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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE DIREITO

LÍVIA CASTRO MATOS RODRIGUES

RESENHA CRÍTICA DA OBRA “A DEMOCRACIA E SEUS CRÍTICOS” DE


ROBERT DAHL

São Luís

2022
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE DIREITO

LÍVIA CASTRO MATOS RODRIGUES

RESENHA CRÍTICA DA OBRA “A DEMOCRACIA E SEUS CRÍTICOS” DE


ROBERT DAHL
Resenha crítica apresentado ao Prof. Dr.
Herberth Costa Figueiredo da disciplina Direito
Constitucional II do Curso de Direito da
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)
para obtenção de nota adicional.

São Luís
2022
DAHL. Robert. A democracia e seus críticos. Trad. Patrícia de Freitas Ribeiro. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2012

RESUMO: O presente trabalho busca apresentar de forma crítica as ideias de A democracia e


seus críticos de Robert Dahl, obra na qual o autor objetiva traçar uma interpretação da teoria e
da prática democráticas, voltando-se, em especial, para os limites e possibilidades da
democracia, buscando analisar os problemas mais importantes apresentados pelos críticos da
democracia. Assim, ele foca nas transformações sofridas pela democracia, com o rompimento
de estruturas e crenças anteriores e a superação pelas instituições da poliarquia.
Palavras-chave: democracia ; poliarquia; Robert Dahl.

