

Antônio Sá

Fiscal de Rendas aposentado do Município do Rio de Janeiro, Ex- Subsecretário de Assuntos


Legislativos e Parlamentares do Município do Rio de Janeiro Bacharel em Direito e Economia.

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