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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE DIREITO

Lívia Castro Matos Rodrigues

RESENHA CRÍTICA DO ARTIGO “REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA EM


TEMPOS DE PANDEMIA”
Resenha do artigo “Requisição administrativa
em tempos de pandemia” apresentada ao
professor Hugo Assis Passos da disciplina
Direito Administrativo II do Curso de Direito
da Universidade Estadual do Maranhão
(UEMA) para obtenção de nota adicional.

São Luís
2023
BOCKMANN MOREIRA, Egon. Requisição administrativa em tempos de pandemia:
seis desafios e um novo conceito. Revista Colunistas de Direito do Estado, [s. l.], ed.
461, 2020.

O texto aborda o impacto da pandemia de COVID-19 nos contratos em


curso de execução, especialmente no âmbito do Direito Administrativo. Aponta que
diversos conceitos e temas do Direito Administrativo foram testados de forma inédita
neste período.

Destaca que a Administração Pública, por meio de seus poderes, pode


operar uma espécie de "expropriação de primeiro nível" de bens ou uma "limitação da
liberdade de primeiro nível" de serviços. Isso implica em restrições temporárias ao
exercício de direitos fundamentais, sem implicar sua supressão total.

No caso dos bens, é mencionada a propriedade privada, que pode ser


momentaneamente expropriada por meio da requisição administrativa, que não transfere
a propriedade, mas apenas a posse temporária. Essa medida é amparada pelo dever
fundamental de solidariedade social e não implica o pagamento de aluguel pelo uso da
coisa.

O texto ressalta que essa previsão encontra-se no artigo 5º, inciso XXV da
Constituição, imediatamente após o tratamento dado à propriedade privada e antes da
desapropriação. Desta forma, a Constituição conferiu um formato específico a esse
direito fundamental, estabelecendo normas expressas para sua aplicação.

Dessa maneira, o artigo discute as implicações da pandemia nos contratos


em execução no âmbito do Direito Administrativo, destacando a possibilidade de
restrições temporárias aos direitos fundamentais, especialmente no que se refere à
expropriação de bens e limitação da liberdade de serviços. Também menciona a
requisição administrativa como instrumento utilizado nesse contexto.

No que diz respeito à requisição de serviços, estão em questão as liberdades


de iniciativa e de profissão, conforme estabelecido na Constituição. A requisição de
serviços implica em uma obrigação provisória de realizar determinados serviços por
parte de certas pessoas. Dependendo da situação, pode haver uma compensação
financeira para aqueles que foram requisitados. Nesse contexto, é importante ressaltar
que a requisição de serviços não se assemelha ao trabalho escravo, pois é pautada pela
dignidade da pessoa e do trabalho.

No entanto, é necessário entender como essa tensão se manifesta no mundo


real e qual é sua materialidade. A requisição é um ato administrativo unilateral, que
possui características de imperatividade, autoexecutoriedade e presunção de
legitimidade (juris tantum). No entanto, os direitos fundamentais não estão sujeitos a
qualquer ato administrativo. Esses atos devem estar em conformidade com os princípios
da legalidade, proporcionalidade e eficiência, e devem demonstrar de forma
fundamentada a conexão causal entre a necessidade pública e a expropriação/limitação
pretendida, além de apresentar alternativas e consequências práticas.

Assim, a requisição de serviços envolve a obrigação temporária de realizar


determinados serviços, respeitando as liberdades de iniciativa e de profissão. É um ato
administrativo que deve ser fundamentado e estar de acordo com os princípios
constitucionais, considerando a necessidade pública, as alternativas disponíveis e as
consequências práticas da expropriação/limitação pretendida.
O artigo aborda ainda as previsões legislativas específicas relacionadas à COVID-
19, destacando a fundamentação constitucional e as leis gerais que regem as requisições em
situações de perigo público iminente.