O cientista político Robert Alan Dahl (1915 – 2014) fez toda a sua carreira acadêmica
na Universidade de Yale, onde se tornou professor de Teoria Política logo após obter seu
doutorado em 1940. Autor de vasta obra, Dahl configurou-se como um dos principais
pensadores da teoria democrática no século XX. Ao longo de quase seis décadas, publicou
vários livros e artigos, dentre os quais destacam-se os seguintes: “A Preface to Democratic
Theory” (1956), “A Critique of the Ruling Elite Model” (1958), “Who Governs?” (1961),
“Modern Political Analysis” (1963), “Pluralist Democracy in the United States” (1968),
“After the Revolution?: Authority in a Good Society” (1970), “Polyarchy: Participation and
Opposition” (1971), “Dilemmas of Pluralist Democracy: Autonomy vs. Control” (1982), “A
Preface to Economic Democracy” (1985), “Democracy and Its Critics” (1989), “On
Democracy” (1998), “On Political Equality” (2006).
Como reconhecimento por toda a sua contribuição, Robert Dahl recebeu diversos
prêmios e títulos na área da ciência política. Foi professor emérito de ciência política da
Universidade de Yale, membro da Associação Americana de Ciência Política – tendo sido
presidente da mesma em 1967 – membro eleito da Academia Americana de Artes e Ciências,
da Sociedade Americana de Filosofia, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos,
e da Academia Britânica. Durante a sua longa e profícua trajetória como professor e
pesquisador, Dahl tratou essencialmente do tema da democracia. Em seus escritos, ele
investigou a teoria democrática clássica e moderna, dialogou com diferentes correntes da
ciência política, questionou os pressupostos de várias teorias e, principalmente, reforçou a
importância da pesquisa empírica.
Diante disso, o presente trabalho busca apresentar criticamente as ideias da obra A
democracia e seus críticos de Robert Dahl, na qual o autor objetiva traçar uma interpretação
da teoria e da prática democráticas, voltando-se, em especial, para os limites e possibilidades
da democracia, buscando analisar os problemas mais importantes apresentados pelos críticos
da democracia. Ele entende que tal interpretação só será satisfatória se tratar, de forma justa,
dos problemas mais importantes apresentados pelos críticos da democracia.
O livro em análise expõe umas das teorias políticas mais destacadas de nosso tempo,
fazendo uma explanação fundamental sobre o que é a democracia e o porquê de sua
importância. A obra foi publicada originalmente em inglês com o título Democracy And Its
Critics pela Yale University Press, em Londres, no ano de 1989. Já a versão brasileira da obra
teve sua primeira edição publicada em 2012, pela editora WMF Martins Fontes em São Paulo,
com tradução de Patrícia de Freitas Ribeiro. Trata-se de um livro dividido em 6 partes, com
23 capítulos no total, ao longo dos quais Dahl foca nas transformações sofridas pela
democracia, com o rompimento de estruturas e crenças anteriores e a superação pelas
instituições da poliarquia. Dahl, logo na introdução, se volta para o surgimento da
democracia, questionando onde começou e como teria evoluído a democracia. Para tanto,
analisa sua forma primordial grega e romana e percebe que a democracia não teve uma
ascensão linear, tendo uma história extremamente instável: durante muito tempo, a
democracia permaneceu nas sombras, sendo superadas por monarquias, despotismos,
aristocracias ou oligarquias.
Observando os limites da democracia grega e romana, Dahl aponta as transformações
sofridas pela democracia rumo às idéias e instituições democráticas modernas. A democracia
grega era inerentemente limitada aos sistemas de pequena escala. Embora o problema de
escala proporcionasse vantagens como a da participação, não era possível estender o domínio
das leis além dos limites de uma pequena cidade-Estado. Ademais, outro problema da
democracia grega era a sua pouca inclusividade. Não obstante fosse assegurada a participação
direta ao cidadão ateniense, a democracia grega era exclusiva. A exclusão no aspecto interno
era verificada no demos era reduzido, sendo negada a participação a uma grande parte da
população adulta, tais como mulheres, escravos e estrangeiros. Só participavam da
democracia os cidadãos filhos de pai e mãe grega. No aspecto externo, a exclusão era
verificada pela ausência de democracia fora da polis, tendo em vista que as relações externas
não ocorriam em bases democráticas. Fora da pólis, o que prevalecia era o modelo do estado
de natureza hobbesiano.
A primeira transformação se dá com a superação de limites da democracia em uma
cidade-Estado grega. O lugar das ideias e práticas democráticas ultrapassam as barreiras da
cidade-Estado com o surgimento do Estado nacional. A ideia de nação ou pais tornou-se a
unidade “natural” do governo soberano. O aumento na escala.da ordem política produziu em
Estado democrático moderno profundamente diferente da democracia da cidade-Estado.
A segunda transformação se dá com o rompimento de estruturas e crenças anteriores,
com a aplicação da ideia de democracia ao Estado nacional e a incorporação da tradição
república, que embora admita, da mesma forma que os democratas gregos que a melhor
república è aquela na qual os cidadãos são iguais em alguns aspectos importantes, tais como
perante a lei, a doutrina republicana insistia que nenhum sistema política poderia ser legítimo,
desejável ou bom se excluísse as pessoas da participação no governo. Dessa forma, permitiu-
se que um corpo uniforme de direitos legais pudesse ser estendido a uma nação inteira.
Embora republicanismo e democracia aproximem-se quanto à compreensão do homem
como animal social e que o homem bom gera uma sociedade boa, distanciam-se quanto ao
peso atribuído à virtude humana, sendo de grande importância para o republicanismo os freios
sociais para controlar o impulso de muitos. O povo não é homogêneo sendo geralmente
dividido em um elemento aristocrático ou oligárquico e um componente democrático ou
popular - os poucos e os muitos, cada qual com seu interesse diverso, além de um terceiro
elemento social, os líderes, que tende a aumentar sua própria posição, status ou poder.
Dahl conclui que o sistema de tripartição de poderes abrange as diferenças dos três
elementos e aponta o a representação como a solução para superar o limite de tamanho de
população do Estado para permitir a participação dos cidadãos. Com o escalonamento de
representação, surgiu uma complexa rede de organização estatal. Apresentados os elementos
que compõe a democracia moderna e como se deu sua transformação, Dahl passa a apontar no
capítulo 3 as objeções feitas pelos críticos da democracia.
No capítulo 3, o autor fala da anarquia. Para a teoria filosófica do anarquismo, na
medida em que todos são capazes e iguais, a sociedade pode se organizar e se associar
