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14 de Maio de 2019
“Up Helly Aa” (ou “festa para todos”) é o nome dado pelos habitantes das ilhas Shetland a esta
comemoração do mês de Janeiro, durante a qual, vestidos com disfarces de outras épocas,
queimam a réplica de um barco viking enquanto entoam cânticos de guerra. Fotografia: David
Moir / Reuteurs
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O seu baptismo, celebrado em 965, inaugurou uma nova era para Harald
Dente Azul e para os vikings, dando início à sua integração definitiva na
Europa medieval. “Harald Dente Azul era um visionário”, explica Jörn
Staecker, arqueólogo da Universidade de Tübingen e perito em cultura viking.
“As suas políticas transformaram para sempre a Escandinávia e serviram de
base às monarquias nórdicas tal como hoje as conhecemos.”
Nesse dia, avistaram-se no mar barcos velozes e leves cujo recorte denotava
origem estrangeira. Pouco antes de alcançarem a costa, os seus tripulantes
arriaram as velas quadradas, saltaram para terra e lançaram-se ao ataque com
machados, lanças e espadas. Ninguém poderia travar a sua marcha naquela
indefesa fortaleza da fé. No espaço de poucas horas, os atacantes, que tinham
atravessado o mar do Norte provenientes da Dinamarca ou da Noruega,
acabaram com a vida de grande parte dos monges de Lindisfarne.
Foi então que surgiu Harald Dente Azul e os cristianizou. Em poucas décadas,
todos os antigos traços de identidade do orgulhoso povo viking sofreram
mudanças profundas. Quem seria aquela personagem que alterou o futuro do
seu povo? Como seria o universo por si governado? Como consolidou o seu
poder? E que legado deixou?
Há muito que aquele povoado passou à história, mas um museu recorda hoje o
seu passado glorioso. Uma maqueta mostra-nos como estava edificado. Em
mais de vinte pontões de acostagem, que chegavam a avançar 50 metros mar
adentro, os navios mercantes eram carregados e descarregados. Os estudos
arqueológicos localizaram também em Haithabu vestígios de um navio de
guerra construído no ano de 985, conhecido por Pecio 1. Com 31 metros de
comprimento, veloz e excepcionalmente elegante, pode bem ter sido a
embarcação a bordo da qual Harald Dente Azul e, mais tarde, o seu filho
Svend Barba Fendid visitaram os seus domínios meridionais.
Harald Dente Azul nasceu e foi criado neste universo maravilhoso, mas a sua
sociedade já começara a abrir as portas à nova religião que, pouco a pouco, se
infiltrava no imaginário pagão. Os vikings estavam dispostos a aceitar Cristo
se este lhes prometesse mais vantagens do que as velhas divindades. Ou se
Odin e Thor os abandonassem.
Gorm, pai de Harald Dente Azul, tinha-se imposto a outros chefes rivais e, em
meados do século X, fundara na Jutlândia central, cerca de 150 quilómetros a
norte de Haithabu, uma monarquia centralizada em que, pela primeira vez, o
poder era hereditário. Tudo indica que Gorm e o seu filho reinaram juntos a
partir de 936, durante aproximadamente duas décadas.
Harald teria cerca de 18 anos quando, num encontro com Unni, arcebispo de
Hamburgo-Bremen, conheceu o cristianismo. Gorm não via com bons olhos
aquela religião, mas, segundo alguns monges, o seu filho era bastante mais
receptivo e, com efeito, autorizou Unni a celebrar missa. É provável que
percebesse também a ameaça que se aproximava vinda do Sul: Otão I,
imperador cristão do Sacro Império Romano-Germânico, estava decidido a
propagar a palavra de Jesus mesmo que fosse pela força, e não somente por
convicção pessoal mas porque isso também lhe asseguraria influência política
e económica.
Dente Azul sabia que seria capaz de consolidar e ampliar o seu poder com a
ajuda da Igreja, à semelhança de outros soberanos europeus da Alta Idade
Média. Segundo a concepção cristã do poder político, os soberanos eram reis
pela graça de Deus, na qualidade de representantes divinos na Terra. “O
cristianismo era conhecido na Escandinávia há bastante tempo, mas as elites
políticas adoptaram-no tardiamente”, explica o arqueólogo Mads Kähler
Holst, da Universidade de Aarhus, cujos contributos para o estudo da corte de
Harald Dente Azul em Jelling, símbolo dessa nova era, têm sido decisivos.
COMPLEXO REAL: Harald Dente Azul mandou erigir em Jelling um complexo arquitectónico
monumental que vinculava o passado pagão ao presente cristão. Uma estrutura naviforme com
350 metros de comprimento abrangia o túmulo do pai, Gorm (o montículo mais alto), e a
primeira igreja construída defronte deste, com a forma oblonga de navio característica da época.
Uma paliçada rodeava o complexo. Durante algum tempo, acreditou-se que no montículo
inferior também se alojava uma sepultura, mas a sua escavação revelou que nunca foi usado. As
moradias serviam sobretudo de alojamento a guerreiros. Os quatro edifícios do extremo superior
foram localizados segundo os dados arqueológicos; quanto ao restante, a localização é provável.
A estela rúnica que Harald Dente Azul mandou levantar em memória dos seus
progenitores constitui hoje um monumento a uma nova era. Combina a arte
tradicional viking com símbolos cristãos, entronca na tradição e, ao mesmo
tempo, proclama o cristianismo como nova religião oficial. A estela de Jelling
é a certidão de baptismo de uma nação recém-nascida.
Harald Dente Azul fez então uma demonstração de força. Iria deixar bem
claro aquilo de que era capaz, até que ponto podia chegar uma monarquia
centralizada de legitimação cristã. Fortaleceu as fortificações fronteiriças do
Danevirke com a intenção de pôr em guarda o seu novo adversário, o
imperador romano-germânico Otão II (objectivo concretizado, excepto
durante um breve interlúdio iniciado com a ocupação de Haithabu em 974).
Construiu calçadas e a magnífica ponte de Ravning que, com os seus 700
metros e dupla via de circulação, atravessava o rio Vejle em Jelling. Entre
Aggersborg (no Norte da Jutlândia) e a Escânia (no Sul da Suécia), erigiu
cinco colossais bastiões circulares – os chamados trelleborgs –, sempre
estrategicamente localizados em vias principais, visíveis a longa distância,
acessíveis por via marítima, mas nunca pela própria costa. Posicionava neles
as suas hostes.
A tradição oral sugere que, por essa época, Harald Dente Azul sofreu um
ferimento grave em batalha e foi forçado a exilar-se em Jomsborg. Ali, porém,
não podia sentir-se em segurança. Morreu no dia 1 de Novembro de 987. É
provável que o seu cadáver fosse trasladado para uma pequena igreja dedicada
à Santíssima Trindade cuja construção fora ordenada por Harald em Roskilde.
Hostes eslavas incendiaram Haithabu até aos alicerces. Só então, e não antes,
segundo revelam as investigações mais recentes, é que o porto de Schleswig
foi construído: o novo centro logístico entre o mar do Norte e o Báltico.
“Schleswig passou a ser sé episcopal e civitas christiana, como já o eram,
mais a norte, Roskilde e Lund”, afirma Volker Hilberg, director do projecto. E
alcançou relevo como epicentro do comércio de longa distância.
Nesse mesmo ano, o normando Guilherme, o Conquistador, descendente de
vikings, derrotou Harold II de Inglaterra na batalha de Hastins e fundou a casa
real normanda. Para os historiadores, o ano de 1066 assinala o fim da era dos
vikings.