A base universal está no artigo 5º, inciso XXV da Constituição, que permite a
autoridade competente utilizar propriedade particular em caso de iminente perigo público,
assegurando ao proprietário uma indenização posterior caso ocorra algum dano.

Em termos de legislação geral, o Código Civil estabelece que o proprietário pode


ser privado da coisa nos casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, interesse
social e requisição em caso de perigo público iminente.

Antes da legislação específica da pandemia, destacam-se duas normas de Direito


Administrativo geral: a Lei 9.784/1999, que exige obediência à proporcionalidade e motivação
explícita para atos que restrinjam direitos privados, e a LINDB, que determina que os atos de
requisição declarem suas consequências práticas, alternativas disponíveis e considerem as
dificuldades do gestor e as exigências de políticas públicas.

Com base nos parâmetros constitucionais e normas gerais, a interpretação da lei


especial que trata das requisições durante a COVID-19 é realizada. Essa lei é nova, com
vigência temporária, e estabelece disposições especiais complementares às existentes, sem
revogar ou modificar as leis anteriores.
A Lei 13.979/2020, que trata das medidas de enfrentamento da emergência de
saúde pública decorrente do coronavírus, é uma lei especial que se aplica exclusivamente aos
eventos relacionados à sua epígrafe, durante o período de duração da emergência.

O artigo 3º, inciso VII dessa lei prevê a possibilidade de requisição de bens e
serviços de pessoas físicas e jurídicas como uma medida para o enfrentamento da emergência.
Nesse caso, é garantido o pagamento posterior de uma indenização justa.

Essa disposição estabelece que a aplicação da requisição está restrita a questões


emergenciais de saúde pública relacionadas ao coronavírus, podendo ser adotada pela
autoridade competente para lidar com a emergência. A requisição pode afetar o direito de
propriedade, bem como as liberdades de iniciativa e de profissão. As pessoas físicas e jurídicas
são os sujeitos passivos dessa medida, e a legislação prevê o pagamento posterior de uma
indenização justa, mesmo que não haja dano evidente.

O autor menciona que fez uma busca no site do Supremo Tribunal Federal (STF)
utilizando a expressão "requisição administrativa" e obteve apenas quatro acórdãos relacionados
a outros temas, que não forneceram muitas informações relevantes.

No entanto, ao procurar fora do STF, utilizando o Google, encontrou o Mandado de


Segurança (MS) 25.295, relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa, que tratava do Decreto
presidencial 5.392/2005, que declarou estado de calamidade pública no Sistema Único de Saúde
(SUS) do Município do Rio de Janeiro. Nesse caso, o STF declarou a nulidade do ato por falta
de fundamentação e restabeleceu a gestão municipal dos serviços de saúde.

O autor destaca que parte do entendimento do STF é no sentido da


inadmissibilidade da requisição de bens municipais pela União em situações de normalidade
institucional, sem a decretação de Estado de Defesa ou Estado de Sítio. Isso é considerado uma
violação à autonomia municipal e ao pacto federativo.

No site do STF, ao adicionar as expressões "pandemia e coronavírus", o autor


encontrou uma decisão recente da Presidência do Tribunal, o Suspensão de Segurança (SS)
5.382/PI, que tratava da requisição pela União da produção futura de respiradores pulmonares
destinados ao Estado do Piauí. Nesse caso, a liminar suspendeu uma decisão judicial que
permitia a apropriação dos bens estaduais pelo Ministério da Saúde.

Essa liminar menciona duas Ações Cíveis Originárias (ACOs) sobre o mesmo
assunto. A primeira é a ACO 3.385/MA, relatada pelo Ministro Celso de Mello, que foi movida
contra a requisição pela União de ventiladores pulmonares adquiridos pelo Estado do Maranhão.
Nesse processo, faz referência ao MS 25.295 para afirmar que o STF entende como
inadmissível a prática da requisição, mesmo quando realizada pela União Federal, em relação a
bens públicos, exceto em situações de estado de defesa ou estado de sítio.