independentemente do Estado (associações voluntárias). Os Estados são coercitivos e a
coerção é intrinsecamente má e, por isso, os Estados são inerentemente maus. Sendo o Estado
mal, o indivíduo não lhe deve obediência. Em resposta a tal crítica, Dahl afirma que é possível
haver coerção independentemente da existência do Estado, sendo, portanto, um erro associar a
coerção ao Estado. A coerção do Estado democrático é escolhida e, por isso, racional. O
Estado é um caminho sem volta e ainda que não fosse necessário, é inevitável. Para o autor, o
melhor Estado possível seria aquele que minimizasse a coerção e maximizasse o
consentimento, dentro de limites definidos pelas condições históricas e pela busca de outros
valores, entre os quais, a felicidade, a liberdade e a justiça.
Nos capítulos 4 e 5, Dahl aborda a corrente da guardiania. Para a guardiania, o
governo deve ser confiado a uma minoria de pessoas especialmente qualificadas para
governar em razão de su conhecimento e de sua virtude superiores. Dahl critica a teoria por
entender que a capacitação técnica não é suficiente para governar e as habilidades
matemáticas e físicas também não o são. A especialização é um processo limitante e o
governante necessita de abrangência. Para o autor, as atividades do filósofo e o governante
são excludentes, pois o primeiro deve estar comprometido com a busca da verdade e o
segundo não.
Já no capítulo 6, o autor comenta acerca das justificativas da democracia. Para Dahl, a
democracia é instrumento da liberdade, uma vez que certos tipos de direitos, liberdades e
oportunidades são essenciais para o processo democrático em si e devem existir enquanto
existir o processo. Isso inclui o direito à livre expressão, à organização política, à oposição, a
eleições justas e livres. Ademais, a democracia expande até os limites máximos a
oportunidade de autogovernar-se, de obedecer a leis que o próprio indivíduo escolheu, de ter
autodeterminação, sendo isso um fim desejável.
No capítulo 7, Dahl discorre sobre a autonomia pessoal. Primeiramente, o autor afirma
que aceitar a ideia da autonomia pessoal é o mesmo que estabelecer uma presunção de que, ao
tomar decisões individuais ou coletivas, cada um deve ser tratado como o juiz adequado de
seus interesses. Nesse contexto, a presunção de autonomia pessoal é a seguinte: “na falta de
uma prova definitiva em contrário, todos são, em princípio, os melhores juízes de seu próprio
bem e de seus próprios interesses.”(DAHL, p. 155) A autonomia pessoal resulta num
desenvolvimento pessoal, pois através da autonomia o indivíduo passa a adquirir um senso
mais maduro de responsabilidade pelas próprias ações e uma disposição maior para refletir
sobre as consequências desses atos para os outros. E é esse desenvolvimento que contribui
para a cidadania numa ordem democrática. A autonomia pessoal e a inclusão plena na
cidadania numa ordem democrática são necessárias à autodeterminação, tendo em vista que,
sem a autonomia pessoal, ninguém poderia viver sob as regras criadas por outrem; e
consequentemente, ninguém seria autodeterminante nem moralmente autônomo.
Considerando a autodeterminação dos indivíduos, as decisões vinculativas devem ser tomadas
apenas pelas pessoas que estão sujeitas às decisões, ou seja, pelos membros da associação, e
não por pessoas fora dela. Tal pressuposto repousa sobre o princípio elementar de justiça,
segundo o qual as leis não podem ser legitimamente impostas aos outros por pessoas que não
são, elas próprias, obrigadas a obedecê-las.
Nesse sentido, Dahl traz no capítulo 8 uma teoria do processo democrático, indicando
que o processo de tomada de decisões vinculativas inclui pelo menos o estabelecimento de
uma agenda e uma decisão quanto ao resultado. Para tanto, são necessários critérios para o
processo democrático. Não obstante tais critérios não representem uma regra decisória, são
necessários para estabelecer as regras possíveis, ou seja, um processo coerente aos
pressupostos estabelecidos. Dentre os critérios, temos: i) a participação efetiva, com a
oportunidade adequada e igual de expressar as preferências quanto ao resultado final; ii) a
igualdade de voto no estágio decisivo, ficando assegurado a cada cidadão a oportunidade de
expressar uma escolha que deve ter igual peso a de outros cidadãos; iii) o controle da agenda,
devendo o povo ter a oportunidade de decidir como e quais assuntos serão decididos mediante
o processo democrático; iv) a compreensão esclarecida, tendo em vista que para saber o que
quer ou o que é melhor para a comunidade, o povo deve ser esclarecido, pelo menos num grau
mínimo; v) o controle final, segundo o qual, numa democracia, as pessoas devem ter a palavra
final ou devem ser soberanas.
O capítulo 9 trata do problema da inclusão dentro da ordem democrática. Para o autor,
o direito ao processo democrático não é meramente formal porque, para que esse direito
exista, também devem existir todos os recursos e instituições necessários a ele, pois na
medida em que estiverem ausentes, o próprio processo democrático não existirá. Tampouco
tal direito é meramente uma pretensão abstrata, pois uma pretensão a todos os direitos gerais e
específicos – morais, legais, constitucionais – são a ele necessários. Dahl aponta como falhas
do processo democrático a violação de direitos intrínsecos ao próprio processo por alguns
grupos, a proteção inadequada de direitos e bens extrínsecos ao processo mas a ele
necessários e a possibilidade de decisões tomadas em um processo democrático ferirem
direitos, interesses ou bens não necessários ao processo mas exigidos pelo princípio do igual
valor intrínseco.
Para tentar solucionar tais falhas de maneira racional, ao longo da quarta parte do
livro(problemas no processo democrático), o autor busca apresentar modos de correção do
processo democrático para obter resultados substantivos desejáveis. Dentre eles temos a
tentativa de retificar decisões dentro de um sistema democrático e caso não seja possível
considerar a alteração de regime, buscar melhorar as imperfeições do próprio sistema, corrigir
falhas específicas por meio de um processo não democrático e, por fim, admitir um certo nível
de violação, desde que seja em um nível tolerável. Ao retomar as transformações da
democracia, em especial a segunda, o autor trata das consequências advindas de tal mudança.
A primeira foi a substituição quase por completo da assembleia de cidadãos da democracia
direta por representantes. A segunda foi a expansão ilimitada permitida com a representação, o
que possibilitou um ganho de crescimento em escala comparativamente com as cidades-
Estado. Ademais, a diversidade também aumentou, pois quanto maior e mais inclusiva uma
unidade política, mais seus habitantes tendem a exibir diversidade e, consequentemente, as
divisões políticas se multiplicam e o conflito se torna um aspecto inevitável da vida política.
No capítulo 15, Dahl trata da segunda transformação democrática: da cidade-Estado
para o Estado-nação. A mudança de escala e suas consequências relativas à representação, ao
aumento de diversidade e de conflitos contribuíram para o desenvolvimento de um conjunto
de instituições políticas que, como um todo, distinguem a democracia representativa moderna,
denominada pelo autor de poliarquia, de todos os outros sistemas políticos, democráticos mais
antigos ou não democráticos. Outra consequência é o pluralismo social e organizacional,
decorrente do grande número de grupos e organizações sociais que são relativamente
autônomas umas em relação às outras e ao próprio governo. Além disso, a poliarquia permitiu
uma grande expansão dos direitos individuais, que passam a ser vistos como substitutos ao
consenso político.
Ainda nesse viés, salienta o autor que a poliarquia é uma ordem política que se
distingue das demais porque a cidadania é extensiva a um número relativamente grande de
adultos e os direitos de cidadania incluem não apenas a oportunidade de opor-se aos
funcionários mais altos do governo, mas também de removê-los de seus cargos por meio de
votos. As instituições da poliarquia estão intimamente ligadas ao exercício de direitos
políticos. São elas: funcionários eleitos, eleições livres, justas e frequentes, liberdade de
expressão, fontes de informação diversificadas, autonomia para as associações, cidadania
inclusiva.
A poliarquia plena é um sistema do século XX. Não obstante algumas de suas
instituições tenham surgido no século XIX, somente no século XX o demos se tornou mais
inclusivo. Conforme o autor afirma no capítulo 16, uma das consequências da poliarquia é
que as oportunidades que os cidadãos têm de participar plenamente das decisões coletivas são
mais limitadas do que seriam, teoricamente, num sistema menor. O que não significa,
contudo, que esses limites não possam ser transcendidos mediante a criação de novas formas e
instituições democráticas. Nesse aspecto, Dahl aponta que “uma forte contraconcorrente
favorável ao ideal de uma democracia plenamente participativa persiste entre os defensores da
democracia (...) refletida no Contrato social de Rousseau e nas imagens da democracia
grega(...).” (DAHL, p. 356)
Nos capítulos 17 e 18, Dahl explica como e por que a poliarquia se desenvolveu em
alguns países e não em outros. A princípio, é importante ressaltar que ela passou por três
períodos de crescimento:
a) 1776 – 1930: início com as revoluções francesas e americanas e fim com o término
da Primeira Guerra Mundial. As instituições que caracterizam a poliarquia evoluíram na
América do Norte e Europa, sendo, contudo, deficientes pelos padrões atuais (demos não
inclusivo). Pontos importantes: autoridades eleitas foram constitucionalmente investidas do
controle das decisões governamentais sobre as políticas públicas (criação de governos eleitos
e independentes de controle estrangeiro), voto secreto mas não universal (exclusão de grande
parte da população do sufrágio). Após o período inicial de crescimento, verificou-se crise em
algumas democracias européias (Itália, Polônia, Alemanha, Áustria e Espanha).
b) 1950 – 1959: pós-Segunda Guerra Mundial. Pequeno aumento do número de países
governados por poliarquias (de 36 para 40), com a inclusão das mulheres no demos. Durante o
período, houve golpes autoritários na Tchecoslováquia, Polônia, Hungria (1940), no Brasil,
Equador e Peru (1960), Chile, Correia do Sul, Uruguai e Turquia (1970). Independências de
colônias, com a adoção de poliarquias logo substituídas por governos autoritários.
c) Década de 80: Países recém-independentes na África que rapidamente
mergulharam no autoritarismo. Redemocratização da América Latina. Aproximadamente 50
dos 168 países nominalmente independentes eram poliarquias.
Como os exemplos demonstram, os países não são estáticos e as condições podem
mudar. Certas condições favorecem a poliarquia e outras não. Mas que condições favorecem o
desenvolvimento, a consolidação e a estabilidade da poliarquia em um país ou, por outro lado,
limitam suas perspectivas? As perspectivas da poliarquia em um país dependem da robustez
de certas condições. O problema é determinar quais são essas condições e como suas
variações afetam a plausibilidade da poliarquia. Embora nenhuma condição em particular
possa, por si som explicar a existência ou a ausência da poliarquia em um país, Dahl busca
especificar as condições mais importantes, com um grau razoável de confiança.
Ele aponta como condições prováveis para que um pais se desenvolva e sustente
instituições da poliarquia a existência de meios dispersos ou neutralizados de controle civil da
violência coercitiva, uma sociedade moderna, dinâmica e pluralista, a homogeneidade cultural
ou se for heterogêneo, não estiver segmentado em subculturas robustas e distintas, ou se for
segmentado, seus líderes tiverem sido bem sucedidos na criação de um arranjo consociacional
para a administração de conflitos subculturais, a cultura e crenças políticas, particularmente
entre ativistas políticos, que apóiem as instituições da poliarquia e, por fim, não estar sujeito à
intervenção de potência estrangeira hostil à poliarquia.
Todos os estados, inclusive os democráticos, empregam a coerção, seja internamente,
para executar leis e cursos de ação política, seja no âmbito internacional, nas suas relações
com outros estados. Mas o que impede os líderes de empregar a violência coercitiva no
estabelecimento e na manutenção de um regime democrático?
Para que um Estado seja governado democraticamente, duas condições são
necessárias: i) se as organizações militares e policiais existirem, elas deverão estar sujeitas ao
controle civil, e ii) os civis que controlam os militares e a polícia devem estar, eles próprios,
sujeitos ao processo democrático.
O controle das forças militares e policiais por líderes escolhidos pelo povo se explica
por dois fatores: o estado corrente da organização e das técnicas militares e a utilização de
meios adequados de controle civil. A primeira é uma condição histórica ampla que ajuda a
determinar as opções abertas aos líderes políticos durante um período historicamente
específico e possivelmente muito longo. A segunda é um conjunto de meios possíveis que os
líderes políticos podem decidir empregar, mais ou menos deliberada e intencionalmente para
garantir o controle civil.
A organização e a tecnologia militares ajudaram a determinar se as forças militares
eram controladas pelos civis e se os civis controladores estavam, eles próprios, sujeitos aos
processos democráticos. A tendência a adotar o processo democrático tem sido mais forte nos
períodos em que a organização e a tecnologia militares exigem que um grande número de