A outra decisão mencionada na SS 5.382/PI foi proferida liminarmente na Ação


Cível Originária (ACO) 3.393/MT, relatada pelo Ministro Roberto Barroso. Nesse caso, o
Estado do Mato Grosso solicitou a invalidação de um ato da União que requisitou ventiladores
pulmonares adquiridos pela iniciativa privada. A tese de que bens estaduais não podem ser
objeto de requisição pela União foi acolhida.

O texto ressalta que, apesar da competência comum para garantir a saúde pública,
organizada em um sistema único regionalizado e hierarquizado, o STF tem decidido em favor
das competências dos estados, do Distrito Federal e dos municípios em relação às competências
federais. Essa precedência foi especialmente destacada em medidas restritivas adotadas por
essas entidades políticas, em uma liminar referendada pelo Pleno do STF na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 672/DF, relatada pelo Ministro Alexandre
de Moraes.

O texto destaca seis desafios que envolvem a requisição administrativa: (1)


princípio da proporcionalidade; (2) definição da autoridade competente; (3) determinação do
momento em que se pode requisitar; (4) como a requisição pode ser realizada; (5) o que pode
ser requisitado; e (6) definição das consequências da requisição.

O princípio da proporcionalidade é fundamental na requisição, pois é uma forma de


expropriação de direito fundamental. Deve respeitar a adequação, a necessidade e a
proporcionalidade em sentido estrito.

Quanto à autoridade competente, é aquela que precisa enfrentar o perigo iminente e


deve demonstrar o nexo causal entre a necessidade pública e o bem ou serviço a ser
expropriado. A lógica da decisão no caso da ADPF 672/DF é que as medidas restritivas,
incluindo as requisições, estão principalmente sob a responsabilidade das autoridades
municipais, seguidas pelas competências estaduais e federais. Além disso, não pode haver
requisição recíproca de bens e serviços públicos.

Em relação ao momento da requisição, o perigo deve estar iminente, prestes a


acontecer e ameaçando se concretizar. A iminência deve ser reavaliada à medida que o tempo
passa e as situações se transformam. É essencial que o gestor não seja passivo apenas por saber
que pode requisitar posteriormente, mas que tome ações tempestivas, como a contratação
emergencial. Caso não o faça, poderá ser responsabilizado por erro grosseiro em vista das
exigências de políticas públicas.
Para a requisição, é necessário um ato administrativo específico para cada situação,
com um mínimo de processualidade e transparência. É preciso comprovar a inviabilidade da
contratação, tornando a requisição adequada e necessária. A onerosidade dos bens ou problemas
de receita pública não justificam a requisição desproporcional, que não pode legitimar a
inadimplência ou abuso de poder, pois envolve restrições a direitos fundamentais.

Quanto ao quê pode ser requisitado, é essencial comprovar o nexo causal entre a
necessidade pública emergencial e a requisição. Ela não é uma escolha adicional, mas a única
opção diante de um perigo iminente. A requisição deve ser restrita ao estritamente necessário,
cumprindo o interesse público e gerando o mínimo de transtorno aos direitos fundamentais
afetados.

As consequências da requisição incluem a devolução da coisa em bom estado ou


permitir o exercício das liberdades de acordo com as escolhas pessoais do sujeito de direito. A
proporcionalidade exige que a restrição ao direito seja mínima. Além disso, é necessária a justa
indenização, que não pode enriquecer nem empobrecer os afetados pelo ato. A indenização deve
ser concedida prontamente, mesmo que posterior à supressão do direito, podendo ser simultânea
ao uso da coisa, a fim de evitar a expropriação definitiva do direito fundamental.

Esses seis desafios, aliados ao conceito de requisição como uma tensão entre
direitos fundamentais e competências públicas, demonstram que essa categoria de ato
administrativo renasceu com características diferentes das antigas. Depreende-se, portanto, que
o conceito clássico da requisição precisa ser transformado para se adequar às demandas
contemporâneas.

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