combatentes sejam retirados da população em geral. Em geral, ao menos no mundo ocidental,
quanto mais a superioridade militar depende da capacidade de um Estado para mobilizar
grandes números de soldados de infantaria levemente armados, maiores tem sido as
perspectivas do governo popular. O soldado-cidadão era tanto soldado quanto cidadão, ou
pelo menos tinha direito a esse privilégio. Porém, o estado da organização e da tecnologia
militares que, no geral, tanto favoreceu a poliarquia na América do norte e na Europa, mudou
para um equilíbrio desfavorável à poliarquia, no qual a vantagem militar gradualmente passou
de tropas numerosas e levemente equipadas para forças equipadas com novas armas, caras,
dotadas de capacidade letal. Armas que nunca puderam se difundir como objetos caseiros.
Concentradas e em relativamente poucas mãos, elas tornariam disponíveis enormes
recursos de coerção violenta a uma minoria disposta e apta a utilizá-la para fins políticos.
Sistemas policiais centralizados poderiam ser, a partir de então, empregados para destruir a
oposição mais eficazmente de que jamais ocorrera na história.
Mas não somente as poliarquias mais antigas sobreviveram, como também novas
poliarquias vieram a existir. A explicação desse fenômeno se deve também à domesticação da
coerção violenta. Os Estados democráticos utilizaram diversos meios para garantir que as
forças militares e policiais não fossem empregadas na destruição do domínio democrático. Ele
pode eliminar as capacidades coercitivas das forças militares ou policiais ou reduzi-las a uma
virtual insignificância, ou então pode dispersar o controle das forças militares ou policiais
entre uma multiplicidade de governos locais (controle local). É possível ainda que as forças
militares podem ser formadas por pessoas que compartilham das orientações civis e
democráticas da população em geral (serviço militar universal e temporário). Ou, por fim, a
doutrinação de soldados profissionais, particularmente dos oficiais, pode ajudar a garantir o
controle civil por parte dos líderes democráticos eleitos.
O profissionalismo militar com o ideal de compartilhamento de convicções civis
quanto à legitimidade da ordem constitucional e às ideias e práticas da democracia, com o
senso de obrigação de defesa da liderança civil constitucionalmente eleita fortalecido pelo
código profissional da instituição. O controle civil é ameaçado quanto há um profundo abismo
social e psicológico entre os profissionais militares e civis ou quando os líderes militares
acreditam que a estabilidade, a saúde ou a existência do sistema que estão obrigados a
preservar está ameaçada pela liderança democraticamente eleita.
Embora o controle da violência coercitiva seja uma condição para a poliarquia, Dahl
salienta que ele não é suficiente para explicar a existência de regimes não democráticos em
outros países. Historicamente, a poliarquia é associada a indicadores sociais de bem-estar
(renda e riqueza per capita, urbanização, diversidade ocupacional, ampla alfabetização, etc),
podendo ser associada a uma sociedade moderna, dinâmica e pluralista (MDP) Há uma
multiplicidade de aspectos pelos quais uma sociedade MDP favorece a poliarquia, tais como o
fato de tal sociedade dispersar o poder, a influência, a autoridade e o controle para além de um
único centro e os aproxima de uma variedade de indivíduos, grupos, associações e
organizações e o fato de promover atitudes e convicções às ideias democráticas.
Tais características, embora independentes, se reforçam mutuamente. Por um lado, a
sociedade MDP inibe a concentração de poder num só conjunto unificado de atores e, por
outro, dispersa o poder entre uma série de atores relativamente independentes. Com isso, há a
dispersão dos recursos políticos (tais quais o dinheiro, o conhecimento, o status) e o acesso às
organizações, a dispersão das localizações estratégicas (em assuntos econômicos, científicos,
educacionais e culturais) e a dispersão das posições de negociação.
A dispersão cria vários grupos de pessoas que percebem umas às outras como
essencialmente similares nos direitos e oportunidades dos quais se julgam detentoras, ao
mesmo tempo, que desfoca ou muda frequentemente as fronteiras que distinguem os membros
de um determinado grupo do outro. Tal sociedade oferece a um grupo excluído a oportunidade
de apelar à lógica da igualdade de modo a justificar sua admissão na vida política. Temos um
sistema de competição política dinâmico. Assim, é possível expandir os limites da cidadania,
sendo difícil frear a inclusão, e isso favorece o desenvolvimento da poliarquia. A relação entre
uma sociedade MDP e a poliarquia não é de causa e efeito, não sendo esse tipo de sociedade
nem necessária, nem suficiente para a poliarquia. Embora a sociedade MDP não seja essencial
para a poliarquia, suas características (dispersão do poder e a promoção de atitudes favoráveis
à democracia) são essenciais para a estabilidade da poliarquia em longo prazo. A relação entre
a poliarquia e o pluralismo é complexa.
Apesar da homogeneidade cultural facilitar a poliarquia, ela por si só não basta para
gerar e manter a poliarquia. Ademais, é possível uma poliarquia em uma situação de
pluralismo cultural extensivo: “A poliarquia é possível em condições de extremo pluralismo
subcultural, ou seja, em situações de grande fragmentação do país, em termos territoriais, com
subculturas claramente definida. Isso se explica porque os líderes políticos criam arranjos
consociacionais para a resolução de conflitos, mediante os quais todas as decisões políticas
importantes exigem um acordo entre os líderes das subculturas principais, e como resultado,
tais sistemas impedem que as divisões culturais gerem conflitos explosivos.” (DAHL, p. 404).
É característico da democracia consociacional a existência de um governo de grande
coalizão de líderes políticos de todos os seguimentos significativos da sociedade plural, isto é,
o veto mútuo de decisões que afetem os interesses vitais de uma subcultura não será tomado
sem que seus líderes concordem com elas(veto de minoria e rejeição do domínio da maioria).
As subculturas principais são representadas em gabinetes e outros corpos com poderes
decisórios mais ou menos proporcionalmente a seus números, o fato de que subcultura
desfruta de um alto grau de autonomia no trato dos assuntos que são exclusivamente de sua
alçada. Esse princípio é o corolário lógico maior do princípio da coalizão. Em todos os
assuntos de interesse mútuo, as decisões devem ser tomadas por todos os seguimentos com
graus aproximadamente proporcionais de influência. Nos outros assuntos, as decisões e sua
execução podem ser deixadas a cargo dos segmentos distintos.
O consociacionalismo só pode ser bem sucedido em países onde outras condições que
favorecem a poliarquia estão presentes. As elites políticas precisam acreditar que os arranjos
consociacionais são altamente desejáveis e viáveis e elas devem possuir habilidades e os
incentivos para fazê-los funcionar e que é a alternativa a uma luta hobbesiana com
consequências desastrosas. A poliarquia muitas vezes fracassa em países culturalmente
segmentados nos casos em que os conflitos são tão agudos ou outras condições são tão
altamente desfavoráveis à poliarquia que não se consegue chegar a nenhum meio de
acomodação. A poliarquia resulta em regra de fatores internos. Contudo, não estar sujeito à
intervenção de potência estrangeira hostil à poliarquia é um fator importante, embora o fato de
um país dominante ser ele próprio uma poliarquia, não garanta que ele vá promover a
poliarquia em outro país.
No capítulo 19, o autor se volta para a seguinte questão: “será invevitável o domínio
da minoria?” A poliarquia faz com que os países avancem muito no caminho da democracia.
Contudo, alguns críticos apontam uma fachada ideológica da democracia, sendo que por trás
dessa fachada há o fenômeno da dominação. As teorias de dominação da minoria apontam
para um caminho no sentido de que a dominação da minoria é inevitável. E porque ela é
inevitável, a democracia é impossível. Sustentam-se em questões históricas e empíricas para
afirmar que as minorias sempre dominam a maioria e que a democracia nada mais é do que
uma fachada para a dominação da minoria. Dahl faz uma distinção entre as teorias da
dominação da minoria e outras explicações da poliarquia que atribuem grande peso aos
prejuízos causados à democracia, à igualdade política, à liberdade pelas desigualdades nos
recursos políticos, posições estratégicas e vantagens de negociação, tanto explícitas como
implícitas.
As teorias sobre a dominação da minoria interpretam o mundo como sendo um
composto de estruturas de poder cujo topo é consideravelmente menor do que a base. Dentro
das estruturas que as classes alcançam sua dominação. Para Marx, a dominação de maiorias
exploradas por uma classe minoritária exploradora. É uma teoria política caracteriza pela
“minoria politicamente dominante” como um “fato histórico”, cuja existência é permanente
apenas nas sociedades de classe. Tal teoria correlaciona a dominação econômica de classe e o
exercício do poder político, ou seja, para o marxismo, a posse do poder econômico deriva da
posse do poder político, e vice-versa (tese que é negada pela teoria das elites de Mills).
Decorrente desse motivo é possível afirmar que enquanto o marxismo define a classe
dominante como a classe que simultaneamente exerce os poderes econômico e político. O
marxismo define a luta de classe como o elemento propulsor das transformações sociais, ou
melhor, como o “motor da história”.
Gaetano Mosca considera que existe sempre uma minoria que é detentora do poder em
detrimento de uma maioria que dele está privado. a originalidade da teoria das elites
formulada por Mosca, advém da preocupação em explicar que a classe dirigente (ou seja, os
governantes) constitui uma minoria detentora do poder pelo fato de serem mais organizados.
Desse modo, seja por afinidade de interesses ou por outros motivos, os membros da classe
dirigente constituem um grupo homogêneo e solidário entre si, em contraposição aos
membros mais numerosos da sociedade, que se encontram divididos, desarticulados e
conseqüentemente, desorganizados. Segundo ele, a elite no poder é organizada de tal modo
que mantém a própria posição, tutelando seus próprios interesses, para isso utilizando até
mesmo os meios públicos à sua disposição. Por este motivo, acredita que a democracia, é uma
utopia construída para legitimar e manter um poder que sempre está em mãos de poucos
homens. Sustenta que o poder só se reproduz por vias democráticas quando a oligarquia
permite o ingresso dos membros de qualquer classe social; existe uma reprodução do poder
pela via aristocrática, mas a substituição ocorre sempre no interior da elite.
Já Vilfredo Pareto preocupou-se com o estudo da interação social entre as diversas
classes de elites, cujas mais importantes, segundo ele, são: as elites políticas e as elites
econômicas. Em qualquer sociedade, os homens são desiguais. As desigualdades entre os
indivíduos contribuem diretamente para o surgimento das elites. Pareto tinha convicção na
superioridade das elites econômicas e políticas porque acreditava que as desigualdades sociais
faziam parte da "ordem natural" das coisas.
Robert Michels analisou a dinâmica inerente à política democrática a partir da
observação dos partidos políticos de massa. Com base em evidências empíricas demonstrou
que mesmo dentro das organizações partidárias que funcionam num sistema político
democrático, há fortes tendências à elitização, ou seja, concentração de poder num grupo
restrito de pessoas. Michels chamou essa tendência à elitização de "lei de ferro das
oligarquias". A maior contribuição da teoria das elites formulada por Michels se refere ao fato,
inusitado e paradoxal, de que a elitização ocorre até mesmo no interior das organizações
comprometidas com os princípios de igualdade e democracia, ou seja, os partidos políticos de
massa. O conceito de elitização e "lei de ferro das oligarquias" também pode ser aplicado aos
sindicatos, corporações e grandes organizações sociais. Uma organização, partido político ou
movimento social pode surgir em decorrência de verdadeiros objetivos igualitários e
democráticos, porém, com o passar do tempo, a tendência à elitização ou oligarquizarão se
manifesta.
Para Antonio Gramsci, o elemento fundamental é que “existem efetivamente
governados e governantes, dirigentes e dirigidos.” Contudo, essa divisão não era uma
realidade imutável, fruto da natureza humana e sim produto de situações concretas, que se
desenvolveram na história no meio de relações de forças entre grupos antagônicos na
sociedade. Esta impostação histórica e política do problema conduziram Gramsci a uma
apreciação da questão da circulação das elites de modo também diverso.
Na visão de Dahl, tais teorias apresentam um reflexo distorcido de uma realidade
importante sobre a vida humana. Não é possível refutar as teorias dado o seu grau de
generalidade, sua indeterminação conceitual e por serem excessivamente vagas. As
desigualdades no poder sempre foram uma característica universal das relações humanas,
tendo a condição de igualdade lockeana há muito nos espaçado. O resultado é que mesmo nos
países democráticos, os cidadãos estão longe de ser iguais em seus recursos políticos ou em
sua influência sobre os cursos da ação política e sobre a conduta do governo do Estado. Na
medida em que os cidadãos numa poliarquia participam de assuntos políticos em termos
claramente desiguais, a poliarquia fica aquém dos critérios do processo democrático.
Dahl ressalta as implicações diferentes para as possibilidades e limites da democracia
ante as minorias: uma minoria controla direta e indiretamente todas as questões na agenda das
decisões governamentais, sendo seu controle é exclusivo; ou uma minoria geralmente
consegue assegurar políticas que consideram favoráveis a seus interesses mais essenciais, seja
direta ou indiretamente. Nas questões que não afetam profundamente seus interesses mais
essenciais, sua influência é muito mais fraca. Há outras minorias, também chamadas
dominantes, nas questões que elas consideram importantes. É evidente que a primeira
possibilidade constitui a dominação da minoria (classe dominante), mas será que existe o
mesmo para a segunda? O autor acredita que não. E embora ela não corresponda a muitas
descrições ideais da democracia sob o domínio da maioria, o componente democrático nesse
sistema de domínio das minorias não deixa de ser importante. Conclui, por fim, que as teorias
da dominação são incapazes de sustentar a afirmação de que em todas as poliarquias uma
minoria governante domina direta ou indiretamente o governo do Estado. O que tais teorias
fazem é dar um testemunho da extensão e da difusão da desigualdade. Todavia, tal testemunho
não é necessário para convencer que existem desigualdades políticas nas poliarquias.
Ao tratar, nos capítulos 20 e 21, do bem comum na poliarquia, Dahl questiona se um
critério justo de distribuição de riquezas deveria estar fundado no merecimento ou na
necessidade. Em qualquer país democrático moderno é difícil especificar o bem como para
guiar decisões coletivas. No entanto, as teorias do bem comum especificam a justiça como um
dos bens comuns cruciais para a distribuição de bens, em especial a justiça distributiva.
O autor aponta que não há um único padrão que possa servir de medida para todas as
distribuições, há padrões apropriados para cada bem social e cada esfera distributiva. Os
princípios gerais de justiça distributiva podem servir como pontos de partida, não sendo
necessário concordar quanto às escolhas em si, mas quanto a oportunidade de fazer escolhas,
arranjos, instituições, processo que promovam o bem estar dos indivíduos em número
suficientemente aceitável. O processo democrático é um requisito para a justiça distributiva
pois a oportunidade para alcançar os bens deve ser distribuída igualmente a todas as pessoas.
Por fim, nos capítulos 22 e 23, Dahl foca na terceira transformação da democracia. Se
com a primeira transformação foram superados os limites da democracia em uma cidade-
Estado grega, com o ganho de escala promovido com osurgimento do Estado nacional, e se
com segunda transformação se dá com o rompimento de estruturas e crenças anteriores, com a
aplicação da ideia de democracia ao Estado nacional e a superação pelas instituições da
poliarquia das instituições e crenças que sustentavam o republicanismo, no estágio atual, nos
deparamos com a existência de instituições transnacionais, para além do Estado Nação, que
fazem surgir a possibilidade de associações políticas supranacionais ainda maiores e mais
inclusivas. E é para a perspectiva da internacionalização das relações que se volta a terceira
transformação da democracia.
Diante das mudanças no cenário mundial relativas à expansão da escala das decisões
para além do Estado nacional, chegando a sistemas transnacionais de influência de poder, os
países democráticos terão que buscar novos modos de manter e fortalecer o processo
democrático. Nesse contexto, o demos dos países poderá sofrer redução considerável na sua
capacidade de controlar as decisões sobre as questões que lhe são relevantes. O
desenvolvimento das sociedades e a internacionalização crescente da sociedade ocasionaram a
adoção de políticas cada vez mais complexas o que dificulta a compreensão do cidadão
comum.
Tal situação leva a uma tomada de decisão em situação de grande incerteza, o que
acaba por gerar um abismo entre o conhecimento das elites políticas e do cidadão comum.
Ademais, a complexificação das políticas e consequentemente das decisões a serem tomadas
poderiam levar a um movimento em direção ao guardianismo. Dahl propõe a redução do
abismo entre o conhecimento das elites políticas e do cidadão comum par impedir esse
caminho rumo aos guardões, sendo esse o desafio da poliarquia III. Assim como a poliarquia I
resultou na criação de novas instituições necessárias à adaptação da democracia ao Estado
nacional e a poliarquia II na adição de novas instituições a fim de adaptar a democracia à
necessidade crescente de uma mobilização do conhecimento especializado para a solução dos
problemas públicos, a poliarquia III resultaria da necessidade de estreitar o abismo crescente
que separa as elites políticas do demos. Para tanto, deve haver um processo eficaz de
aproximações sucessivas não necessariamente de todo o demos acerca de todas as decisões,
mas que seja formada uma massa crítica de cidadãos informada, numerosa e ativa (um público
atento) suficientemente ou claramente representativo do demos.
O autor, ao analisar criticamente onde começou e como teria evoluído a democracia
mostra suas transformações e como essa forma de governo se modificou ao longo do tempo,
com a superação de limites de tamanho e escala da democracia com o surgimento do Estado
nacional, com o rompimento de estruturas e crenças anteriores para a aplicação da idéia de
democracia ao Estado Nacional e a incorporação da tradição república, com e a superação
pelas instituições da poliarquia das instituições e crenças que sustentavam o republicanismo,
no estágio atual, nos deparamos com a existência de instituições transnacionais, para além do
Estado Nação, que fazem surgir a possibilidade de associações políticas supranacionais ainda
maiores e mais inclusivas.
A mudança de escala e suas consequências relativas à representação, ao aumento de
diversidade e de conflitos contribuíram para o desenvolvimento de um conjunto de
instituições políticas que, como um todo, distinguem a democracia representativa moderna,
denominada pelo autor de poliarquia, entendida como a democracia em grande escala e que
abrange uma gama maior de direitos para seus cidadãos. Contudo, diante das mudanças no
cenário mundial relativas à expansão da escala das decisões para além do Estado nacional,
chegando a sistemas transnacionais de influência de poder, os países democráticos terão que
buscar novos modos de manter e fortalecer o processo democrático. Apresentados os
elementos que compõe a democracia moderna e como se deu sua transformação, Dahl aponta
objeções feitas pelos críticos da democracia e porque as democracias se estabelecem e se
tornam duradouras em alguns países e não em outros. Portanto, ao analisar as situações que
favorecem a democracia, Dahl apresenta as implicações diferentes para as possibilidades e
limites da democracia.
GLOSSÁRIO

Cidade-Estado: local independente, cidade que possui regime político próprio.

Democracia consociacional: arranjo político que surgiu em países marcados por um forte
pluralismo subcultural para ccompatibilizar a igualdade política formal com as diferenças
subculturais.

Elites: grupos de pessoas com grande influência ou poder decisório sobre o governo e sobre a
vida cultural de uma sociedade.

Poliarquia: conjunto de instituições necessárias ao processo democrático em larga escala.


20 aspectos críticos da Teoria do Direito Dahlsiana

1) O autor faz uma distinção entre “democracia ideal” e “democracia real”. Para ele, a
palavra “democracia” evoca o cenário grego original de participação direta, não sendo
mais adequada para classificar os regimes representativos contemporâneos.
2) Esses regimes contemporâneos são pobres aproximações dos ideais democráticos, e
que por isso devem ser classificados como “poliarquias”.
3) Dahl argumenta que as maiorias não são privilegiadas na arena política. Pela constante
barganha nos negócios políticos e pela incapacidade da maioria realizar alguma ação
coordenada, as minorias exercem papel fundamental na política.
4) Dahl defende a solução pluralista-poliárquica, pois afirma que o sistema por ele
desenvolvido atende os requisitos que a democracia atual considera para seu pleno
funcionamento: a participação política, a existência de eleições e um forte aparato
institucional que solidifica a teoria dahlsiana.
5) A pergunta “qual é o destino da democracia?” é válida para traçar possíveis rumos da
discussão proposta pelo autor: contrapor sua teoria democrática pautada na poliarquia
e elencar os argumentos favoráveis e contrários, contrapondo os grupos opositores de
seu pensamento.
6) Dahl esclarece que na história da democracia houve casos de sucesso e fracasso e, na
maioria das vezes, a solução imaginada como a “mais democrática”, em um modelo
teórico perfeito, na prática às vezes fracassou.
7) As poliarquias poderiam ou não aumentar em quantidade, dependendo das condições
fomentadas para o seu acontecimento.
8) As alterações cotidianas apontam para alterar como a democracia ocorre, isto é, como
ela é praticada na vida das pessoas.
9) Dahl parece ratificar a relevância da poliarquia na democracia atual e, como defensor
de seu pensamento, há a crença de que somente um regime poliárquico reinventado
daria conta de uma nova transformação democrática.
10) A contribuição teórica de Robert Dahl ao tema da democracia parte das inovações
apresentadas pela teoria de Joseph Schumpeter, embora o primeiro dê ênfase à teoria
competitiva, enquanto Dahl começa onde Schumpeter para, isto é, procura uma
difusão e um reforço pluralistas, na sociedade como um todo, da competição entre
elites. Assim, enquanto Schumpeter quer apenas entender o funcionamento da
democracia, Dahl pretende, além de entender-lhe o funcionamento, promovê-la.
11) A grande colaboração de Robert Dahl é a sugestão de algo aparentemente simples:
utilizar o termo democracia apenas para designar o nível ideal do termo e acrescentar-
lhe o significado de poliarquia. Fala-se, então, em democracia real.
12) Nas análises de Dahl, o processo democrático não pode existir como uma entidade
alheia às condições históricas, afirmação que deve ser complementada com a ideia de
que a democracia só surge quando estão presentes as condições adequadas, não sendo
um produto de uma época histórica específica, muito menos de um determinado povo.
13) No mundo contemporâneo temos que falar agora, segundo DAHL, de uma terceira
transformação dos limites e possibilidades da democracia que vai transcender os
limites existentes e dará lugar a que a escala da vida política tenha dimensões
transnacionais. O autor afirma que os processos de democratização apontam hoje em
direção a uma nova ordem política internacional, em direção a uma certa e relativa
democracia mundial.
14) Em Dahl a democracia é libertada da determinação férrea do processo histórico de
modernização ou desenvolvimento: antes, depende do grau de pluralismo da
sociedade.
15) De acordo com Dahl, considerado por alguns o mais conhecido teórico moderno da
democracia pluralista, a preservação da liberdade política resulta da manutenção de
inúmeros poderes sociais independentes.
16) Como é pouco provável que um estado consiga cumprir todas as condições ideais de
uma democracia, ela passa a existir sob condições modernas na forma de poliarquia,
ou seja, a influência plural e sucessiva de grupos de interesses.
17) As democracias modernas não são formadas pelo governo dos representantes da
opinião da maioria de cidadãos individuais, mas por constelações concorrentes de tais
grupos.
18) O pluralismo é o governo das minorias. No mínimo, cada uma dessas minorias tem
alguma influência sobre as questões que lhe interessam
19) O pluralismo, todavia, não exige a absoluta igualdade de influência para todos e
muito menos que a política seja isenta de conflitos.
20) a obra de Dahl caracteriza-se por manter um denso vínculo com os temas da tradição e
reflexão políticas, ao mesmo tempo em que configura as perguntas a serem dirigidas
ao mundo.

REFERÊNCIAS

ABU-EL-HAJ, Jawdat. Robert Dahl e o dilema da igualdade na democracia moderna. Análise


Social, Portugal, v. 43, ed. 186, p. 159-180, 2008.

DAHL. Robert. A democracia e seus críticos. Trad. Patrícia de Freitas Ribeiro. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2012

PEREIRA, Antonio Kevan Brandão. Teoria Democrática Contemporânea: o conceito de


poliarquia na obra de Robert Dahl. 2013. 107f. – Dissertação (Mestrado) – Universidade
Federal do Ceará, Programa de Pós-graduação em Sociologia, Fortaleza (CE), 2013.

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